tag:blogger.com,1999:blog-19825856261265251162024-03-06T04:38:11.925-03:00ChronosAdauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.comBlogger58125tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-49895257309707004222017-08-06T11:40:00.000-03:002017-08-06T11:40:33.153-03:00OS PIONEIROS DA CULTURA DO CAFÉ <div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nem sempre os produtos agrícolas que fazem
em determinada época a riqueza duma região são dela originários ou nela foram
inicialmente cultivados. Quase sempre ali chegam após várias experiências em
outras partes e como resultado de diversas tentativas anteriores que se
malograram ou ficaram contidas dentro de certos limites. No decurso da história
econômica dos povos, esse fenômeno tem sido constantemente observado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foram os antigos colonizadores portugueses
mestres na transplantação de grãos e frutos preciosos, e de tal modo alguns deles
se tornaram aqui e ali tão opimos e abundantes que hoje são tomados como
autóctones. A maioria de nossas melhores frutas veio de terras estranhas: a
ata, pinha ou fruta de conde, da África; a goiaba branca ou vermelha, das
Antilhas; o abacate, da América Central; a manga e a jaca, da Índia; a
fruta-pão, da Oceania; o cáqui, do Japão; a carambola, da China. Entre suas
colônias da África e da Ásia, também, os navegadores lusos permutaram plantas.
A história dessas transplantações ainda está por ser feita e, quando o for, nos
dará uma interessantíssima visão da obra civilizadora de Portugal no mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dentro desse panorama, o caso do café é
digno de nota, é típico, porque demonstra a tese com que iniciamos este rápido
estudo. A cultura dessa rubiácea da Etiópia, que os jornais classificaram como
preciosa, desenvolveu-se extraordinariamente nas províncias, hoje Estados, do
Centro-Sul do País: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo,
alastrando rumo ao Oeste e invadindo agora o Paraná; mas não foi aí que teve
início. É já ponto pacífico da história do café no Brasil que ele veio do
Extremo-Norte, através do Nordeste, para o Sul, onde se fixou e atingiu o
apogeu. Sua marcha está definitivamente documentada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 27 de maio de 1727, chegava a Belém do
Pará o capitão-tenente Francisco de Melo Palheta, trazendo, às escondidas, de
Caiena, na Guiana Francesa, cinco mudas de cafeeiros, as primeiras que se
plantaram no nosso País. Cerca de quatro anos mais tarde, a 25 de janeiro de
1751, a "Gazeta de Lisboa Ocidental" estampava em suas páginas a
notícia de que tinha dado entrada no porto daquela cidade, vindo do Norte do
Brasil, um carregamento de café, <i>superior
em qualidade ao do Levante</i>, acrescentando que, no lugar onde fora colhido,
prudentemente não indicado, havia já carga do mesmo produto para vinte navios.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As primeiras plantações de café no Brasil,
segundo se sabe, foram feitas com entusiasmo e proveito na região amazonense do
Rio Branco, no Pará e no Maranhão, desde a introdução das mudas de Melo
Palheta, na primeira metade do Século XVIII. Até 1748 chegaram, conforme
notícias da citada Gazeta, muitos carregamentos de café brasileiro a Lisboa.
Mas, dentro de pouco tempo, esse comércio fenecia porque as colheitas
minguavam, até que cessou de todo. Foi então, sem dúvida, que começaram nas
zonas nordestinas, a principiar pelo Ceará, novas tentativas da cultura do
cafeeiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No ano de 1747, o capitão-mor da vila de
Sobral e da ribeira do Acaracu, hoje Acaraú, no norte da capitania do Ceará
Grande, tronco de ilustre família, José de Xerez Furna Uchoa, plantou no sítio
de sua propriedade, "Santa Úrsula", na serra da Meruoca, um pé de café,
que viveu 114 anos, pois, conforme afirma o historiador cearense Barão de
Studart, ainda existia em 1861. Foi ele que forneceu sementes para os cafezais
plantados naquela serra e na da Ibiapaba, que lhe fica próximo. Sua história é
muito interessante.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O capitão-mor José de Xerez Furna Uchoa,
potentado sertanejo, era natural da vila de Goiana, em Pernambuco, localidade
que deu grande número dos mais antigos povoadores do Ceará, fidalgo de quatro
costados, com brasão de armas e vasta parentela em Portugal. Numa viagem que
fez à Metrópole para conhecê-la, de 1743 a 1746 mais ou menos, foi até Paris, onde,
visitando o famoso Jardim das Plantas, deparou alguns cafeeiros presenteados ao
rei Luís XV por navegadores holandeses que os haviam trazido do Oriente. José
de Xerez Furna Uchoa teve logo a ideia de plantar o precioso arbusto nas suas
terras da Meruoca e não descansou enquanto não a viu vitoriosa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Exercia o governo da França sob a égide
real o famoso duque de Choiseul, ministro todo-poderoso como o marquês de
Pombal no Reino Lusitano e o conde de Aranha na Espanha, aliado, pode-se dizer,
do primeiro na luta contra os jesuítas. Naturalmente, por intermédio da representação
diplomática portuguesa na capital da França, conseguiu Furna Uchoa forte
recomendação para o duque, diante da qual lhe mandou entregar duas daquelas
mudas de café oferecidas ao seu rei. Trouxe-as o capitão-mor para o Nordeste do
Brasil com os maiores cuidados. Todavia, uma delas não resistiu à demorada
travessia do Atlântico. A outra foi a que durou 114 anos rio sítio Santa Úrsula.
Assim, o primeiro cafeeiro do Ceará veio diretamente de Paris e pertenceu a
Luís XV.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A tentativa de Furna Uchoa não leve
imitadores naquelas priscas eras. Durante quase um século, 97 anos exatamente,
não se difundiu no Ceará, fora da Meruoca, o cultivo do café. Só em 1824, dois
anos após a Independência, Antônio Pereira de Queirós, dono do sitio Munguaípe,
e Filipe Castelo Branco, proprietário do sítio Bagaço, ambos na serra de
Baturité, iniciaram o plantio da rubiácea. As mudas ou sementes usadas pelo
primeiro desses agricultores eram procedentes da região do Cariri, ao sul da
província, limítrofe com a de Pernambuco. As do segundo tinham vindo do Pará.
Foi esse o começo das plantações de café, <i>à
sombra</i>, de Baturité, que mais tarde se tornariam sobejamente conhecidas
pela superior qualidade do seu produto. Até hoje os cafezais da citada serra
continuam a produzir ótimo café, que é consumido no Ceará, onde mal chega para
as encomendas. Dali o plantio se espalhou pelas outras serras frescas da
redondeza: Aratanha, Pacatuba, Maranguape.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As sementes vindas do Cariri eram de
procedência pernambucana, pois na zona chamada do <i>agreste</i>, na província de Pernambuco, a cultura cafeeira já vinha
sendo experimentada desde alguns anos antes de 1824. Mais ou menos por essa
mesma época, o cafeeiro foi plantado na Paraíba, onde até nossos dias goza de
justa fama o café de Mamanguape, rival em cheiro e sabor ao de Baturité.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desta sorte, vê-se que foram os nortistas
e nordestinos os primeiros do cultivo do cafeeiro em nosso País; no Pará em
1727, no Ceará em 1747, vinte anos depois. No começo do Século XIX, ele introduzido
no Sul, onde o esperava glorioso desenvolvimento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É interessante que tenhamos devido às
primeiras mudas de café à França: as de Caiena e a de Paris.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBtybsmM_Fdp13duE2YIeTf19byaHUtnDuCq5TlvTdFKVWqFqbCVB5jFtYaylpeKSSWCPK7mEu_6czib2iz11NfzoHSVfNj5yWpKvXJgWX6UMX6bN9bAXdMKR_gBM5ekh_Hy2SuFeV6lNr/s1600/Gustavo+Barroso.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="320" data-original-width="214" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBtybsmM_Fdp13duE2YIeTf19byaHUtnDuCq5TlvTdFKVWqFqbCVB5jFtYaylpeKSSWCPK7mEu_6czib2iz11NfzoHSVfNj5yWpKvXJgWX6UMX6bN9bAXdMKR_gBM5ekh_Hy2SuFeV6lNr/s1600/Gustavo+Barroso.jpg" /></a></div>
<br />
<br />
<span style="background: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 9pt; line-height: 13.8px;">- Gustavo Barroso em À MARGEM DA HISTÓRIA DO CEARÁ, editado em 1962 pela UFC, tendo sua segunda edição, de onde foi copiado este capítulo, em 2004, sob os auspícios da FUNCET-PMF.</span><br style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px;" /><br style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px;" /><b style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px;">Gustavo Dodt Barroso</b><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px;">, que nasceu em Fortaleza em 1888, foi advogado, político, contista, museólogo, folclorista, ensaísta, cronista, arqueólogo, memorialista e romancista. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi o criador do Museu Histórico Nacional, em 1922, por ocasião das comemorações do Centenário da Independência, iniciativa do então presidente Epitácio Pessoa, tendo dirigido a instituição desde a fundação até a sua morte, em 1959.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-28922358710899818152016-08-03T20:05:00.003-03:002016-08-27T19:27:49.787-03:00FLORENCE NIGHTINGALE<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgk0BERUmzTRSB3aVT-mSzwqkALZ7l0C9fR54lq_1lpDZQdLUxv5ndC_isxXvZm5FUU6rDqPf1RashjBGV4T6qHKd_Qc49cGBNVpJIeCpMy6fhxIkv2R3JxR9Wo_hhnjFuROOLblzyUpwsp/s1600/Florence+img01a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="393" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgk0BERUmzTRSB3aVT-mSzwqkALZ7l0C9fR54lq_1lpDZQdLUxv5ndC_isxXvZm5FUU6rDqPf1RashjBGV4T6qHKd_Qc49cGBNVpJIeCpMy6fhxIkv2R3JxR9Wo_hhnjFuROOLblzyUpwsp/s400/Florence+img01a.jpg" width="400" /></a></div>
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></b>
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Os Nightingale no
exterior <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A grande carruagem deu uma
guinada quando os seis exaustos cavalos alcançaram o topo do caminho, mas estas
estradas italianas não eram nada se comparadas àquelas que a família
atravessara na França. Papai nem sequer levantou os olhos do livro de poesia
grega que vinha lendo. Mamãe, enrolada em mantas e meio adormecida, estremeceu
sem alarme. Florence olhava fixamente o cair da noite enquanto sua irmã,
Parthenope, continuava amuada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Corria o mês de fevereiro de 1838, e os
Nightingale estavam viajando pela Europa. A carruagem tinha espaço interno
suficiente para acomodar nove ou dez pessoas e fora guarnecida com pouquíssimos
itens para aumentar o conforto geral da família. Os criados iam sentados no teto,
mas, sempre que o tempo melhorava e paisagens espetaculares se apresentavam,
Florence e a irmã se juntavam a eles. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0AjjpklAG8janX5VMfics74mHV7DUREyxfj_DrecN8Ufg_Wy5ky2FbSLqTEw26P8a9HkZSPh1vbsiM4T4PKwqQSAev0twTKHPdYTtnD204rF3W6bRZD7qPQ-Gzm6RV-g4-TLNuuw62mwY/s1600/Florence+img02.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0AjjpklAG8janX5VMfics74mHV7DUREyxfj_DrecN8Ufg_Wy5ky2FbSLqTEw26P8a9HkZSPh1vbsiM4T4PKwqQSAev0twTKHPdYTtnD204rF3W6bRZD7qPQ-Gzm6RV-g4-TLNuuw62mwY/s400/Florence+img02.jpg" width="276" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Florence Nightingale nasceu em
uma família rica. Não precisava trabalhar para sobreviver. A família podia se
dar ao luxo de viajar pela Europa por sete meses seguidos com carruagem própria
e seis criados. A carruagem dos Nightingale era maior que a desta pintura.
Acomodava onze pessoas com bagagem e era conduzida por seis cavalos. (Pintura
de Heywood Hardy)</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A despeito do tamanho da carruagem, as
estradas apavorantes e as pousadas repletas de pulgas tornavam a viagem uma
grande aventura, que demandava coragem e energia. Entretanto, os Nightingale
vinham se divertindo muito, especialmente Florence, cujo diário explodia de
entusiasmo com tudo o que experimentara desde que partiram da Inglaterra, em setembro
do ano anterior. Tudo ali oferecia um contraste tão maravilhoso à vida
doméstica... "como se um dos sonhos das <i>Mil e uma Noites</i> se tornasse realidade". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar da vida agitada que a família
levava na Inglaterra, às voltas com as atribulações proporcionadas por
incontáveis primos, tias e tios, Florence achava aquela existência enfadonha.
Aos 18 anos, era uma moça bonita e inteligente — muito mais que sua ressentida
irmã, Parthenope. Mas Florence era uma estranha mistura de mente clara e
extrema sensibilidade. Muito cedo se recolheu em fantasias que, ela sabia,
ameaçavam dominar sua vida.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhALvNH57ieHPDfaJ9n5_hyphenhypheniCn5XQP5n4ZoIopkCEmHpLB6Qd8B6xakh-ZDyATqT89dtyug6NRjnF7YLmFNjZwCE1pUE3FABHF581CHKU17coIxotNYj5Gi08LSx9mtvb5z1iakd4eJBmrq/s1600/Florence+img03.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhALvNH57ieHPDfaJ9n5_hyphenhypheniCn5XQP5n4ZoIopkCEmHpLB6Qd8B6xakh-ZDyATqT89dtyug6NRjnF7YLmFNjZwCE1pUE3FABHF581CHKU17coIxotNYj5Gi08LSx9mtvb5z1iakd4eJBmrq/s640/Florence+img03.jpg" width="474" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Parthenope e Flo. Jovens finas e
recatadas, preenchiam o tempo com livros, música, bordado e talvez com alguma
visita discreta às famílias pobres. Florence queria mais — muito, muito mais.
Vivia apavorada com a inutilidade da vida de tantas mulheres ricas.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Parthenope, ou Parthe, como era chamada,
era um ano mais velha e muito mais parecida com a extrovertida mãe do que com o
estudioso pai. Ela não apreciava as longas aulas de grego, latim, alemão, francês,
história e filosofia impostas pelo senhor Nightingale. Ficava ainda mais
exasperada pelo fato de Flo não apenas gostar de todos esses assuntos, mas de superá-la
em todos eles. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando chegaram a Nice, na costa
meridional da França, onde viviam muitos ingleses, Florence foi tomada pela
paixão por bailes e danças. De Gênova, uma cidade costeira da Itália, ela
gostou ainda mais. Tratava-se de um local estimulante, e havia mais bailes,
mais concertos e mais óperas, além de paisagens esplêndidas para se ver — e
mais jovens afáveis para admirar as duas irmãs. Especialmente Florence, que era
"muito notada". Mais adiante estava a cidade de Florença, o lugar
onde nascera a 12 de maio de 1820. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A cidade se mostraria ainda mais bonita e excitante
do que Florence imaginara. O passado parecia tão vivo quanto o presente — havia
palácios e igrejas magníficas por todos os lugares, pinturas e estátuas quase
tão vivas quanto as pessoas extremamente bem-vestidas que vinham de longe para
admirá-las. E música. A cidade parecia vibrar com a música — e Florence era
louca por música. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os bailes obscureciam tudo o que havia se passado
antes. Florence, arrebatada pela música e pela alegria, dançava até o
amanhecer. O inverno transcorria numa agitação de bailes e visitas à ópera — um
farfalhar de sedas e fitas, concertos e música. E, com a primavera, vieram as
festas ao ar livre e os bailes sob o frescor verdejante das árvores. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Uma mulher, duas mentes
<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de um passeio de verão
pelos lindos lagos italianos, a família seguiu para Genebra, na Suíça. A cidade
estava repleta de refugiados políticos, e Florence começou a entrar em contato
com um mundo totalmente diferente daquele que ela habitara até ali. Tratava-se
de um mundo de pobreza, sofrimento, coragem e determinação. Aquele seu lado que
lutava contra as fantasias e que ansiava pelo desafio da realidade parecia vir
à tona.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Havia adorado o divertimento, a agitação e
a beleza, mas havia uma outra parte dentro dela que exigia disciplina e ordem.
Seus diários transbordavam de entusiasmo, e eram meticulosos, com listas de nomes,
datas, distâncias e cuidadosas observações a respeito de tudo que lhe
despertara o interesse. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGjU7LDtxlCU-2pmyd2ic0lCNeXYOyfjxvS8ZNrEWd6p4wfnM2VGnNpqg4d8I1o1VFXEii0mceBYkQfhZ-PDubxece9Iqw2XvSOGVgb48Zug_E6vh0uqjw4n4rPYF9oa19PrSYqrejNfC8/s1600/Florence+img05.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="273" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGjU7LDtxlCU-2pmyd2ic0lCNeXYOyfjxvS8ZNrEWd6p4wfnM2VGnNpqg4d8I1o1VFXEii0mceBYkQfhZ-PDubxece9Iqw2XvSOGVgb48Zug_E6vh0uqjw4n4rPYF9oa19PrSYqrejNfC8/s400/Florence+img05.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Um desenho da casa de campo de
Embley, em Hampshire, feito por Parthenope. Vivendo em meio a tanta riqueza,
teria sido fácil para Florence fechar os olhos ao mundo de pobreza e sofrimento
que havia para além dos portões da propriedade. </i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entre os detalhes das recepções, bailes,
paisagens e pinturas, havia anotações a respeito da penosa situação dos pobres.
A diversão e a frivolidade não a haviam cegado para a miséria das pessoas que
viviam nas regiões em guerra. Fora levada para a Europa a fim de aprender — e
havia aprendido mais do que dança, música, pintura e arquitetura. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence, por todos aqueles longos meses
de viagem, havia mantido um segredo — um segredo que haveria de moldar toda a
sua existência dali para a frente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 7 de fevereiro de 1837, Florence
escreveu numa nota particular: "Deus falou comigo e me chamou para
servi-lo". Desse momento em diante, Florence se convenceu de que um dia
tudo ficaria claro para ela, e quando esse dia chegasse deveria obedecer, fosse
qual fosse a tarefa revelada. Tinha certeza de que havia um objetivo especial
para sua existência. Porém, dezesseis anos se passariam antes que uma vida de
dedicação aos necessitados tomasse forma. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A sombra do lar <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A princípio, o retorno para a
Inglaterra, em 1839, não ofereceu grandes mudanças ao estilo de vida de Florence.
Seus pais não tinham conhecimento de seu tormento interior, e os Nightingale se
dividiam entre as duas propriedades que possuíam no campo e a cidade de
Londres. Todos os que conheciam Florence se espantavam com sua aparência
jovial, com o brilho de seu cabelo, com sua graça e seu gênio. Era cheia de
vida, inteligente, admirada. Vivia rindo e dançando. Henry Nicholson, o irmão
de sua melhor amiga, Marianne, queria se casar com ela, e Marianne fazia de
tudo para persuadir Florence a aceitar o pedido de Henry. A mãe, Fanny, alimentava
grandes expectativas — um casamento brilhante, uma propriedade no campo e uma
casa em Londres, e quem sabe o nascimento de uma grande anfitriã. Florence
havia tirado o "chamado" da cabeça. Algumas vezes, chegava a esquecê-lo.
Porém, à medida que o ano avançava, essa lembrança começou a atormentá-la. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgj1qMtXbebEefT69L8r-OdEzC872o3QTrEdzYO3bwZVi08EZfLUw9tRf070EpzKHjTXZ-_rUOooMNWS_JvOA2FQOFXX0mWzKD4zfRnwknfjqV7wgELA11urAxIatVuGl5DrKtaGo_aAi4F/s1600/Florence+img04.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgj1qMtXbebEefT69L8r-OdEzC872o3QTrEdzYO3bwZVi08EZfLUw9tRf070EpzKHjTXZ-_rUOooMNWS_JvOA2FQOFXX0mWzKD4zfRnwknfjqV7wgELA11urAxIatVuGl5DrKtaGo_aAi4F/s400/Florence+img04.jpg" width="265" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Um retrato da jovem Florence
lendo ao pé da janela de Lea Hurst, uma das graciosas residências dos
Nightingale. Flo parecia uma jovem muito calma, não demonstrando o turbilhão
que era sua mente.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esperava-se que as jovens bem educadas de
seu tempo fossem tranquilas, gentis, respeitavelmente religiosas e que se
ocupassem com pequenas coisas. Os criados faziam o serviço, os homens da casa
saíam para o mundo a fim de se dedicar a uma profissão — e quase não havia
esperança de que uma moça seguisse uma carreira de verdade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ainda assim, parecia aceitável que as
mulheres da classe operária se escravizassem no calor e no barulho das fábricas
desde o amanhecer até a noite, que se empregassem no terrível e cansativo
trabalho de fabricar correntes, que fossem forçadas a se prostituir porque o
salário que recebiam para costurar os vestidos e as camisas dos milionários não
dava para nada. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg25jfTLVf3BElAclCxPQ2syoCqft7gSHqEYgrWPu8Dmc44mPkuMQZS9GDzkUxGXF7mdzRS-1GMC80Mk8eLHun82VqscUteGKh1xAjBiZqmc-ftIRTrtXyGr-a4Mkt0sm-unaVCIFDqESBP/s1600/Florence+img06a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg25jfTLVf3BElAclCxPQ2syoCqft7gSHqEYgrWPu8Dmc44mPkuMQZS9GDzkUxGXF7mdzRS-1GMC80Mk8eLHun82VqscUteGKh1xAjBiZqmc-ftIRTrtXyGr-a4Mkt0sm-unaVCIFDqESBP/s640/Florence+img06a.jpg" width="412" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Enquanto Florence ansiava pela
oportunidade de fazer algo de útil, a grande maioria das mulheres vivia na
pobreza. Ao contrário de Florence, eram forçadas a trabalhar muito por uma
ninharia.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entretanto, as mulheres abastadas também
sofriam, de um jeito diferente. Sua vida era estreita, enfadonha e inútil. Os
homens, em sua maioria, ficavam de fato nervosos com mulheres de opiniões
fortes, e muito mais se elas tivessem ambições. Muitas conseguiam ser
bem-sucedidas como pintoras e escritoras — mas mesmo essas tinham grandes
dificuldades para triunfar. Esperava-se que fizessem bons casamentos, que
criassem famílias, que fossem esposas submissas e compreensivas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Florence era um ser humano educado e consciencioso,
e sentia que estava sufocando entre as xícaras de chá e os vasos de samambaia,
as conversas polidas e intermináveis, as longas noites que passava ao redor da
lareira quando não havia nenhum convite para jantar ou dançar. Florence queria
gritar até botar a casa abaixo, mas mordia a língua e ficava mais e mais deprimida.
É claro que também começou a se sentir debilitada fisicamente. A família
mandou-a passar uma temporada com a tia Mai, em Londres. Mais sociabilidade, e
não menos, eles pensavam, era o remédio certo para aquele inexplicável
desânimo. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhaHLAw8zp_gF2lAUsUcDs7GfsA0EopaLxl7m1iMTeCRiI1QAWcnRmpVizm9J9IQ1-Bq3KpJqzXESAaJM-IwPbTVjgGsLZtTLNMgLP5n6mGN4hyGYy2I0jMok2T5BCzm5OBU7HB88fKFhD/s1600/Florence+img06.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhaHLAw8zp_gF2lAUsUcDs7GfsA0EopaLxl7m1iMTeCRiI1QAWcnRmpVizm9J9IQ1-Bq3KpJqzXESAaJM-IwPbTVjgGsLZtTLNMgLP5n6mGN4hyGYy2I0jMok2T5BCzm5OBU7HB88fKFhD/s640/Florence+img06.jpg" width="516" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Uma fotografia rara de Florence
Nightingale. Quando escapou da família, passou a se vestir com mais
simplicidade, virando as costas para a sociedade empolada de sua infância</i>. <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A rainha Vitória estava para se casar com
seu adorado Albert, e Flo parecia partilhar essa felicidade. Por todas as
aparências externas, ela estava bem melhor; ninguém podia ver seu desespero.
Sentia que estava preenchendo os dias com coisas estúpidas e inúteis. Uma parte
de seu ser ainda podia obter prazer dessas coisas, mas, no fundo, a consciência
de que o tempo passava — um tempo desperdiçado — a corroía. Será que sua vida
seria assim para sempre? <o:p></o:p><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Matemática <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desesperada para ter alguma coisa
positiva para fazer, Florence se atirou ao estudo da matemática, o que
propiciou a sua mente cansada e confusa algo em que se concentrar, algo claro,
preciso e disciplinado. Tia Mai entendeu sua necessidade. "Flo e eu temos
acordado às 6, acendemos a lareira e nos sentamos confortavelmente para nosso
trabalho", escreveu a Fanny. "E eu acho que se ela tivesse alguma
coisa que lhe exigisse <i>toda</i> a
capacidade, algo que pudesse perseguir de forma regular e vigorosa por algumas
horas, passaria os dias muito mais feliz". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas sua mãe, Fanny, não aprovava. O
destino de Florence, em sua firme opinião, era casar e se tornar a rainha do
lar. Que serventia teria a matemática numa situação dessas? Mesmo o intelectual
senhor Nightingale pensava que a filosofia era algo muito mais sensato e
relevante. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoDuOoU1nRSdUIj7Ec-O27uV1qXAJd7coXDrgdzRNXhdx0x6miP1cpX8A8QqhELcEmCerthlMC94C7c03QvgHOmaz0Ak-ktN4obua1QBg66IH0SwbdHbahBJFAoVWMG376qIQ7ZYoWGXvO/s1600/Florence+img06b.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoDuOoU1nRSdUIj7Ec-O27uV1qXAJd7coXDrgdzRNXhdx0x6miP1cpX8A8QqhELcEmCerthlMC94C7c03QvgHOmaz0Ak-ktN4obua1QBg66IH0SwbdHbahBJFAoVWMG376qIQ7ZYoWGXvO/s640/Florence+img06b.jpg" width="506" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Fanny Nightingale, a mãe de
Florence, nunca entendeu seu sonho de ajudar os outros. Gostava do lado fútil
da vida.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Flo estava começando a desenvolver a
teimosia que viria a ser sua salvação. Aferrou-se à matemática. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não houve jeito. Logo ela estava de volta
a sua casa, onde se sentia cada vez mais infeliz. Lutou para continuar a
estudar o que queria. Trancada no quarto, estudava grego, filosofia e
matemática, trabalhando naquelas horas frias em que o resto da casa ainda não
havia acordado. Sentia que estava se afogando em pequenas coisas, que seu tempo
era consumido por inumeráveis tarefas pequenas. Tinha apenas 22 anos e, como
uma moça solteira, estava sempre à disposição. Era seu dever tornar-se alguém
útil. Estava sempre ocupada, mas de alguma forma ocupada em não fazer nada que
tivesse algum valor real. Sua vida lhe parecia sem sentido, rumando para lugar
nenhum. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Acordando <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence viveu em uma época em
que havia um abismo enorme entre os ricos e os pobres. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw8zzINS-CTYCLbbGGQQiyUy1h6DPo4dzZoyEt4B9lTT3GCAT2G49Uxy4BXCQ0DHeY9sqV69D6No145HUyce-Os2Mlg1C6jwhGtfFYp56ZNpO-_Im_11rJXsG6IXdpaGBR6AKAghhaWbmk/s1600/Florence+img07.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw8zzINS-CTYCLbbGGQQiyUy1h6DPo4dzZoyEt4B9lTT3GCAT2G49Uxy4BXCQ0DHeY9sqV69D6No145HUyce-Os2Mlg1C6jwhGtfFYp56ZNpO-_Im_11rJXsG6IXdpaGBR6AKAghhaWbmk/s400/Florence+img07.jpg" width="192" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Muitas das pessoas religiosas
daquela época acreditavam que Deus havia decidido como cada indivíduo deveria
viver. Os ricos acreditavam que Deus aprovava seu sucesso e sua riqueza e que
tinha, em sua sabedoria, criado as classes mais baixas para fazer todo o
serviço desagradável. Aqueles com consciência percebiam que os pobres viviam
com fome. Os contrastes poderiam ser muito chocantes.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Diferentemente das pessoas ricas desse
tempo, Florence não fechava os olhos a toda essa miséria. Durante os verões
passados em uma das casas de campo dos Nightingale, visitou os pobres, levando
sopa e dinheiro. Então olhava para a mesa dos abastados: estavam abarrotadas de
alimentos. Olhava para aquelas ricas senhoras que desperdiçavam sua vida: usavam
vestidos costurados por garotas famintas que se esfalfavam o dia inteiro,
atravessando também a noite na labuta, à luz dos candelabros. <o:p></o:p><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
Ela escreveu: "Minha mente se
encontra tomada pela ideia dos sofrimentos do homem... Mal posso pensar em
outra coisa. Todas as pessoas que vejo estão sendo consumidas pela preocupação,
pela pobreza ou pela doença". Precisava ser útil, mas o que podia fazer?
Ajudar os pobres, de verdade, não seria considerado apropriado.<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjl1X-HXX3UV6-eHCuuPTlFV-jZ9LSDqzlZlhG0yro4513MEvtY7CR32zU2vH4MxybwLj53bEcJn6kH3MKnVNwcKObNigEArO_Z6XYKFCCP2vXCr9eXOkEt9_xlRZ2mc2UlDSvYJ2asxMSX/s1600/Florence+img08.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="270" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjl1X-HXX3UV6-eHCuuPTlFV-jZ9LSDqzlZlhG0yro4513MEvtY7CR32zU2vH4MxybwLj53bEcJn6kH3MKnVNwcKObNigEArO_Z6XYKFCCP2vXCr9eXOkEt9_xlRZ2mc2UlDSvYJ2asxMSX/s640/Florence+img08.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Esta pintura a óleo mostra o
ambiente social de Florence. Os homens administravam tudo. O que se esperava
dela era que ficasse bonita e que cantasse. Não podia sequer gostar de
cozinhar, pois havia criados para isso. Florence foi uma das primeiras mulheres
a romper com esse estado de coisas. Disse não ao casamento e sofreu muito com o
rompimento com a família e com a sociedade. Pagou um preço pessoal alto para
ter uma carreira própria. (Tela de George Smith)</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Encontrando uma missão <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então, em 1844, aos 24 anos,
Florence percebeu exatamente o que poderia fazer: trabalhar nos hospitais, entre
os doentes. Hoje, essa seria uma atitude louvável. Naquela época, uma visão
absolutamente impossível. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEha2uu0sJCiiNQ3DH983M3w49bcThBD880Kj2Q6Telv1DuU1sb2qw3-eG1CNtdETjiKwfWZLS4PVQkeGfah0N7HUDv2NGL-OHRvaGC3MDI42nuuH8OClmd_hQa_KL4jZMfqaRucn7YF1T2G/s1600/Florence+img09.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEha2uu0sJCiiNQ3DH983M3w49bcThBD880Kj2Q6Telv1DuU1sb2qw3-eG1CNtdETjiKwfWZLS4PVQkeGfah0N7HUDv2NGL-OHRvaGC3MDI42nuuH8OClmd_hQa_KL4jZMfqaRucn7YF1T2G/s400/Florence+img09.jpg" width="288" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Caricatura de uma enfermeira
bêbada, dormindo. Naquele tempo, as enfermeiras tinham péssima reputação. Eram
tidas como mal educadas e preguiçosas — a escória da sociedade. Com essas
informações é possível entender por que a família de Florence se alarmou com a
perspectiva dela trabalhar em um hospital.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os hospitais eram locais para se temer,
locais em que ninguém gostaria de entrar. Eram escuros, mal administrados e
sujos. Pacientes com toda sorte de doenças se amontoavam na mesma enfermaria,
às vezes na mesma cama. Era muito comum ver um homem com a perna quebrada
repartir o colchão com um paciente que estava morrendo de tuberculose. O
conceito de higiene não era sequer compreendido. Os pisos de madeira de alguns
hospitais nunca eram esfregados, e as paredes estavam repletas de umidade e
fungos. Amigos e familiares dos pacientes levavam gim às escondidas. Os
colchões viviam encharcados, e as roupas de cama normalmente não eram trocadas
antes que o próximo paciente chegasse. <o:p></o:p><br />
<b>___________________________________________________________________________</b><br />
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Em geral, havia apenas uma
'enfermeira' para cada enfermaria, que limpava, espanava, acendia a lareira,
pegava o carvão e trabalhava das 6 da manhã às 6 da tarde sem férias regulares.
Depois de cumpridas essas tarefas, podia cuidar dos doentes. Os pacientes que
tinham condições de dar gorjetas conseguiam mais atenção. Aqueles que não
tinham dinheiro morriam esperando por cuidados." <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;"><i><span lang="EN-US">Elizabeth Burton,</span></i><span lang="EN-US"> <br />
The Early Victorians at Home</span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span lang="EN-US">___________________________________________________________________________</span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Os médicos não lavavam as mãos antes das cirurgias
e não trocavam as roupas antes de entrar na sala de operação, protegendo-se
contra o sangue com o mesmo casaco que usaram em inúmeras operações anteriores.
As enfermeiras, longe de serem anjos de piedade, tinham a reputação de bêbadas,
atrapalhadas e sujas. As pessoas viravam o nariz para elas — apenas a pior
espécie de mulheres trabalhava na imundície dos hospitais. Nenhuma dama se
exporia aos sons e às visões de lugares desse tipo. Florence não ousava sequer
mencionar o assunto diante da família. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O primeiro passo <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No verão de 1844, um
filantropista americano, doutor Samuel Howe, foi passar uma temporada com a família,
e Florence lhe pediu conselhos — seria possível a uma mulher respeitável como
ela tornar-se enfermeira? Embora difícil, ele achou que "seria uma coisa
muito boa" e encorajou suas ambições. Mais um ano se passava e ela <i>ainda</i> não havia encontrado um jeito.
Florence sabia que <i>precisava</i> ser
treinada para ter alguma utilidade e decidiu que iria a uma enfermaria para
aprender o oficio. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhedB2npZUECdFwMtbPvHTLhT7dR9HKw_y8w5X0njkn6TZrO3Ys16FiLWVaw-vEeMfKHudvHxFrXgNVWtAXEAvGYAesiPLJaSfCOtfGL8x4HflVHWQRcwLKvJWykCR46twPSvAfsbOaVobv/s1600/Florence+img10.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhedB2npZUECdFwMtbPvHTLhT7dR9HKw_y8w5X0njkn6TZrO3Ys16FiLWVaw-vEeMfKHudvHxFrXgNVWtAXEAvGYAesiPLJaSfCOtfGL8x4HflVHWQRcwLKvJWykCR46twPSvAfsbOaVobv/s400/Florence+img10.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Desde a primeira vez que pisou em
um hospital, Florence percebeu que o único meio de mudar o sistema hospitalar
era fazer das enfermeiras pessoas respeitáveis. Ao longo da vida, transformaria
a enfermagem em uma das mais respeitadas profissões. Mais tarde escreveu: “Um
paciente com frio e febre, fraco, mal alimentado, com escaras não está sofrendo
da doença, mas da falta de enfermagem adequada”. </i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sua mãe ficou horrorizada, desgostosa.
Parthe ficou histérica. Sua Florence em um hospital? Estava fora de questão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Flo começa a lutar <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1845, Florence estava à beira
do desespero completo. "Cheguei ao fundo do poço", escreveu. A despeito
da pressão da família e dos amigos, ela tinha recusado a proposta de casamento
de Henry Nicholson. Agora estava decidida a seguir sua vocação. Secretamente,
começou a estudar os relatórios hospitalares — qualquer coisa que lhe chegasse
às mãos e que lhe informasse sobre como os hospitais eram administrados e o que
era necessário para que melhorassem. Muito antes do amanhecer, já estava sentada
à escrivaninha, escrevendo, escrevendo, escrevendo — implorando aos amigos
relatórios dos hospitais alemães e franceses, qualquer resquício de informação
que pudessem juntar. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVRfguG3b__pEMwT4Ul_HZKUsytWYYLrWK2dponkFpuCmgt09CntrbTsLHDQpFgjYbJYkt0OrjVSHKspMLOSUdozgcyLKp8WFwmxZ_hvTIVbP7Zx2k3tLx7Cte6R2gNs_LLjS1QACVeEOd/s1600/Florence+img12.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="490" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVRfguG3b__pEMwT4Ul_HZKUsytWYYLrWK2dponkFpuCmgt09CntrbTsLHDQpFgjYbJYkt0OrjVSHKspMLOSUdozgcyLKp8WFwmxZ_hvTIVbP7Zx2k3tLx7Cte6R2gNs_LLjS1QACVeEOd/s640/Florence+img12.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Médico dos Pobres, <i>uma pintura
de J. Leonard. Longas jornadas de trabalho em casa e nas fábricas resultavam em
problemas de saúde muitos sérios para a população. Foi o trabalho de homens
como este médico da pintura que inspirou Florence a devotar a vida a ajudar os
necessitados.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na hora do café da manhã, penteava o
cabelo, punha os papéis de lado e descia as escadas para viver a vida chata e
monótona de filha de uma casa rica. Ninguém suspeitava de sua vida secreta de
estudos. Então, em outubro de 1846, aos 26 anos, um amigo lhe mandou
informações sobre uma instituição de diaconisas — senhoras muito parecidas com
enfermeiras — em Kaiserswerth, Alemanha, onde mulheres religiosas e
respeitáveis cuidavam dos doentes. Era uma luz no fim do túnel. <i>Certamente</i> sua mãe não se oporia a uma
visita a um lugar de tão boa reputação. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ainda assim, naquele momento, Florence não
ousou mencionar nada. O estresse de manter o curso secreto e árduo de seus
estudos e a luta contra um profundo desespero a estavam deixando doente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A volta a Roma <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No final de 1847, com 27 anos,
Florence teve um colapso nervoso. Amigos consternados, Charles e Selina
Bracebridge queriam levá-la para Roma na esperança de que uma mudança de ares
lhe fizesse bem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os seis meses que Florence passou lá lhe
devolveram a saúde. Deram-lhe também a amizade de Sidney Herbert, um homem que
no futuro seria mais importante para ela do que qualquer outro — não porque se
envolveriam romanticamente, mas porque realizariam um grande trabalho juntos. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhC6SyXfp2JdjgL8f0WeUb4PdpOkKFXSR8Aj8YKTFyyVvYb6LCfkhoYDN9jTT_glpdBZow2BzAuIjMN7UX4otJkLyHihWS-4gydx70j4rXRttHM2_fTJGIw4VCYvPTqOThuTGpYdC7FWmi1/s1600/Florence+img11.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhC6SyXfp2JdjgL8f0WeUb4PdpOkKFXSR8Aj8YKTFyyVvYb6LCfkhoYDN9jTT_glpdBZow2BzAuIjMN7UX4otJkLyHihWS-4gydx70j4rXRttHM2_fTJGIw4VCYvPTqOThuTGpYdC7FWmi1/s640/Florence+img11.jpg" width="304" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Sidney Herbert. Por toda a vida
foi um amigo leal a Florence e, como Secretário de Guerra, convidou-a para
organizar as enfermeiras na Guerra da Criméia. Ele literalmente trabalhou até a
morte a seu serviço.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O tempo que dispendeu em Roma não foi
apenas de prazeres. Florence conseguiu passar bastante tempo em um feliz e bem administrado
orfanato e viu como um lugar daqueles podia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
e devia ser organizado. Como sempre,
anotou cuidadosamente tudo o que via e aprendia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ainda assim, logo que voltou para casa,
não conseguiu descobrir um meio de escapar. A estada em Roma havia sido
gloriosa, mas não resolvera nenhum de seus problemas. A mãe e a irmã
continuavam a censurá-la incessantemente. Com a vida que levavam, não podiam
entender por que Florence não aceitava e não gostava daquele mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Não ao casamento <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1849, Florence se entregaria
mais uma vez ao desespero, e mais uma vez quase chegaria ao suicídio. Tinha
recusado o casamento com o irmão de Marianne — não fora difícil recusá-lo. Mas
agora amava profundamente um outro homem, Richard Monckton Milnes, que
conhecera em 1842. Ele era inteligente e, como Florence diria mais tarde,
"o homem que eu adorei". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas ela sabia que agora, mais do que
nunca, o casamento não fora feito para ela. Casar-se seria o mesmo que
impedir-se de ser útil. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com um tremendo esforço, naquele verão
recusou outra proposta de casamento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Isso a despedaçou. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A mãe ficou furiosa ao extremo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence decidiu visitar o Egito com
alguns amigos e tentou manter um interesse educado por tudo o que via. Tomou
notas e leu muito, mas era como se apenas uma parte de sua mente estivesse
ocupada. O resto vivia atormentado por uma sensação de fracasso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Todo o tormento que viveu no Egito deu-lhe
uma nova determinação. A 31 de julho, ela chegou a Kaiserswerth, na Alemanha.
Viajando pela Europa, o pastor desse vilarejo havia percebido que era preciso
ter melhores enfermeiras. Ele havia aberto um hospital local, perguntando:
"Nossas jovens mulheres cristãs não estariam dispostas a um ato de caridade,
trabalhando como enfermeiras?" Ali Florence pôde observar respeitáveis
mulheres religiosas cuidando dos doentes. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfAkjN4zVSmosjnww8HAFOowseqHMmVvE-xuThzi7xOhHJNqArlP6P_fIRDZKVE2mEd4aXNK34Wnd_g6W6zDQdKXl2MNfy2zZkF-zvaYSdhpE-HfL3OdwQvpx7wqjjZTywOq6r9xK_13Zw/s1600/Florence+img13.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfAkjN4zVSmosjnww8HAFOowseqHMmVvE-xuThzi7xOhHJNqArlP6P_fIRDZKVE2mEd4aXNK34Wnd_g6W6zDQdKXl2MNfy2zZkF-zvaYSdhpE-HfL3OdwQvpx7wqjjZTywOq6r9xK_13Zw/s400/Florence+img13.jpg" width="205" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Sempre que podia, Florence
visitava os hospitais em segredo. Era comum ver duas pessoas na mesma cama.
Pacientes com toda sorte de doenças se amontoavam em enfermarias sujas e
desorganizadas. O cheiro era tão horrível que os hospitais eram borrifados com
perfume. Os médicos cobriam o nariz com lenços. Mais tarde, Florence
Nightingale escreveria: "O primeiro objetivo de um hospital deve ser não
maltratar os doentes".</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Conseguiu ficar por duas semanas e partiu
"sentindo-me muito corajosa, como se nada mais pudesse me perturbar outra
vez". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Havia sido uma temporada muito curta, mas
tudo o que viu inspirou-a a escrever um panfleto sobre o trabalho das senhoras
de Kaiserswerth. Queria persuadir mulheres como ela a se engajarem em um
trabalho, em vez de desperdiçar os dias com chás e passeios de carruagem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Voltou para casa no dia 31 de agosto com
Athena, sua coruja de estimação, no bolso, e com o coração alegre. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence seria recebida com amargas
recriminações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Parthe reagiu com a histeria costumeira. A
mãe, Fanny, explodiu com Florence, dizendo-lhe para jamais mencionar
Kaiserswerth outra vez e acusando-a de haver desgraçado toda a família. Talvez
tenha percebido que, apesar de todos os seus esforços, Florence lhe estava
escapando, que a filha não iria desempenhar o papel que ela esperava. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Os seis meses de Parthe
<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence já era uma mulher de 30
anos e, desde que recebera o "chamado", aos 17, não parecia estar um
milímetro mais perto de seu objetivo. Só queria a permissão dos pais para
retornar a Kaiserswerth. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pode-se pensar que uma mulher adulta,
educada e respeitada poderia fazer o que quisesse. Mas Florence estava em 1850,
e não perto do século 21. Num lar vitoriano de classe média, todas as filhas solteiras
viviam sob a dominação dos pais como se fossem crianças. <o:p></o:p><br />
<b>___________________________________________________________________________</b><br />
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Os casamentos tardios, o
pequeno número de matrimônios, as guerras e as migrações criaram um celeiro de
mão-de-obra de solteironas. Em todas as áreas, elas sofriam pressões para não
competir com o macho dominante. Se não se casassem, deveriam ficar em casa para
ajudar a mãe a preparar os chás ou levar sopa e geléia para os pobres." <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span lang="EN-US"><span style="font-size: x-small;">Madeleine Masson, <o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US"><span style="font-size: x-small;">A Pictorial
History of Nursing</span></span><br />
<b><span lang="EN-US">___________________________________________________________________________</span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Agora as coisas haviam piorado para
Florence. Parthe se tornava cada vez mais histérica. O pai e a mãe declararam
que Florence não tinha coração e era insensível com a devotada e querida irmã.
Florence havia passado um ano longe de casa, sozinha, e Parthe não havia tido
nada. Os pais pediram que ela compensasse aquele ano de liberdade egoísta
devotando-se completamente a Parthe pelos próximos seis meses. Florence, mais
uma vez, se rendeu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando os meses de escravidão expiraram,
Florence foi imediatamente passar uns tempos com Sidney Herbert e a esposa. Os
Herbert eram solidários com seu desejo de romper com a família e a encorajaram
em sua vontade de se tornar enfermeira. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence passou uma temporada com a
doutora Elizabeth Blackwell, uma das primeiras mulheres a se formar médica. Com
ela, Florence aprendeu que uma mulher podia conseguir muitas coisas desde que
se decidisse. Percebeu que precisava tomar medidas práticas para desempenhar
sua missão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seu primeiro passo foi aceitar o fato de
que a família jamais concordaria com sua vontade. "Não devo esperar que
eles me ofereçam, nem solidariedade, nem ajuda", escreveu em junho de
1851. "Há tanto tempo imploro pela solidariedade deles que mal posso resignar-me
a esta situação... Há muito tempo sou tratada como uma criança, e há muito
tempo permito ser tratada assim". <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;"><b><i>"Qual o meu objetivo neste
mundo, o que fiz na última quinzena? Li</i> </b><b><span style="line-height: 115%;">Daughter at Home </span><i>para papai e dois capítulos de Mackintosh, e
um volume de Sybil para mamãe. Aprendi sete melodias de cor. Escrevi várias
cartas. Fiz oito visitas. E isso é tudo."</i> <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Florence Nightingale, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;"><i>de seu diário, 1846</i></span><o:p></o:p></div>
<b>___________________________________________________________________________</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Duas semanas depois de escrever isso,
Florence já havia feito planos para voltar a Kaiserswerth. Embora os pais a
houvessem proibido de dizer para onde ia e por quê, não podiam mais impedi-la.
A mãe e a irmã a acompanharam até a Alemanha, fingindo para o resto do mundo
que levavam Florence para uma temporada de três meses em um spa de Carlsbad. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Kaiserswerth <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ali, a vida era árdua. A comida
era simples e rala. As estudantes se levantavam às 5 horas da manhã e as
refeições demoravam apenas 10 minutos. Os dias eram preenchidos com frequentes
momentos de oração, quando todas se ajoelhavam em uma sala e se ofereciam a
Deus. Mas Florence se sentia feliz. Feliz como nunca antes se sentira. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Havia escapado. Aos 31 anos de idade
finalmente estava fazendo o que queria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sentindo-se com a autoestima elevada e com
um objetivo de vida, Florence escreveu uma última carta de súplica e explicação
à família. "Deem-me tempo, confiem em mim", implorou. "Confiem
em mim, ajudem-me... Preciso de sua bênção", escreveu. Nem a irmã, nem a
mãe responderam. Florence nunca mais pediria ajuda ou compreensão. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhN0ePZo3LTNRwIcWwlmwRDmItkbw9Z9NAEHf45snwGq_t1Q6MotSQJxtfV0j3tTJ25WxBPgGclFqu0ED5X_3OD0pWU5Z9orD8AZGauOJWDQLGPTlXcSQfCStpTa7g56uFsYhCVJe0OCUc8/s1600/Florence+img14.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhN0ePZo3LTNRwIcWwlmwRDmItkbw9Z9NAEHf45snwGq_t1Q6MotSQJxtfV0j3tTJ25WxBPgGclFqu0ED5X_3OD0pWU5Z9orD8AZGauOJWDQLGPTlXcSQfCStpTa7g56uFsYhCVJe0OCUc8/s640/Florence+img14.jpg" width="340" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Uma das primeiras fotografias de
Florence. Ela era tímida, modesta e bondosa. Porém, no período de conflito com
a família, desenvolveu a determinação que iria ajudá-la nos anos de batalha que
teria pela frente. </i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">"Cassandra" <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence voltou de Kaiserswerth
com a mãe e a irmã. Estava cheia de planos para aprender enfermagem a sério num
grande hospital-escola de Londres. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Porém, ao chegar em casa, encontrou o pai
com dores terríveis causadas por uma enfermidade nos olhos. Ele precisava dos
cuidados de Florence e ela não podia se recusar. Tinha que acompanhar o pai
numa viagem de tratamento. De certo modo, essa jornada se transformaria no
ponto de virada. Quando voltaram para casa, o senhor Nightingale já era um
aliado de Florence na luta contra Parthe e contra a mãe. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse período, Florence escreveu um ensaio
intitulado <i>Cassandra</i>. Nele, descrevia
com grande amargor um dia típico na vida da filha de uma próspera família
vitoriana. "Jamais podemos perseguir um objetivo sequer por duas horinhas,
pois nunca estamos sozinhas", ela se queixava. "E na vida doméstica e
social as pessoas são obrigadas, para não passarem pelo constrangimento de
serem consideradas rabugentas, a fazer um comentário a cada dois minutos".
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Presa outra vez <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Presa à família mais uma vez, a
desesperada Florence, uma protestante devotada, pediu conselhos ao chefe da
Igreja Católica Romana, o cardeal Manning. Este deu a entender que, embora ela
fosse protestante, sua melhor esperança era receber treinamento como enfermeira
em um hospital administrado pelas irmãs de caridade católicas, em Paris. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Inglaterra era um lugar de fidelidades
religiosas apaixonadas, e, quando Parthe e Fanny descobriram o plano de
Florence, começaram a ter novos e ainda mais violentos ataques de histeria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os ataques de Parthe eram tão severos que
ela foi levada a uma consulta com o médico da rainha, Sir James Clark. Em
agosto de 1852, ele conseguiu que ela fosse passar um tempo em sua casa na
Escócia, onde poderia ser observada por algumas semanas. O doutor Clark logo
chegou a uma conclusão. Chamou Florence e lhe explicou que ela deveria se
separar de Parthe; que, para o próprio bem da irmã, Parthe precisava aprender a
viver sozinha, sem Florence. Para o bem dela, Florence teria de sair de casa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Flo encontra a
liberdade <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence jamais havia percebido
que todas as vezes que se rendia a Parthe não estava lhe fazendo nenhum bem.
Agora, depois do conselho do doutor Clark, entendeu que seria melhor para todos
que ignorasse os ataques de Parthe sempre que possível, e passou a cuidar da
própria vida. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Decidiu ir para Paris, onde pretendia
ficar no hospital das irmãs de caridade católicas, vestida como uma freira, mas
vivendo separadamente das irmãs. Teria apenas um mês para se preparar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Todas as energias reprimidas entraram em
ação. Ela visitou hospitais, enfermarias, casas de caridade, instituições.
Assistiu a operações. Andava pelas enfermarias com os médicos e observava-os
examinando os pacientes com todos os tipos de doenças. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Nem sempre as enfermeiras
lavavam os pacientes; jamais podiam lavar seus pés — e só conseguiam uma gota
de água com muita dificuldade, o suficiente apenas para borrifar as mãos e o
rosto. As camas dos pacientes eram sujas. Era muito comum colocar um doente
sobre o lençol que havia sido usado pelo paciente anterior, e os colchões em
geral eram de estopa, viviam encharcados e quase nunca eram lavados." <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Florence Nightingale,
1845, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">numa visita a um
hospital</span><o:p></o:p></i></div>
<b>___________________________________________________________________________</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Florence fez circular um questionário
pelos hospitais da França, da Alemanha e da Inglaterra, comparando as respostas
que chegavam, fazendo anotações, gráficos e listas. Finalmente, todo o conhecimento
adquirido naqueles anos de estudo secreto ganhavam agora uma utilidade.
Tornou-se uma <i>expert</i> no assunto —
seus dons para a organização, a pesquisa e a tomada de decisões estavam dando
frutos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O primeiro emprego de
Florence <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1853, Florence aceitou o posto
de superintendente do Instituto para o Cuidado de Senhoras Carentes Doentes de
Londres. Foi contratada para reorganizar completamente o instituto. Pela
primeira vez Florence iria ter uma ocupação profissional. Poderia realizar o trabalho
para o qual se preparara durante toda a vida. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essas notícias jogaram Parthe e a mãe num
novo e selvagem ataque de nervos. Elas se lamentaram, choraram, reprovaram Flo,
recusaram-se a comer, recolheram-se à cama. O pai se mudou. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Flo fechou os ouvidos, e o pai, seu novo
aliado, decidiu ajudá-la, dando-lhe uma permissão que a tornava independente. A
mãe ficou furiosa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence estabeleceu-se em uma residência
própria em Londres. A família fez objeções, mas ela se recusou a desistir. Era
dona do próprio nariz, afinal. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Rua Harley nº 1 <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em agosto de 1853, aos 33 anos,
Florence Nightingale começou a verdadeira carreira de superintendente do
Instituto para o Cuidado de Mulheres Carentes Doentes, na rua Harley nº 1. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era como se aqueles longos anos
"perdidos" de repente irrompessem em conquistas. Florence atirou-se
de corpo e alma à organização do hospital. Tinha apenas dez dias para equipar
uma casa vazia, pronta para receber os pacientes. Instalou água quente em todos
os andares. A cozinha foi equipada com elevadores para transportar a comida aos
quartos. Instalou também um sistema de campainhas. Assim, todos os doentes
podiam chamar a enfermeira dos próprios quartos. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpfBa_5L-HT9hfPc3s99Bf50_sU2Pi0-TU-vihU5s50UCt4swPaG0dLr6zz9GXPEs1qy-5U0p6cn20pvpQ2b8otnMoCA555CcWNj1H1nzJRd4P_t7SAwKe_WtLszX9qtzYavKoTaPSbPj4/s1600/Florence+img15.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpfBa_5L-HT9hfPc3s99Bf50_sU2Pi0-TU-vihU5s50UCt4swPaG0dLr6zz9GXPEs1qy-5U0p6cn20pvpQ2b8otnMoCA555CcWNj1H1nzJRd4P_t7SAwKe_WtLszX9qtzYavKoTaPSbPj4/s640/Florence+img15.jpg" width="318" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Em 1854, um surto de cólera
varreu as favelas de Londres. Florence Nightingale ajudou voluntariamente
prostitutas imundas e aterrorizadas com a mesma atenção com que cuidava dos
pacientes do Instituto para o Cuidado das Senhoras Doentes. Florence pegou
muitas delas nos braços, enquanto morriam — não havia muito mais a fazer.
Décadas depois, faria uma campanha por melhores condições sanitárias nas
favelas, e Londres nunca mais seria assolada pela cólera.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os funcionários ficaram muito surpresos.
Estavam esperando uma reorganização — mas nem de longe algo parecido com
aquilo. Florence estava muitos anos à frente das ideias vitorianas nessa
questão — e a infindável luta contra a família ensinara-lhe a não aceitar um <i>não</i> como resposta. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A comissão ficou estupefata com aquelas extraordinárias
exigências, e começou a se perguntar se Florence Nightingale havia sido a escolha
correta. Sutilmente, Florence fez tudo o que queria. Conhecia os fatos.
Conhecia os números. Era possível fazer e precisava ser feito. Agora, livre das
amarras da família, estava provando ser uma mulher formidável. Nunca tinha ideias
vagas — sabia <i>exatamente</i> como tudo deveria
ser, como o sistema de campainhas deveria funcionar, quanto carvão era
necessário. Verificava a despensa. Verificava a roupa de cama. Ninguém conseguia
esconder <i>nada</i> da senhorita
Nightingale. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Rumo ao topo <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O tesoureiro se recusou a deixar
que ela visse as contas todas as semanas. Ela deixou <i>bem</i> claro que iria vê-las todas as semanas. E conseguiu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nada era tão insignificante que não
merecesse sua atenção. Os lençóis comidos pelos ratos, as poltronas estragadas
mal cheirosas, os travesseiros rasgados, tudo foi para o lixo. Comprou cortinas
velhas e transformou-as em colchas. Adquiriu lotes de escovas, espanadores e
vassouras. A cozinha do hospital passou a fazer geleias por um quarto do preço
dos mercados. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">“A comissão, composta de pessoas
ricas e respeitáveis, ficou espantada quando a nova superintendente entrou em
ação. Suas exigências eram revolucionárias. (...) Apesar de as visitas que fez
aos hospitais terem sido breves, sua mente perspicaz e seu poder de observação
fizeram-na perceber rapidamente como a logística da enfermagem poderia ser
melhorada. Era um gênio da administração. Uma comissão impressionada com aquele
desempenho deixou-a fazer o que queria." <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span lang="EN-US"><span style="font-size: x-small;">Madeleine Masson, <o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US"><span style="font-size: x-small;">A Pictorial
History of Nursing</span><o:p></o:p></span></div>
<b><span lang="EN-US">___________________________________________________________________________</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
A comissão ficou tonta. E os funcionários
também. Muitos fugiram ou pediram demissão por vontade própria. Florence
contratou uma enfermeira-chefe mais eficiente e trabalhadora. Seu principal problema
era encontrar enfermeiras bem treinadas. Era um trabalho muito duro: Florence
encontrou fortes resistências, teve de tomar decisões impopulares, mas era
imensamente feliz. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar de exigente, era muito amada.
Esfregava os pés dos doentes se os encontrava com frio, era solidária com
mulheres desesperançadas, sem amigos e sem dinheiro. Chegou até a mandar
algumas, às suas custas, para tentar uma recuperação na praia. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhB4_xpDfk7w2F3hc7RuhMnPVS9_5VsO-6YiBwB-aM9RdamD9CEs7XYk5nZ2iWdlkhnkSIhS0fEw4l_0GHo22FR8n8ye35KUlF-ECYtH_GOkSxAKLixQRwZGW5kWNjJuIlI5ioIp11ZJL9p/s1600/Florence+img25.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="514" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhB4_xpDfk7w2F3hc7RuhMnPVS9_5VsO-6YiBwB-aM9RdamD9CEs7XYk5nZ2iWdlkhnkSIhS0fEw4l_0GHo22FR8n8ye35KUlF-ECYtH_GOkSxAKLixQRwZGW5kWNjJuIlI5ioIp11ZJL9p/s640/Florence+img25.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Uma pintura feita para mostrar a
atenção que Florence dedicava a todos. Ela fazia com que todos fossem lavados,
que as feridas fossem tratadas e que cada um recebesse roupas limpas e boa
alimentação.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era estranho. Florence era uma enfermeira maravilhosa
— mas havia nela um traço de frieza que assustava um pouco as pessoas. Era como
se o tempo de emoções fortes que havia tido com a mãe e a irmã a tivessem
tornado desconfiada da brandura. E brandura não iria construir hospitais eficientes.
Precisava espremer o cérebro até o fim para reformá-los. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em pouquíssimo tempo, Florence se firmou
como especialista em sua área, e o trabalho na rua Harley simplesmente não lhe
era mais suficiente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Preparou relatórios bem fundamentados e
bem apresentados sobre os maus procedimentos da rede hospitalar inglesa.
Tornava-se mais e mais reconhecida como autoridade nessas questões. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar da onipresente objeção da família, Florence,
num gesto sábio, manteve-se afastada deles. Não era mais uma marionete que
respondia a cada puxão da corda. Tinha um trabalho para fazer e iria fazê-lo.
No final de 1854, elaborou um plano para recrutar filhas de agricultores e
treiná-las como enfermeiras seguindo a linha de Kaiserswerth. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Num país onde as mulheres mal tinham começado
a lutar pela liberdade, Florence Nightingale estava se equiparando aos homens. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A Guerra da Criméia <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto isso, toda a Inglaterra
lia sobre o triunfo do exército inglês na Criméia. A Grã-Bretanha lutava junto
com a França ao lado dos aliados turcos em sua guerra contra a Rússia. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxnuVhb0rZQfX5_sDmuB0xE7jNnBD7f7i-h9xwMq02kcKsKHaYDu3SWPkXPi6nO_dwEQdyPGU6siHYuUCu3gKs-_bh0G_UuGRmBO1rTij8Cwd0HTWbBcssog4RhHF-VDSk9Qvx8Q-ynsv0/s1600/Florence+img16.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxnuVhb0rZQfX5_sDmuB0xE7jNnBD7f7i-h9xwMq02kcKsKHaYDu3SWPkXPi6nO_dwEQdyPGU6siHYuUCu3gKs-_bh0G_UuGRmBO1rTij8Cwd0HTWbBcssog4RhHF-VDSk9Qvx8Q-ynsv0/s640/Florence+img16.jpg" width="318" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>As mulheres dão adeus aos
soldados. As tropas estavam superconfiantes ao embarcar para a Guerra da
Criméia. Depois de uma semana lá, e antes da primeira batalha, mais de mil
homens já haviam morrido doentes. </i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence não poderia adivinhar, ao ler
sobre as vitórias do exército em Sebastopol, que logo se juntaria aos soldados.
Não para lutar contra os russos, mas contra as doenças e a desorganização,
contra a sujeira e o frio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A experiência de Florence Nightingale, sua
inteligência, coragem e determinação seriam utilizadas ao máximo pelos próximos
anos. Essas qualidades mudariam não apenas o modo como as pessoas encaravam as
enfermeiras, mas também o tratamento que dispensavam às mulheres.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como em todas as guerras, muitos seres
humanos encontraram uma morte horrível e desnecessária. Ainda assim, algo de
bom surgiu em meio a todo o horror — muito mais respeito pelo soldado comum e
uma abrangente reforma na organização militar e na administração dos hospitais.
Florence Nightingale foi a peça-chave nessas mudanças. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ela entrou para a história como "A
Dama do Lampião", a enfermeira que andava por entre os feridos da Guerra
da Criméia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O exército britânico era o melhor do
mundo. Jamais seria vencido: era o que todos acreditavam, na Grã-Bretanha, em
1854. Os soldados de uniformes esplêndidos marchavam em direção aos navios que
os levariam à península da Criméia, no mar Negro, ao som de bandas e sob a
agitação das bandeiras. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse elegante exército seria derrotado —
não por outro exército, mas pela doença, pela falta de organização, pelo frio e
pela fome. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQudyQcXVOP2mku9Gc03P1q44VaRi7TY3MsXb1fSpcQw6PhZRqLUE0q3spRotatq8qdDTEq15bF72JGT0XUf6H08m-32oL2_P1Pz9XxcPD-JMZcNCja1xbshzGeNe0CZIDwq0OiyIS0f36/s1600/Florence+img26.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="528" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQudyQcXVOP2mku9Gc03P1q44VaRi7TY3MsXb1fSpcQw6PhZRqLUE0q3spRotatq8qdDTEq15bF72JGT0XUf6H08m-32oL2_P1Pz9XxcPD-JMZcNCja1xbshzGeNe0CZIDwq0OiyIS0f36/s640/Florence+img26.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Muitas tropas desembarcaram em
Marna, na Bulgária. O acampamento ficava num lugar conhecido pela cólera, e
mais de mil doentes foram enviados a Scutari.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em junho, as tropas britânicas seguiram em
direção norte para ajudar os turcos, que se encontravam sitiados. A área
escolhida para o acampamento era um notório terreno fértil para o cólera — uma epidemia
surgiu quase que imediatamente. Todas as noites os soldados britânicos podiam
ouvir o som dos cadáveres que eram atirados ao mar. Em menos de três semanas, o
exército fora reduzido à inutilidade total. <o:p></o:p><br />
Então, as forças britânicas concentraram a
atenção no objetivo principal: Sebastopol. Uma vez que não havia navios
suficientes para transportar todos os homens e o equipamento pelo mar Negro até
a península da Criméia, os líderes militares decidiram levar apenas as tropas.
Os animais de carga, as tendas, os fogões de acampamento, os remédios e toda a
parafernália médica foram deixados para trás.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Houve permissão de três dias para o
transporte das tropas pelo mar Negro, mas eles levaram dezessete dias. Nos
navios, quase não havia comida nem água, e o cólera continuava a ceifar vidas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando os homens chegaram à terra, em setembro,
tiveram ordens para deixar as mochilas para trás. Estavam simplesmente fracos
demais para carregá-las. A falta de suprimentos já os havia levado a beber das
poças imundas das praias. Os soldados jaziam ao relento, torturados pela diarreia.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A agonia da vitória <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, as primeiras batalhas da
Criméia foram feitas com homens exauridos pela doença e sedentos. Entretanto,
esse exército de inválidos havia conseguido atravessar o rio Alma, subir as
colinas e forçar o exército russo a recuar para a cidade de Sebastopol. Houve
baixas apavorantes nessa luta. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVYrb7cDX7XPFGmPZ7LTW4NorUPsuRWOjZ0rcXtNV3Twhv3RVqzxQq17IRn65rP_Y0RlO3Zq9OVGo2kGlTXQ57p25cDyDiWxSiB9g9xq7wIC60P1OuuLBA16zX7f2nJwboZRgovDGW4TVx/s1600/Florence+img18.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="478" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVYrb7cDX7XPFGmPZ7LTW4NorUPsuRWOjZ0rcXtNV3Twhv3RVqzxQq17IRn65rP_Y0RlO3Zq9OVGo2kGlTXQ57p25cDyDiWxSiB9g9xq7wIC60P1OuuLBA16zX7f2nJwboZRgovDGW4TVx/s640/Florence+img18.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Rota da esquadra britânica até
Sebastopol, na Criméia. França, Turquia e Grã-Bretanha eram aliadas contra a
Rússia. </i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para os feridos, teria sido melhor que
tivessem morrido logo. Todos os suprimentos médicos haviam ficado para trás.
Não havia ataduras, nem anestésicos, nem qualquer tipo de ajuda. Não havia
velas nem lampiões; os médicos trabalhavam à luz do luar, enquanto os doentes
jaziam a céu aberto, sobre a palha coberta de esterco. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mais tarde, os doentes e os feridos foram embarcados
em navios-hospitais que os levaram de volta a Scutari. Mil e quinhentos homens,
fracos e exaustos, foram empilhados em um navio projetado para transportar
apenas 250. Porém, quando os feridos de guerra começaram a chegar, o hospital
já estava lotado. Antes que um único tiro tivesse sido disparado na Guerra da
Criméia, a epidemia de cólera já havia transformado o atendimento médico do
exército em um caos. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhddMRgMCUF75ZwEu_rX7Ho1lie025DgpwlbGYVvWzPKLd2aTNjpgR9AFcye2dxbJJa9mf7psaKauSzgHcgUNo9KWTpSV1Sdk36pmHRnmCwcqYmV_Y_MvdY089KZWxuxk6KWtIJyvYvQm6o/s1600/Florence+img19.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="472" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhddMRgMCUF75ZwEu_rX7Ho1lie025DgpwlbGYVvWzPKLd2aTNjpgR9AFcye2dxbJJa9mf7psaKauSzgHcgUNo9KWTpSV1Sdk36pmHRnmCwcqYmV_Y_MvdY089KZWxuxk6KWtIJyvYvQm6o/s640/Florence+img19.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>As principais batalhas tiveram
lugar em Balaclava, lnkerman e Sebastopol, ao norte do mar Negro. Os feridos embarcavam
para uma viagem de 480 quilômetros até o hospital de Scutari.</i><br />
<br />
<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
O Hospital Militar não podia fornecer alimentação
porque não havia cozinha. Não havia camas nem lençóis; não havia copos para
levar aos homens febris um gole de água sequer. Não havia mesas, nem cadeiras.
Andavam por ali uns poucos médicos, mas não dispunham de nenhuma mesa de
operação. O Hospital Militar era apenas o esqueleto de um prédio, cheio de
homens que, jogados pelo chão e enrolados em mantas sujas e ensanguentadas,
pediam aos berros algo para beber — quando ainda tinham forças para isso.<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Havia então a questão dos
hospitais do exército, que nem sequer existiam. Se por acaso uma batalha
acontecesse perto de uma cidade, como no caso de Waterloo, os hospitais civis
eram utilizados, embora fossem pequenos demais para dar conta do fluxo de
feridos e moribundos. Além do mais, não havia enfermeiras especializadas.
Existiam apenas serventes, mas muitas eram tão velhas que mal podiam levantar
as macas." <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span lang="EN-US"><span style="font-size: x-small;">Elizabeth Burton, <o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US"><span style="font-size: x-small;">The Early
Victorians at Home</span><o:p></o:p></span></div>
<b><span lang="EN-US">___________________________________________________________________________</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Notícias do front</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa situação não era nenhuma
novidade para os militares. Porém, o resto da Grã-Bretanha ficou em estado de
choque ao receber as notícias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era preciso fazer alguma coisa. E rápido.
Os franceses tinham mais cirurgiões e irmãs de caridade para ajudá-los no campo
de batalha. Os britânicos não tinham nada. Quem poderiam mandar para dar um
jeito nas coisas, para cuidar daqueles homens? <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhX2qcE8HuMA8UhRPFISfC4LNp_MtSGYa-9Tr1_kSw4V-mucGdpjvm9jgGTaEdcT1krXKk0nQkO2dAqSSo5Q-io77XuwHnT96uA1RCOKSlBA7O_gpd4LUEm51k_IYr1NF-gwFGFUvCBhcg_/s1600/Florence+img20.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="340" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhX2qcE8HuMA8UhRPFISfC4LNp_MtSGYa-9Tr1_kSw4V-mucGdpjvm9jgGTaEdcT1krXKk0nQkO2dAqSSo5Q-io77XuwHnT96uA1RCOKSlBA7O_gpd4LUEm51k_IYr1NF-gwFGFUvCBhcg_/s640/Florence+img20.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Desmoralizadas, batidas pelo
frio, as tropas eram levadas de volta a Balaclava. Muitos morreram a caminho do
hospital — às vezes congelados na sela. Mesmo quando retornavam à base, suas
chances eram remotas. As infecções e a alimentação inadequada matariam milhares
mais.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para Sidney Herbert, o velho e fiel amigo
de Florence e agora Secretário de Guerra, havia uma única resposta: Florence em
pessoa. A 15 de outubro, Sidney Herbert enviou uma carta a Florence pedindo-lhe
que organizasse um corpo de enfermeiras e que fosse para Scutari o mais
rapidamente possível. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ali estava o trabalho que Florence sentia
ser a missão de Deus para ela. Sabia, como Herbert sabia, que essa função só
ela poderia realizar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Surpreendentemente, até a família a
apoiou: "É uma missão nobre e grandiosa", escreveu Parthe. "Só
se pode acreditar que ela foi feita para isso". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence aceitou a proposta de Herbert e,
aos 34 anos, era nomeada superintendente da Instituição de Enfermagem Feminina
dos Hospitais Gerais Ingleses na Turquia. Decidiu-se que quarenta enfermeiras a
acompanhariam. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi difícil encontrar enfermeiras
adequadas. Porém, de alguma forma, Florence conseguiu juntar 38 mulheres — um
grupo heterogêneo, mas o melhor possível. Algumas eram enfermeiras
profissionais, outras eram freiras, sendo que as cinco mais eficientes eram
irmãs de um convento católico. A 21 de outubro de 1854, o grupo se pôs a
caminho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Florence chega a
Scutari <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 5 de novembro de 1854, Florence
e seu grupo chegaram ao Hospital Militar, em Scutari. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence vinha preocupada com o que
encontraria, mas nenhuma das descrições haviam-na preparado para o caos e o
sofrimento que presenciou. Os corredores nus davam em enfermarias imundas. O
átrio central era um charco mal cheiroso. Havia lixo e sujeira por todos os
cantos, e <i>6</i> <i>quilômetros de camas</i> — se é que alguém poderia chamar aquilo de
camas. Os doentes jaziam a centímetros de distância uns dos outros. Aquilo era
um foco de doenças infecciosas. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxBa4awjr2pSyOw9sc-SNzuivM2ITym5hyphenhyphen-jGS6wLcuVKuguVTXiwqBRf0ZQt-WfkexZHgSaERcG6JZr-4j8Pji5UodE4m-JphU_e-hJbnayY5QhsPEX5laMZ7fh0yKpHWEEa8YWquzzVE/s1600/Florence+img21.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxBa4awjr2pSyOw9sc-SNzuivM2ITym5hyphenhyphen-jGS6wLcuVKuguVTXiwqBRf0ZQt-WfkexZHgSaERcG6JZr-4j8Pji5UodE4m-JphU_e-hJbnayY5QhsPEX5laMZ7fh0yKpHWEEa8YWquzzVE/s640/Florence+img21.jpg" width="366" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>O Hospital Militar, em Scutari,
antes que os 20 mil feridos chegassem. Scutari era literalmente um quartel e
não um hospital. Havia seis quilômetros de halls sujos, que se transformariam
em seis quilômetros de camas apinhadas. Havia ratos, vazamentos e nenhuma água
corrente. Os banheiros estavam entupidos. Florence chegou com quarenta
enfermeiras. Apenas doze sobreviveriam. </i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence precisava agir com cautela. Todo
o staff médico estava sob forte controle das autoridades militares. Um passo em
falso e ela e as enfermeiras seriam mandadas de volta para casa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A organização entrara em colapso. Para
tudo era necessário um requerimento por escrito e uma nota de autorização,
assinada por dois médicos. Valiosos suprimentos de alimento se perdiam ou
apodreciam porque os procedimentos corretos não eram aplicados — ou porque
ninguém queria liberá-los. Todo oficial que não seguisse os procedimentos
regulares estaria em sérios apuros. Então começaram a ter medo de autorizar o
que quer que fosse. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os soldados eram tidos como
"escória", "brutos", "patifes" pelos oficiais.
Aconselharam Florence a não "estragá-los". Ela se viu diante de
pessoas interessadas apenas nas questões burocráticas, como o lorde Stratford
de Redclyffe Canning, o embaixador britânico em Constantinopla. Ele era muito
influente, mas vivia no luxo de um palácio e simplesmente ignorava a miséria, a
dor e a sujeira que os soldados eram obrigados a enfrentar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Regras e regulamentos <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não havia nada no Hospital
Militar. Nenhuma mesa de operação. Nenhum remédio. Nenhuma mobília. Ratos e
moscas infestavam os quartos das enfermeiras — e não havia lampiões nem velas.
À noite, deitavam-se no escuro, ouvindo o rastejar dos ratos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os médicos se ressentiam da presença de
Florence e a ignoravam. Ela sabia que precisava conquistar sua confiança antes
de fazer qualquer coisa. Deu instruções cuidadosas às enfermeiras. Apesar da
angústia de ter de deixar de lado os feridos, elas <i>deviam</i> esperar até que fossem <i>oficialmente</i>
solicitadas a ajudar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um novo e enorme lote de homens,
terrivelmente feridos na batalha de Balaclava, chegou em 6 de novembro. Ainda
assim Florence controlou as enfermeiras. Pegaram todos os lençóis que
encontraram, fizeram ataduras, travesseiros e camisas. E esperaram. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mesmo quando pediam a Florence que fizesse
alguma coisa, ela se forçava a seguir os regulamentos. Só na cozinha agia com
mais liberdade. Ficou espantada com o que encontrou lá. Não havia panelas nem
chaleiras. O chá era feito nas caldeiras de cobre que haviam acabado de
cozinhar a carne. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence pôs mãos à obra. Havia levado
vinho, extrato de carne e fogões portáteis. Atinha-se a todas as regras, de
modo que ninguém poderia fazer objeções a seus atos. Não se dava nada a nenhum
paciente sem uma permissão assinada pelo médico, mas, aos poucos, aqueles
pobres homens, doentes e famintos, começaram a receber alimentos que os
ajudavam a melhorar em vez de piorar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ninguém sabe por quanto tempo essa
situação poderia ter perdurado, mas no dia 9 de novembro daquele ano uma grande
quantidade de feridos desembarcou em Scutari. Os médicos e os oficiais foram
obrigados a reconhecer a presença de Florence e a aceitar sua ajuda e a das
enfermeiras. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A grande tarefa tem
início <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os britânicos sofreram uma
derrota na batalha de Balaclava. O acampamento vizinho tornou-se um pântano de
sujeira — cadáveres e membros amputados dos feridos flutuavam no mar. O cólera
se espalhou entre os soldados. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqaj2xMS2ZrBhS-_bxGnQuVH7NElA4ARIcJ6SYFsooAo9DlkDJ-uJPzyPPkl-bnQEHXqhFibuZ5PdRnfNWdlmJ2SJcdQq5eLkpQbvGczX5Drju35kUskZvelRn9FB-S3l0DwwJxtXxkKhl/s1600/Florence+img22.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="236" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqaj2xMS2ZrBhS-_bxGnQuVH7NElA4ARIcJ6SYFsooAo9DlkDJ-uJPzyPPkl-bnQEHXqhFibuZ5PdRnfNWdlmJ2SJcdQq5eLkpQbvGczX5Drju35kUskZvelRn9FB-S3l0DwwJxtXxkKhl/s640/Florence+img22.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Roll Call, <i>o famoso quadro de
Lady Butler, esposa de um oficial em serviço, que retratou o sofrimento e a
coragem de homens comuns na guerra. Esta pintura mostra a contagem dos
sobreviventes depois da batalha de Balaclava.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seguiu-se a batalha de Inkerman. Embora os
britânicos tivessem vencido, ela apenas aumentou o número de feridos. O inverno
estava chegando. Os homens escavavam o solo congelado, com as mãos sangrando,
para encontrar algumas raízes mortas com que fazer um fogo. Não tinham onde
cozinhar. Para dormir, havia apenas a lama congelada. A única estrada estava
bloqueada. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjw1-ybyGA0T-rU4IzU_5c4fhNQ5YrxHq_zIwu0VOfmePXJx8Z8dL5rtsfW1dKUq49NDvttGsOuKawy9q08INU_um5WAZLAA_LBS7V5F5oDGGgL3lndPgBWvx_DKZf7x0jxIBhzTRFJQzMU/s1600/Florence+img17.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="382" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjw1-ybyGA0T-rU4IzU_5c4fhNQ5YrxHq_zIwu0VOfmePXJx8Z8dL5rtsfW1dKUq49NDvttGsOuKawy9q08INU_um5WAZLAA_LBS7V5F5oDGGgL3lndPgBWvx_DKZf7x0jxIBhzTRFJQzMU/s640/Florence+img17.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Os britânicos sofreram muito nos
primeiros confrontos. Dois mil homens foram mortos na batalha de Inkerman. Os
feridos aguentaram muitas privações. Eram carregados em macas grosseiras até a
costa, onde esperavam dias por um navio que os transportasse a um hospital. Mesmo
que sobrevivessem à jornada, muitos morreriam mais tarde, pois os ferimentos
eram terríveis. </i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Doença, gangrena — era o inferno sobre a
terra: e uma torrente de vítimas chegava para aumentar ainda mais a multidão
que já estava em Scutari. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence passou a admirar o staff médico
militar. Eles ficavam em pé 24 horas por dia, mas ainda assim não conseguiam
fazer nenhum progresso naquele fluxo constante de pacientes. Os homens eram jogados
por todos os lugares, com a cabeça apoiada sobre as botas por falta de
travesseiros. Florence estimou que pelo menos mil homens sofriam de disenteria.
Havia apenas vinte urinóis, que eram esvaziados em enormes tanques — mas os
serventes se esquivavam dessa função desagradável, e os urinóis ficavam às
vezes 24 horas sem serem esvaziados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como se esse sofrimento não fosse o
bastante, a 14 de novembro despencou uma tempestade que derrubou todas as
tendas que o exército havia montado, deixando os soldados sem nenhum teto.
Todos os navios foram afundados, inclusive um que acabara de chegar com uma
carga ansiosamente esperada de roupas de inverno e provisões. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Florence assume o
controle <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 30 de novembro, a administração
do hospital sucumbiu. Agora os oficiais simplesmente tinham de reconhecer a
presença de Florence — pois ela recebia donativos privados das casas de
caridade da Grã-Bretanha, além de ter a habilidade para conseguir os
suprimentos essenciais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ela assumiu o controle em silêncio,
determinada a evitar as confrontações sempre que pudesse. Por fim, a ninguém
era permitido se esquivar de qualquer tarefa, por mais desagradável que fosse. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRlaJWdr9jUbpPcy2c4By8FSeRr6C6hKRYXivz_QOcok5TuLknKDKcy0fYv-0KiayroAtx1UM-KWnZ3cPGuJthSMPII5jM9VBKcYgt-LBuuzGVj6L_d5fHQRi-LoyO0nNzixenUYtg6ZV5/s1600/Florence+img23.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="474" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRlaJWdr9jUbpPcy2c4By8FSeRr6C6hKRYXivz_QOcok5TuLknKDKcy0fYv-0KiayroAtx1UM-KWnZ3cPGuJthSMPII5jM9VBKcYgt-LBuuzGVj6L_d5fHQRi-LoyO0nNzixenUYtg6ZV5/s640/Florence+img23.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Os cegos, os inválidos e os
feridos voltam do front. De agora em diante suas vidas dependeriam de boa
comida e de boas condições hospitalares — o que Florence Nightingale lutava com
todas as forças para conseguir. </i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A roupa de cama jamais havia sido lavada —
e todas as camisas continham montes de vermes. Florence exigiu tanques de água
quente — e eles foram instalados. Os urinóis foram esvaziados e limpos. Como na
rua Harley, Florence dava muita importância aos detalhes. Fez um inventário de
todos os itens de que necessitava — bandejas, mesas, relógios, toalhas, sabão,
xícaras, pratos e talheres — e conseguiu tudo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No início de dezembro, lorde Raglan avisou
que estava mandando mais quinhentos feridos e doentes para o já superlotado
hospital. Florence precisava desesperadamente de espaço. Uma das alas do
hospital havia sido bastante prejudicada por um incêndio, e foi deixada de lado
até a ruína completa. Florence pressionou as autoridades para que o local fosse
colocado em condições de uso. Com lorde Stratford e os trabalhadores turcos
encarregados dos reparos, a obra simplesmente não andava, até que Florence tomou
a empreitada a seu próprio encargo, pagando tudo do próprio bolso e com os
donativos que recebia. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhExjfB6kmAyYvJuPYb61bFZ2_hjyBx9ISAZnbMg4pRe6R_TCvXqiO7LfKXg5yEXFNfzNqN7sXCbX3k_pp5gnjQkg-oBbFuWz7yrL2szf1tfeUNz-fNYJh9AsqUvMF3wXKJeVVmE98r7TAe/s1600/Florence+img27.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhExjfB6kmAyYvJuPYb61bFZ2_hjyBx9ISAZnbMg4pRe6R_TCvXqiO7LfKXg5yEXFNfzNqN7sXCbX3k_pp5gnjQkg-oBbFuWz7yrL2szf1tfeUNz-fNYJh9AsqUvMF3wXKJeVVmE98r7TAe/s640/Florence+img27.jpg" width="322" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
The Thin Red Line, <i>o 93º
regimento escocês em Balaclava, numa pintura de Caton Woodville. Durante a
guerra, a Grã-Bretanha e a França perderam 82 mil soldados. A doença e o
inverno da Criméia mataram mais que a espada e o rifle.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo o que deveria vir através de
suprimentos do exército vinha agora aos cuidados da senhorita Nightingale. Os
oficiais militares, a essa altura, estavam encolerizados, mas Florence os
ignorava e seguia em frente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">"Uma calamidade
sem precedentes" <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A campanha do inverno viu
despontar tragédia em cima de tragédia. Em janeiro de 1855, a questão dos
feridos tornou-se apavorante. Segundo Florence, vivia-se ali "uma
calamidade sem precedentes em toda a história da humanidade". A quantidade
de feridos multiplicou-se rapidamente até chegar a níveis alarmantes. Nesse
mês, havia 12 mil homens no hospital. Florence enfrentava situações terríveis.
Ainda assim conseguiu pensar friamente no que precisava ser feito. Elaborou
planos sistemáticos e cuidadosamente analisados para a reorganização
inteligente dos hospitais. Pensava tanto no presente quanto no futuro. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Sua calma, sua capacidade e
seu dinamismo a elevaram à condição de uma deusa. Os homens a adoravam. (...)
Os médicos vieram a se tornar absolutamente dependentes dela..." <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Cecil Woodham Smith, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;">Florence Nightingale</span><o:p></o:p></div>
<b>___________________________________________________________________________</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Um dos principais motivos de ansiedade era
o número de mortes no Hospital Militar, que crescia sempre, a despeito das
melhoras realizadas. Era muito mais provável que os homens morressem no
Hospital Militar do que se ficassem nos cruéis e gélidos hospitais regimentais
das colinas que circundavam Sebastopol. Ignorando tudo o que se fazia, os
números continuavam aumentando. No final de dezembro, irrompeu uma epidemia. Em
menos de três semanas, quatro cirurgiões, três enfermeiras e centenas de
soldados estavam mortos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O relato detalhado dessa situação
apavorante foi publicado na imprensa britânica, e o povo começou a exigir que
se investigasse a gigantesca tragédia da Criméia. Essa onda de indignação
forçou os governantes a enviar para lá, no final de fevereiro de 1855, uma
comissão sanitária. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiag9SsM_gx1pjgK85xDpyHdxXxFiGjf3QqHdE9NIh2Xh2Dld4DhH2j6xX7-TUJWemN-IoMDiBDX-SDaIqSxY367yHk9xWzYdZrNkQuoOgqxnmt8IqkcAUKAB_o8TWKrPj9nbVz3JO1boh8/s1600/Florence+img24.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiag9SsM_gx1pjgK85xDpyHdxXxFiGjf3QqHdE9NIh2Xh2Dld4DhH2j6xX7-TUJWemN-IoMDiBDX-SDaIqSxY367yHk9xWzYdZrNkQuoOgqxnmt8IqkcAUKAB_o8TWKrPj9nbVz3JO1boh8/s640/Florence+img24.jpg" width="238" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Ao ler sobre aquele sofrimento, os
britânicos doaram lençóis, ataduras e alimentos. O problema era que oficiais
médicos incompetentes não liberavam nada. Muitos dos soldados chamavam Florence
de "A Dama do Martelo". Ela de fato invadia as despensas para aliviar
os pacientes desesperados. </i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Reformas no Hospital
Militar <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A comissão inspecionou o Hospital
Militar de alto a baixo. Não era de admirar que a taxa de mortalidade fosse tão
alta. Todo o prédio se assentava sobre uma rede de esgotos totalmente
apodrecida — toda a estrutura estava contaminada pela deterioração, pela
sujeira e pela doença. Qualquer movimentação do ar levaria a morte através das
enfermarias apinhadas. Além disso, o sistema de fornecimento de água estava
contaminado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nas duas primeiras semanas dedicadas à eliminação
daquele horror, 556 carrinhos de mão de lixo, 24 diferentes animais e mais dois
cavalos também mortos foram removidos e incinerados. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGx_AfWS5MbKHELVgd4dekR_t0u32UmYn4iNwWUvA1CjCrCNPhMRy-e3PGp3iZo-OvO_2otqa7d0qgs0ed1hzcFvyQ-kFrxnCc369eyZdieN9lqBSY-Nt57pCA533f_LKzgcX-H_mUVtAF/s1600/Florence+img28.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGx_AfWS5MbKHELVgd4dekR_t0u32UmYn4iNwWUvA1CjCrCNPhMRy-e3PGp3iZo-OvO_2otqa7d0qgs0ed1hzcFvyQ-kFrxnCc369eyZdieN9lqBSY-Nt57pCA533f_LKzgcX-H_mUVtAF/s640/Florence+img28.jpg" width="344" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Depois que a situação em Scutari ficou sob controle,
Florence Nightingale visitou as estações médicas das frentes de batalha. Andou
sob todas as condições climáticas, pagando o alto preço de ficar doente</i>. <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As condições do hospital melhoraram, mas
ainda aconteciam muitos erros, pela má execução do trabalho e pela falta de
organização. Pode-se citar como exemplo o caso de um navio que transportava
várias centenas de soldados feridos. O transporte demorou quinze dias. Por duas
semanas, os homens ficaram no convés sem nada para protegê-los do frio do
inverno. O responsável, doutor Lawson, foi repreendido mais tarde, para depois
ser nomeado Oficial Médico Sênior do Hospital Militar. Florence ficou chocada
com o fato de os oficiais que se opunham a qualquer reforma e que impediam seu
trabalho serem os mais reconhecidos e recompensados, principalmente depois da
guerra. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A dama do lampião <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na primavera de 1855, Florence
estava exausta. Muitas vezes passava oito horas seguidas de joelhos diante de
uma maca, fazendo curativos. Não dispunha de nenhuma das drogas e das ataduras
de um hospital moderno — precisava se virar com o que tinha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A única coisa que a mantinha na luta era
com certeza a incrível bravura dos homens. Eles tentavam não se queixar nunca,
não demonstrar a agonia, o medo e a saudade que sentiam do lar. Se no passado
Florence havia granjeado a reputação de fria, hoje ninguém, a não ser os
teimosos oficiais, a via dessa forma. Os homens sempre se lembravam de sua
paciência, de sua bondade, até mesmo de sua alegria. Ficava ao lado deles nas
cirurgias. Dava-lhes esperança pelo simples fato de andar entre eles, falando
com um, sorrindo para outro. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgB9lJ1YVVfbKV-zTh2kCfrsxcIA125vp2SFqpeRdzpkrAnMss7S6fc6B1jr-D954qyFomM1fefEEew3niOu16513l8rbTP1OPiBLX9P8EizXDh4novwRgUc_z93FnQ1L59Kr8K39_KiQAq/s1600/Florence+img29.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="450" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgB9lJ1YVVfbKV-zTh2kCfrsxcIA125vp2SFqpeRdzpkrAnMss7S6fc6B1jr-D954qyFomM1fefEEew3niOu16513l8rbTP1OPiBLX9P8EizXDh4novwRgUc_z93FnQ1L59Kr8K39_KiQAq/s640/Florence+img29.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Florence Nightingale ficou famosa
como “A Dama do Lampião”, tornando-se uma lenda viva. Os feridos a adoravam,
pois ela se importava com o que acontecia, lutando por melhorar a situação de
todos. Eles haviam visto coisas terríveis nas batalhas e aquela mulher de fala
mansa lembrava-lhes que ainda havia bondade no mundo.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se não os visse durante o dia, fazia as
rondas noturnas, iluminando o caminho pelos quilômetros de camas com um lampião
turco. Um soldado escreveu para casa contando que os homens beijavam a sombra
que ela projetava na parede ao passar. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Que conforto era vê-la
passar serenamente. Ela podia falar com um, inclinar a cabeça e sorrir para
muitos outros; mas não podia fazer isso com todos. Nós éramos algumas centenas;
mas podíamos beijar sua sombra, como se fosse ela, e então, reconfortados, deitar
nossas cabeças sobre os travesseiros." <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">De um soldado, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">no Hospital Militar</span><o:p></o:p></i></div>
<b>___________________________________________________________________________</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Por outro lado, o respeito que nutria por
eles mudaria para sempre a postura europeia diante dos "soldados
comuns". Muito tempo depois de Scutari, Florence ainda lutaria para
melhorar a vida deles.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A febre da Criméia <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence trabalhava em tudo o que
lhe chegasse às mãos, e, tendo o Hospital Militar ficado em condições satisfatórias,
decidiu que já era tempo de visitar os hospitais da Criméia. Pagaria caro por
isso. Faltaram-lhe as forças quando inspecionava as condições em Balaclava,
caindo de cama com a febre da Criméia. Ficou entre a vida e a morte por duas
semanas, mas, mesmo nos momentos de delírio, escreveu, escreveu e escreveu —
listas, ordens, recomendações. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando Florence finalmente pôde sair do
quarto, as pessoas ficaram chocadas com sua mudança. Estava pálida e muitíssimo
magra, com o nariz proeminente destacado no rosto. Nunca mais voltaria a ser a
mulher vigorosa de outrora. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsXPV2N4bQlTQx4_K1jBVxZ2T-zROOmn1gsdARVm6lTHP_6PuL4Oppo0xm1ljJgclEdfl1fz2Qztal4EZvJq-IjhzMbHa-q3CFEV2he0T-lofnaNng4HUzM2vT84ydzPZL2faoLtN3ieuz/s1600/Florence+img30.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="440" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsXPV2N4bQlTQx4_K1jBVxZ2T-zROOmn1gsdARVm6lTHP_6PuL4Oppo0xm1ljJgclEdfl1fz2Qztal4EZvJq-IjhzMbHa-q3CFEV2he0T-lofnaNng4HUzM2vT84ydzPZL2faoLtN3ieuz/s640/Florence+img30.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>O que restou de um exército volta
para casa. Eles haviam embarcado para a guerra com bandas tocando e bandeiras
sendo agitadas. Venceram suas batalhas — mas foram derrotados pela imundície,
pelas doenças e pela má organização. Florence salvou muitos, mas seu trabalho
pioneiro asseguraria que milhares de outras pessoas receberiam nos anos
seguintes o tratamento merecido</i>. <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na volta ao trabalho, muitos problemas a esperavam.
O exército, as enfermeiras e as freiras pareciam estar travando uma guerra
particular, cujo peso desabou sobre a pobre Florence. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A família decidiu que alguém deveria ir a
Scutari fazer companhia a ela. A tia Mai se candidatou e, a 16 de setembro de
1855, chegou com um experiente caixeiro. Tia Mai ficou horrorizada com a fragilidade
e a palidez de Flo — e pela amarga inimizade e mesquinharia que a cercavam.
Estabeleceu-se, ajudando no trabalho burocrático. Escreveu a respeito de Florence:
"Ela adquiriu uma calma admirável. Não se irrita, não se apressa, nem faz
confusão, aconteça o que acontecer. Nada interfere em seu trabalho. Nem a
alimentação nem o cansaço nem a febre". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O Fundo Nightingale <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na Inglaterra, Florence era vista
como a luz da Criméia. O país estava enfestado de <i>souvenirs </i>da senhorita Nightingale — canecos e pratos, bustos de cerâmica,
poemas e biografias imprecisas. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhy2q-2qxPOpVg2GIMxjXTm8YL8vLNiI1Ltz09Aqxs5rKYik1K5SUy64_B2PUXR18QF-rNYIpEZ-wrtybDK_EvZ6FZklLZZkz19tKugiI6QAkRWIiwCZrIK0-e9TGAzIUIgSncS7E62b1sQ/s1600/Florence+img31.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhy2q-2qxPOpVg2GIMxjXTm8YL8vLNiI1Ltz09Aqxs5rKYik1K5SUy64_B2PUXR18QF-rNYIpEZ-wrtybDK_EvZ6FZklLZZkz19tKugiI6QAkRWIiwCZrIK0-e9TGAzIUIgSncS7E62b1sQ/s400/Florence+img31.jpg" width="276" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>A febre Florence se espalhou pelo
país!</i> Souvenirs <i>com apelos sentimentais de todos os tipos foram produzidos.</i> </div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzaVdiHoOEz1diQLZM1XgETxoCm48jW99CHXX1ji_4AgaCU1LvQOVEWWi86JCdx5GLMZuNvBrkuaVZNTduTrD8Svm3Qm8hMtTBWjIYKUxnGV1YKALhyphenhypheny1HFUI2VXHhBXZRfTyd4PUxNnsu/s1600/Florence+img32.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzaVdiHoOEz1diQLZM1XgETxoCm48jW99CHXX1ji_4AgaCU1LvQOVEWWi86JCdx5GLMZuNvBrkuaVZNTduTrD8Svm3Qm8hMtTBWjIYKUxnGV1YKALhyphenhypheny1HFUI2VXHhBXZRfTyd4PUxNnsu/s400/Florence+img32.jpg" width="203" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma corrida de cavalos recebeu seu nome,
assim como um barco salva-vidas. Florence, sensata como sempre, permaneceu
indiferente. Havia lidado com a crua realidade e sabia quanto ainda precisava
ser feito. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Várias contribuições em dinheiro foram
feitas para uma apresentação, "algo do tipo chá para madames",
escreveu Parthe maldosamente. Mas as doações foram tantas que decidiu-se pela
criação do Fundo Nightingale, que ajudaria a estabelecer um instituto para
treinamento de enfermeiras. Sugeriu-se que os soldados contribuíssem com um dia
de salário para o fundo. As tropas doaram quase 9 mil libras (mais de 200 mil
libras em dinheiro de hoje). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A mãe de Florence, Fanny, sucumbiu à
emoção. Escreveu à filha para dizer-lhe que se sentia orgulhosa. Florence,
colocando o passado de lado, respondeu: "Minha reputação não me deu
qualquer vantagem em meu trabalho; mas, se ela a deixa satisfeita, então isso é
suficiente". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Guerra de palavras <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em dezembro, o chefe do corpo
médico, doutor Hall, encaminhou ao fornecedor-chefe um relatório que acusava
Florence de insubordinação e as enfermeiras, de desonestidade, extravagância,
desobediência, ineficiência e imoralidade. Tratava-se de um amontoado de
mentiras e Florence ficou apavorada. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Ninguém pode imaginar o que
são os horrores da guerra. Não são as feridas e o sangue, ou a febre,
infecciosa e sorrateira, ou a disenteria, crônica ou aguda, ou o frio, o calor
e a fome. São a intoxicação, a brutalidade da embriaguez, a desmoralização e a
desordem de parte dos subalternos; e o ciúme, as mesquinharias, a indiferença e
o egoísmo brutal da parte dos superiores". <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Florence Nightingale</span><o:p></o:p></i></div>
<b>___________________________________________________________________________</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Deflagrou-se então uma guerra de palavras,
cartas e reuniões entre o governo e as pessoas que tentavam sujar o nome de
Florence. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Porém, no início de 1856, uma comissão
para o suprimento do exército britânico da Criméia apresentou um relatório ao
Parlamento, confirmando todas as alegações de Florence. Surpreendentemente,
porém, o doutor Hall foi nomeado Cavaleiro Comandante de Bath, C.C.B.
"Comandante de Crimes Bestiais na Criméia, suponho", escreveu
Florence com amargura. "Vivo num estado de fúria. Vi os homens caminharem
por aquele longo e tenebroso inverno sem outra proteção a não ser um cobertor
sujo e velhas calças do regimento, quando sabíamos que os depósitos estavam
cheios de roupas quentes; esqueletos vivos devorados pelos vermes, feridos, sem
esperança, sem fala, morrendo à medida que encostavam a cabeça no travesseiro
sem dizer palavra... Podemos admitir a promoção dos homens que causaram essa
calamidade colossal, nós que vimos tudo?" <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O governo triunfou, e em 16 de março de
1856, emitiu-se um despacho que estabelecia a posição de Florence. Dizia:
"A senhorita Nightingale é reconhecida pelo governo de Sua Majestade como
superintendente geral do Instituto de Enfermagem Feminina dos Hospitais do
Exército". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sua palavra seria lei. Todos os inimigos
foram derrotados de uma só tacada. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Ninguém pode sentir pelo
exército o que eu sinto. As pessoas precisavam ter visto aquele longo e
tenebroso inverno para saber o que era aquilo. Eu jamais esquecerei". <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Florence Nightingale</span><o:p></o:p></i></div>
<b>___________________________________________________________________________</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A volta à Inglaterra <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar de exausta, Florence
estava triunfante. E logo depois, em 29 de abril de 1856, a paz seria declarada.
A luta terminara, mas não a ameaça da doença. Era fundamental que se
transportassem os homens de volta antes que o verão chegasse trazendo o calor
que fomentava o cólera. A 16 de julho de 1856, o último paciente deixou o
Hospital Militar. O trabalho de Florence chegara ao fim. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 28 de julho, ela e tia Mai foram para a
França. Florence deixou tia Mai em Paris e embarcou secretamente para a
Inglaterra. Queria evitar as multidões e as grandes recepções que haviam sido
planejadas para sua volta. Na manhã de sua chegada, foi ao convento de Bermondsey
e passou todo o tempo rezando em silêncio. À tarde, dirigiu-se
desapercebidamente para a casa de campo da família. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A guerra estava acabada, as recompensas
choviam sobre ela, mas Florence não podia esquecer. A organizadora eficiente e
capaz, de força de vontade aparentemente indestrutível, escreveu em seu diário:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Oh, meus pobres homens, sou uma
péssima mãe, pois volto à casa e os deixo em seus túmulos na Criméia — 73% de
oito regimentos em seis meses, só de doenças. Quem pensa nisso agora?" <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Florence, a heroína <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence estava exausta, suas
forças drenadas pelas lutas que enfrentara na Criméia. Tinha apenas 36 anos,
mas com certeza achava que seu trabalho estava terminado — agora podia
descansar, recuperar-se, ter um pouco de tempo para si mesma. Florence Nightingale
não percebeu que o principal trabalho de sua vida estava apenas começando.
Teria ainda quase quarenta anos de trabalho ativo pela frente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos primeiros meses depois da guerra, ela
se viu mergulhada em cartas de congratulações, propostas de casamento, demonstrações
histéricas de admiração. Odiava ser uma celebridade e odiava o que chamava
"frufru com o meu nome". Então, recusava-se a dar autógrafos, não
concedia entrevistas, não respondia aos admiradores, não saía em público.
Depois de um tempo as pessoas pararam de esperar que reagisse com
"frufrus" e a vida se acalmou. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjp8whCHDsK-Mu1gwvhWmn4kAhEohjloZuquLyNH4RCgb80npQ94xxbh_t9F8DHL-HV7U0GmALJPwSKwlfofqWet5Hc0bNYm6ttGjXtfrEuvDdglA4inOgVFxz1_Kdt__TuMQeynI-LiJza/s1600/Florence+img33.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjp8whCHDsK-Mu1gwvhWmn4kAhEohjloZuquLyNH4RCgb80npQ94xxbh_t9F8DHL-HV7U0GmALJPwSKwlfofqWet5Hc0bNYm6ttGjXtfrEuvDdglA4inOgVFxz1_Kdt__TuMQeynI-LiJza/s640/Florence+img33.jpg" width="390" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>O romantismo vitoriano encobriu
as reais conquistas de Florence Nightingale. Observe a pintura em que Florence
caminha à luz do luar com uma braçada de flores! Os oficiais incompetentes que
haviam enfrentado a enfermeira dura e determinada da Criméia não se lembravam
deste lado de Florence Nightingale.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os vitorianos criaram uma imagem
sentimental de Florence Nightingale. Era "A Dama do Lampião" — uma
mulher boa, gentil, de coração mole, que se inclinava sobre a cama dos doentes
e moribundos para oferecer-lhes conforto e esperança. Mas esse era apenas um
lado do caráter de Florence. Ela também era uma mulher extremamente
inteligente, diplomática e de vontade firme. Quando "A Dama do
Lampião" abraçava uma causa, era uma fortaleza de determinação. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Duas figuras heroicas emergiram da Criméia, o soldado e a
enfermeira. Nos dois casos, houve uma mudança radical na estima do público; e,
nos dois casos, essa transformação é devida à senhorita Nightingale." <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Cecil Woodham Smith, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;">Florence Nightingale</span></div>
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________</b></div>
<br />
Causas era o que não lhe faltavam depois
do que havia visto na Guerra da Criméia. Já sabia que as enfermeiras precisavam
receber treinamento adequado. Mas sua experiência em Scutari convenceu-a de uma
vez por todas de que era preciso encontrar uma forma de tornar a enfermagem uma
profissão respeitada, com padrões de conduta e realização pelos quais todas as
enfermeiras pudessem se guiar. Também sabia que os hospitais precisavam mudar —
muitas das mortes de Scutari foram provocadas apenas e tão-somente pelas condições
do hospital. Florence passara anos estudando os hospitais de toda a Europa —
ninguém conhecia mais o que neles se passava ou o que precisava ser feito para
reformá-los. Nos anos que se seguiram, ela atacaria esse problema e muitos
outros, da administração dos asilos de pobres de Liverpool às condições de vida
e de saúde de toda a Índia. Porém, queria primeiro mudar o exército britânico.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4Ldu6XVGqrw9aWfzrJM_nYT5lpv9AtCbs29JyGeXZVIkTLFnC707FlaOxIAIzz8yKpi7jZoxkPhOwd_kSX9u-mR3IYRa2NrQbT52HGa7UBw6ogBO6rwphzSVW4EqQy4gmGuFRAc0o3Gr2/s1600/Florence+img34.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4Ldu6XVGqrw9aWfzrJM_nYT5lpv9AtCbs29JyGeXZVIkTLFnC707FlaOxIAIzz8yKpi7jZoxkPhOwd_kSX9u-mR3IYRa2NrQbT52HGa7UBw6ogBO6rwphzSVW4EqQy4gmGuFRAc0o3Gr2/s640/Florence+img34.jpg" width="454" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As lembranças de Scutari e de Balaclava a
assombravam, mas aquele sofrimento todo não ensinara nada às autoridades médicas
militares. O mesmo sistema perdurava nos hospitais e nos acampamentos, o
sistema que havia sido a raiz do caos e do sofrimento da Criméia. Florence não
podia ignorar esses fatos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A rainha Vitória ajuda <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então, uma maravilhosa oportunidade
apareceu. A rainha e o príncipe Albert queriam ouvir toda aquela história de
sua própria boca. Florence pôs-se a trabalhar para juntar provas que pudessem
convencê-los da necessidade de uma reforma no Exército. Visitou hospitais militares
para inspecionar as condições, frequentemente, por mais de doze horas por dia.
Ao chegar em casa, punha-se a escrever novamente. Nessa época, e pelas três
décadas seguintes, chegava a trabalhar 22 horas seguidas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em setembro, apenas dois meses depois de
retornar da Criméia, Florence foi a Balmoral, na Escócia, para um encontro com
a rainha e com o príncipe Albert. Eles ficaram encantados com ela e ouviram com
atenção tudo o que Florence explicou. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizrTfm71sa_AfiKiq5tKdBX0e3Qk5Q_PiDYnrF3WvU-uXLkIRzRiXWzdhz7aWj5yUHVeUo7jZSvoSG69Qu4McDQ-dHkdnt2GPsen7ueSjkYa9rtTbDeAnNcKsvCAxJgpXg4kKFcPO-tIDP/s1600/Florence+img35.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizrTfm71sa_AfiKiq5tKdBX0e3Qk5Q_PiDYnrF3WvU-uXLkIRzRiXWzdhz7aWj5yUHVeUo7jZSvoSG69Qu4McDQ-dHkdnt2GPsen7ueSjkYa9rtTbDeAnNcKsvCAxJgpXg4kKFcPO-tIDP/s640/Florence+img35.jpg" width="410" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>A rainha Vitória tinha profunda
admiração pelas conquistas de Florence na Guerra da Criméia. Deu a ela este
broche, onde se lê “Abençoados os Piedosos”. A rainha manifestou inestimável
apoio à campanha de reformas do serviço médico do Exército.</i> <o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Gostaria de tê-la no Ministério da
Guerra", escreveu a rainha ao comandante-em-chefe. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eles pediram que ela voltasse. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era um começo, e agora Florence teria de
vencer as resistências dos principais ministros de Estado. Como não era do
meio, não poderia alterar procedimentos básicos do Exército sem ser uma
política importante. E, como mulher, não podia ser política. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O único caminho que se lhe abria era
trabalhar através de alguns dos líderes da época. Isso ela conseguiu. Sidney
Herbert e outros quatro homens importantes devotaram todo o tempo livre a suas
causas. Eles a respeitavam como <i>a</i>
especialista em condições hospitalares. E, com sua modéstia e seu jeito
metódico, adoravam trabalhar para Florence. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As negociações demandaram mais seis meses
de cansativas visitas a hospitais e de relatórios — transformando Florence em
uma sombra. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Ninguém que não trabalhasse
com ela (Florence) diariamente poderia conhecê-la, ter uma ideia de sua força,
de sua clareza, de seu espírito benevolente. Foi uma das criaturas mais dotadas
que Deus pôs no mundo". <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Dr. John Sutherland, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">membro da comissão
sanitária de 1857</span><o:p></o:p></i></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></b>
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A reforma no Exército <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Afinal, em maio de 1857, uma
comissão para estudar toda a questão do serviço médico do Exército começou a
funcionar. O preço foi alto. Florence realizava esse trabalho estafante porque
ele era vital, não porque o tivesse escolhido. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mudara. Agora era mais brilhante do que
nunca nas discussões, mais eficiente, mais preparada, mais persistente na
argumentação, escrupulosamente justa, com sagacidade matemática — mas estava chegando
aos limites de sua capacidade às custas de todo prazer. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNnY4nzNDQv110ap5zjYNz27dXJ3eXouyLE8KEDtRvH6O2nWxDachhHf984Aiu1bQrSMHXNQLZ1KTFwJTcXxi6umz0jGkfEFxhz4QqMfNszwbbs6mAz2sdK4QwobyuW_BvsSygwVWt4meq/s1600/Florence+img36.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="470" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNnY4nzNDQv110ap5zjYNz27dXJ3eXouyLE8KEDtRvH6O2nWxDachhHf984Aiu1bQrSMHXNQLZ1KTFwJTcXxi6umz0jGkfEFxhz4QqMfNszwbbs6mAz2sdK4QwobyuW_BvsSygwVWt4meq/s640/Florence+img36.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Uma comissão (todos homens) foi
formada em 1857 para estudar o serviço médico militar. Muitos dos membros não
apenas admiravam Florence Nightingale, como aprendiam com ela. Sua crítica ao
Exército era implacável.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O verão de 1857 foi um pesadelo para
Florence - como se não bastasse trabalhar noite e dia para instruir os
políticos da comissão, ainda escrevia relatórios confidenciais sobre suas
experiências. Tudo isso enquanto a mãe e Parthe sentavam-se confortavelmente,
dizendo uma à outra para não ficar exausta com a arrumação das flores. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence levou apenas seis meses para
terminar o relatório confidencial de mil páginas <i>Notas sobre Questões Que Afetam a Saúde, a Eficiência e a Administração
Hospitalar do Exército Britânico</i>. Tratava-se de um volume incrivelmente
claro e profundo. Cada ínfimo detalhe que aprendera na Guerra da Criméia estava
lá — cada afirmação se assentava sobre sólidas provas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Basicamente, Florence Nightingale
argumentava mais em favor da prevenção do que da cura. Naquele tempo, essa era
uma ideia nova, e muitos políticos e médicos militares achavam que era
revolucionária e definitivamente excêntrica. Opunham-se a Florence e a seus
aliados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ela foi forçada a provar que os soldados
estavam morrendo por causa de suas condições de vida. Havia inspecionado
dezenas de hospitais e quartéis e agora os mostrava como lugares úmidos,
imundos e abafados, com esgotos sujos e suprimento de água contaminada. Mostrou
que a dieta dos soldados era pobre. Coletou dados que provavam que a taxa de
mortalidade dos soldados <i>em tempos de paz</i>
era duas vezes maior que a da população civil. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mostrou que, embora o Exército recrutasse
apenas os homens fortes, todos os anos morriam 1,5 mil deles por negligência,
pela alimentação pobre e pelas doenças. Declarou: "Nossos soldados se
alistam para a morte", e esse se tornou o grito de guerra de seus seguidores.
<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTFLI09vyfyleMD8YA9Ak6yg7YlJxjmBVkFpiEmoW0BYI2jV7i4k9QtMFXTQb3BzAVFpI-60wxFGN_XipBYCgxWFmT05XqS_0iyKsb_KjLJoxJt15Y-NSPUMgiqyty7yZaxG3g40wZCTFQ/s1600/Florence+img37.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTFLI09vyfyleMD8YA9Ak6yg7YlJxjmBVkFpiEmoW0BYI2jV7i4k9QtMFXTQb3BzAVFpI-60wxFGN_XipBYCgxWFmT05XqS_0iyKsb_KjLJoxJt15Y-NSPUMgiqyty7yZaxG3g40wZCTFQ/s400/Florence+img37.jpg" width="210" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Uma caricatura da época, que
mostra como os soldados eram vistos pela imprensa — bêbados e preguiçosos.
Florence os via de forma diferente — pessoas comuns, levadas ao Exército pela
pobreza e tratadas de forma abominável</i>.<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A opinião pública também estava a seu
lado. Quanto mais os antirreformistas fincavam pé, mais aumentava a pressão
pelas reformas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence não conseguiu uma vitória fácil
sobre os oponentes, mas as mudanças vieram. Logo alguns quartéis foram reconstruídos
e em três anos a taxa de mortalidade cairia pela metade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O árduo trabalho da comissão terminara,
mas Florence continuaria estudando, planejando e pressionando por reformas no
serviço médico militar por mais trinta anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Colapso <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 11 de agosto Florence entrou em
colapso — há quatro anos não ficava sozinha e agora ansiava por silêncio.
Mantinha-se viva à base de chá. Estava tão doente que alguém chegou a escrever
seu obituário e um jornal estava pronto para publicá-lo no minuto em que ela
morresse. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E ainda havia tanto por fazer... Ela <i>não podia</i> morrer. Precisava de mais
tempo. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiW4ASOYz9c-733uLlHvZExuWM0Eio2AkmQO2M-_nnZo6mECW46AM_XKCjCYLwMf0YkPlZmrzRDdE8SBb2b7Gs-2DzgJqGRtBTJhTLbL_U_g_ApJAgIddq2Vc8fzz69I6SoK596Toyn_dXG/s1600/Florence+img38.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiW4ASOYz9c-733uLlHvZExuWM0Eio2AkmQO2M-_nnZo6mECW46AM_XKCjCYLwMf0YkPlZmrzRDdE8SBb2b7Gs-2DzgJqGRtBTJhTLbL_U_g_ApJAgIddq2Vc8fzz69I6SoK596Toyn_dXG/s640/Florence+img38.jpg" width="620" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Este diagrama mostra o modo
detalhado como Florence apresentava suas pesquisas. Ela provou que para cada
soldado morto na Guerra da Criméia outros sete morriam de doenças infecciosas
que se poderiam evitar. Florence foi a pioneira da medicina preventiva. Comida
melhor, limpeza e ventilação preveniam a doença e a morte, e ela provou isso
com pesquisas esmeradas.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence se recolheu. Quanto retornou a
Londres tia Mai a acompanhou. Tia Mai já havia ficado ao lado de Florence em
outras ocasiões difíceis; chegara até a trabalhar na Criméia. Agora, com sua
ajuda, Florence pôde finalmente virar o jogo com a irmã e a mãe. Cada vez que
elas tentavam visitá-la, Florence tinha um "ataque", e tia Mai
escrevia cartas dramáticas, dizendo que a vida da sobrinha "estava por um
fio" e implorando para que elas permanecessem à distância. E ficar longe
foi o que finalmente fizeram. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Uma proposta para
Parthe <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A tentativa de Florence de manter
a família a distância foi facilitada por um homem chamado Harry Verney. Depois
de fazer-lhe várias visitas durante o verão de 1857, ele a pediu em casamento.
Florence, nem é preciso dizer, recusou. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sir Harry transferiu sua afeição para
Parthenope, a irmã mais velha de Florence, e em 1858 eles anunciaram seu
noivado. Fanny e Parthe passaram a se ocupar com os preparativos para a
cerimônia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pouco depois do casamento da irmã,
Florence mudou-se para o anexo do hotel Burlington, que era espaçoso e
tranquilo. Florence não via mais os amigos, não ia a festas nem a concertos.
Tia Mai cuidava dela. Florence planejara o próprio funeral, mas, em um sofá
semi-reclinado, conseguiu trabalhar mais arduamente do que nunca. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Agora
as pessoas começaram a pedir-lhe que aplicasse seus conhecimentos nos hospitais
<i>civis</i>, que ela achava "tão ruins
ou piores" que os militares. Em 1859, Flo publicou um livro intitulado <i>Notas sobre os Hospitais</i>. Ele mostrava
ao mundo por que as pessoas temiam ser levadas aos hospitais e como os
problemas poderiam ser resolvidos.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Suas Notas sobre Hospitais (1859) revolucionaram a teoria da
construção e da administração hospitalar. Ela foi logo reconhecida como uma
especialista nessas questões, e seus conselhos fluíam incessantemente, de tal
modo que não havia mais nenhum grande hospital que não apresentasse alguma evidência
de sua mente brilhante". <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span lang="EN-US"><span style="font-size: x-small;">Lythan Strachey, <o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US"><span style="font-size: x-small;">Eminent
Victorians (Vitorianos Eminentes)</span><o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b><span lang="EN-US">___________________________________________________________________________<o:p></o:p></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Florence estabeleceu a então
revolucionária teoria de que, com a simples melhora das construções e da
manutenção, a taxa de mortalidade hospitalar seria reduzida. Mais janelas, mais
ventilação, melhores redes de esgoto, mais espaço e limpeza regular dos pisos,
das paredes e das camas eram medidas básicas que deveriam ser adotadas por
todos os hospitais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Logo Florence se transformaria em uma
especialista em construção hospitalar, e todo o mundo começou a construir
hospitais de acordo com suas especificações. Flo escreveu centenas e centenas
de cartas em um sofá em Londres, questionando sobre pias e panelas, fechaduras
e lavanderias. Nenhum detalhe era pequeno o bastante para não merecer sua
consideração. Saiu-se com ideias para distribuir de forma mais eficiente a
roupa de cama, o melhor método de manter a comida quente, a distância correta
entre as camas. Ela propunha mudar a administração dos hospitais de cima a
baixo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence foi bem-sucedida. Hospitais à
moda Nightingale foram construídos no mundo inteiro. Além disso, continuou a
servir como conselheira para planos hospitalares por mais de quarenta anos. Os
hospitais de hoje, floridos, limpos e agradáveis <i>(a autora refere-se aos hospitais dos países desenvolvidos, evidentemente.
N. da T.)</i>, são um resultado direto de seu trabalho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">"Notas sobre
Enfermagem" <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um dos hospitais em que trabalhou
como conselheira foi o St. Thomas, de Londres. Enquanto os aconselhava sobre a
melhor maneira de construir um hospital, percebeu que aquele seria um bom lugar
para estabelecer uma escola de enfermagem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto as negociações caminhavam,
escreveu um pequeno livro sobre enfermagem para ser usado por mulheres comuns.
Publicado em 1859, apenas quatro anos depois da Criméia, <i>Notas sobre Enfermagem: o Que Ela É e o Que Não É</i>, foi um sucesso instantâneo.
Sidney Herbert escreveu que ele era "mais interessante do que um
romance"; um escritor contou que a filha e uma amiga, numa série de
visitas, encontraram um exemplar em todas as casas. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Uma enfermeira que voltava
do norte encontrou uma cesta com lanches no vagão do trem que tomaria; outra,
que estivera doente, recebeu um bilhete: ‘Eu pago tudo’: Todas as estagiárias
eram convidadas para o chá pessoalmente e recebiam um presente, com frequência
um bolo. Uma dessas moças, que usava sua melhor roupa para a circunstância,
ouviu que a pobreza das roupas dos convidados determinaria o tamanho do bolo.
Voltou a vestir suas roupas velhas e saiu do chá com um bolo grande o
suficiente para alimentar as 36 estagiárias". <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Elspeth Huxley, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;">Florence Nightingale</span><o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Como todo o trabalho de Florence, essas
notas eram revolucionárias, embora não contivessem nada que não seja aceito
hoje como noções básicas de higiene. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence também descreveu com grande sensibilidade
o sofrimento, tanto físico quanto mental, de uma pessoa doente, e atacou o
conceito convencional que se fazia das enfermeiras. "Parece uma ideia
comumente aceita pelos homens e até mesmo pelas próprias mulheres",
escreveu, "o fato de que só uma desilusão amorosa ou a incapacidade para
qualquer outra tarefa levam uma mulher a se tornar uma boa enfermeira". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">As enfermeiras
Nightingale <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para consertar esse estado de
coisas, Florence precisava apresentar ao mundo um tipo diferente de enfermeira.
Muitos médicos da época eram contra o treinamento profissional de enfermagem.
Achavam que se podia aprender tudo com a experiência e com uma instrução
simples no local de trabalho. As mulheres ainda eram tidas como o sexo frágil e
estúpido — mesmo com o exemplo de Florence diante de todos. Porém, seis meses
depois de publicar <i>Notas</i>, ela
conseguiria, com recursos do Fundo Nightingale, criar uma Escola de Treinamento
para Enfermeiras, ligada ao hospital St. Thomas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As enfermeiras Nightingale foram treinadas
para ensinar outras e para assumir cargos onde pudessem estabelecer os altos
padrões de Florence. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8g_-0dDeq7tj-3JI9R57s1aK-mViv87_1wKHTmzu-uPKE0dsX5WavV7t4cXO36ceHBXh8rZKxTNTVsIzFNl_ghAE2875HxNSoxT-R9EAfEe9kBstrT9EfQ138uHPUTWEKu5mmcdEnGcfj/s1600/Florence+img39.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="442" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8g_-0dDeq7tj-3JI9R57s1aK-mViv87_1wKHTmzu-uPKE0dsX5WavV7t4cXO36ceHBXh8rZKxTNTVsIzFNl_ghAE2875HxNSoxT-R9EAfEe9kBstrT9EfQ138uHPUTWEKu5mmcdEnGcfj/s640/Florence+img39.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Florence Nightingale e algumas de
suas enfermeiras. O perfeccionismo era um dos segredos de seu sucesso. Vira o resultado
de planos inconsistentes na Criméia e, pelo resto da vida, lutou por altos
padrões. Nenhum detalhe era insignificante. Tinha opinião sobre tudo, desde o
tamanho das salas de operação até o tom da pintura. De alguma forma passou a
paixão pelo cuidado e pelo perfeccionismo para outros. E jamais perdeu a
bondade. Todas as enfermeiras recebiam flores e bilhetes carinhosos de
Nightingale.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Todas as candidatas eram escolhidas a dedo
e deviam apresentar boas referências. Recebiam uniformes limpos e bonitos. A
disciplina era rígida, mas as aceitas tinham quartos separados. Florence lhes
enviava flores, livros, mapas e quadros para tornar a escola um local agradável
para viver e trabalhar. Jamais uma enfermeira tivera a oportunidade de estudar
assim. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em poucos meses choviam pedidos de
enfermeiras Nightingale — a Escola de Treinamento era um sucesso. Logo sua reputação
se espalharia. Em quinze anos, hospitais de todo o mundo as requisitavam para
abrir novas escolas. Em 1867 enviaram um grupo para Sydney, na Austrália, e no
início de 1880 as enfermeiras dos grandes hospitais da Grã-Bretanha, do Canadá,
da Alemanha, da Suécia e dos Estados Unidos eram ex-alunas de Florence. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAOIWpGP1nRKi96caatXQ3xDAp2J2ukM0Tz0WI5ETmB6Yr6cdwVfyW4egQunlM1kiroRJdN0VZhhIAgCJi6Fm0TPEiSRBnI2SNw_NBdgtqehQ6ChKgLl1Yaj0duvHLga4KOL3aezRY1PvS/s1600/Florence+img40.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="278" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAOIWpGP1nRKi96caatXQ3xDAp2J2ukM0Tz0WI5ETmB6Yr6cdwVfyW4egQunlM1kiroRJdN0VZhhIAgCJi6Fm0TPEiSRBnI2SNw_NBdgtqehQ6ChKgLl1Yaj0duvHLga4KOL3aezRY1PvS/s400/Florence+img40.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Hoje as enfermeiras são altamente
especializadas e respeitadas. Sua imagem pública guarda quilômetros de
distância daquela de suas antepassadas, tidas como bêbadas. Florence é
reconhecida em todo o mundo como a pioneira da moderna enfermagem.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um dia, as enfermeiras foram consideradas
bêbadas incorrigíveis e libertinas. Hoje a enfermagem é uma das mais
respeitadas profissões do mundo. Essa mudança se deve em grande parte a
Florence Nightingale e a sua cega determinação.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Tempo de perdas <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1860 Florence começou a se
sentir cada vez mais sozinha. Primeiro, um colega que projetava os novos
Regulamentos Médicos do Exército morreu de repente. Tia Mai voltou para casa.
Finalmente, Sidney Herbert ficou tão doente que foi forçado a abdicar do
Ministério da Guerra. Cega pela ânsia de mais e mais progressos, ela não o
perdoou. Achava que ele a havia traído. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dois meses depois Sidney Herbert morreu.
Suas últimas palavras foram: "Pobre Florence... pobre Florence... nosso
trabalho conjunto inacabado". <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHpCMnMslLHh4mRnHgI9b8kX3kTzJdovtsSxKH1fi7ES7N6I30q3AW8DCAFe8IuQ8NegX5K6tzPnDdzylZ4KjdK9K-Ens2RRp3cfHVlhQsf2njmNPP_Skc-panGWHQWzXD_RiR9bZcRS8F/s1600/Florence+img41.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHpCMnMslLHh4mRnHgI9b8kX3kTzJdovtsSxKH1fi7ES7N6I30q3AW8DCAFe8IuQ8NegX5K6tzPnDdzylZ4KjdK9K-Ens2RRp3cfHVlhQsf2njmNPP_Skc-panGWHQWzXD_RiR9bZcRS8F/s640/Florence+img41.jpg" width="424" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Florence envelheceu de modo tranquilo.
Os dias da "Dama do Lampião" iam longe. Mas ainda trabalhava para a
enfermagem, para o Exército e para os pobres. Era infinitamente boa para as
enfermeiras, dando-lhes a mesma atenção que dispensara às senhoras doentes de
sua juventude e aos soldados de quem cuidara na Guerra da Criméia.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence ficou aterrorizada com a notícia.
Ele havia aguentado sua raiva e suas reprovações, havia trabalhado
incessantemente por suas causas. "Jamais esquecerei o temperamento
angelical de Herbert", escreveu ela. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A morte de Herbert foi uma perda grave
para Florence, não apenas por ter sido um grande e querido amigo, mas também
porque era a porta de entrada do Ministério da Guerra. Sempre trabalhou com ele
e através dele. Sem Herbert, estava acabada — sua morte significava a
interrupção das reformas do Exército. Ao se recuperar, Florence soube que dali
em diante deveria direcionar todo o seu conhecimento e a sua paixão para outro
lugar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1861 explodiu a guerra civil americana,
e Florence foi solicitada a ajudar para o caso de a Grã-Bretanha se envolver no
conflito. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A fim de organizar tudo a tempo, Florence
tinha de trabalhar dia e noite e entrou em colapso de novo. Ninguém esperava
que ela sobrevivesse, mas em janeiro de 1862 já podia se sentar na cama, embora
não pudesse andar. Ficaria seis anos sem sair do quarto. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Havia um fluxo constante de visitantes
ilustres. Políticos, administradores de hospitais, todos a visitavam para pedir
conselhos ou instrução. Florence conduzia os assuntos importantes do sofá — em
geral cercada por três gatos! Jamais perdeu de vista os detalhes. Era
incansável. Escrevia cartas, livros e relatórios até a madrugada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence ficou impossibilitada de andar
pelos cinquenta anos de vida que ainda lhe restaram. Quando trabalhava demais
ou quando ficava irritada (geralmente por causa da família), seu estado
piorava. Não se sabia ao certo qual era seu problema, mas ela sofria de
fraqueza, fadiga e falta de ar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Recusava-se a receber visitas, a menos que
estivessem relacionadas com o trabalho. "Sistema de confinamento solitário
de Flo" era como um dos amigos descrevia seu modo de vida. Ele usou a
expressão "sistema" porque daí em diante Florence decidiu ficar
isolada e acamada de propósito — sabia ser esse o único jeito de ter tempo e
forças para continuar trabalhando por seus objetivos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Mais trabalho do que
nunca <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E trabalho não faltava. Embora raramente
visse os remetentes, Florence recebia um fluxo constante de papéis de vários
oficiais do governo. Se um ministro precisasse de conselho especializado,
consultava a senhorita Nightingale. Se um oficial do governo precisasse de uma
regulamentação sanitária, ele a pedia a Florence. Sabia que a teria em pouco
tempo e, melhor ainda, pronta para uso imediato. Nesse tempo ela era
especialista não apenas em questões de saúde e hospitalares, mas também em
legislação e burocracia do governo. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Sua posição era fantástica.
Ela era a comandante-em-chefe. Colecionava fatos e os verificava, tirava
conclusões e as colocava no papel para finalmente ensinar o que aprendera aos
homens, que eram seus porta-vozes". <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Cecil Woodham Smith, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;">Florence Nightingale</span><o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
No silêncio e no conforto de seu quarto,
ela criou mandados, regulamentações e minutas; escreveu memorandos e cartas. E,
é claro, listou instruções. Seu brilhantismo para a administração era tal que
muitas de suas inovações ficaram em uso até muito tempo depois de sua morte. Em
1947, um comitê de investigação comentou que a contabilidade dos Serviços
Médicos do Exército funcionava muito bem, quando métodos muito mais novos falhavam
e tinham de ser interrompidos. Perguntaram quem tinha inventado aquele sistema.
A resposta: Florence Nightingale. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aos 42 anos, Florence estava convencida de
que tinha pouco tempo mais de vida. Entretanto, viveria até os 90, e pelo menos
durante trinta desses anos seria uma das pessoas mais poderosas do país. Suas
campanhas por reformas continuariam, exigindo melhorias das condições de vida
dos soldados, dos hospitais e do treinamento de enfermeiras. Conseguiu reformas
de alcance mundial, sem nenhuma ajuda ou posicionamento oficial do governo —
deitada no sofá!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O exército na Índia <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chegara o momento de Florence Nightingale
desviar a atenção para a Índia. Esse projeto a ocuparia durante mais de trinta
anos. A saúde do exército britânico no subcontinente, então uma enorme e vital
parcela do império britânico, precisava ser melhorada. As estatísticas
revelavam que por anos a fio a taxa de mortalidade do exército na Índia tinha
sido de 69 por mil — mortes causadas não pelo calor, mas pela falta de esgotos
e de água potável. Os quartéis viviam apinhados. As doenças hospitalares eram
terríveis. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As tropas indianas estavam num estado
ainda pior. Aqueles pobres homens não tinham ração, nem quartel, nem banheiros,
nem banho, nem cozinha — nada. Os indianos comuns também viviam na imundície
total. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Florence se deu conta de que a questão era
resolver as condições sanitárias de <i>toda
a Índia</i>. Tratava-se de uma missão extremamente intimidadora. Confinada na
cama, preparou outro enorme relatório, com 2 mil páginas, tão brilhante quanto
tudo aquilo que produzira antes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, atrasos se seguiam a atrasos.
O ano de 1864 terminou, 1865 começou e nada havia sido feito pela Índia. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Sua voz, suas maneiras e
seus movimentos eram tão suaves, que era difícil alguém sentir seu caráter
inquebrantável ao se aproximar dela. Seus poderes eram impressionantes..."
<o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Elizabeth Gaskell, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">romancista inglesa</span><o:p></o:p></i></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Florence estava, de novo, desesperada. Não
podia se mover sem ajuda e ainda se sentia profundamente comprometida com as
causas que defendia. Seus nervos estavam em estado deplorável. Não podia
suportar ninguém no quarto, nenhum movimento, nenhum som. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de treze meses de clausura, quando preparou
um outro relatório sobre a questão indiana, Florence finalmente conseguiu
alguma coisa — a criação de um Departamento Sanitário no Ministério da Índia.
De agora em diante seriam feitos relatórios anuais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto isso, trabalhava em outros
projetos. Ainda estava profundamente envolvida com a reorganização da
enfermagem, a Lei de Assistência Social, a reforma hospitalar, os partos e o
treinamento de enfermeiras. Sua carga de trabalho era gigantesca e mais do que
nunca ela era respeitada e influente. Estava com 47 anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A reforma dos asilos de
pobres <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E agora surgia a questão dos
asilos de pobres. Em dezembro de 1864, um mendigo havia morrido no asilo
Holborn, em Londres — por causa da "imundície provocada por grossa
negligência". Florence deu graças a Deus pela morte do pobre homem, pois
ela lhe dava argumentos para lutar contra a Junta de Assistência Social. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkaPJr8eO37aijpF8P8FiTpbqCf_5xQkdQN7eiL62MSINFbDTveh5jcR4KMUnkyYa96sHvyUscB4kDAOHAp4xVo_kBaMYiv3qmgK8TXBWjEkoHw0xC-sJDNKecalALJxzr0UBK70gfkxHC/s1600/Florence+img42.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkaPJr8eO37aijpF8P8FiTpbqCf_5xQkdQN7eiL62MSINFbDTveh5jcR4KMUnkyYa96sHvyUscB4kDAOHAp4xVo_kBaMYiv3qmgK8TXBWjEkoHw0xC-sJDNKecalALJxzr0UBK70gfkxHC/s640/Florence+img42.jpg" width="393" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>A situação dos asilos de pobres
era tão terrível que as pessoas preferiam morrer de fome a pedir abrigo em um
deles.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na Grã-Bretanha, a ameaça de ser levado
para um asilo era um pesadelo que se abatia sobre os muito pobres. Os
vitorianos raciocinavam que, se esses lugares fossem bastante horrorosos, as
pessoas lutariam ainda mais para não parar lá. Porém, péssimas safras, doenças,
tragédias familiares e a velhice empurravam os pobres para essas instituições, por
mais sombrias que fossem. Maridos eram separados das mulheres e os internos
sentiam-se humilhados e um fardo para a sociedade. As condições desses lugares
eram aterrorizantes. <o:p></o:p><br />
Em 1865, permitiu-se que as enfermeiras
Nightingale entrassem na enfermaria do asilo de Liverpool em fase experimental.
Pela primeira vez os pobres seriam tratados por profissionais treinados. Os resultados
foram encorajadores, e Florence pressionou por uma lei do Parlamento que
obrigasse a uma reforma ampla dos asilos de pobres.<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBcuiUAczCEM4FI-pBHCWw3kXgyRbDkrkZThMeByrU-N0uEgh5UNoMFLnEAe_AgVBs-XISZabBy2j8RqDvafhRrxt0v__Ee7p4GL7btHoEtz49dzSx6ZKvO7G6GnoqoLspnlUf1bdBmPs1/s1600/Florence+img43.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="457" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBcuiUAczCEM4FI-pBHCWw3kXgyRbDkrkZThMeByrU-N0uEgh5UNoMFLnEAe_AgVBs-XISZabBy2j8RqDvafhRrxt0v__Ee7p4GL7btHoEtz49dzSx6ZKvO7G6GnoqoLspnlUf1bdBmPs1/s640/Florence+img43.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Os asilos de pobres serviam aos
desvalidos. Os aleijados, os loucos, os órfãos e os doentes pobres — todos
ficavam ali, em meio à sujeira. Florence passou anos lutando por reformas e
pelo treinamento de enfermeiras especializadas.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1867, quando a Lei de Assistência
Social Metropolitana foi aprovada, ela escreveu: "Conseguimos algumas
coisas; a remoção de 2 mil lunáticos, oito casos de febre e varíola e todas as
crianças que estavam fora dos asilos" — além de outras reformas.
"Isso é só o começo, logo conseguiremos mais". Tornara-se mais obstinada
do que nunca. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">De volta ao St. Thomas <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de uma investigação a
respeito da queda dos padrões da Escola de Treinamento Nightingale, Florence
percebeu, na primavera de 1872, que era preciso reformas e reorganização.
Decidiu mudar-se para perto do hospital e devotar sua vida a ele e à escola de
enfermagem. <o:p></o:p><br />
Seus planos foram por água abaixo quando
teve de se concentrar em cuidar da família. Pelos próximos três anos, dividiu
seu tempo entre eles e o trabalho de reorganização da Escola Nightingale. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 10 de janeiro de 1874 seu pai caiu das
escadas e morreu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Agora, o fardo de ter de lidar com todos
os problemas da família e com a total responsabilidade pela mãe caiu sobre ela.
Ainda perturbada pela morte do pai, escreveu: "Minha vida parece um grande
naufrágio". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos anos tranquilos que se seguiram,
trabalhou sem parar. Mantinha o controle da Escola Nightingale, e o progresso e
o sucesso de suas enfermeiras eram uma fonte constante de alegria. Deliciava-se
com as cartas que chegavam de todas as partes do mundo. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQOGxrYi9so5at1xYIyzepfdR-TAfEh-CIqSdipDLk5lyi78ye8pqGH0I-sIX8yEnx_l1omZuAyUjP_FVXd2VNKram08czjDW59MOoKKRsICMqEGUmwG5OCEokA1U3_Tbn3m0WjZbaaRDg/s1600/Florence+img44.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="380" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQOGxrYi9so5at1xYIyzepfdR-TAfEh-CIqSdipDLk5lyi78ye8pqGH0I-sIX8yEnx_l1omZuAyUjP_FVXd2VNKram08czjDW59MOoKKRsICMqEGUmwG5OCEokA1U3_Tbn3m0WjZbaaRDg/s640/Florence+img44.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>O grande quadro de</i> Fildes <i>mostra
os desesperados aguardando a admissão nas casas de caridade. As inscrições nas
paredes falam dos crimes a que essas tristes, famintas e congeladas criaturas
seriam levadas. Florence comprometeu-se profundamente com a reforma dos asilos.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Conseguira muita coisa. O papel da mulher mudara
para sempre. As atitudes em relação aos soldados comuns foram transformadas.
Parto, construção hospitalar, o tratamento dado aos pobres — todas essas
importantes reformas devemos a Florence Nightingale. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E ela ainda vivia motivada, apoiando
reformas e melhoras. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Fracasso na Índia <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas sentia que falhara em um
lugar. Na Índia. Depois de mais quatro anos de trabalho minucioso, escreveu em
seu diário: "Se eu pudesse fazer alguma coisa pela Índia...!" <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em sua biografia, Cecil Woodham Smith diz
que, por volta de 1879, "ela (Florence) tinha chegado a um profundo
desespero: não havia progressos na Índia; depois de vinte anos de sacrifícios e
esforços, não havia conseguido melhorar nada". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, havia escrito para todos os
oficiais médicos da Índia, tendo redigido um estudo detalhado de seus
relatórios. Bastava mais higiene e suprimentos de água potável para que a taxa
de mortalidade no Exército se reduzisse drasticamente. Para Florence, o
sofrimento e a pobreza de cidadãos comuns era um pesadelo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em junho daquele ano, seu principal
aliado, o vice-rei da Índia, morreu, e o trabalho proposto foi arquivado. Não
se criou qualquer comissão para estudar a irrigação; não se puseram em prática
as recomendações sanitárias feitas quinze anos antes. Toda a reforma falhara.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então, em 2 de fevereiro de 1880 sua mãe,
Fanny, morreu. Florence, aos 60, estava livre finalmente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1879, escrevera: "Você sabe qual
foi o pior período de minha vida? Não os da Guerra da Criméia. Não os cinco
anos em que Sidney Herbert esteve à frente do Ministério da Guerra, quando eu
trabalhava 22 horas por dia, mas os últimos cinco anos e nove meses, desde a
morte de meu pai". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entretanto, de alguma forma, aqueles anos
terríveis haviam curado todas as velhas feridas. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><i><span style="font-size: x-small;">"Embora eu seja conhecido
como o fundador da Cruz Vermelha e como aquele que deu origem à Convenção de
Genebra, na verdade tudo isso se deve a uma mulher. O que me inspirou a ir para
a Itália na guerra de 1859, foi o trabalho da senhorita Florence Nightingale na
Criméia". <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Henry Dunant, <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Prêmio Nobel da Paz de
1901</span><o:p></o:p></i></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>___________________________________________________________________________<o:p></o:p></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
O fato de ter de cuidar da pobre Fanny e
de conseguir finalmente conhecer melhor a irmã deu a Florence um sentimento de
tranquilidade e aceitação. A família recorria a ela sempre que precisava de
consolo e de conselhos. Nem mesmo suas derrotas pareciam perturbá-la como
antes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Devotou décadas a suas causas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A despeito da sensação recorrente de
fracasso, Florence tinha muitas provas do contrário. A Índia passava agora por
novas reformas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sentia-se muito melhor — mas sua vida
ainda girava em torno do trabalho. Não atendia ninguém que a visitasse sem ter
marcado antes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante todo o tempo que viveu, presenciou
mudanças incríveis na medicina — clorofórmio, éter, o trabalho de Lister com antissépticos,
as revelações de Pasteur sobre os micróbios. Os hospitais haviam sido
transformados. Sua vida e seu trabalho eram como uma ponte entre dois séculos.
Já com 73 anos de idade, preparou uma conferência sobre boa e má enfermagem
para a Exposição de Chicago sobre o Trabalho da Mulher. Sua reserva de
conhecimentos, acumulada por toda uma vida de pesquisas e experiências, era
formidável. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O mundo de Scutari estava a anos-luz de
distância. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A velhice <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de uma vida tempestuosa, a
velhice de Florence Nightingale foi feliz e pacífica. Estava cercada de pessoas
que amava. Suas recompensas chegaram tarde, mas vieram afinal. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDXOWK28Ol7xhoPcKWiEBLNSVYmYFfoeCArp1dWE6enSWaOJolvvcgauZT2e5r8C2GKJVIOr5q3aqXj6aG6p07n0D6I2GEtVVLTEeC43QBZZU0EQN5-7Hfv-Bgh6bNHSJCgdYXfUUB2ri3/s1600/Florence+img45.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="494" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDXOWK28Ol7xhoPcKWiEBLNSVYmYFfoeCArp1dWE6enSWaOJolvvcgauZT2e5r8C2GKJVIOr5q3aqXj6aG6p07n0D6I2GEtVVLTEeC43QBZZU0EQN5-7Hfv-Bgh6bNHSJCgdYXfUUB2ri3/s640/Florence+img45.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Florence Nightingale na velhice,
serena e bonita. Ela combinava em sua personalidade o melhor de duas virtudes —
firmeza e bondade. Sempre foi amada, quase venerada. Muitos políticos e jovens
enfermeiras literalmente deram a vida por Florence e suas causas.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Continuou a manter o controle sobre a
administração de sua casa; tinha cinco empregados, sem contar a camareira
particular e o velho mensageiro que entregava notas e cartas suas por toda a
Londres. A casa vivia, é claro, imaculada e organizada nos mínimos detalhes.
Havia sempre flores em todos os vasos; e a cama da senhorita Nightingale
apresentava sempre lençóis limpíssimos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Também se deliciava entrevistando jovens
que queriam ser enfermeiras, apreciando seus comentários e analisando seu
caráter. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse tempo, Parthe e ela já haviam
colocado de lado suas diferenças. Florence cuidou de Parthe nos últimos anos de
vida da irmã, quando esta ficou doente, sem nunca perder a paciência, apesar de
suas inconveniências. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois da morte de Parthe, em 1890,
Florence, destemida diante dos anos que avançavam, começou a treinar inspetores
sanitários. Também continuou escrevendo cartas e interferindo da melhor forma
possível nas questões públicas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sua vista começou a falhar e ela ficou
quase cega, mas, exceto por isso, sua saúde estava melhor do que nunca. Vivia
alegre e mostrava essa alegria no rosto, um rosto redondo, bochechudo, muito
mais suave que o de quarenta anos atrás. Não demonstrava mais desespero diante
da vida, não mais esperava morrer. "Há tantos motivos para viver",
escreveu em 1895. "Perdi muito com fracassos e desilusões, mas, sabe, a
vida me é muito mais preciosa agora que estou velha". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Um memorial adequado <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Gradual e silenciosamente, a
infatigável senhorita Nightingale começou a se apagar. O corpo que até então
havia passado por tantas situações, que havia suportado as agruras da guerra na
Criméia e inumeráveis doenças, não desistia facilmente. Em 1901 estava
completamente cega. Os filhos dos primos liam em voz alta para ela. Em troca,
ela recitava poemas famosos ou então cantava para eles com uma voz tão doce
quanto a que possuía naqueles dias distantes que passou na Itália. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1o7t5F5R8QknPkRe0ufq65J4g1SXakHxFGH1GV1CsrwEl_I4G2BqlI8YoqN972fbbsUIKhQavO_TzpOKu0dJv8EescktCZhApv6PjnZRXdSqJdbewXI5t_YpT00FOdSRzxkmzsF9E8MbB/s1600/Florence+img46.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="355" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1o7t5F5R8QknPkRe0ufq65J4g1SXakHxFGH1GV1CsrwEl_I4G2BqlI8YoqN972fbbsUIKhQavO_TzpOKu0dJv8EescktCZhApv6PjnZRXdSqJdbewXI5t_YpT00FOdSRzxkmzsF9E8MbB/s400/Florence+img46.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>O quarto em que Florence passou
os últimos anos de vida. Morreu aí, aos 90 anos.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mais tarde sua mente entrou em colapso
total — em 1906, os empregados da casa tiveram de informar o Ministério da Índia
de que não havia mais sentido em enviar a Florence relatórios sobre questões
sanitárias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em novembro de 1907 o rei Eduardo VII
concedeu a Florence a Ordem do Mérito — era a primeira vez que uma mulher a
recebia. A Ordem foi entregue por um representante do rei em sua casa de
Londres, mas Florence mal conseguiu entender o que estava acontecendo. Depois
de murmurar: "Muito gentil, muito gentil", voltou a dormir. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1909, o Relatório da Assistência Social
fez recomendações assegurando que todas as reformas propostas por Florence
seriam levadas a efeito. Então, em maio de 1910, veio o jubileu da Escola de
Treinamento Nightingale, que foi comemorado com um encontro no Carnegie Hall de
Nova York. A essa altura, mais de mil escolas de treinamento haviam sido
fundadas só nos Estados Unidos, e as conquistas de Florence foram aclamadas no
encontro. <o:p></o:p><br />
No entanto, ela não tornou conhecimento de
nada disso. Foi ficando cada vez mais fraca e, no dia 13 de agosto de 1910, aos
90 anos, dormiu para não mais acordar.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgERYprxjM6XpeWIEER_NFFNvdlIoZBzj_1lhyphenhyphenDdAvoLdp8tpZ8YpRY0I7ikL6HKyzLmNdso8cFwVphyQWRXaJ_fcgwZIXHqKUZKSXBoS710uHHTND8B8LXRTrgK_j0Pd5VZhkzI2ZUCsEN/s1600/Florence+img48.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="412" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgERYprxjM6XpeWIEER_NFFNvdlIoZBzj_1lhyphenhyphenDdAvoLdp8tpZ8YpRY0I7ikL6HKyzLmNdso8cFwVphyQWRXaJ_fcgwZIXHqKUZKSXBoS710uHHTND8B8LXRTrgK_j0Pd5VZhkzI2ZUCsEN/s640/Florence+img48.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Enfermeiras lotaram ônibus e mais
ônibus para prestar homenagens a Florence Nightingale em seu funeral, em 1910.
Ela se mostrara, acima de qualquer dúvida, uma das pessoas mais influentes e
amadas de seu tempo.</i><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De acordo com seus próprios desejos,
Florence foi enterrada sem barulho e sem a mínima pompa, perto da residência da
família, em Embley. Seu caixão foi carregado por seis sargentos do Exército
britânico. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apenas uma pequena cruz marca seu túmulo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“F.N. Nasceu em 1820. Morreu em 1910".
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ela não queria uma lembrança maior do que
essa.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9wrcJs_G6CGWjjVl2dEKELC4GGIGkLHo6wsq5smYlCXStM4A7sgKN5GLjCRql-cmBQDs7byIDCAk27kvJqbwkb2dDStu4EPRA-NG0ifsLz8BOuXIa1qCE3DXtjQeqZCLfIcf7bzsdrt-Q/s1600/Florence+img47.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9wrcJs_G6CGWjjVl2dEKELC4GGIGkLHo6wsq5smYlCXStM4A7sgKN5GLjCRql-cmBQDs7byIDCAk27kvJqbwkb2dDStu4EPRA-NG0ifsLz8BOuXIa1qCE3DXtjQeqZCLfIcf7bzsdrt-Q/s640/Florence+img47.jpg" width="406" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Claydon House, onde Florence
viveu seus últimos dias. Ela veio de um ambiente de conforto e dignidade e não
precisaria ter olhado para os pobres e para os sofredores, ficando protegida em
seu mundo abastado.</i><o:p></o:p><br />
<i><br /></i>
<i><br /></i>
<i><br /></i>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 18.0pt; line-height: 115%;">Glossário <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Anestésico:</b> Uma droga para suprimir a dor, permitindo ao médico
operar uma pessoa sob seu efeito. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Anglicano:</b> Um membro da Igreja da Inglaterra, que funciona sob as
ordens do arcebispo da Cantuária. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Caserna:</b> Local em que os soldados vivem. Antigamente, quase não
havia saneamento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Cólera:</b> Grave infecção do aparelho digestivo causada pela água
contaminada. Os principais sintomas são cólicas estomacais, diarreias e
vômitos. No tempo de Florence, era quase sempre fatal. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Criméia, Guerra da:</b> De 1854 a 1856, essa guerra envolveu a
Grã-Bretanha, a Turquia, a Sardenha e a França contra o império russo. A Rússia
tentava expandir seu território até o mar Negro, às custas da Turquia. A maior
parte dos combates se deu em Varna, que hoje fica na Bulgária, e na península da
Criméia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Disenteria:</b> Outra doença grave do aparelho digestivo, causada pela
água contaminada. O principal sintoma é a diarreia, que apresenta sangue ou
muco (um fluido viscoso). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Epidemia:</b> Surto de qualquer doença infecciosa que se espalha
rapidamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Estatística:</b> Um conjunto de fatos e números sobre um tópico
qualquer, que permite uma visão geral do assunto. Florence era brilhante em
matéria de coletar dados sobre saúde e hospitais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Mandado judicial:</b> Um documento que autoriza uma pessoa ou um grupo
a fazer alguma coisa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Parasitas:</b> Qualquer pequeno animal ou inseto prejudicial aos
humanos. Eles variam de ratazanas e camundongos, que comem e contaminam nossos
alimentos, a moscas, piolhos e outros insetos que vivem do sangue humano. Os
parasitas aparecem sempre quando não há condições sanitárias adequadas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Península:</b> Um pedaço de terra que é quase uma ilha. Liga-se ao
continente por uma estreita faixa de terra conhecida como istmo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Protestantes:</b> Cristãos que não reconhecem a autoridade do papa. Em
geral, pertencem às Igrejas que se fundamentam nos sistemas elaborados por
Lutero e Calvino. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Saneamento:</b> Hoje em dia, relaciona-se mais a sistemas de drenagem e
de esgotos, mas na época de Florence abrangia tudo o que se relacionava com alp
saúde pública. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Tifo:</b> Uma doença altamente infecciosa. Os principais sintomas são
febre alta, manchas arroxeadas na pele e dores de cabeça fortíssimas. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>Vitoriano:</b> A rainha Vitória governou a Grã-Bretanha de 1838 a 1901.
Esse período ficou caracterizado por ideias, posturas e estilos conservadores,
geralmente descritos pela palavra "vitoriano".<o:p></o:p></div>
<i><br /></i>
<i><br /></i>
<i><br /></i>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 18.0pt; line-height: 115%;">Datas Importantes <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1820</b> 12 de maio: Florence Nightingale nasce em Florença, Itália. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1837</b> 7 de fevereiro: Florence sente a "chamada divina"
para ajudar os outros. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1844</b> Florence percebe a vocação para trabalhar com os doentes no
hospital. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1845</b> Florence tenta fazer treinamento na Enfermaria de Salisbury,
mas é derrotada pela oposição da
família. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1846-1853</b> Florence estuda sobre hospitais e saneamento em segredo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1847</b> Depois de uma doença, Florence vai para Roma. Conhece Sidney
Herbert e sua esposa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1849</b> Richard Monckton Milnes pede Florence em casamento. Em
novembro, Florence está à beira de um colapso nervoso. Os Bracebridge levam-na
para o Egito e para a Grécia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1850</b> Julho: os Bracebridge conseguem que ela visite Kaiserswerth
por duas semanas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1851</b> Julho: Florence finalmente vai trabalhar no Kaiserswerth por
três meses. Seu pai teve de aceitar sua vontade de ser enfermeira. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1853</b> Abril: Florence aceita o posto de superintendente de um
hospital particular de Londres. O pai concorda. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1854</b> A Grã-Bretanha, a França e a Turquia declaram guerra à Rússia.
Agosto: durante uma epidemia de cólera, Florence trabalha como voluntária no
hospital Middlesex, em Londres. Setembro: os exércitos aliados desembarcam na
Criméia. 15 de outubro: Sidney Herbert (Secretário de Guerra) pede a Florence
para liderar um grupo de enfermeiras em Scutari. 5 de novembro: o grupo chega
ao Hospital Militar, em Scutari. Dezembro: o sistema de apoio ao Exército é
interrompido. Florence cuida de todo o serviço médico aos soldados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1855</b> Florence se propõe a melhorar os serviços e as provisões
médicas, apesar de estar trabalhando até vinte horas por dia. 10 de maio:
Florence pega a febre da Criméia. 29 de novembro: na Grã-Bretanha, nasce o
Fundo Nightingale. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1856</b> 29 de abril: declara-se a paz. 16 de julho: o último paciente
deixa o hospital de Scutari. 28 de julho: Florence volta à Inglaterra e
trabalha para reformar o sistema de saúde do exército. Setembro: ela conhece a
rainha Vitória e pede uma comissão real para a organização médica do exército. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1857</b> 5 de maio: criada a Comissão Sanitária Real para a Saúde do
Exército. Florence trabalha incansavelmente. Também está escrevendo suas <i>Notas sobre Questões Que Afetam a Saúde, a
Eficiência e a Administração Hospitalar do Exército Britânico.</i> <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1858</b> Parthe se casa com Sir Harry Verney. Dezembro: Florence
publica uma edição popular de suas Notas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1859</b> Maio: emite-se o mandado que cria a comissão sanitária da
Índia. Dezembro: <i>Notas sobre Enfermagem </i>é
publicado. 1860 24 de junho: é aberta a Escola de Treinamento Nightingale. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1861</b> 2 de agosto: Herbert morre. Florence fica chocada. Inaugurada
em Liverpool a primeira escola de treinamento para enfermeiras. No King's
College Hospital, abre-se a Escola de Treinamento Nightingale para parteiras. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1862</b> Florence esboça o sistema de custos para o Serviço Médico do
Exército. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1867</b> Ela se torna a conselheira número 1 do Ministério do Exército
para questões de saúde. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1864</b> Janeiro: Florence (com outros) completa seu <i>Sugestões a Respeito de Trabalhos Sanitários
Exigidos para a Melhoria das Estações da Índia</i>. Fevereiro: Florence recruta
enfermeiras para trabalhar na enfermaria do asilo de Liverpool. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1865</b> Florence começa a trabalhar na reforma administrativa do asilo
de pobres. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1866</b> Novembro: Florence escreve um relatório sobre a reforma dos
asilos de pobres e o submete a um inquérito do governo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1867</b> Março: aprovada a Lei de Assistência Social Metropolitana.
Junho: depois do fechamento da Escola Nightingale de Treinamento de Parteiras
devido a uma epidemia, Florence começa a coletar dados sobre mortalidade
infantil. Leva três anos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1870</b> Julho: durante a Guerra Franco-Prussiana, é fundada a Cruz
Vermelha britânica. Florence pede doações. Mais tarde, recebe condecorações por
todo o seu trabalho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1872</b> Julho: Florence visita sua família. Sente que deve ajudar,
pois seus pais estão velhos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1873</b> Abril/maio: Florence e um cirurgião do St. Thomas montam um
novo plano de instrução para a Escola Nightingale. Ela se envolve ainda mais
com as alunas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1874</b> 10 de janeiro: morre o pai de Florence. Ela tem de cuidar da
mãe. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1876</b> Florence escreve ao <i>The
Times</i> sobre enfermagem de bairro. Reimpresso, o folheto atinge duas
edições. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1877</b> Em 1877 há um sério período de fome na Índia. Em 1878-1879,
1879 Florence faz campanha pela
irrigação e pela verdade sobre a fome, escrevendo incontáveis artigos e cartas.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1880</b> 2 de fevereiro: morre a mãe. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1883</b> Parthe fica doente. Florence assume o controle. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1887</b> Índia: promovem-se sistemas de irrigação e uma reforma agrária;
permite-se a entrada de enfermeiras nos hospitais militares. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1890</b> Maio: Parthenope morre. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1896</b> Florence nunca mais sai do quarto. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1901</b> Florence perde a visão: fica em coma quase o tempo todo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>1907</b> Eduardo VII confere-lhe a Ordem do Mérito, a primeira dada a
uma mulher. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>1910</b> 13 de Agosto: Florence morre dormindo.<o:p></o:p></div>
<i><br /></i>
<i><br /></i>
<i><br /></i>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYXpIgEfFShjNYzGCfhX-uxEuCjAJUGXDDWNaUofJD4Bk4p32V8hT2R_3-XSf43IHDIE0UoY_OErWVdIi5N8pNEUI2uI3BN2uYB1Yun6T_vRZiy_L0Xacmy3O-PQsxBdJhNO4jrA8TPpXj/s1600/Florence+img01.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYXpIgEfFShjNYzGCfhX-uxEuCjAJUGXDDWNaUofJD4Bk4p32V8hT2R_3-XSf43IHDIE0UoY_OErWVdIi5N8pNEUI2uI3BN2uYB1Yun6T_vRZiy_L0Xacmy3O-PQsxBdJhNO4jrA8TPpXj/s640/Florence+img01.jpg" width="436" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">Título da série: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">Personagens que mudaram
o mundo <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">Os grandes humanistas <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">Título deste volume: <b>FLORENCE
NIGHTINGALE</b> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">Autora deste volume: Pam Brown <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">Editora da obra original: Helen Exley <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">Tradução: Ibraíma Dafonte Tavares <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">Edição: Esníder Pizzo <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: EN-US;">Copyright ©
Pam Brown, 1988 — Copyright Exley Publications, 1988 <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">Publicado pela primeira vez na Grã-Bretanha por Exley
Publications Ltd, 16 Chalk Hill, Watford, 1988 <o:p></o:p></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">Copyright © 1993 by Editora Globo S.A. para a língua
portuguesa, em território brasileiro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih1NSoRns7TWxUS0ZJg9MbOe-0wLd6SmsVyJOWcDLaMJ2b24MmBiG8lPJCsXwKd3TBY_NkWpCK4hU68JU8ZlxAXvY3oV4tPBRpnDDfAugpohNiOI8A-KeMcnW_9NkwaXduq96wxLIbJ5ns/s1600/Florence+img000.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih1NSoRns7TWxUS0ZJg9MbOe-0wLd6SmsVyJOWcDLaMJ2b24MmBiG8lPJCsXwKd3TBY_NkWpCK4hU68JU8ZlxAXvY3oV4tPBRpnDDfAugpohNiOI8A-KeMcnW_9NkwaXduq96wxLIbJ5ns/s640/Florence+img000.jpg" width="436" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<i><br /></i></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-65076976667996447422016-04-21T16:45:00.000-03:002016-04-21T16:45:26.749-03:00O LEÃO DA PEUGEOT<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um ícone que lembra um pouco o homem-leão
de Stadel aparece hoje em carros, caminhões e motocicletas de Paris a Sydney. É
o ornamento que adorna o capô dos veículos fabricados pela Peugeot, uma das
maiores e mais antigas fabricantes de carros da Europa. A Peugeot começou como
um negócio familiar no vilarejo de Valentigney, a apenas 300 quilômetros da
caverna de Stadel. Hoje a empresa emprega cerca de 200 mil pessoas em todo o
mundo, a maioria delas completamente estranhas umas às outras. Esses estranhos
cooperam de maneira tão eficaz que em 2008 a Peugeot produziu mais de 1,5
milhão de automóveis, gerando uma receita de aproximadamente 55 bilhões de
euros.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em que sentido podemos afirmar que a Peugeot
SA (nome oficial da empresa) existe? Há muitos veículos da Peugeot, mas estes
obviamente não são a empresa. Mesmo que todos os Peugeot no mundo fossem
descartados ao mesmo tempo e vendidos para o ferro-velho, a Peugeot SA não
desapareceria. Continuaria a fabricar novos carros e a publicar seu relatório
anual. A empresa tem fábricas, maquinário e showrooms e emprega mecânicos,
contadores e secretárias, mas tudo isso junto não constitui a Peugeot. Um desastre
poderia matar cada um dos empregados da Peugeot e destruir todas as suas linhas
de montagem e todos os seus escritórios executivos. Mesmo assim, a empresa
poderia obter empréstimos, contratar novos empregados, construir novas fábricas
e comprar novo maquinário. A Peugeot tem gestores e acionistas, mas eles também
não constituem a empresa. Todos os gestores poderiam ser demitidos e todas as
suas ações, vendidas; mas a empresa propriamente dita permaneceria intacta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Isso não significa que a Peugeot SA seja
invulnerável ou imortal. Se um juiz ordenasse a dissolução da empresa, suas
fábricas permaneceriam de pé e seus trabalhadores, contadores, gestores e
acionistas continuariam a viver – mas a Peugeot SA desapareceria imediatamente.
Em suma, a Peugeot SA parece não ter conexão alguma com o mundo físico. Ela
existe de fato?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Peugeot é um produto da nossa imaginação
coletiva. Os advogados chamam isso de “ficção jurídica”. Não pode ser sinalizada;
não é um objeto físico. Mas existe como entidade jurídica. Como você ou eu,
está submetida às leis dos países em que opera. Pode abrir uma conta bancária e
ter propriedades. Paga impostos e pode ser processada, até mesmo separadamente
de qualquer um de seus donos ou das pessoas que trabalham para ela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Peugeot pertence a um gênero particular
de ficção jurídica chamado “empresas de responsabilidade limitada”. A ideia por
trás de tais empresas está entre as invenções mais engenhosas da humanidade. O
Homo sapiens viveu sem elas por milênios. Durante a maior parte da história de
que se tem registro, a propriedade só poderia pertencer a seres humanos de
carne e osso, do tipo que anda sobre duas pernas e tem cérebro grande. Se na
França do século XIII Jean abrisse uma oficina para fabricar vagões, ele
próprio seria o negócio. Se um vagão por ele fabricado parasse de funcionar uma
semana após a compra, o comprador insatisfeito processaria Jean pessoalmente.
Se Jean tomasse emprestadas mil moedas de ouro para abrir sua oficina e o
negócio falisse, ele teria de pagar o empréstimo vendendo sua propriedade
privada – sua casa, sua vaca, sua terra. Talvez até precisasse vender seus
filhos como escravos. Se não pudesse honrar a dívida, poderia ser jogado na
prisão pelo Estado ou ser escravizado por seus credores. Ele era totalmente
responsável, de maneira ilimitada, por todas as obrigações assumidas por sua
oficina.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se tivesse vivido naquela época, você
provavelmente pensaria duas vezes antes de abrir um negócio próprio. E, com
efeito, essa situação jurídica desencorajava o empreendedorismo. As pessoas
tinham medo de começar novos negócios e assumir riscos econômicos. Dificilmente
parecia valer a pena correr o risco de sua família acabar totalmente
destituída.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi por isso que as pessoas começaram a
imaginar coletivamente a existência de empresas de responsabilidade limitada.
Tais empresas eram legalmente independentes das pessoas que as fundavam, ou
investiam dinheiro nelas, ou as gerenciavam. Ao longo dos últimos séculos,
essas empresas se tornaram os principais agentes na esfera econômica, e estamos
tão acostumados a elas que nos esquecemos de que existem apenas na nossa
imaginação. Nos Estados Unidos, o termo técnico para uma empresa de
responsabilidade limitada é “corporação”, o que é irônico, porque o termo
deriva de “corpus” (“corpo” em latim) – exatamente aquilo de que as corporações
carecem. Apesar de não ter um corpo real, o sistema jurídico norte-americano
trata as corporações como pessoas jurídicas, como se fossem seres humanos de
carne e osso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Também foi isso o que fez o sistema jurídico
francês em 1896, quando Armand Peugeot, que herdara de seus pais uma oficina de
fundição de metal que fabricava molas, serrotes e bicicletas, decidiu entrar no
ramo de automóveis. Para isso, ele criou uma empresa de responsabilidade
limitada. Batizou a empresa com seu nome, mas ela era independente dele. Se um
dos carros quebrasse, o comprador poderia processar a Peugeot, e não Armand
Peugeot. Se a empresa tomasse emprestados milhões de francos e então falisse,
Armand Peugeot não deveria a seus credores um único franco. O empréstimo,
afinal, fora concedido à Peugeot, a empresa, e não a Armand Peugeot, o Homo
sapiens. Armand Peugeot morreu em 1915. A Peugeot, a empresa, continua firme e
forte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como exatamente Armand Peugeot, o homem,
criou a Peugeot, a empresa? Praticamente da mesma forma como os padres e os
feiticeiros criaram deuses e demônios ao longo da história e como milhares de
padres católicos franceses continuaram recriando o corpo de Cristo todo domingo
nas igrejas da paróquia. Tudo se resumia a contar histórias e convencer as
pessoas a acreditarem nelas. No caso dos padres franceses, a história crucial
foi a da vida e morte de Cristo tal como contada pela Igreja Católica. De
acordo com essa história, se um padre católico usando suas vestes sagradas
pronunciasse solenemente as palavras certas no momento certo, o pão e o vinho
mundano se transformariam na carne e no sangue de Deus. O padre exclamava: “<i>Hoc est corpus meum!”</i> (“Este é meu
corpo” em latim) e abracadabra! – o pão se transformava no corpo de Cristo. Vendo
que o padre havia observado assiduamente todos os procedimentos, milhões de
católicos franceses devotos se comportavam como se Deus de fato existisse no
pão e no vinho consagrados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No caso da Peugeot SA, a história crucial
foi o código jurídico francês, tal como redigido pelo parlamento francês. De
acordo com os legisladores franceses, se um advogado certificado seguisse todos
os rituais e liturgias adequados, escrevesse todos os discursos e juramentos
requeridos em um pedaço de papel maravilhosamente decorado e afixasse sua
assinatura ornamentada ao pé do documento, abracadabra! – uma nova empresa era
incorporada. Quando, em 1896, Armand Peugeot quis criar sua empresa, ele pagou
para que um advogado fizesse todos esses procedimentos sagrados. Uma vez que o
advogado tivesse desempenhado todos os rituais corretos e pronunciado todos os
discursos e juramentos necessários, milhões de cidadãos franceses honrados se comportaram
como se a empresa Peugeot realmente existisse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Contar histórias eficazes não é fácil. A dificuldade
está não em contar a história, mas em convencer todos os demais a acreditarem
nela. Grande parte da nossa história gira em torno desta questão: como
convencer milhões de pessoas a acreditarem em histórias específicas sobre deuses,
ou nações, ou empresas de responsabilidade limitada? Mas, quando isso funciona,
dá aos sapiens poder imenso, porque possibilita que milhões de estranhos
cooperem para objetivos em comum. Tente imaginar o quão difícil teria sido
criar Estados, ou igrejas, ou sistemas jurídicos se só fôssemos capazes de falar
sobre coisas que realmente existem, como rios, árvores e leões.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com o passar dos anos, as pessoas teceram
uma rede incrivelmente complexa de histórias. Nessa rede, ficções como a da
Peugeot não só existem como acumulam enorme poder. Têm mais poder do que
qualquer leão ou bando de leões.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os tipos de coisa que as pessoas criam por
meio dessa rede de histórias são conhecidos nos meios acadêmicos como “ficções”,
“construtos sociais” ou “realidades imaginadas”. Uma realidade imaginada não é
uma mentira. Eu minto se digo que há um leão perto do rio quando sei
perfeitamente que não há leão algum. Não há nada de especial nas mentiras.
Macacos-verdes e chimpanzés podem mentir. Já se observou, por exemplo, um
macaco-verde gritando “Cuidado! Um leão!” quando não havia leão algum por
perto. Convenientemente, esse alarme falso afastava outro macaco que tinha
acabado de encontrar uma banana, abrindo caminho para que o mentiroso roubasse
o prêmio para si.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ao contrário da mentira, uma realidade
imaginada é algo em que todo mundo acredita e, enquanto essa crença partilhada
persiste, a realidade imaginada exerce influência no mundo. O escultor da
caverna de Stadel pode ter acreditado sinceramente na existência do espírito
guardião do homem-leão. Alguns feiticeiros são charlatães, mas a maioria
acredita sinceramente na existência de deuses e demônios. A maioria dos
milionários acredita sinceramente na existência do dinheiro e das empresas de
responsabilidade limitada. A maioria dos ativistas dos direitos humanos
acredita sinceramente na existência de direitos humanos. Ninguém estava
mentindo quando, em 2011, a ONU exigiu que o governo líbio respeitasse os direitos
humanos de seus cidadãos, embora a ONU, a Líbia e os direitos humanos sejam
todos produtos de nossa fértil imaginação.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desde a Revolução Cognitiva, os sapiens vivem,
portanto, em uma realidade dual. Por um lado, a realidade objetiva dos rios,
das árvores e dos leões; por outro, a realidade imaginada de deuses, nações e
corporações. Com o passar do tempo, a realidade imaginada se tornou ainda mais
poderosa, de modo que hoje a própria sobrevivência de rios, árvores e leões
depende da graça de entidades imaginadas, tais como deuses, nações e
corporações.<o:p></o:p></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-3439386913178158752016-04-10T20:08:00.001-03:002016-04-10T20:14:02.708-03:00IMAGENS DE FORA DO MUNDO<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> <b> Sondas robóticas lançados pela NASA, a Agência
Espacial Europeia (ESA), e os outros organismos espaciais estão à busca de
informação em todo o sistema solar.</b></span><span class="apple-converted-space" style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><b> </b></span></div>
<span style="background: white; font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><b></b></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><b><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Atualmente, temos naves
espaciais em órbita em torno do Sol, Vênus, Terra, Marte, Ceres, um cometa, e
Saturno;</span><span class="apple-converted-space" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">dois rovers operacionais
em Marte;</span><span class="apple-converted-space" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">e um recente voo
rasante de Plutão e suas luas.</span><span class="apple-converted-space" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span></b></span></div>
<span style="background: white; font-family: "georgia" , serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><b>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Os astronautas a bordo da
Estação Espacial Internacional ainda estão realizando experiências na órbita
baixa da Terra e enviando fotos incríveis de volta.</span><span class="apple-converted-space" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Com todos esses olhos no céu,
eu mais uma vez, gostaria de montar um álbum de fotografias recentes do nosso
sistema – conjunto de retratos a energia solar - como familiares vistos por
nossos astronautas e emissários mecânicos.</span><span class="apple-converted-space" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Desta vez, temos o nosso
olhar mais próximo ainda nos pontos brilhantes no planeta anão Ceres, a sombra
de um eclipse na Terra visto de um milhão de milhas de distância, uma variedade
de paisagens em Marte, imagens maravilhosas de Saturno e suas luas, várias
imagens de Plutão, e, é claro, belas imagens da nossa casa, o planeta Terra. (ALAN TAYLOR)</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</b></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijisjuMuhwI_tuMfmUg1cTKfkrlbftbA8-4bz59oaC-x56i0La84j1p6m4ySSQ3WFC8ApEZ2OEZmuuL-MrBtqDfzZnLNVQMK2JfUkxq2dgLlvq-v_LBGMIDVUgMWkuobJlZZfdYlR4USCv/s1600/aa1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="432" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijisjuMuhwI_tuMfmUg1cTKfkrlbftbA8-4bz59oaC-x56i0La84j1p6m4ySSQ3WFC8ApEZ2OEZmuuL-MrBtqDfzZnLNVQMK2JfUkxq2dgLlvq-v_LBGMIDVUgMWkuobJlZZfdYlR4USCv/s640/aa1.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Este autorretrato da rover Curiosity Mars, da NASA, mostra o veículo em
"Namib Dune", onde as atividades do rover incluem circulação nas
deformações da duna, com uma roda e recolhendo amostras de areia para análise
laboratorial.<span class="apple-converted-space"> </span>A cena combina 57
imagens tiradas em 19 de janeiro de 2016, durante o dia marciano 1228, ou sol,
da obra da Curiosity em Marte.<span class="apple-converted-space"> </span>A
câmera utilizada para isso é a câmera mahli (Mali) no final do braço robótico
da sonda.<span class="apple-converted-space"> </span>Namib Dune faz parte do
campo de areia escura "Bagnold Dune", ao longo do flanco noroeste do
Monte Sharp.<span class="apple-converted-space"> </span>Imagens tiradas da
órbita têm mostrado que dunas no campo Bagnold movimentam-se tanto quanto cerca
de 3 pés (1 metro) por ano da Terra.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / MSSS / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXWkYZR5oxjnIKNuj3vLAExFltALOqG-J70R2Duy3XrIuJSytBWaA_j9tF4EBQSgGcACUrrD16julXa1h1sWUinFThV-NUDX4KT6YzGKzQf9lpCm9yqRlncv-BiAeFfvmmllkr-Xton9sF/s1600/aa2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXWkYZR5oxjnIKNuj3vLAExFltALOqG-J70R2Duy3XrIuJSytBWaA_j9tF4EBQSgGcACUrrD16julXa1h1sWUinFThV-NUDX4KT6YzGKzQf9lpCm9yqRlncv-BiAeFfvmmllkr-Xton9sF/s640/aa2.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">O sol, fotografado pelo instrumento atmosféric “Assembléia” de imagem a
bordo da NASA Solar Dynamics Observatory, em 12 de novembro de 2015.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">SDO / NASA</span></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRtmHrEdY7CW2p9jUJLnjWWo2zGczYTmTaN6MTgg1QkuHvyRSauXpv7ZxnfeD7MSKVm9VrdLZNIkqdZsIAbzVZ8dF3q9aw_WxDubyN6fbf8lfhbDxZp5R9E_HdZZIi0qYp5EtItNiC0quW/s1600/aa3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="388" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRtmHrEdY7CW2p9jUJLnjWWo2zGczYTmTaN6MTgg1QkuHvyRSauXpv7ZxnfeD7MSKVm9VrdLZNIkqdZsIAbzVZ8dF3q9aw_WxDubyN6fbf8lfhbDxZp5R9E_HdZZIi0qYp5EtItNiC0quW/s640/aa3.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Mauna Kea, ou White Mountain, é o único vulcão na ilha de Hawaii que tem
evidência de glaciação.<span class="apple-converted-space"> </span>Esta
fotografia de Mauna Kea foi tirada por um astronauta quando a Estação Espacial
Internacional passou por cima a cerca de 17:00 horas local, no dia 1 de
novembro de 2015. A iluminação de fim de tarde e o ângulo de visão oblíqua
acentua as sombras, com destaque para as cúpulas brancas dos observatórios junto
às bordas das crateras.<span class="apple-converted-space"> </span>O ângulo
também acentua a numerosos cones de cinzas e fluxos de lava.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="background-color: #c9d7f1; color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCtzm9AadM3_e1qtZgZzpg5D2Eiq-iZexzHTGsCZNr7BA0XEth19z2sGMWzSy7K33OmP5PJOqmxoxfmoSd01G04D_m3yY__oynSnsdsqfJD5mU4_OiH9huIxMi6VSfaHMs0zKrF3skUDvg/s1600/aa4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="416" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCtzm9AadM3_e1qtZgZzpg5D2Eiq-iZexzHTGsCZNr7BA0XEth19z2sGMWzSy7K33OmP5PJOqmxoxfmoSd01G04D_m3yY__oynSnsdsqfJD5mU4_OiH9huIxMi6VSfaHMs0zKrF3skUDvg/s640/aa4.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">A Lua vista da órbita a bordo da ISS, em 25 de Março, 2016, acima da Nova
Zelândia.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidNlLlf54gsHisAgE6AvEGg35kKAyJLcmBV4dJ-f_35CHFPpF-C17aVsN3-xzqfsQ9c6MUr9e1RMOXK8oOnP7FEoBI47nAnFfMeg4YQiPs-a18mrRNkV0xqLozR7hgfmeEwnqFlbWL8QdC/s1600/aa5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="424" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidNlLlf54gsHisAgE6AvEGg35kKAyJLcmBV4dJ-f_35CHFPpF-C17aVsN3-xzqfsQ9c6MUr9e1RMOXK8oOnP7FEoBI47nAnFfMeg4YQiPs-a18mrRNkV0xqLozR7hgfmeEwnqFlbWL8QdC/s640/aa5.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Grande parte de Londres e seus subúrbios são visíveis nesta fotografia tirada
da Estação Espacial Internacional, em 27 de setembro de 2015.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">Observatório da Terra da NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4uRDxT67hEncLLwHbVQLpljhyphenhyphenZeNL5jZSWod7v0-dj21fpOeH5_PeE4qv8ju4Ew8-U7F2xF3D2x7jDvvqH5AsP3jCCCskbjCH1Idpal4bZHSYrlSz28Muzo4aMBS9OPp_UkkZJgWL_W9g/s1600/aa6.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="430" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4uRDxT67hEncLLwHbVQLpljhyphenhyphenZeNL5jZSWod7v0-dj21fpOeH5_PeE4qv8ju4Ew8-U7F2xF3D2x7jDvvqH5AsP3jCCCskbjCH1Idpal4bZHSYrlSz28Muzo4aMBS9OPp_UkkZJgWL_W9g/s640/aa6.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">As florestas do Chaco do norte da Argentina espalhados por uma vasta
planície seca no centro da América do Sul.<span class="apple-converted-space"> </span>Arbustos
e florestas de madeira prosperaram na região semiárida.<span class="apple-converted-space"> </span>Por muitos anos, puestos - pequenos
assentamentos centrados em torno de fontes de água - pontilhavam a paisagem.<span class="apple-converted-space"> </span>Mas na última década, fazendas em
grande escala e os operadores dos ranchos limparam amplas faixas do chaco para
abrir caminho para o gado e as colheitas levantadas em escala industrial.<span class="apple-converted-space"> </span>Na verdade, uma análise dos dados
recolhidos por vários satélites Landsat sugere que o chaco argentino enfrenta
uma das taxas de desmatamento tropical mais rápidos do mundo.<span class="apple-converted-space"> </span>Em 15 de Outubro, 2015, a Operacional
Terra Imager (OLI), da Landsat 8, capturou esta imagem de cores falsas de
campos, florestas e puestos na província de Salta, no norte da Argentina.<span class="apple-converted-space"> </span>Incêndios estão queimando ativamente
em alguns setores da grade, provavelmente provocados por administradores de
terras que tentam limpar arbustos e árvores para dar espaço para o gado,
madeira ou outras culturas.<span class="apple-converted-space"> </span>Cicatrizes
de queimaduras frescas são marrom escuro;<span class="apple-converted-space"> </span>cicatrizes
de queimaduras mais velhas são de um marrom mais leve.<span class="apple-converted-space"> </span>Com o tempo, áreas queimadas tornam-se
verde e, eventualmente, verde escuro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="background-color: #c9d7f1; color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">NASA Earth Observatory, Joshua Stevens, usando dados do Landsat do USGS</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhcrC9RvaoclIXWC9iqyEoxvyspSMw2PTHnFEV6kNsgFOHPTG3EfZiTxWODsWm2loRddpgwaSABFOmHsAwStx8_XJVgtaiIoWp2VDsfJ1m8POmdV8u7yQyOXdqtuGxA8TCZy6Yv6PGrP-M/s1600/aa7.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="420" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhcrC9RvaoclIXWC9iqyEoxvyspSMw2PTHnFEV6kNsgFOHPTG3EfZiTxWODsWm2loRddpgwaSABFOmHsAwStx8_XJVgtaiIoWp2VDsfJ1m8POmdV8u7yQyOXdqtuGxA8TCZy6Yv6PGrP-M/s640/aa7.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Um membro da tripulação a bordo da Estação Espacial Internacional tirou
esta fotografia do Mar Mediterrâneo Norte e de algumas cidades e ilhas
costeiras italianas.<span class="apple-converted-space"> </span>O reflexo da
lua na superfície do mar revela padrões altamente complexos.<span class="apple-converted-space"> </span>O reflexo mais forte é perto do centro
de disco da lua, que ilumina a água ao redor da ilha de Elba.<span class="apple-converted-space"> </span>Nestes padrões complexos, as áreas
escuras da superfície do mar às vezes pode tornar ilhas (como Montecristo e
Pianosa) mais difícil de serem visualizadas.<span class="apple-converted-space"> </span>A
reflexão em superfícies marinhas capta muitos processos naturais diferentes,
mas também alguns feitos por seres humanos.<span class="apple-converted-space"> </span>A
norte de Elba, ondas arrastadas atrás de navios formam o padrão clássico em
forma de V.<span class="apple-converted-space"> </span>A linha sinuosa
saindo da Ilha de Montecristo é um "wake ilha", resultado da
alternância dos vórtices de vento que se desenvolvem no lado sotavento da ilha.<span class="apple-converted-space"> </span>Esta sequência é a mais forte
evidência de que um vento nordeste soprava (direita para a esquerda nesta
imagem) na noite da foto.<span class="apple-converted-space"> </span>Um
padrão de vento serpenteando mais curto está sendo derramado da Punta Ala no continente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">Observatório da Terra da NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigJEvV6VRTx9mfnewAy_zfAAPBRGWFsIjUdJZryMj0C22d4EKanHaeyuiIqb7pikFvApAowaihJ14HJDK-SjeR36N-zifk_Z4H6Qk3zRLhfw4WDYe9fkVL_PYoaTBHZCbW8b3N7KWbFsEl/s1600/aa8.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="436" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigJEvV6VRTx9mfnewAy_zfAAPBRGWFsIjUdJZryMj0C22d4EKanHaeyuiIqb7pikFvApAowaihJ14HJDK-SjeR36N-zifk_Z4H6Qk3zRLhfw4WDYe9fkVL_PYoaTBHZCbW8b3N7KWbFsEl/s640/aa8.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Visto por ASTER, um instrumento de imagens a bordo da Terra, um dos
satélites do Sistema de Observação Terra da NASA, o Monte Erebus, ao sul do
vulcão historicamente mais ativo do mundo, tem vista para a estação de pesquisa
McMurdo na ilha de Ross, na Antártida.<span class="apple-converted-space"> </span>A
3794 metros de altura, Erebus é o maior dos três grandes vulcões que formam a
grosseiramente triangular Ross Island.<span class="apple-converted-space"> </span>Atividade
lava-lago contínua com pequenas explosões, pontuada por ocasionais explosões
Estrombolianas, maiores do que bombas, ejetadas para a borda da cratera, tem
sido documentada desde 1972, mas provavelmente vem ocorrendo há muito da
história recente do vulcão.<span class="apple-converted-space"> </span>Imagem
tomada em 31 de Dezembro, 2013, lançada em 15 de janeiro de 2016.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">GSFC / METI / ERSDAC / JAROS e US / Japan ASTER Ciência Team / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9n9PVNYHdyxo8opG-JplPQ4YLWVMHJdyUQHCVyyNNjLTfbCH0N9YWDbot61kFT6utl0rD9wZwDVgu0alffHjr_JkOrvAVscjD4x2Rtn2jEXaBQP0zToGjMj1qzd7lAFfDlDpgu5Ncbgiv/s1600/aa9.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="424" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9n9PVNYHdyxo8opG-JplPQ4YLWVMHJdyUQHCVyyNNjLTfbCH0N9YWDbot61kFT6utl0rD9wZwDVgu0alffHjr_JkOrvAVscjD4x2Rtn2jEXaBQP0zToGjMj1qzd7lAFfDlDpgu5Ncbgiv/s640/aa9.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">A bordo da ISS, na costa leste da América do Norte, em 27 de março de
2016.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcrlwMWchj1ASVn9qhqI0myW3cF40G6D_AuPAGel9U1hkrxHBRnWuAPBzQBYYafgTu6hLP-e51u4yvr4t9JKe5faRSN4n0c_nO7Q_GLIdrzWodSbCwOhwwsuxdUWhr2ZklE8JdetIwvtMO/s1600/aa10.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="418" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcrlwMWchj1ASVn9qhqI0myW3cF40G6D_AuPAGel9U1hkrxHBRnWuAPBzQBYYafgTu6hLP-e51u4yvr4t9JKe5faRSN4n0c_nO7Q_GLIdrzWodSbCwOhwwsuxdUWhr2ZklE8JdetIwvtMO/s640/aa10.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Câmera EPIC da NASA, a bordo do satélite
DSCOVR, da NOAA, capturou uma vista única de um eclipse solar no dia 9
de março de 2016. Enquanto os moradores do Pacífico Ocidental olhavam para cima
nas primeiras horas da manhã para observar um eclipse total do sol, DSCOVR
olhou a partir de um milhão de milhas de distância e capturou a sombra da lua
cruzando o planeta, visto aqui logo acima do reflexo do sol no Oceano Pacífico.<span class="apple-converted-space"> A um</span> milhão de milhas de distância, DSCOVR,
satélite da NOAA, é o primeiro satélite operacional das Nações no espaço
profundo. DSCOVR paira entre o Sol e a Terra em todos os momentos, mantendo uma
visão constante do sol e do lado iluminado pelo sol da Terra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">NOAA / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhETTSvr3wmSYlDnsv3GNC6-G8hp-JEs_uPPoGIYTgwyqKKlTyibDdn6dQOBHneD5muTwzS5Q7IOPGRVKhE7coHysAdfdvzyhWElR98ag4h5mK8zvuxc8wwglAmLsi4Qoew1kgbcTae6vdM/s1600/aa11.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="326" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhETTSvr3wmSYlDnsv3GNC6-G8hp-JEs_uPPoGIYTgwyqKKlTyibDdn6dQOBHneD5muTwzS5Q7IOPGRVKhE7coHysAdfdvzyhWElR98ag4h5mK8zvuxc8wwglAmLsi4Qoew1kgbcTae6vdM/s640/aa11.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: rgb(201 , 215 , 241); font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Esta imagem de uma única câmara de navegação de quadros Rosetta do
cometa 67P / Churyumov-Gerasimenko foi tomada em 11 de setembro de 2015, a uma
distância de 319 km do centro do cometa.<span class="apple-converted-space"> </span></span><span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">A imagem tem uma resolução de 27,2 m / pixel e
mede 27.9 quilômetros de diâmetro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">ESA / Rosetta / NavCam</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhU2ey-apJZJ98we8Jv4wTZgxa0RX5jhFfLcN8zCcP_9p170Mcs6XK9S_md4F4G2Z2jb3dL5krWblAPRclpgxf85QAzn3gpYE_Y6MB0eupxHZWOtril6V4ZvWI_fZm4EXGTyiSFd6hO9i3e/s1600/aa12.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="326" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhU2ey-apJZJ98we8Jv4wTZgxa0RX5jhFfLcN8zCcP_9p170Mcs6XK9S_md4F4G2Z2jb3dL5krWblAPRclpgxf85QAzn3gpYE_Y6MB0eupxHZWOtril6V4ZvWI_fZm4EXGTyiSFd6hO9i3e/s640/aa12.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Imagem da NavCam, único frame tomado em 28 de janeiro de 2016, quando
Rosetta estava a 67,6 km do núcleo do cometa 67P / Churyumov-Gerasimenko.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">ESA / Rosetta / NavCam</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifY7g-xnBqZXYfvAzWB0MBCHjPxKqE0OUTdceg33sZyAlsbqWLIBhV2uDuaAkk0H2hASXv4mWcSAjhL-qHBnEFmdjk8XCfVRi_r9OrhYeb68uU9vKC2gMGk9CjQf_FDxeiau4PZc4tqNG9/s1600/aa13.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="366" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifY7g-xnBqZXYfvAzWB0MBCHjPxKqE0OUTdceg33sZyAlsbqWLIBhV2uDuaAkk0H2hASXv4mWcSAjhL-qHBnEFmdjk8XCfVRi_r9OrhYeb68uU9vKC2gMGk9CjQf_FDxeiau4PZc4tqNG9/s640/aa13.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Alguns dos pequenos danos a uma das rodas do Curiosity’s, depois de mais
de 1.300 dias rolando pela superfície de Marte.<span class="apple-converted-space"> </span>Os membros da equipe da NASA têm
monitorado dentes e fissuras na pele de alumínio das rodas por vários anos, mas
parecem estarem certos de que os degraus permanecem relativamente intactas.<span class="apple-converted-space"> </span>Foto tirada em 30 de novembro de 2015.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="background-color: #c9d7f1; color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitdHkrCl6LPd2Rk_XCiZ56fkseYVYtLtG4xm8SeCtNpEpSqbvl5gC0U6FT2sHhsI933yylm-cGGY5LcdLlvcq1Rq7rTNFjsmNj8Ma-4nJKjdr3kF673jU_Iis5Piy-PgxZXQHx85ly5d2P/s1600/aa14.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="458" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitdHkrCl6LPd2Rk_XCiZ56fkseYVYtLtG4xm8SeCtNpEpSqbvl5gC0U6FT2sHhsI933yylm-cGGY5LcdLlvcq1Rq7rTNFjsmNj8Ma-4nJKjdr3kF673jU_Iis5Piy-PgxZXQHx85ly5d2P/s640/aa14.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Feições delicadas sobre a superfície de Marte, no sol 1283, em 16 de
março de 2016.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="background-color: #c9d7f1; color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCuaX0lK3X91E7L1itYTXuXGKGZoYg7OqCxTtdqmhcOtvZrteUsPIPqXvJxFOORgo95DDJNrqIV9rQ62yXJ4gG4EwoZO9YDWJYUmvTaC9sZ7pNAjnTrIsvwG7VuTrtKgL9_wDcpJzqbnBP/s1600/aa15.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="440" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCuaX0lK3X91E7L1itYTXuXGKGZoYg7OqCxTtdqmhcOtvZrteUsPIPqXvJxFOORgo95DDJNrqIV9rQ62yXJ4gG4EwoZO9YDWJYUmvTaC9sZ7pNAjnTrIsvwG7VuTrtKgL9_wDcpJzqbnBP/s640/aa15.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Em Marte, montículos escuros de material-capping no fundo da cratera Meia-Latitude,
fotografada pelo instrumento HiRISE a bordo do Mars Reconnaissance Orbiter da
NASA, em 25 de dezembro de 2015.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL / University of Arizona / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWpivYs3PUDUtAoj4c22vodg8GX1hRzZkEiyT7cnXVlFMNJ6VS4EfChthyphenhyphencrQaAx2ZDv1x3b5HKNVhONpVrQmAvje-tlIgyDl5qSJfY-6ZNBDPcCsFWLxYSn8Ku9sqN2TpTChIelWdAYHs/s1600/aa16.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWpivYs3PUDUtAoj4c22vodg8GX1hRzZkEiyT7cnXVlFMNJ6VS4EfChthyphenhyphencrQaAx2ZDv1x3b5HKNVhONpVrQmAvje-tlIgyDl5qSJfY-6ZNBDPcCsFWLxYSn8Ku9sqN2TpTChIelWdAYHs/s640/aa16.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Em Marte, a borda oriental de um grande depósito de poeira levada pelo
vento que ocupa Ganges Chasma, fotografada pelo instrumento HiRISE a bordo do
Mars Reconnaissance Orbiter da NASA, 10 de março de 2016.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL / University of Arizona / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiA_55LOiyqkoDGzRJEoWShA3wU4HMBufxeVbuvbvNeuSJ7QuWk1-xZPE6taGdGCgxlUPXY77PAkDZ5vgQIJE4vFaLDtDmQAJQPGH488sZGH5HnESaPQU_k9-IGon5ZdOXfxxCbkQE5afLT/s1600/aa17.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="384" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiA_55LOiyqkoDGzRJEoWShA3wU4HMBufxeVbuvbvNeuSJ7QuWk1-xZPE6taGdGCgxlUPXY77PAkDZ5vgQIJE4vFaLDtDmQAJQPGH488sZGH5HnESaPQU_k9-IGon5ZdOXfxxCbkQE5afLT/s640/aa17.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">As dunas de Nili Patera, fotografada pelo instrumento HiRISE a bordo do
Orbiter da NASA Mars Reconnaissance, 31 de dezembro de 2015.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL / University of Arizona / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKk5i_vHksrjthdnpGTS6H2-GaKefC29gIpKSecBhOBH0mPWHL96V2CSwGFNc0_MhEbqjdEuxs_kgcVzL_83uXZoQPlAR5mB2k9dE4pZVurmZkxpOP-Mf9VYcUkmGkpNWf8rXTB2QAc_U2/s1600/aa18.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="378" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKk5i_vHksrjthdnpGTS6H2-GaKefC29gIpKSecBhOBH0mPWHL96V2CSwGFNc0_MhEbqjdEuxs_kgcVzL_83uXZoQPlAR5mB2k9dE4pZVurmZkxpOP-Mf9VYcUkmGkpNWf8rXTB2QAc_U2/s640/aa18.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">A câmera Mahli (Mali) sobre o braço robótico da Curiosity Mars, rover da
NASA, usando luz elétrica à noite para iluminar essa visão close-up de grãos de
areia de Marte, objeto de dumping no chão, após separação com uma peneira.<span class="apple-converted-space"> </span>A visão abrange uma área de cerca de
1,1 polegadas por 0,8 polegadas (2,8 centímetros por 2,1 centímetros).<span class="apple-converted-space"> </span>Os grãos vistos aqui eram demasiado
grandes para passar através de uma peneira com poros de150 mícron (0.006
polegadas).<span class="apple-converted-space"> </span>Eles faziam parte da
areia da primeira colher recolhida pelo Curiosty em "Namib Dune". As
imagens combinadas em um modo foco-mesclado, foram tiradas em 22 de janeiro de
2016, após o anoitecer no dia marciano 1230, ou sol, da curiosidade de trabalhar
em Marte.<span class="apple-converted-space"> </span>A fonte de iluminação é
de dois LEDs de luz branca no Mali.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / MSSS / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhN2OM8vjg9_ZGT8kZovjFtrKruky5milas6YIE1Ie2QzSl9o_mwEITVXZnsq-35o9pyIPfl4ODNEtkhnM_l2PXs7bQHIUjS5sP85cra4OkPKLvBR-xJVkpHRU2h-PVhzzADgG6bgW7-Wa1/s1600/aa19.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="344" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhN2OM8vjg9_ZGT8kZovjFtrKruky5milas6YIE1Ie2QzSl9o_mwEITVXZnsq-35o9pyIPfl4ODNEtkhnM_l2PXs7bQHIUjS5sP85cra4OkPKLvBR-xJVkpHRU2h-PVhzzADgG6bgW7-Wa1/s640/aa19.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Esta imagem composta olhando para as regiões mais elevadas do Monte
Sharp foi tomada em 09 de setembro de 2015, pelo rover Curiosity da NASA.<span class="apple-converted-space"> </span>Em primeiro plano, a cerca de 2 milhas
(3 quilômetros) do rover está uma longa crista repleta de hematite, um óxido de
ferro.<span class="apple-converted-space"> </span>Um pouco além é uma
planície ondulante rica em minerais de argila.<span class="apple-converted-space"> </span>E logo depois, uma multidão de morros
arredondados, todos ricos em minerais de sulfato.<span class="apple-converted-space"> </span>A mudança nessas camadas mineralógicas
do Monte Sharp sugere um ambiente em mudança no início de Marte, embora todos
envolvem a exposição à água bilhões de anos atrás.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / MSSS / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0acdHxaySIkJ_eJYPII_5kuVWQ9d5mdgNgSYwl16WyZwCTtYBvv6VHb4ZWnhRzltrXE2Cqdp6Bfsw9ZtxrDhAXUj59iKDfkVYgKTjHCK-LOsI6KRWuB10Z8-OpRXwieYKFiF9Vak3SpgJ/s1600/aa20.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="370" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0acdHxaySIkJ_eJYPII_5kuVWQ9d5mdgNgSYwl16WyZwCTtYBvv6VHb4ZWnhRzltrXE2Cqdp6Bfsw9ZtxrDhAXUj59iKDfkVYgKTjHCK-LOsI6KRWuB10Z8-OpRXwieYKFiF9Vak3SpgJ/s640/aa20.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: rgb(201 , 215 , 241); font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Os pontos centrais brilhantes perto do centro da Occator Crater são
mostrados em cor melhorada nesta vista da sonda Dawn da NASA.<span class="apple-converted-space"> </span></span><span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">A natureza exata do material brilhante ainda não é conhecido.<span class="apple-converted-space"> </span>Ralf Jaumann, cientista planetário e
co-investigador Dawn no Centro Aeroespacial Alemão em Berlim disse que "a
geometria complexa do interior da cratera sugere atividade geológica no passado
recente, mas teremos de concluir mapeamento geológico detalhado da cratera, a
fim de testar hipóteses para a sua formação".<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / UCLA / MPS / DLR / IDA / PSI / LPI / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisLNI5rMGJn61fl3fNOkdGNMIK6sTxY_JyZ8D16_ta_bvsW4tBVWmlqg8moA_qi7jXva_f1SwRAE9KE9KapM9AZHZnjS3wxYCgmTptKt_soQJrVRv3Mlg0rZYb7nXY0-zOrOquyflf8956/s1600/aa21.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="388" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisLNI5rMGJn61fl3fNOkdGNMIK6sTxY_JyZ8D16_ta_bvsW4tBVWmlqg8moA_qi7jXva_f1SwRAE9KE9KapM9AZHZnjS3wxYCgmTptKt_soQJrVRv3Mlg0rZYb7nXY0-zOrOquyflf8956/s640/aa21.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">A misteriosa montanha de Ceres, Ahuna Mons é vista neste mosaico de imagens
da sonda Dawn da NASA.<span class="apple-converted-space"> </span>Dawn tomou
estas imagens de sua órbita mapeamento de baixa altitude, 240 milhas (385
quilômetros) acima da superfície, em dezembro de 2015. Por seu lado mais
íngreme, esta montanha é de cerca de 3 milhas (5 km) de altura.<span class="apple-converted-space"> </span>A sua altura total média é de 2,5
milhas (4 quilômetros).<span class="apple-converted-space"> </span>Estes
números são ligeiramente mais baixos do que o que os cientistas estimaram à
partir de órbitas mais elevadas de Dawn, porque os pesquisadores têm agora uma
melhor noção da topografia da Ceres.<span class="apple-converted-space"> </span>O
diâmetro da montanha é de cerca de 12 milhas (20 quilômetros).<span class="apple-converted-space"> </span>Os pesquisadores estão explorando os
processos que poderiam ter levado à formação deste recurso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / UCLA / MPS / DLR / IDA / PSI / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGzaC7RtKR8ODS6oNnMW59bt3WhQu7DSWdd2ts-YbQHVoqu8Ho9UWxC24w_68dxH3GG9Zu7TRcNQSIoTthBzH2p-zgtKnjjY0fMNAb5LYcgyJavlSk4nqZ9PBdH1uPrpN86oeRWsRZ72eS/s1600/aa22.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="458" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGzaC7RtKR8ODS6oNnMW59bt3WhQu7DSWdd2ts-YbQHVoqu8Ho9UWxC24w_68dxH3GG9Zu7TRcNQSIoTthBzH2p-zgtKnjjY0fMNAb5LYcgyJavlSk4nqZ9PBdH1uPrpN86oeRWsRZ72eS/s640/aa22.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">A superfície de Saturno e seus anéis, fotografada pela Cassini Orbiter
da NASA. em 22 de março de 2016.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / Space Science Institute / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb3HQTKaEJE6lgn3OVFHk45bIxMoYIBUBr1vxnSaQmgge65aZE39PdGUJDQ_kcrYFTaGoquDWo8FedBly24pPHc4jHKtDcLBilxARl-ajkdFZfZjFuLuvwS6OHW4N7tmbxzA8DhCv7KJ5N/s1600/aa23.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="422" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb3HQTKaEJE6lgn3OVFHk45bIxMoYIBUBr1vxnSaQmgge65aZE39PdGUJDQ_kcrYFTaGoquDWo8FedBly24pPHc4jHKtDcLBilxARl-ajkdFZfZjFuLuvwS6OHW4N7tmbxzA8DhCv7KJ5N/s640/aa23.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">A sonda Cassini da NASA espionado detalhes na superfície esburacada da
lua Prometeu de Saturno (86 quilômetros, ou 53 milhas de diâmetro), durante uma
demonstração aérea moderadamente próxima, dia 6 de dezembro de 2015.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / Space Science Institute / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkaD3mByEZC-uo4wNHg7pQviZ8pHHoxkz7FiSIjg-SnAMbDIZqJM3NN8VMFa67L0nmnAoF0Hx8iz5jiWvXIrW6PBnW10CMpTJWNk4mV4lES7CdHVLY94dCbNvibaLrpK7rYycAXXyV7mGl/s1600/aa24.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="462" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkaD3mByEZC-uo4wNHg7pQviZ8pHHoxkz7FiSIjg-SnAMbDIZqJM3NN8VMFa67L0nmnAoF0Hx8iz5jiWvXIrW6PBnW10CMpTJWNk4mV4lES7CdHVLY94dCbNvibaLrpK7rYycAXXyV7mGl/s640/aa24.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: rgb(201 , 215 , 241); font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Imagem ampliada pela Cassini da lua gelada de Saturno, Enceladus, em
14 de Outubro, 2015, capturando este panorama impressionante do pólo norte da
lua.<span class="apple-converted-space"> </span></span><span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Os cientistas esperavam que a região polar norte
de Enceladus pudessem ser repleta de crateras, com base em imagens de baixa
resolução da missão Voyager, mas imagens de alta resolução da Cassini mostram
uma paisagem de contrastes.<span class="apple-converted-space"> </span>Rachaduras
finas atravessar o pólo no ponto mais setentrional de um sistema global de tais
fraturas.<span class="apple-converted-space"> </span>Antes deste voo rasante
da Cassini, os cientistas não sabiam se as fraturas estendiam-se para o norte
em Enceladus.<span class="apple-converted-space"> </span>A vista foi
adquirida a uma distância de cerca de 4.000 milhas (6.000 quilômetros) de
Enceladus.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / Space Science Institute / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_TBhz2QKiBkVi_XqqZk-id5PJDYzBg4oi6fOsrD2Uit1O8ulFBt6hn0-MVTcWumAgogYrBqWAlR2wXNSQ-P-9CmZcOeYuLvBX1GMEsx56Vvx55o1nl8XWZgjBsKYcr8HkVP5aq-RpZ4Ks/s1600/aa25.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="488" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_TBhz2QKiBkVi_XqqZk-id5PJDYzBg4oi6fOsrD2Uit1O8ulFBt6hn0-MVTcWumAgogYrBqWAlR2wXNSQ-P-9CmZcOeYuLvBX1GMEsx56Vvx55o1nl8XWZgjBsKYcr8HkVP5aq-RpZ4Ks/s640/aa25.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Lua de Saturno Tétis parece flutuar entre dois conjuntos de anéis nesta
vista da sonda Cassini da NASA, mas é apenas um truque da geometria.<span class="apple-converted-space"> </span>Os anéis, que são vistos quase de
lado, são as faixas escuras acima de Tethys, enquanto suas sombras curvas
pintam o planeta na parte inferior da imagem.<span class="apple-converted-space"> </span>Tethys,
660 milhas ou 1.062 quilômetros de diâmetro, tem uma superfície composta
principalmente de gelo de água, bem como os anéis de Saturno.<span class="apple-converted-space"> </span>Gelo de água domina as superfícies
geladas nos confins do nosso sistema solar, mas gelos de amônia e metano também
pode ser encontrados.<span class="apple-converted-space"> </span>Fotografada
em 23 de novembro de 2015.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / Space Science Institute / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8IwyRLyQ9yoLFmZVeEtaIc_IiCQjqHql0pC5SooT6_K0HN54VlfXwhDys5Vp_S5M1nM1Z9BZn-KnflQ-ns2iygF46JZzXybPztRXXGbr6_xsiR4t3xIvilBOCsYFUurlYzq6VG_nEK0O8/s1600/aa26.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="366" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8IwyRLyQ9yoLFmZVeEtaIc_IiCQjqHql0pC5SooT6_K0HN54VlfXwhDys5Vp_S5M1nM1Z9BZn-KnflQ-ns2iygF46JZzXybPztRXXGbr6_xsiR4t3xIvilBOCsYFUurlYzq6VG_nEK0O8/s640/aa26.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Plumas de jatos de gelo da superfície de Enceladus, num ângulo backlit,
visto por Cassini, em 28 de Outubro de 2015.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / Space Science Institute / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3sa3d3pVFGuERGz4yoRNpkZoqu5Wpk2OmsJcWxcu3YFYsqN6Mksj58xDwptoRl_0mvV08Km5R-9ItPAqknKET1NJVDxPIy7bShzuhfebg6nUq2LyH-i8SH54rbMzR71-KcfY5IGTDGBGy/s1600/aa27.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="428" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3sa3d3pVFGuERGz4yoRNpkZoqu5Wpk2OmsJcWxcu3YFYsqN6Mksj58xDwptoRl_0mvV08Km5R-9ItPAqknKET1NJVDxPIy7bShzuhfebg6nUq2LyH-i8SH54rbMzR71-KcfY5IGTDGBGy/s640/aa27.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">A sonda Cassini da NASA faz uma pausa durante o seu voo rasante final da
Enceladus e se concentra em sua escarpada lua gelada, mal iluminada, com o
planeta Saturno além.<span class="apple-converted-space"> </span>As camadas
podem ser vistas nos altos hazes de atmosfera superior de Saturno, no gradiente
que separa o planeta do espaço.<span class="apple-converted-space"> </span>Fotografada
em 19 de dezembro de 2015.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / Space Science Institute / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiYuanY-DCRBtudR32hSpqWmAbl9U4OgPacYk4QEPO7lwSAECNQtVrobosjHQrgn9wg7ayj6zwn0vbS_wr0ZCjieSRaSCzeu1bRNh9ozIFW_63SiT_gOVSzgT2OIKCEqzr3Kl9Fas-3N3J/s1600/aa28.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="472" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiYuanY-DCRBtudR32hSpqWmAbl9U4OgPacYk4QEPO7lwSAECNQtVrobosjHQrgn9wg7ayj6zwn0vbS_wr0ZCjieSRaSCzeu1bRNh9ozIFW_63SiT_gOVSzgT2OIKCEqzr3Kl9Fas-3N3J/s640/aa28.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Características de superfícies fraturadas em Enceladus, vistas pela
Cassini, em 14 de outubro de 2015.<span class="apple-converted-space"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">JPL-Caltech / Space Science Institute / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfeDpbd4ywgaSbzdFzG78pnXz873REGa-1XWmRjARFygJnPewexZ-3Hg6QehqIlDjmiWmfb5XmwBzBvA1jNJ6FxskYo-mpanMREBLmulKjSfvTdZR4Y3m2b3oDwRq0-BStX-QpR0A9JgGZ/s1600/aa29.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="394" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfeDpbd4ywgaSbzdFzG78pnXz873REGa-1XWmRjARFygJnPewexZ-3Hg6QehqIlDjmiWmfb5XmwBzBvA1jNJ6FxskYo-mpanMREBLmulKjSfvTdZR4Y3m2b3oDwRq0-BStX-QpR0A9JgGZ/s640/aa29.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Uma imagem de cor melhorada do norte da área polar de Plutão.<span class="apple-converted-space"> </span>Canyons longos na vertical em toda a
área da parte polar do informalmente chamado Lowell Regio, nomeado para
homenagear Percival Lowell, que iniciou a pesquisa que levou à descoberta de
Plutão.<span class="apple-converted-space"> </span>O maior dos cânions tem
cerca de 45 milhas (75 quilômetros) de largura e passa perto do polo norte.<span class="apple-converted-space"> </span>Outros canyons subsidiários paralelos
para o leste e oeste tem aproximadamente 6 milhas (10 quilômetros) de largura.<span class="apple-converted-space"> </span>As paredes degradadas destes canyons
parecem ser muito mais velho do que os sistemas de garganta mais bem definidas
em outros lugares em Plutão, talvez porque os canyons polares são mais antigos
e feitos de material mais fraco.<span class="apple-converted-space"> </span>Estes
canyons também parecem representar evidência de um período antigo de atividade
tectônica.<span class="apple-converted-space"> </span>A, vale sinuoso raso,
percorre toda a extensão do assoalho da garganta.<span class="apple-converted-space"> </span>Para o leste destes canyons, em outro
vale, há ventos em direção ao canto inferior direito da imagem.<span class="apple-converted-space"> </span>O terreno nas proximidades, na parte
inferior direita, parece ter sido coberto por material que obscurece
características topográficas de pequena escala, criando uma aparência
"amaciada" para a paisagem.<span class="apple-converted-space"> </span>Grandes,
poços de forma irregular chegam a 45 milhas (70 quilômetros) de largura e 2,5
milhas (4 km) de profundidade, cicatrizes da região.<span class="apple-converted-space"> </span>Estes poços podem indicar locais onde
subsuperfícies de gelo teriam derretido ou sublimadas, à partir de baixo,
fazendo com que o solo entrasse em colapso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory / Southwest Research Institute / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi__ajh94HOPZ5CB2CvbvfJ3HtAr0ysgvB3ZDQCxPeTgnlIDAeEtluLLYgXKVlidf7uC4XrLnjU6pW57sP_9pDxH4XKn2neHnHDpXlbtThmS4f-IvGVBSDNRqmYbABqupvTomhshbDSBuwC/s1600/aa30.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="338" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi__ajh94HOPZ5CB2CvbvfJ3HtAr0ysgvB3ZDQCxPeTgnlIDAeEtluLLYgXKVlidf7uC4XrLnjU6pW57sP_9pDxH4XKn2neHnHDpXlbtThmS4f-IvGVBSDNRqmYbABqupvTomhshbDSBuwC/s640/aa30.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Este mosaico de cor melhorada combina algumas das mais nítidas vistas de
Plutão que a sonda New Horizons da NASA obteve durante o seu sobrevoo, a 14 de
julho de 2015.<span class="apple-converted-space"> </span>As imagens são
parte de uma sequência tomada perto de aproximação da New Horizons a Plutão, com resoluções de cerca de 250-280
pés (77-85 metros) por pixel - funcionalidades reveladoras menores do que a
metade de um quarteirão na superfície de Plutão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory / Southwest Research Institute / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiGqMRA_0XvWPMXA9_XnYMFQN-Md_jYPpolsnR1VIsvxdVMKLEk5dLZzHyqqi-d7wTy6y1uzX05rQ_U6X3wMLF2jqjnO21OLX6NbHnfHJKcavOJCEy00OV4Tnctg5MzOskgHTlOQOjtA9El/s1600/aa31.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiGqMRA_0XvWPMXA9_XnYMFQN-Md_jYPpolsnR1VIsvxdVMKLEk5dLZzHyqqi-d7wTy6y1uzX05rQ_U6X3wMLF2jqjnO21OLX6NbHnfHJKcavOJCEy00OV4Tnctg5MzOskgHTlOQOjtA9El/s640/aa31.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: rgb(201 , 215 , 241); font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Em setembro de 2015, a equipe da New Horizons divulgou uma imagem
impressionante, mas incompleta de crescente de Plutão.<span class="apple-converted-space"> </span></span><span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;">Graças ao novo trabalho de processamento pela equipe científica, a New
Horizons está lançando-a inteira, imagem de tirar o fôlego de Plutão.<span class="apple-converted-space"> </span>Esta imagem foi feita apenas 15
minutos depois da maior aproximação da New Horizons a Plutão, em 14 de julho de
2015, de como a nave espacial olhou para Plutão em direção ao sol.<span class="apple-converted-space"> </span>A perspectiva de grande angular deste
ponto de vista mostra as camadas de neblina profundas da atmosfera de Plutão,
que se estendem a toda a volta de Plutão, revelando os perfis, silhueta de
planaltos acidentada no lado da noite (à esquerda).<span class="apple-converted-space"> </span>A sombra que Plutão elenca em seus
hazes atmosféricos também pode ser visto na parte superior do disco.<span class="apple-converted-space"> </span>No lado iluminado de Plutão (à
direita), a extensão suave da planície gelada informalmente chamada Sputnik
Planum é ladeada a oeste (acima, nesta orientação) por montanhas escarpadas até
11.000 pés (3.500 metros) de altura, incluindo o informalmente chamado Montes
Norgay em primeiro plano e Montes Hillary, na linha do horizonte.<span class="apple-converted-space"> </span>Abaixo (leste) do Sputnik, o terreno
acidentado é cortado por geleiras aparentes.<span class="apple-converted-space"> </span>A
luz de fundo destaca mais de uma dúzia de camadas de alta altitude de neblina
na tênue atmosfera de Plutão.<span class="apple-converted-space"> </span>As
listras horizontais no céu além de Plutão são estrelas, espalhadas pelo
movimento da câmera, uma vez que rastreados por Plutão.<span class="apple-converted-space"> </span>A imagem foi tirada com a Câmara New
Horizons multi-espectral de imagem visível (CIVM), a uma distância de 11.000
milhas (18.000 quilômetros) de Plutão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><span style="color: #999999; font-family: "proxima nova" , "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5px; text-align: left;">Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory / Southwest Research Institute / NASA</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: 13.5pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; line-height: 20.7px;"><span style="font-size: 18px;">Imagens e legendas recolhidas à partir de:</span><br /><span style="font-size: large;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica" , sans-serif; font-size: large;"><span style="background-color: white; line-height: 20.7px;">THE ATLANTIC FOTO</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; font-size: 18px; line-height: 20.7px;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; font-size: 18px; line-height: 20.7px;">no endereço virtual:</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica" , sans-serif;"><span style="background-color: white; font-size: 18px; line-height: 20.7px;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; font-size: 18px; line-height: 20.7px;"><span style="font-family: "helvetica" , sans-serif;">http://www.theatlantic.com/photo/2016/03/images-from-offworld/476061/</span></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-32522294649461403792016-03-07T08:00:00.001-03:002016-03-07T08:00:44.138-03:00O DESPERTAR DA CIVILIZAÇÃO<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjx9GKK-FoKl81MyoLKgKCcm-7ZvoMsKd71qyRLTGxCyyeLbX8HrrQceQDQ3Revc6FnjvRFWo3PPwsUR3PuwYjogTpYDmYV3vAB1EuuKAtZ3VWGi8WsnqgNCat_rUZqwP2FfUm2zHrwz5Kz/s1600/despertar0img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjx9GKK-FoKl81MyoLKgKCcm-7ZvoMsKd71qyRLTGxCyyeLbX8HrrQceQDQ3Revc6FnjvRFWo3PPwsUR3PuwYjogTpYDmYV3vAB1EuuKAtZ3VWGi8WsnqgNCat_rUZqwP2FfUm2zHrwz5Kz/s640/despertar0img.jpg" width="476" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No Oriente Médio, o sol brilhava no céu
sem nuvens, ressecando a terra e fazendo murchar a rala vegetação que havia
brotado após as escassas chuvas da primavera. Um vento quente soprava do
deserto a sudoeste e agitava a poeira na planície inexpressiva. Nenhuma colina
se elevava no horizonte e eram raras as árvores que proporcionavam abrigo
contra o calor escaldante. Apenas a modorrenta correnteza de dois rios, fluindo
em direção ao sul, rompia a monotonia pardacenta da paisagem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A água atraíra alguns seres vivos.
Pássaros sobrevoavam os pântanos formados pelo transbordamento dos rios;
cardumes de peixes encapelavam os baixios. Havia também, na região inóspita, um
pequeno número de seres humanos. Eles viviam em precárias cabanas de barro, nos
terrenos úmidos junto aos pântanos. Cultivavam com dificuldade pequenos trechos
de terra e criavam algumas vacas e porcos. A maior pane da planície, contudo,
permanecia sonolenta sob a implacável luminosidade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim era, há 9 mil anos, o vale formado
pelos rios Tigre e Eufrates. Situada no coração do Oriente Médio, mais de 900
quilômetros a leste do mar Mediterrâneo, a região parecia ser um deserto
inaproveitável. No entanto, por volta de 3000 a.C., um panorama assombrosamente
diverso se descortinava naquela planície. Em toda a sua extensão, magníficas
cidades erguiam-se às margens dos rios. Em torno delas, plantações de cereais
se espalhavam como uma maré de fecundidade pela planície outrora estéril.
Bosques de tamareiras agitavam-se ao vento, proporcionando frutos e sombra. No
interior das muralhas espessas que encerravam as cidades, templos imponentes
dominavam tanto as ruas quanto os campos circundantes. Havia palácios e mansões
de alvenaria e inúmeras ruas de casas confortáveis. Pessoas comprimiam-se nas avenidas
e nos mercados; em centenas de oficinas, artesãos produziam todos os tipos de
mercadorias, de objetos de cerâmica a reluzentes joias. Nos dias sagrados,
procissões de fiéis percorriam as ruas em direção aos templos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nessa região, que os gregos mais tarde
chamariam de Mesopotâmia, "entre rios", ocorreu o fato mais
importante da história humana: o nascimento da civilização. Os descendentes
daqueles agricultores da Idade da Pedra que viviam às margens dos pântanos —
esse povo que veio a ser conhecido como sumério, e sua terra, como Suméria —
haviam desencadeado, a partir das aparentes desvantagens de sua terra natal, um
movimento que alteraria para sempre a fisionomia do planeta. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na época da ascensão dos sumérios, a maior
parte da população humana era nômade; os homens perambulavam em pequenos
grupos, de uma região para outra, alimentando-se dos animais que caçavam e das
sementes e talos de plantas silvestres que colhiam. Nas savanas da África, nas
vastidões cobertas de florestas da Europa, na Austrália e nas Américas, os
homens se vestiam com peles de animais e buscavam abrigo em cavernas ou cabanas
toscas. Eles seguiam as manadas selvagens em suas migrações anuais e dedicavam
todo o tempo à sobrevivência. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alguns povos, contudo, haviam deixado para
trás esse passado de caça e coleta. Os primeiros a romper tal padrão inicial de
sobrevivência foram alguns habitantes do Oriente Médio. Ao longo de milhares de
anos, eles aprenderam a domesticar ovelhas e cabras e a cultivar o trigo e a
cevada. Agora eles podiam deixar de perambular e se estabelecer num único
lugar. Esses indivíduos, os primeiros agricultores, fundaram aldeias já por
volta de 8500 a.C., ao norte e a leste da Mesopotâmia, em regiões montanhosas
onde as chuvas eram abundantes. A prática da agricultura difundiu-se com
rapidez, e logo os agricultores conceberam técnicas de irrigação que lhes
permitiam cultivar cereais independentemente das chuvas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A irrigação dos campos permitiu a
existência de povoados de bom tamanho muito antes do surgimento das primeiras
cidades sumérias. A cidade bíblica de Jericó, um centro de comércio do sal,
prosperou durante o sétimo milênio antes de Cristo no deserto próximo à
extremidade norte do mar Morto. Suas plantações eram irrigadas com a água
desviada de uma nascente. De modo semelhante, 800 quilômetros ao norte, na Ásia
Menor, campos irrigados alimentavam a população de Satal Hüyük, um povoado que
surgiu, em torno de 6500 a.C., junto a um campo de obsidiana, minério escuro e
vítreo de origem vulcânica, empregado na fabricação de espelhos, joias e facas.
Embora tanto Jericó quanto Satal Hüyük abrigassem milhares de habitantes, o
futuro dessas localidades era restrito, pois sua sobrevivência baseava-se num
único e valioso produto, sem recursos agrícolas que favorecessem a expansão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Coube aos sumérios, com acesso a dois
rios, desenvolver a agricultura irrigada em escala verdadeiramente grandiosa.
Desviando a água de seus rios — principalmente do Eufrates —, cultivaram vastos
trechos de deserto aluvial e os transformaram em terras férteis. O resultado
foi um excedente de cereais muito superior às necessidades cotidianas dos
agricultores — um excedente que proporcionou aos sumérios tempo para
desenvolverem novas habilidades e novas técnicas. Surgiram artesãos, mercadores,
sacerdotes, escribas e comerciantes — todos sustentados pelos esforços dos agricultores.
Os sumérios desenvolveram um sistema de governo, assim como uma religião
organizada, e apareceram novas classes sociais — todos os elementos do que um
dia seria reconhecido como civilização. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com o tempo, os sumérios fundaram
cidades-estados e, em seguida, uma nação. Seus reis promulgaram leis,
organizaram exércitos e estabeleceram redes de comércio. Mais importante do que
tudo, esse povo inventou o primeiro sistema de escrita, de modo que o
conhecimento pôde, a partir de então, ser transmitido de forma permanente de
uma geração para outra. Os escribas sumérios passaram a relatar os feitos de
seus reis — ou seja, eles deram início à história escrita. Foram também os primeiros
a registrar poemas épicos e meditações sobre o sentido da vida. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Três séculos após a emergência da cultura
suméria, as sementes da civilização lançaram raízes ao longo das margens de
alguns outros grandes rios do mundo: o Nilo, no Egito; o Indo, no atual
Paquistão; e o Amarelo, na China. Magníficas culturas prosperariam em todos
esses locais, mas a Suméria havia sido a primeira. Ela havia lançado a
humanidade em uma estranha e maravilhosa aventura, e suas realizações ficariam
indelevelmente registradas na consciência humana. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ainda não se sabe quem eram os primeiros
sumérios, de onde vieram e quando chegaram ao vale do Tigre-Eufrates. De pele
clara e cabelo escuro, eles provavelmente se originaram de uma região a leste
ou nordeste da Mesopotâmia e seu idioma tinha parentesco com outro, falado nas
proximidades do mar Cáspio. É provável que tenham chegado ao vale por volta de
8500 a.C., época em que estavam se estabelecendo as primeiras aldeias de
agricultores. De qualquer modo, os primeiros sumérios se concentraram na
extremidade sul do vale, às margens dos pântanos que cobriam a maior parte do
delta por onde o Tigre e o Eufrates desembocam no golfo Pérsico. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhp3XI8oIph7NXSv1aImL1wdtPXCvt3PwXmIhfML2ptPTHGt7lqef2jKwskL2J73NtyMhPOG2loPI5Gkjup_UYE5LZXUpmdrZCCYdiMR3w3j37yRjI8M96quWvRU-GMvwN-P6jtNHNpPDmp/s1600/despertar3img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="412" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhp3XI8oIph7NXSv1aImL1wdtPXCvt3PwXmIhfML2ptPTHGt7lqef2jKwskL2J73NtyMhPOG2loPI5Gkjup_UYE5LZXUpmdrZCCYdiMR3w3j37yRjI8M96quWvRU-GMvwN-P6jtNHNpPDmp/s640/despertar3img.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">A Suméria, primeira civilização
da história, prosperou por volta de 3500 a.C. às margens dos rio, Tigre e Eufrates,
no centro do Oriente Médio. Desviando a água dos rios para irrigar plantações
de cereais, os sumérios acumularam riqueza agrícola e a empregaram na manutenção
de poderosas cidades-estados como Uruk, Ur e Lagash. Essas cidades logo
estabeleceram laços comerciais com várias partes do mundo antigo — com as
tribos das montanhas, ao norte e a leste, e com os povos do litoral
mediterrâneo, a oeste. Pelas rotas comerciais trafegavam não apenas os produtos
agrícolas e os artigos dos artesãos, mas também noticias da maior realização cultural
da Suméria: a invenção da escrita. Com o tempo, a influência da Suméria
ampliou-se até o Egito, a Ásia Menor e mesmo regiões mais distantes.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os primeiros colonos sumérios logo
descobriram que as chuvas de inverno faziam com que o deserto florescesse de
modo luxuriante antes de voltar a ser calcinado pelo sol de verão. O solo ao
longo das margens dos rios era um dos mais férteis do mundo, profundo e rico em
minerais trazidos das montanhas onde se localizam as nascentes do Tigre e do Eufrates.
Nesse aluvião, livre das pedras e tocos que afligiam os agricultores de outras
regiões, legumes, trigo e cevada cresciam com facilidade. Além disso, o solo
era frequentemente enriquecido por novas camadas de sedimentos trazidos pelas
enchentes da primavera. Os sumérios só precisavam aprender a manter os brotos
vivos durante os verões tórridos e secos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As primeiras tentativas de irrigação foram
modestas; eles simplesmente usavam vasilhas para levar a água dos rios até os
pequenos lotes de terra. Mais tarde, os agricultores cavaram estreitas fendas
nos diques naturais que haviam se formado, no decorrer de séculos, ao longo das
margens dos rios, desviando assim parte da correnteza. Eles também construíram
pequenas represas de barro, a fim de fazer com que a água se acumulasse em
açudes. Desses açudes ela podia ser transferida para as valas de irrigação por
meio do <i>shaduf</i>, um dispositivo
semelhante a uma balança, com uma caçamba presa a uma das pontas da trave
superior e um contrapeso na extremidade oposta. Em pouco tempo, essas valas de
irrigação alcançavam todos os campos próximos aos rios; em seguida, grupos de
trabalhadores escavaram longos canais que tornaram possível levar a água até
plantações a quilômetros dos rios. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando passaram a cultivar campos cada vez
mais distantes das terras úmidas e moles às margens dos rios, os sumérios
inventaram uma ferramenta indispensável ao cultivo de solos mais duros — o
arado. Até então, os agricultores faziam furos na terra, com galhos pontudos ou
chifres de animais, a fim de colocar as sementes. Os primeiros arados sumérios
não passavam de galhos de árvore retorcidos; um indivíduo o puxava enquanto
outro o empurrava, forçando a extremidade retorcida contra o solo e abrindo,
assim, um sulco. No quarto milênio antes de Cristo, os agricultores
desenvolveram um arado de cobre e nele atrelaram bois, unindo o que até então
haviam sido duas vocações distintas: o cultivo da terra e a criação de animais.
Em torno de 3000 a.C., eles passaram a usar uma ferramenta mais resistente,
feita de bronze (liga de cobre e estanho), que lhes permitia cultivar trechos
mais extensos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjPKEMSeX7cy-esX72GKEJfKKwz_eSXkgC5H7qv48WmYBJkAfURvbHbqFwizEaPiGdUpuPPbsjXwc33MmdHCm4d_WIDDoOZcYLBpsgPdtX0wP3UIbsEGTrk2MR5NRG8QAWmiWN_r755IBFS/s1600/despertar5img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="148" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjPKEMSeX7cy-esX72GKEJfKKwz_eSXkgC5H7qv48WmYBJkAfURvbHbqFwizEaPiGdUpuPPbsjXwc33MmdHCm4d_WIDDoOZcYLBpsgPdtX0wP3UIbsEGTrk2MR5NRG8QAWmiWN_r755IBFS/s640/despertar5img.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">Modificações na forma do arado
aumentaram a produtividade do agricultor sumério. Por volta de 3000 a.C., a
relha original de madeira, suficiente apenas para arranhar a terra, havia sido
substituída na Suméria por uma lâmina de bronze muito mais resistente: alguns
arados eram equipados com funis que permitiam a semeadura assim que o solo era
revolvido. Esses instrumentos revelaram-se tão eficientes que mesmo pagando
metade de sua produção anual pelo arrendamento da terra, um agricultor ainda
teria o suficiente para alimentar sua família.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto a exploração agrícola se expandia,
a construção de redes de canais e diques requeria o esforço conjunto de muitos
trabalhadores e exigia a cooperação de toda a comunidade. Antes da Suméria, tanto
no caso dos pastores nômades quanto no dos primeiros agricultores, a unidade de
trabalho tradicional havia sido a família ou o clã. Mas, trabalhando
isoladamente, as famílias ou os clãs eram incapazes de construir e manter
complexos sistemas de irrigação. Os indivíduos foram, portanto, obrigados a somar
seus esforços e, sem esquecer antigos vínculos de parentesco, reconhecer
lealdades mais amplas — à aldeia, ao vilarejo e, por fim, à cidade. O
agrupamento em comunidades sempre maiores deu origem à interação e à inovação
que engendraram a vida civilizada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Simultaneamente, a escala de seus projetos
de irrigação contribuiu para que os sumérios adotassem cada vez mais a
especialização — a divisão do trabalho que tem sido a característica de todas
as civilizações. Os campos da Suméria produziam safras tão abundantes que nem
todos precisavam cultivá-los. Assim, surgiram administradores, ou planejadores,
homens que projetavam os canais e os diques e garantiam que o fluxo de água
alcançasse seu destino. Esses especialistas desenvolveram uma nova tecnologia:
instrumentos para medir e calcular variações no terreno e no fluxo da água,
além da própria matemática necessária para a manipulação dessas mensurações. Os
primeiros administradores provavelmente também ajudaram a aperfeiçoar o arado,
que passou a ser construído com metais trazidos de áreas montanhosas ricas em
minérios. Todos os metais vinham de regiões distantes; a profunda e fértil
terra negra da planície do Tigre-Eufrates não possuía depósitos de nenhum dos
minérios com os quais se poderia produzir cobre, estanho ou ferro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf6q_LpIf1k2g7bRErtFCM5tUrstjctbyLM1Nniz-itMZA8qxYg_yAUsJLvlWSiOqJKxrm12oFoi1Ew7HQdcsJHWx_-oFNjJGW50EP_8NnPr_FedlJVQ1RLAVjzEriB_6EuS5opbMxklXT/s1600/despertar6img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="292" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf6q_LpIf1k2g7bRErtFCM5tUrstjctbyLM1Nniz-itMZA8qxYg_yAUsJLvlWSiOqJKxrm12oFoi1Ew7HQdcsJHWx_-oFNjJGW50EP_8NnPr_FedlJVQ1RLAVjzEriB_6EuS5opbMxklXT/s640/despertar6img.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">O deus da água sumério, Enki
(acima, à direita), é retratado neste sinete com peixes saltando por seu ombro.
Como os sumérios temiam tanto as secas prolongadas quanto as enchentes
violentas, Enki era uma das divindades mais importantes, com frequência
glorificada em esculturas e versos sagrados: "Quando me aproximo dos campos
dourados, pilhas de cereais são amontoadas ao meu comando". A figura alada
é Inanna, deusa do amor e da guerra, e o deus do Sol, Utu, pode ser visto com
seu torso elevando-se por trás de uma cadeia de montanhas.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os revolucionários métodos agrícolas dos
sumérios também os encorajaram a desenvolver a ciência da astronomia,
observando e comparando os movimentos do Sol e da Lua de modo a estabelecer um
calendário confiável. O calendário que eles adotaram, baseado em meses lunares
de 28 dias, previa com bastante exatidão o início das estações e indicava aos
agricultores o melhor momento de semear e colher. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os especialistas também dão o provável
crédito aos sumérios por outra grande realização tecnológica — a invenção da
roda. Tudo indica que a roda tenha sido empregada pela primeira vez na
confecção de objetos de cerâmica. Os artesãos colocavam um bloco de argila em
uma plataforma horizontal equilibrada sobre um eixo, e então a giravam enquanto
modelavam com as mãos utensílios redondos — como os ceramistas fazem até hoje.
Os sumérios foram os primeiros a inclinar a roda dos ceramistas e adaptá-la
para a locomoção. A roda permitiu que os agricultores cultivassem campos cada
vez mais distantes da aldeia ou da cidade. Um boi, ou um burro, atrelado a uma
carroça com rodas transportava uma carga três vezes mais pesada do que aquela
que conseguia carregar no lombo ou arrastar num trenó.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto alguns especialistas procuravam
ampliar a produção agrícola, outros se concentravam em questões espirituais.
Uma classe sacerdotal cada vez mais numerosa elaborou um sistema cosmológico
completo que explicava todos os aspectos relativos ao homem e à natureza. A
religião suméria revelou-se tão poderosa que sobreviveu por três milênios,
influenciando de modo marcante os inúmeros povos que ocuparam a Mesopotâmia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Parte da força dessa religião estava na
grande diversidade de deuses. O panteão sumério contava mais de 3 mil
divindades. A natureza e todas as atividades humanas eram presididas por seus
próprios deuses ou deusas. A chuva, o Sol, a Lua, a vegetação — tudo possuía
sua divindade específica. O mesmo ocorria com objetos mais prosaicos como
arados, picaretas e até mesmo fôrmas para a produção de tijolos. Além disso,
cada vilarejo tinha seu deus particular, ao qual, afirmavam os sacerdotes, o
local havia sido consagrado no dia da criação. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os deuses não eram considerados
iguais. Os mais importantes formavam um quarteto que controlava o que os
sumérios acreditavam ser os quatro principais domínios da natureza: o céu, o
ar, a terra e a água. E, dessas quatro divindades, uma sempre reinava absoluta.
No início, o mais poderoso dentre os deuses era Anu, soberano do céu. Mais
tarde, ele foi suplantado por Enlil, deus do ar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Todos os deuses sumérios, tanto os maiores
quanto os menores, eram dotados das mesmas condições e necessidades físicas dos
seres humanos. As divindades sumérias comiam, bebiam, amavam, casavam-se e
discutiam entre si. Elas também comunicavam à raça humana seus variados desejos
e intenções, fazendo com que seus respectivos sacerdotes e sacerdotisas deles
se inteirassem por meio de augúrios como, por exemplo, a forma do fígado de
ovelhas sacrificadas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgiigVba9-xhOlnxODTPfp6rkhPVLmiv7YxnxlIQKhSutnFHQy-e1Ku0pJrarZUzHCSS8d8VlOsF41F6L8aXdpMw5PFax8ElJ0Ir0ShRbNgjM5dBX8oDJEf3RUgfva32HY5e6Flw9v4-v5m/s1600/despertar7img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgiigVba9-xhOlnxODTPfp6rkhPVLmiv7YxnxlIQKhSutnFHQy-e1Ku0pJrarZUzHCSS8d8VlOsF41F6L8aXdpMw5PFax8ElJ0Ir0ShRbNgjM5dBX8oDJEf3RUgfva32HY5e6Flw9v4-v5m/s640/despertar7img.jpg" width="324" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">Uma deusa venerada pelos
mesopotâmicos veste uma saia decorada com peixes que nadam por entre as linhas
ondulantes de uma corrente fluvial. Instalada no palácio de Mari, uma
cidade-estado às margens do Eufrates, essa estatueta era na realidade uma fonte:
a água saia pela vasilha que a deusa tem nas mãos.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa religião não era particularmente
esperançosa. De acordo com um mito sumério, os seres humanos haviam sido
moldados pelos deuses, a partir da argila, unicamente para servirem como
escravos. O malogro em obter as boas graças das divindades poderia provocar
catástrofes: enchentes, secas, pestes ou ataques das tribos das montanhas. Como
tais catástrofes afligiam com frequência os sumérios, o medo provocava no povo
da planície uma angústia crônica. Isso contribuiu para aumentar o poder da
religião — e beneficiou os sacerdotes e seus templos. Generosas oferendas aos
celeiros dos templos e inquestionável obediência aos sacerdotes eram as únicas maneiras
de se aplacar a ira dos deuses. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os templos destacavam-se, em geral, como
as edificações mais proeminentes das cidades. No início, eles tinham proporções
modestas — construções retangulares com um único aposento, feitas do mesmo
tijolo de argila que os sumérios usavam em suas casas. Mas quase sempre eram
erigidos sobre plataformas acima das construções circundantes. Depois, à medida
que as comunidades prosperavam e cresciam, os templos também se expandiam,
erguendo-se em direção ao céu sob a forma de estruturas piramidais de diversos
andares: os zigurates. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A forma característica dos zigurates
originou-se do processo de reconstrução dos templos. Quando desmoronava um
templo, as ruínas serviam de alicerces para o novo templo. Ao longo dos
séculos, a sequência de edifícios construídos sobre as ruínas de outros acabou
por se assemelhar a uma série de degraus gigantes. Os arquitetos sumérios por
fim apropriaram-se dessa concepção em degraus, utilizando-a em templos maiores
e mais imponentes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O interior desses zigurates não era menos
impressionante. Os artistas retratavam seus concidadãos em afrescos e
esculturas refinados, que adornavam as paredes dos inúmeros aposentos dos
templos. A maioria dos homens retratados nessas cenas usava barba longa e
encaracolada e cabelo longo partido ao meio; com frequência tinham o tronco nu
e vestiam uma espécie de saiote apertado na cintura. As mulheres prendiam as
tranças de cabelo em torno da cabeça e usavam túnicas justas presas aos ombros,
deixando aparecer apenas o braço direito. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A ampliação dos templos acompanhou o
crescimento de sua importância social. Os templos possuíam considerável
quantidade de terras. Parte delas era cultivada pelos próprios sacerdotes;
parte era oferecida a altos funcionários do governo, para a obtenção de favores
políticos; o restante era arrendado, em troca de uma participação na safra.
Essas colheitas, juntamente com os cereais doados por agricultores ansiosos por
agradar aos deuses, proporcionavam à classe sacerdotal um grande poder
econômico. Os celeiros dos templos sustentavam não apenas os sacerdotes, mas
também quem se encontrava em situação difícil — viúvas e órfãos, entre outros. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alimentar apenas quem vivia nos templos
não era tarefa fácil, pois o corpo eclesiástico se expandiu de maneira
constante ao longo dos séculos. Os templos maiores necessitavam de um
administrador leigo, para manter o edifício e as finanças em ordem, de um
supremo sacerdote ou sacerdotisa para cuidar dos assuntos menos mundanos. Logo
abaixo na hierarquia vinham os sacerdotes ou sacerdotisas cujos deveres
incluíam a condução das cerimônias diárias de oferenda de comida e bebida à divindade
ou de louvação com músicas instrumentais ou cantadas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas isso foi apenas o começo. Cada vez
mais, acompanhando o crescimento econômico da Suméria, os templos passaram a se
assemelhar a cidades em miniatura. Além dos sacerdotes e de outros elementos
envolvidos nos ritos religiosos, também moravam nos templos cantores e músicos.
Havia, ainda, os indivíduos responsáveis pelas tarefas domésticas, como
cozinheiros, criadas, tecelões e varredores de pátio. Pequenos exércitos de
trabalhadores agrícolas, muitos do quais escravos, cultivavam as terras do
templo e cuidavam dos celeiros; funcionários seculares administravam os
interesses econômicos. Artesãos eram contratados para produzir objetos de cerâmica,
móveis, ferramentas de metal e outros artigos. A munificência do clero era enorme;
por exemplo, logo após 3000 a.C., o templo de Lagash fornecia uma ração diária
de pão e cerveja para nada menos do que 1 200 pessoas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tão importantes quanto os sacerdotes eram
os mercadores viajantes, cuja sobrevivência também dependia dos excedentes
agrícolas. Eles trocavam os cereais e a lã da Suméria pelas matérias-primas que
inexistiam nessa terra de abundância. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuXR0K2KWk_fNCnn-DI3AocUqbcBnRf7qVIinfwKF7K8ZxiyFGPzoCkDP2HJ9ymxjNAEEiJmFzJoFYGfo4bLFSICcqRUsmHNocWaovoNLaxczo92AkASxZN5LREZpURCz7W7XO54Ca3Azr/s1600/despertar7img2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuXR0K2KWk_fNCnn-DI3AocUqbcBnRf7qVIinfwKF7K8ZxiyFGPzoCkDP2HJ9ymxjNAEEiJmFzJoFYGfo4bLFSICcqRUsmHNocWaovoNLaxczo92AkASxZN5LREZpURCz7W7XO54Ca3Azr/s640/despertar7img2.jpg" width="382" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">Sentado num pátio sob o zigurate
de Ur, o escriba registra a doação de uma saca de cereal ao templo do deus da
Lua, Nanna, principal divindade desse complexo sagrado. Essas contribuições —
exigidas daqueles que cultivavam as terras do clero — serviam para a manutenção
de um corpo de funcionários que incluía tecelões, metalúrgicos, ceramistas e carpinteiros.
Com a meticulosidade burocrática típica dos sumérios, cada doação era
registrada duas seres em placas de argila: uma ficava com doador e servia de
recibo, a outra era guardada nos arquivos sagrados.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As expedições comerciais lançavam mão de
todos os meios de transporte disponíveis. Faziam balsas, atando os troncos de
árvores com cordas; para aumentar sua capacidade de flutuação, prendiam bolsas
de peles de animais infladas. Outros conduziam caravanas de burros através da
Síria até a costa do Mediterrâneo e, na direção oposta, através das gargantas
nos montes Zagros até as terras das tribos elamitas. Navegavam pelo golfo
Pérsico em barcos a vela — provavelmente outra invenção suméria —, avançando no
mar da Arábia até Omã. Por fim, alguns deles viajaram tão longe na direção leste
que alcançaram o vale do rio Indo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esses intrépidos mercadores retornavam não
só com matérias-primas como minérios, pedras e madeira, mas também com itens
exóticos — pentes de marfim do vale do Indo e contas de cornalina de Elam — que
contribuíam para a variedade e a excitação dos bazares mesopotâmicos. Além
disso, os mercadores eram intermediários de um produto menos tangível, mas
igualmente importante: ideias. Eles ampliaram o horizonte intelectual dos
sumérios ao trazerem para casa histórias de povos estrangeiros, línguas
estranhas e costumes diferentes. De modo similar, eles fertilizaram intelectualmente
outras terras, deixando atrás de si as marcas da cultura suméria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Das necessidades da religião, do comércio
e do governo surgiu a realização mais extraordinária da Suméria: a invenção da
escrita Os sacerdotes descobriram que precisavam de um método de preservação de
registros — a fim de, por exemplo, saberem quais agricultores já haviam feito
suas contribuições anuais de cevada. Os mercadores tinham que relacionar a
quantidade de cereais enviada ao estrangeiro para trocas. Os administradores
necessitavam de registros de levantamentos topográficos e atividades cívicas.
Para preservar essas informações, os escribas, usando afiados estiletes de
junco, gravavam marcas em placas feitas da matéria-prima mais abundante na Suméria:
a argila. Eles trabalhavam com a argila ainda úmida e mole; após o cozimento da
placa, as marcas tornavam-se inalteráveis. O que os primeiros escribas gravavam
nas placas eram pictogramas — hábeis esboços de objetos e criaturas do
dia-a-dia, tais como bois e feixes de cevada. Eles também desenhavam pessoas.
Essas palavras-imagens registravam, em sua maioria, assuntos mundanos, como a quantidade
de cereal envolvida numa transação comercial. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os pictogramas sumérios provavelmente se
desenvolveram a partir de um sistema de representação mais primitivo. Já em
8000 a.C., pequenas fichas de argila com formas variadas eram usadas por
agricultores do Oriente Médio para manter um registro de seus produtos. Uma
ficha em forma de cone, por exemplo, poderia indicar que um agricultor possuía
determinada quantidade de cevada em seu celeiro. Muito mais tarde, os
mercadores adotaram o sistema de fichas como uma espécie de nota de embarque
que acompanhava as mercadorias negociadas. As fichas eram colocadas em bolas
ocas de argila, que depois eram lacradas. O mercador então riscava um signo
numérico na bola, de modo a indicar o número de fichas que ela continha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os sumérios descobriram que as placas de
argila eram muito mais práticas do que o complicado sistema de bolas e fichas.
Na placa o mercador gravava um signo numérico para indicar a quantidade de
artigos vendidos ou comprados; para especificar o tipo de artigo, ele
simplesmente traçava uma imagem da ficha. Esses pictogramas foram passando por
uma importantíssima evolução. Partindo da representação concreta de objetos
familiares, o sistema de escrita foi se tornando cada vez mais abstrato.
Combinações de símbolos pictográficos passaram a indicar certas ideias. Por
exemplo, o desenho de uma boca junto às linhas onduladas que representavam a
água passou a significar "beber". Em seguida, os escribas começaram a
fazer experiências com símbolos fonéticos, empregando uma forma de trocadilho.
O símbolo escrito para determinada palavra veio a representar outra palavra com
o mesmo som, mas com sentido diferente. Por fim, os pictogramas representavam
sons e ideias mais do que objetos concretos. Esse sistema revelou-se tão versátil
que, com um vocabulário escrito de cerca de seiscentos caracteres — menos de um
terço do que dispunha a antiga linguagem pictográfica —, os escribas sumérios
conseguiam expressar por escrito praticamente tudo o que poderia ser falado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A evolução do conteúdo da escrita suméria
foi acompanhada por aperfeiçoamentos no formato e no estilo. Nas primeiras
placas, as imagens eram gravadas em colunas verticais a partir do canto
superior direito. Isso, contudo, se revelou inconveniente, pois a mão do
escriba muitas vezes borrava os signos recém-inscritos. Os escribas, assim,
acabaram por adotar o método que mais tarde se tornaria padrão nas línguas
ocidentais: a escrita em fileiras horizontais, da esquerda para a direita. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os escribas também sentiram necessidade de
aperfeiçoar seu instrumento de escrita. Ao ser movimentada sobre a superfície
flexível da argila, a ponta do estilete produzia deselegantes ressaltos e
arestas. Por volta de 2500 a.C., a ponta de junco havia assumido uma forma
triangular que podia ser facilmente pressionada na argila, deixando um elegante
sinal em forma de cunha. Grupos desses sinais formavam os símbolos escritos, os
quais se tornaram cada vez mais estilizados e abstratos, e cada vez menos
parecidos com os antigos pictogramas que representavam diretamente o objeto
nomeado. Muito mais tarde, a forma dos sinais deu à escrita da Suméria o nome
pelo qual ficou conhecida — cuneiforme, ou seja, em forma de cunha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwItcsZpcILmXz-kkCqIT_DLntXeUn5MMoW_R-C2ktM2_cPbRMKJ4nyMslTwLDXZvLvCh2DU_kSBZIuVkSdon3MxWSRI8nhlxeHCr7DM_RaU__PTW6sw_sw4OFN0KkM56xJpLzD8AdAKwZ/s1600/despertar7img3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwItcsZpcILmXz-kkCqIT_DLntXeUn5MMoW_R-C2ktM2_cPbRMKJ4nyMslTwLDXZvLvCh2DU_kSBZIuVkSdon3MxWSRI8nhlxeHCr7DM_RaU__PTW6sw_sw4OFN0KkM56xJpLzD8AdAKwZ/s640/despertar7img3.jpg" width="424" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">A figura acima, vestindo o
saiote de tubos de lã característico da Mesopotâmia, é Ebih-il, administrador
do templo de Ishtar, em Mari, por volta de 2400 a.C. Essas estátuas de homens e
mulheres devotos eram mantida, em um santuário (abaixo) — as mãos dobradas em
súplica ao deus ou deusa representado no altar. Alguns desses santuários também
possuíam elaborados modelos em terracota de edifícios de dois andares, os quais
provavelmente serviam como mesas de oferendas.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0_pc6Gded5BjhpVEPaVSbmLP6A-9IHnO9uSaifFQhlzcA7roTvxa5oLkcbfmUZBexdslPtYPDNkzLtfGgenFS4Ah9pQV_WR1otphADblhpN8JhQNb03B0LfYh5kTi9-7iGU0RzeSOFjUl/s1600/despertar8img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0_pc6Gded5BjhpVEPaVSbmLP6A-9IHnO9uSaifFQhlzcA7roTvxa5oLkcbfmUZBexdslPtYPDNkzLtfGgenFS4Ah9pQV_WR1otphADblhpN8JhQNb03B0LfYh5kTi9-7iGU0RzeSOFjUl/s640/despertar8img.jpg" width="539" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Confinada no início ao templo e ao
palácio, a escrita rapidamente se difundiu por toda a sociedade suméria e, em
seguida, para outras terras. A escrita cuneiforme revelou-se adaptável a muitas
línguas. Ainda no século posterior ao nascimento de Jesus Cristo, uma versão
dela continuava a ser usada pelos acadianos na Mesopotâmia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na Suméria, as placas cuneiformes eram
utilizadas para registrar os códigos de leis promulgados pelos governantes; os
comandantes militares recorreram a elas como um novo meio de comunicação no
campo de batalha. Os poetas gravavam na argila os antigos mitos e histórias que
anteriormente haviam sido transmitidos apenas pela recitação ou pelo canto
acompanhado de harpa ou lira. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As obras máximas da literatura da Suméria
eram compilações desses mitos e contos reescritos como épicos. Nenhum teve
maior difusão do que a <i>Epopeia de Gilgamés</i>
um poema de 3 500 versos que tinha como ponto de partida um fato real: o rei Gilgamés
foi um governante da cidade de Uruk. <i>Gilgamés</i>
e outras narrativas sumérias prenunciaram temas que mais tarde apareceriam na
Bíblia e na literatura da Grécia clássica. Gilgamés, como o Ulisses de Homero,
vagueia pela terra — o primeiro dos grandes peregrinos da literatura mundial.
Outro mito sumério fala de um personagem que, como o Noé da Bíblia, sobreviveu
a um grande dilúvio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outros textos fornecem conselhos práticos.
Uma dúzia de placas e fragmentos de argila, encontrados nas proximidades da
cidade de Nippur, constituem o primeiro almanaque para agricultores da
história. “Nos dias de antanho”, começa ele, "um agricultor deu conselhos
a seu filho". Seguem-se mais de cem linhas dedicadas aos meios de se obter
êxito na agricultura. Entre outras precauções, o agricultor iniciante é aconselhado
a proteger do mal seus brotos tenros por meio de uma oração a Ninkilim, a deusa
dos ratos de plantações e das pragas. Ele é exortado a não esperar para colher
a cevada quando ela se curvar sob o próprio peso; deve, em vez disso, cortá-la
num instante preciso e místico — "no dia de sua força". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O autor desse útil panfleto quase
certamente não era agricultor. A maioria dos trabalhadores da terra, assim como
dos outros sumérios, era analfabeta. O aprendizado da leitura e da escrita
cuneiforme demandava vários anos de rigoroso treinamento na escola suméria, ou <i>edubba</i> — o primeiro centro de educação
formal do mundo. A <i>edubba</i> (casa das
placas) foi criada como um anexo do templo ou do palácio real, com a finalidade
de formar escribas. As taxas pagas pelos alunos mantinham o diretor, o <i>ummia</i> (perito ou mestre) e os
instrutores, conhecidos como "irmãos maiores". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A maior parte dos estudantes saía das
famílias bem situadas e ricas e, segundo as indicações disponíveis, eram todos
homens. Eles frequentavam a <i>edubba</i>
desde o início da juventude até o início da maturidade. Nas primeiras lições,
copiavam sinais e memorizavam longas listas de palavras e frases associadas.
Uma das listas trazia os nomes dos animais; outra, das partes do corpo; e uma
terceira, dos objetos de madeira. Quando sabiam de cor o suficiente para
reproduzirem centenas de sinais, eles passavam para o estudo da gramática e,
depois, para a redação de frases e histórias, até, por fim, começarem a
registrar contratos e outros documentos práticos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O trabalho era monótono e a disciplina
rigorosa. Um estudante da <i>edubba</i> foi
castigado com uma vara pelo menos quatro vezes num único dia. Suas
transgressões haviam sido perambular pela rua, falar sem permissão e não
conseguir inscrever os signos na argila com habilidade suficiente para
satisfazer a seu “irmão maior”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas os instrutores parecem ter sido
suscetíveis à adulação e até mesmo ao suborno. Uma história de 2000 a.C.,
escrita por um instrutor anônimo, revela o quão antiga é a fraqueza humana.
Cansado de ser punido por várias infrações na <i>edubba</i>, um estudante pede ao pai que convide o instrutor a ir até
sua casa. “Ao pedido do escolar, o pai deu seu assentimento. O instrutor foi
trazido da escola e, ao entrar na casa, fizeram com que se sentasse no lugar de
honra. O escolar cuidou dele e o serviu, e tudo o que havia aprendido da arte
da escrita em placas ele revelou para seu pai”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seguida, o pai assume o controle da
situação. Vestindo o instrutor com "um traje novo", o pai oferece-lhe
um presente, colocando um anel em sua mão. O instrutor fica tão impressionado
por essa generosidade que esquece o mau comportamento do menino e todas as
punições. "Você realizou muito bem as atividades escolares", ele diz
ao garoto. “Você se tornou um homem sábio”. A história tornou-se tão popular
que foram encontradas nada menos que 21 cópias dela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os aspirantes a escriba também aprendiam
matemática. O sistema de cálculo baseava-se no número sessenta, um método
prático, pois sessenta pode ser dividido por doze números. Ele foi, portanto,
adotado para se determinar a distribuição de alimentos e para se subdividir a
terra; os estudantes aperfeiçoavam suas habilidades sexagesimais solucionando
problemas práticos, tais como o cálculo de salários. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse sistema sexagesimal pode ter sido o
antepassado do atual sistema decimal arábico. De qualquer modo, resquícios dele
sobrevivem até hoje em manifestações tão corriqueiras como a hora de sessenta
minutos e o círculo de 360 graus. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os que conseguiam suportar a rigorosa
disciplina da <i>edubba</i> obtinham
vantagens compensadoras. A formação garantia ao estudante emprego e um lugar
entre os privilegiados. Ele poderia trabalhar em um templo ou para o governo,
como contador, secretário ou arquivista, ou conseguir uma colocação no comércio
exterior. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O escriba recém-formado podia até mesmo
montar um negócio próprio, cobrando taxas para redigir cartas e contratos.
Esses documentos tornavam-se legítimos quando os clientes inscreviam na argila
a marca de seu sinete. Os sinetes eram minúsculas obras de arte — pequenos
cilindros de pedra habilidosamente entalhados com pictogramas que identificavam
seu dono. Ao ser rolado sobre a argila mole — das placas ou dos lacres de
jarros —, o sinete cilíndrico produzia um friso de impressões repetidas que
constituía a assinatura legal do indivíduo. Assim, todo adulto, mesmo analfabeto,
era capaz de registrar seu nome com estilo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante essa marcha para a civilização, as
comunidades sumérias sofreram profundas transformações. Cada cidade abrigava
vários milhares de habitantes por volta de 3000 a.C. Cinco séculos depois, a
população de toda a Suméria ultrapassava 500 mil pessoas, das quais estima-se
que quatro quintos viviam em cidades, onde se aglomeravam para aproveitar as
oportunidades e as amenidades do novo modo de vida urbano, assim como para se
proteger de invasores e saqueadores estrangeiros. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As cidades desenvolveram-se de modo a
constituir jurisdições governamentais ainda maiores — cidades-estados — que
também compreendiam as aldeias rurais localizadas em sua periferia. A primeira
dessas cidades-estados, Uruk, tornou-se protótipo de outras no mundo antigo. Em
2700 a.C., Uruk abrangia 76 aldeias próximas; a cidade propriamente dita
estendia-se por mais de 4 quilômetros quadrados e abrigava quase 50 mil
pessoas. Como proteção contra os inimigos, Uruk era circundada por uma muralha
de 10 quilômetros de comprimento feita de tijolos cozidos que, de acordo com a <i>Epopeia de Gilgamés</i>, resplandecia sob o
sol inclemente "com o brilho do cobre". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa muralha era um sinal dos tempos, pois
a guerra havia se tornado endêmica na Suméria. Em parte, isso se devia à
geografia. A Mesopotâmia não dispunha de barreiras naturais que a protegessem
de invasões dos povos bárbaros estabelecidos a leste e a oeste. Mas uma fonte
de conflitos ainda mais abundante eram as disputas que eclodiam entre as
próprias cidades da Suméria. À medida que as cidades se expandiam, os sumérios
discutiam sobre suas fronteiras comuns e, com frequência cada vez maior, sobre
o desvio da água dos rios para irrigação. Cada novo canal construído corrente
acima diminuía a quantidade de água disponível para as cidades localizadas na
parte inferior do rio. Dada à importância da irrigação, uma disputa sobre a
água era muitas vezes uma questão quase literal de vida ou morte. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As constantes hostilidades ocasionaram
mudanças políticas. Até cerca de 2800 a.C., conselhos formados pelos membros
mais velhos da aristocracia tomavam as decisões importantes nas cidades. Em
épocas de crise o conselho nomeava um líder único, o <i>lugal</i>, que significa literalmente "grande homem". Ele
governava a comunidade durante a emergência, e depois retomava sua antiga
ocupação. Como os intervalos de paz tendiam a ser cada vez menores, o <i>lugal</i> passou a permanecer no poder por
períodos maiores. Inevitavelmente, ele ampliou sua autoridade enquanto
comandante militar, de modo a governar todas as áreas da vida comunitária,
substituindo o conselho de dignitários. A palavra <i>lugal</i> passou a significar "rei". Com o tempo, o<i> lugal</i> atribuiu-se o direito de nomear
seu sucessor. Assim surgiram as várias dinastias que, a partir de certo
momento, governaram as cidades-estados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O poder dos reis aumentou gradualmente até
rivalizar com o dos sacerdotes, embora os soberanos tivessem o cuidado de
manter relações cordiais com os líderes espirituais. Mesmo que a monarquia
estivesse solidamente estabelecida, o rei buscava o apoio e a aprovação do
clero; em troca, o rei era considerado o representante terreno da divindade, um
soberano por direito divino. A condição semidivina do rei de Ur era confirmada
por diversos rituais sagrados, dos quais o mais importante ocorria no dia do
Ano Novo. Nessa ocasião, acompanhado por uma procissão solene, o rei subia até
o topo do principal zigurate da cidade, onde se realizava um casamento
simbólico que o unia, enquanto substituto de um dos deuses, a uma sacerdotisa
que representava Inanna, a deusa da fertilidade. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjaf2gq-e596JCQtfOQzMMtvcTdTo-skciMWtenZAJuPbwh0myqd8jNFahay41wh7i5-UtzMifTLBzWO9Vi5m1F4VwqK_Q1-458DGIRvmqpBoF7XxS2cMl-hoYRLWx_FB3Lku7enAG3-BMq/s1600/despertar11img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjaf2gq-e596JCQtfOQzMMtvcTdTo-skciMWtenZAJuPbwh0myqd8jNFahay41wh7i5-UtzMifTLBzWO9Vi5m1F4VwqK_Q1-458DGIRvmqpBoF7XxS2cMl-hoYRLWx_FB3Lku7enAG3-BMq/s640/despertar11img.jpg" width="619" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">Fixada a uma lira suméria
primorosamente trabalhada (acima), a cabeça de touro dourada (abaixo)
revela a função ritualística do instrumento, que foi encontrado no cemitério
real de Ur. Os touros eram símbolo de força e fertilidade, e a barba trançada
deste exemplar — feita de lápis-lazúli — talvez possa ser Interpretada como
sinal de divindade. Antes de tocar a lira, os músicos lavavam os dedos a fim de
purifica-los, e muitos dos versos que cantavam eram hinos em louvor aos deuses.
"Eles tocam os instrumentos de corda que trazem alegria a todo o povo",
escreveu um poeta sumério. "Eles tocam canções para Inanna, para que o
coração se rejubile".</span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVKPNJxsbVlDgLqYnV7ZeGdSIyPnk2D5YNKbKb9xNSVDq2cDSfiUOsg56XTsznXjCkkczzVIdbUBp_n080JjQyNqq4NTBne6IcDrfKa_OpW0050KRyjtduLUJh2Y_LLOSTW-P0aZfy17iW/s1600/despertar12img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVKPNJxsbVlDgLqYnV7ZeGdSIyPnk2D5YNKbKb9xNSVDq2cDSfiUOsg56XTsznXjCkkczzVIdbUBp_n080JjQyNqq4NTBne6IcDrfKa_OpW0050KRyjtduLUJh2Y_LLOSTW-P0aZfy17iW/s640/despertar12img.jpg" width="504" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os reis empreenderam ambiciosos programas
de obras públicas, tais como abertura de canais, ampliação dos templos e
construção de estradas. Algumas cidades possuíam até mesmo rudimentares
serviços de correio. E, inevitavelmente, formaram-se burocracias para
administrar o volume crescente de empreendimentos públicos. Logo surgiram
feitores, inspetores, cobradores de impostos, além dos escribas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dentre os inúmeros encargos dos reis, o
mais importante era a promulgação e a administração de leis em seus domínios.
Mesmo antes de a monarquia ter se tornado a forma de governo estabelecida na
Suméria, alguns indivíduos já redigiam minutas de contratos — uma prática comum
pelo menos desde 2700 a.C. e que, como a própria escrita cuneiforme,
originou-se das necessidades comerciais da época. Placas de argila desse
período atestam a enorme variedade de transações. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O aumento da complexidade da sociedade
suméria implicou o crescimento da demanda por leis uniformes que regulassem não
apenas as transações comerciais, mas também a conduta civil e a criminal. Ao
promulgarem compilações de leis, os reis responderam a essa necessidade. A mais
antiga compilação descoberta até hoje data do reinado de Ur-Nammu, que foi
governante da cidade de Ur no início do século XXI a.C. Ela provavelmente foi
concebida pelo filho de Ur-Nammu, Shulgi. Certamente, decretos reais escritos
devem ter sido transmitidos de uma geração para outra desde vários séculos
antes; mesmo assim, a coleção de leis de Ur-Nammu antecede, em cerca de mil
anos, os Dez Mandamentos bíblicos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apenas cinco das leis de Ur-Nammu podem
ser lidas, pois a única cópia que sobreviveu — uma placa de argila, de 10 por
20 centímetros, com inscrições em ambos os lados — encontra-se bastante
danificada. Entretanto, três dentre essas cinco regras apresentam especial
interesse, pois parecem indicar uma filosofia jurídica extraordinariamente esclarecida.
Numa época em que prevalecia a antiga regra do "olho por olho", as
leis de Ur-Nammu prescreviam multas em vez de castigos corporais ou mutilações
como penalidade por injúrias físicas. Um dos editos diz: "Se um homem
rompeu com uma arma os ossos de outro homem, ele deverá pagar uma moeda de
prata". Aparentemente, a Suméria caracterizou-se pela originalidade não apenas
ao codificar suas leis, mas também ao fazê-las humanitárias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O funcionamento do sistema judiciário
parece ter sido igualmente esclarecido. Não havia um corpo de jurados, mas os
réus eram julgados perante um grupo de juízes — em geral os membros mais velhos
da comunidade — e os depoimentos das testemunhas eram feitos sob juramento.
Podia-se apelar das sentenças junto ao próprio rei. As leis e os contratos
escritos desempenhavam papel importante não só nos tribunais e nos negócios,
mas também nos casamentos. Durante a cerimônia de casamento, um escriba gravava
numa placa o contrato de casamento combinado, e em seguida ambos os noivos
imprimiam nela suas assinaturas com os sinetes cilíndricos. O contrato
estipulava, entre outras cláusulas, os deveres de cada cônjuge e as multas que
o marido deveria pagar se se decidisse por um divórcio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O casamento era combinado pelos pais, e o
noivado reconhecido legalmente quando o noivo oferecia um dote em dinheiro ao
pai da noiva. O dote tinha como objetivo selar firmemente o noivado. Se
rompesse o compromisso, o jovem perderia o dinheiro. Por outro lado, se a noiva
mudasse de ideia, o noivo poderia receber em dobro o valor que havia oferecido.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Casadas ou solteiras, as mulheres gozavam
de importantes direitos legais na Suméria. Elas podiam ter propriedades,
realizar negócios e servir de testemunhas em julgamentos. Em outras áreas,
contudo, eram cidadãos de segunda classe. A família, por exemplo, era
patrilinear: a propriedade era legada de pai para filho. E as regras de
casamento parecem ter sido unilaterais. Pela lei e pelo costume, o marido podia
ter uma ou mais concubinas, divorciar-se de sua mulher se ela fosse estéril, e
mesmo vendê-la como escrava por até três anos, caso necessitasse obter dinheiro
para saldar suas dívidas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De todos os documentos sumérios que
sobreviveram, talvez o mais extraordinário seja uma placa que antecedeu a
compilação de leis de Ur-Nammu em cerca de dois séculos. O texto mostra a noção
de justiça, ao descrever as reformas empreendidas pelo rei Urukagina na
cidade-estado de Lagash, por volta do ano 2350 a.C. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O documento tem inicio com o relato dos
piores abusos cometidos pelo governo anterior. Impostos extorsivos e leis opressivas,
originalmente decretadas por estar a cidade em guerra, não haviam sido revogados
após a chegada da paz. Por toda parte havia cobradores de impostos e outros
funcionários corruptos, confiscando burros e ovelhas dos agricultores e até
mesmo aparecendo nos cemitérios para tomar uma parte do pão e da cevada que as
famílias levavam para as sepulturas de parentes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De acordo com a placa, o rei Urukagina pôs
fim a tudo isso. Ele afastou os cobradores de impostos desonestos e outros
funcionários suspeitos, anistiou os cidadãos injustamente aprisionados e, mais
importante, promulgou regulamentos que protegiam os cidadãos comuns da
exploração pelo governo. No relato anônimo de todas essas reformas, aparece
escrita, pela primeira vez na história, a palavra <i>liberdade</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O fortalecimento da monarquia e a consequente
expansão do governo contribuíram para aprofundar ainda mais as divisões entre
as classes sociais. Ao longo do terceiro milênio antes de Cristo, existiam três
classes. Num dos extremos estava a aristocracia: o rei e os funcionários
governamentais, os sacerdotes mais preeminentes e os mercadores e proprietários
de terras mais ricos. No extremo oposto encontravam-se os escravos, obrigados a
permanecer em cativeiro devido a circunstâncias políticas ou econômicas. No
meio ficava a grande maioria do povo sumério — cidadãos livres comuns, tais
como agricultores, pescadores, artesãos e escribas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os maiores proprietários rurais por vezes
possuíam terras que se estendiam por várias centenas de hectares. Como os
templos, muitas dessas propriedades reais e particulares assemelhavam-se a pequenos
vilarejos: oficinas locais produziam artigos domésticos, havia alojamentos para
artesãos e escravos. As residências dos ricos sumérios, seja no campo, seja nas
cidades, eram em geral edifícios confortáveis com uma dúzia de aposentos ou
mais; na maioria dessas construções, todos os cômodos, com entradas altas e
abobadadas, davam para um pátio interno. No interior, as paredes de tijolos
eram revestidas de barro e caiadas; esteiras de junco ou tapetes de lã cobriam
o piso de tijolos. Algumas casas tinham aposentos especiais para o culto aos
deuses, com altares de alvenaria. Nichos nas paredes abrigavam estatuetas
representando as divindades do lar, intermediárias junto aos deuses mais
elevados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nenhum palácio da aristocracia, contudo,
podia comparar-se ao do rei. Os palácios dos governantes tornaram-se cada vez
mais opulentos, chegando a rivalizar, nas dimensões e na elegância, com os
grandiosos zigurates. Na cidade de Mari, o palácio tinha uma área superior a 3
hectares e possuía quase trezentos aposentos. Em meio a tanto esplendor,
instalado num trono sobre uma plataforma elevada, o<i> lugal</i> conduzia os negócios de governo, recebia emissários de outras
cidades-estados e ouvia música de harpas e liras, assim como cânticos ou poemas
especialmente compostos para homenageá-lo e louvá-lo. <o:p></o:p><br />
<br />
<u> UMA CIDADE PARA O DEUS DA LUA</u><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw9VI-PJTQvxxrpxZvbAx746RoKXXV5VM-RDe4gslplYkk-KSsu2Pm_5qIJDvZlCIANKEMF1nl3M0zoQ_JqA0Eui1QAWqhfx73Bih6Mo4wxmbiLSYAQCR4N9nB5J0OR-x06rwK9mggNZOB/s1600/despertar10img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="376" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw9VI-PJTQvxxrpxZvbAx746RoKXXV5VM-RDe4gslplYkk-KSsu2Pm_5qIJDvZlCIANKEMF1nl3M0zoQ_JqA0Eui1QAWqhfx73Bih6Mo4wxmbiLSYAQCR4N9nB5J0OR-x06rwK9mggNZOB/s640/despertar10img.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">Vista aqui no início de um novo
dia, a cidade suméria de Ur era uma das grandes metrópoles do terceiro milênio
antes de Cristo. Próximo ao centro havia um amplo conjunto religioso, no qual
um zigurate – dedicado ao deus da Lua, Nanna, e a sua esposa, Ningal – elevava-se
a cerca de 25 metros. Em torno do recinto sagrado ficava a cidade, um labirinto
de casas, oficinas e bazares onde viviam mais de trinta mil pessoas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">Dois largos canais circundavam
Ur, ligando-a ao rio Eufrates e, por ele, ao golfo Pérsico. Uma terceira via
navegável atravessava a cidade. Os dois plácidos portos da cidade eram
utilizados também por barcos estrangeiros que para lá se dirigiam a fim de
adquirir produtos de artesãos e agricultores. Para além das espessas muralhas
de Ur estendia-se a planície do Eufrates, um mosaico de plantações divididas
por canais e valas de irrigação. Aqueles que cultivavam esses campos
consideravam a cidade um santuário. Seus baluartes frustravam os invasores e o
fato de ser mais elevada em relação à planície circundante – resultado de
séculos de reconstrução sobre ruínas anteriores – proporcionava um abrigo
contra a constante ameaça de enchentes. E o imponente zigurate funcionava como
um farol: mesmo a 30 quilômetros de distância, um agricultor podia levantar os
olhos, contemplar a montanha sagrada e tranquilizar-se quanto à proteção de
Nanna.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os escravos trabalhavam nos palácios,
templos e grandes propriedades rurais. Alguns eram cidadãos comuns que cumpriam
pena por crimes. Outros eram prisioneiros de guerra; na verdade, a palavra
suméria para escravo originava-se do termo que designava os estrangeiros. No
entanto, como muitas das guerras eram travadas entre cidades-estados, a maioria
dos escravos-prisioneiros era constituída de sumérios. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Muitos escolhiam voluntariamente o
cativeiro. Às vezes, camponeses sem terra vendiam a si mesmos como escravos,
simplesmente para dormirem sob um teto e serem alimentados. Os pais podiam, por
lei, vender suas crianças. E um indivíduo em condições financeiras
desesperadoras poderia destinar ao cativeiro toda a sua família —inclusive ele
próprio —, por um tempo estabelecido em comum acordo com o credor, de modo a
saldar seus débitos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embora legalmente os escravos fossem
propriedade do senhor e pudessem ser marcados, açoitados ou punidos severamente
de outras maneiras por transgressões, eles também possuíam direitos. Podiam
realizar negócios e contratar empréstimos. Se um escravo era casado com um
cônjuge livre, os filhos do casal eram livres desde o nascimento. Os escravos
podiam até mesmo comprar a própria liberdade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O modo de vida da numerosa classe média
variava bastante. Os artesãos que viviam nos palácios ou nas propriedades
rurais dependiam de seus senhores para comer e se vestir. Outros realizavam
seus serviços ou trocavam seus artigos por dinheiro — ou recebiam pagamento em
espécie — e mantinham modestas casas térreas nas estreitas e sinuosas ruelas
das cidades. Além dos agricultores, muitos outros cidadãos eram proprietários,
mesmo que apenas de um pequeno lote ajardinado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ricos ou pobres, escravos ou cidadãos
livres, os sumérios alimentavam-se, basicamente, de cereais — às vezes trigo,
mas em geral cevada, que se desenvolvia melhor nos solos alcalinos e salinos da
Mesopotâmia. A cevada era moída em partículas grossas e cozida como mingau; ou
então, transformada em farinha, entrava na feitura do pão não fermentado até
hoje consumido em todo o Oriente Médio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A cevada também era o ingrediente
principal da bebida mais comum: a cerveja. Esta, no entanto, não continha as
ervas preservativas, como o lúpulo, que somente seriam usadas na fabricação da
cerveja 4 mil anos depois. A cerveja suméria era, em geral, produzida pelas
mulheres em suas próprias casas e ali vendida. Acreditava-se que uma deusa
específica presidisse à preparação da cerveja — Nin-kasi, cujo nome significa
literalmente "a senhora que enche a boca". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse nome era apropriado. Cerca de 40 por
cento da produção de cereais da Suméria destinava-se aos tonéis das
cervejarias. Os trabalhadores comuns do templo recebiam uma ração de 1 litro
por dia, enquanto os principais dignitários tinham direito a uma quantidade
cinco vezes maior. Os sumérios apreciavam tanto a cerveja que, mais tarde, os
gregos insistiram que o próprio deus Dioniso, amante dos estados inebriantes,
fugira da Suméria, nauseado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como variação da dieta básica, os sumérios
dispunham de leguminosas como grão-de-bico, lentilha e feijão, além de cebola e
alface. Peixes eram encontrados em abundância. As placas de argila documentam
cerca de cinquenta espécies pescadas nos rios Tigre e Eufrates. Nas ruas de
cidades como Ur, encontravam-se peixeiros por toda parte, alguns vendendo seus
peixes frescos, outros fritando-os para consumo no local. Rebanhos de vacas e
cabras eram mantidos principalmente pelo leite que proporcionavam, o qual
também era usado na produção de queijo, manteiga e iogurte. Tudo indica que
apenas os mais ricos comiam carne com regularidade, e a maior parte dela
provavelmente era de carneiro. Acredita-se que os sumérios tenham sido descendentes
de pastores nômades, pois sua língua possuía mais de duzentas palavras que
designavam os diferentes tipos de carneiro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outra abundante fonte de alimento eram as
tamareiras. Às margens dos rios e canais de irrigação, ou cultivadas em estado
natural, as tamareiras produziam cerca de 50 quilos de fruto por pé todos os
anos. As tâmaras eram consumidas frescas, secas ou então transformadas num
espesso xarope que servia como substituto do mel. (Não conheciam o açúcar.) Nem
mesmo o caroço era desperdiçado: triturado, servia como ração animal; queimado,
transformava-se em carvão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos tratamentos de saúde, os sumérios a
princípio recorriam a remédios espirituais. Aqueles que ficavam doentes
procuravam exorcistas, especialistas na expulsão dos demônios julgados
responsáveis pela enfermidade. Mas, já a partir de 2500 a.C., surgiram
tratamentos alternativos. Nessa época havia médicos treinados que podiam
prescrever uma ampla variedade de drogas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quinze dos medicamentos empregados pelos
médicos sumérios foram arrolados numa placa de argila. As receitas exigem a
combinação de ingredientes naturais — plantas e minerais como sal e salitre. A
cerveja aparece em muitas das receitas, tanto como ingrediente ativo quanto como
paliativo para tornar mais aceitável o remédio. Uma das fórmulas, traduzida
livremente, aconselha o médico: "Derrame cerveja forte sobre um pouco de
resina; aqueça no fogo. Misture óleo betuminoso do rio a esse liquido e dê para
o doente beber". Infelizmente, a placa médica não informa quais
enfermidades poderiam ser curadas ou aliviadas por essa e outras receitas. No
entanto, vários dos ingredientes mencionados sugerem que as fórmulas foram
concebidas com base na experiência prática e não na mera superstição. O sal,
por exemplo, é um antisséptico eficaz, e o salitre, um bom adstringente. Dois
dos unguentos registrados na placa são compostos de um álcali — provavelmente
carbonato de sódio — e ingredientes ricos em gorduras naturais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar de todos os remédios e dos melhores
esforços dos exorcistas, os sumérios em geral morriam cedo. A média de vida
provavelmente não ultrapassava quarenta anos. Em muitas casas, construía-se uma
pequena câmara de alvenaria sob o piso do andar térreo, e nela eram enterrados
os membros da família. Não era raro que dez ou mais pessoas fossem enterradas
nesses pequenos mausoléus. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outros eram sepultados em cemitérios
situados fora das cidades. Embora o local do enterro pudesse variar, isso não
ocorria com os ritos funerários. O morto era envolvido numa esteira de junco
ou, o que era muito mais raro, colocado em um ataúde de madeira ou argila. O
cadáver era deitado de lado, com uma vasilha de água entre as mãos e junto aos
lábios. Na sepultura costumava-se colocar alguns pertences de estimação do
morto — armas ou ferramentas, quando homem; joias, quando mulher. E, quase
sempre, a família providenciava vasilhas adicionais repletas de alimentos e
bebidas para a nutrição do falecido durante sua estada no outro mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBmQjJX8D6DNpqplwB9WmtqwjBrO4oNI1Qu1HheFoRwlRq9Bff4GltyadB0SLRltlIprXF_mHUMfpITIx2egIjw6aHHGa8u_tMZhRtxey3E3rZS5GTsQxyp6_z_GqaRgvHuyntUeUOTvu5/s1600/despertar14img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="282" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBmQjJX8D6DNpqplwB9WmtqwjBrO4oNI1Qu1HheFoRwlRq9Bff4GltyadB0SLRltlIprXF_mHUMfpITIx2egIjw6aHHGa8u_tMZhRtxey3E3rZS5GTsQxyp6_z_GqaRgvHuyntUeUOTvu5/s640/despertar14img.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">Este estandarte militar, exibido
nas procissões reais, retrata uma bem-sucedida campanha do exército da poderosa
cidade-estado de Ur por solta de 2500 a.C. Na parte inferior, carruagens para
dois homens, puxadas por burros, avançam sobre cadáveres inimigos. Um dos
homens conduz a carruagem enquanto o outro atira lanças. No painel do meio,
prisioneiros são escoltados por uma falange de soldados com elmo. No painel superior,
o rei — no centro, ladeado por sua comitiva, que inclui um cavalariço anão —
decide a sorte dos prisioneiros inimigos. Muitos prisioneiros de guerra sumidos
eram executados imediatamente; os que eram poupados tornavam-se escravos.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A quantidade e a qualidade dos acessórios
funerários dependiam da riqueza e da posição social da pessoa. Na morte, assim
como na vida, os acessórios mais opulentos adornavam a realeza. Os túmulos dos
reis de Ur continham imensas câmaras funerárias, construídas com tijolos e
pedras, e projetadas, possivelmente pela primeira vez na história, com
elementos arquitetônicos sofisticados como arcos, abóbadas e cúpulas. A câmara
principal destinava-se ao corpo do rei e aos seus objetos pessoais, como joias
de cerâmica, estatuetas de lápis-lazúli, tigelas de ouro e prata e refinados
produtos da técnica metalúrgica suméria, como punhais magnificamente
enfeitados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As tumbas dos reis às vezes eram providas
também de seres humanos. Durante um breve período na história da Suméria, era
costumeiro enterrar vivos os servidores domésticos do rei — guardas, músicos,
damas de honra, ou criados — no lado de fora da câmara mortuária principal. Em
uma sepultura dessas foram encontradas nada menos que 74 pessoas, as quais
talvez tenham sido drogadas a um ponto de insensibilidade e concordado em ser
enterradas. Supunha-se que elas cuidariam do monarca após a morte, assim como o
haviam servido em vida. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por fim, a própria Suméria expirou. Ao
mesmo tempo que desenvolviam as técnicas e instituições que constituíram seu
grande legado à humanidade, os povos do vale faziam florescer as sementes de
sua própria destruição. A trágica falha no desenvolvimento da civilização
suméria foi sua absoluta incapacidade de viver em paz e solucionar as violentas
disputas entre as cidades-estados. Durante a maior parte do terceiro milênio
antes de Cristo, a planície entre os rios foi palco de incessantes guerras.
Indivíduos que deveriam se unir, pois partilhavam da mesma cultura e língua,
atacavam-se e destruíam-se mutuamente com machados, maças, lanças, punhais e
flechas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A maioria dos que lutavam pelas
cidades-estados parece que era convocada apenas durante o conflito. Os artesãos
especializados, como carpinteiros ou metalúrgicos, formavam seus próprios
pelotões sob o comando de seus supervisores na vida civil. Parte da tropa,
contudo, era formada por soldados profissionais. De acordo com uma placa de
argila, um dos mais poderosos reis da Suméria, Sargão, mantinha em seu palácio
cerca de 5 400 homens — a maioria deles presumivelmente guerreiros profissionais
—, os quais "comiam com ele todos os dias". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No decorrer do sanguinolento terceiro
milênio, várias cidades sumérias se sucederam no controle da região. Nos
séculos iniciais daquele milênio, o poder absoluto parece ter se deslocado na
direção sul, passando da cidade de Kish para a de Uruk e, em seguida, para Ur.
Após 2500 a.C., as duas principais antagonistas parecem ter sido Lagash, cerca
de 55 quilômetros a nordeste de Uruk, e Umma, um pouco mais ao norte. Essas
cidades vizinhas repetidamente lutaram entre si pelos direitos de irrigação com
a água do rio Tigre. As outras cidades-estados aliaram-se a Lagash ou Umma,
formando blocos rivais e ampliando um conflito que no início fora local.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um pouco da crueldade das guerras sumérias
desse período transparece nos fragmentos do monumento que veio a ser conhecido
como Estela dos Abutres — uma coluna de pedra erguida, por volta de 2450 a.C.,
em comemoração a uma vitória do rei Eannatum, de Lagash, sobre a cidade de
Umma. Uma das cenas do monumento mostra o rei, vestido com saiote e uma túnica
folgada, liderando suas tropas na batalha. Os soldados, equipados com elmos de
cobre e armados de lanças e machados, formam uma falange de seis fileiras
compactas, protegida por uma coluna avançada de homens com grandes escudos
retangulares.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaf4lZPCU5oJVnrxPKhCH1mWkPbfBh0evFXqz2AS86v6rN1cEcqgW3hWwowIO1lnQhJK9nCUjwoX3_HEcdRHGHdSM_xmt7X0scda9LflVn8yKKoktRRKAYRI1-NXBXeSyxlSBMY4S0wpY4/s1600/despertar16img2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaf4lZPCU5oJVnrxPKhCH1mWkPbfBh0evFXqz2AS86v6rN1cEcqgW3hWwowIO1lnQhJK9nCUjwoX3_HEcdRHGHdSM_xmt7X0scda9LflVn8yKKoktRRKAYRI1-NXBXeSyxlSBMY4S0wpY4/s1600/despertar16img2.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;"><span style="line-height: 115%;">Cenas
de batalha esculpidas em pedra demonstram que os sumérios eram aguerridos
combatentes, pouco inclinados à conciliação ou à clemência. C</span><span style="line-height: 115%;">arregando
um arco, o rei Naram-Sin, neto do grande rei Sargão, agiganta-se frente a seus
abjetos oponentes — os lullubi, membros de uma tribo bárbara derrotada por Naram-Sin
nos montes Zagros, a nordeste do rio Tigre.</span></span><span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: x-small; line-height: 115%;"> </span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsuoPn5CBv2EdPnQ_yL6_2ABdi8fccqHavT7sg8Bg8gVjmrS_VFi2HjlPtEkI9qzbhBmlmyahnlgCFqSG3_Ozj5Y60UYyuudNNIlx54r2ta0IgCIRHq-qVEO28RIGeANmIIy18GjQMPimc/s1600/despertar16img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="509" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsuoPn5CBv2EdPnQ_yL6_2ABdi8fccqHavT7sg8Bg8gVjmrS_VFi2HjlPtEkI9qzbhBmlmyahnlgCFqSG3_Ozj5Y60UYyuudNNIlx54r2ta0IgCIRHq-qVEO28RIGeANmIIy18GjQMPimc/s640/despertar16img.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">O deus barbado Ningirsu, patrono da cidade-estado de Lagash, desfere com sua maça
um golpe no crânio de um prisioneiro imobilizado sob uma rede; o quadro
comemora a vitória de Lagash sobre sua cruel rival, a cidade de Umma. </span></span></td></tr>
</tbody></table>
Outras cenas no monumento descrevem a
batalha: soldados de Lagash massacram os prisioneiros, abutres carregam nos
bicos as cabeças decepadas dos vencidos. O vencedor Eannatum alegou ter matado,
nessa luta, 3 600 inimigos e enterrado "vinte pilhas" de seus
próprios soldados. <o:p></o:p><br />
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Eannatum, que por um breve período
conseguiu dominar toda a Suméria, logo foi morto em combate; poucas gerações
depois, por volta de 2375 a.C., o novo governante de Umma, Lugalzagesi, invadiu
Lagash, massacrou seus habitantes e incendiou seus templos. Em seguida,
Lugalzagesi conquistou várias outras cidades importantes — inclusive o
principal centro religioso da Suméria, Nippur —, antes de sofrer uma esmagadora
derrota. Ele terminou seus dias preso a um pelourinho junto à porta de Nippur: aqueles
que ele havia humilhado podiam injuriá-lo à vontade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O conquistador de Lugalzagesi — e, na
verdade, de toda a Suméria — foi Sargão, o Grande, uma das figuras mais
extraordinárias da época. Nascido por volta de 2370 a.C., Sargão não era
sumério, mas sim filho de semitas — um povo que havia muito deslocava-se em
direção ao oriente, para a região entre o Tigre e o Eufrates, a partir dos
desertos da península Arábica. Os semitas estabeleceram-se na Suméria e nas terras
ao norte dela, que vieram a ser chamadas de Acad — e eles, de acadianos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O local e as circunstâncias exatas do
nascimento de Sargão são desconhecidos, embora existam várias lendas. Segundo
uma delas, semelhante à de Moisés, a mãe de Sargão, por ser ele ilegítimo, colocou-o
logo após o nascimento num cesto calafetado com breu e lançou a frágil
embarcação no rio Eufrates, entregando o bebê à própria sorte. Um agricultor
sumério, que tirava água do rio, encontrou o cesto por acaso e criou o menino
como seu filho. A partir dessas circunstâncias humildes, conta a lenda, Sargão
de algum modo conseguiu tornar-se copeiro do rei de Kish, a cidade mais
setentrional da Suméria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seja qual for a verdade, o fato é que
Sargão empreendeu uma série impressionante de campanhas militares. Após
condenar Lugalzagesi ao pelourinho, marchou com suas falanges de lanceiros e
arqueiros, e seus carros de guerra puxados por burros, contra as outras grandes
cidades da Suméria. Em seguida, ele desviou suas tropas para o leste, onde
subjugou os elamitas, retornou para o norte da Mesopotâmia a fim de assumir o
controle de Acad e de toda a região, e prosseguiu na direção oeste, pelo deserto,
estendendo suas fronteiras até o Mediterrâneo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pela primeira vez, toda a Mesopotâmia foi
unificada como uma única nação sob um único governante. Na região de Acad, às
margens do rio Eufrates, Sargão fundou uma nova capital, Agade, descrita em
várias placas como uma das mais opulentas cidades do mundo antigo. De lá, ele
governou seu novo império com astúcia e imaginação durante mais de meio século,
protegendo locais estratégicos e nomeando os acadianos para importantes postos
administrativos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embora politicamente dominada por Acad, a
Suméria ainda assim conseguiu impor suas características culturais aos
conquistadores semitas. Os acadianos não apenas adotaram as técnicas de
irrigação, como também a escrita cuneiforme e todo o panteão de divindades
sumérias. E em todos os lugares por onde passou com seus exércitos, Sargão
deixou as sementes da civilização suméria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A dinastia fundada por Sargão durou menos
de um século antes de soçobrar sob o impacto de conflitos internos e da invasão
de um outro grupo de agressivos estrangeiros. Dos montes Zagros, a nordeste da
Mesopotâmia, vieram os gutos — "um povo que não tolera qualquer
controle", segundo a descrição de uma placa suméria. Essa tribo de
bárbaros saqueou Agade, estabeleceu um domínio precário sobre as planícies
setentrionais em torno de Umma e começou a assimilar a cultura suméria. O povo
da região suportou os gutos por quase meio século, antes de expulsá-los. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0en4TaIXzx41exurrbmSR5BF7FVCCTmSm-ANdsr7sby0WXyNehEYE9qxbuEQBT_IznA1vwlYVbEz7WoOwupFd_bPd3f9xDbvoE0X3ayTy31dYD7jbiIX26B_8oCeZNKQCWW2l_rMymo0I/s1600/despertar18img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0en4TaIXzx41exurrbmSR5BF7FVCCTmSm-ANdsr7sby0WXyNehEYE9qxbuEQBT_IznA1vwlYVbEz7WoOwupFd_bPd3f9xDbvoE0X3ayTy31dYD7jbiIX26B_8oCeZNKQCWW2l_rMymo0I/s640/despertar18img.jpg" width="506" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;">O rei Sargão, de Acad, retratado
aqui em uma escultura de bronze de cerca de 2340 a.C., era um homem de origem
modesta — segundo alguns, filho de um viajante desconhecido. No entanto, ele
forjou seu destino com mão de mestre, submetendo toda a Mesopotâmia. Quando
seus exércitos conquistaram Ur, ele nomeou sua filha como sacerdotisa-chefe da
cidade. Mais tarde, ela compôs uma homenagem à impetuosa deusa Ishtar que
poderia se aplicar ao próprio pai: "Com um rugido, você faz com que os
reinos se curvem".</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com isso, as cidades da planície puderam
desfrutar do último alento de autonomia política. Por volta do ano 2100 a.C., o
esclarecido monarca Ur-Nammu fundou a última dinastia de reis sumérios. O
início da dinastia não foi auspicioso. Ur-Nammu conquistou o trono por meio de
traição, após depor o rei Utuhegal, herói da rebelião que expulsara os gutos e
imprudentemente confiara a Ur-Nammu o governo de Ur. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar disso, Ur-Nammu
revelou-se um excelente soberano. Estabelecendo sua capital na cidade de Ur,
ele reunificou a Suméria por meio de manobras políticas e força militar. Além
de promulgar uma compilação de leis, ele proporcionou, em seu reinado, um
renascimento do comércio, das artes e da arquitetura. Ordenou a reconstrução
dos canais de irrigação que estavam em mau estado e construiu em Ur o maior e
mais importante zigurate de toda a região — uma torre com mais de 60 metros na
base e que se erguia a mais de 20 metros sobre a planície. Ur-Nammu também
providenciou para que a posteridade tivesse notícias dele: todos os tijolos do
zigurate têm gravado o seu nome. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mesmo então, quando a Suméria parecia
estar no auge de seu poder, começavam a ruir os fundamentos de sua civilização.
Seu próprio sustentáculo, a agricultura, estava começando a declinar — séculos
de irrigação haviam por fim esgotado a fertilidade dos campos, principalmente
devido aos resíduos salinos acumulados com a evaporação da água. A produção de
cereais reduziu-se gradualmente, as reservas de excedentes alimentares foram
consumidas e a angústia tomou conta do povo. As cidades-estados logo recaíram
outra vez no antigo hábito de mútua destruição. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seguida, aumentou a pressão exercida
pelas tribos bárbaras nas fronteiras da Suméria. Por volta de 1950 a.C., os
velhos inimigos a leste, os elamitas, aproveitaram-se do enfraquecimento do
Estado sumério, invadindo e destruindo a cidade de Ur. Eles aprisionaram o rei
sumério e derrubaram a dinastia fundada um século antes por Ur-Nammu. A seguir,
dos desertos a oeste, surgiu um novo inimigo: os amoritas. Semitas nômades que
criavam bois e ovelhas, os amoritas haviam se infiltrado pacificamente na
Suméria ao longo dos anos, e até mesmo serviram como mercenários nos exércitos
de várias cidades-estados. Agora eles se dirigiam à Mesopotâmia em número cada
vez maior, ocupando as cidades e por fim estabelecendo sua própria capital no
norte da região, na até então pouco importante cidade da Babilônia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os babilônios não realizaram muita coisa
antes que o sexto nessa linhagem de reis, Hamurábi, subisse ao trono logo após
1800 a.C. Naquela época, seus domínios limitavam-se a um raio de 80 quilômetros
em torno da cidade. Mas, com inteligência, coragem e inesgotável energia,
Hamurábi promoveu grandes mudanças durante seu extraordinário reinado de 42
anos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O legado mais famoso de Hamurábi é seu
código de leis. Gravado numa coluna de diorito negro com 2 metros de altura,
estabelece quase trezentas sentenças legais. Elas se aplicam a questões civis,
tais como salários de trabalhadores, e prescrevem penalidades. Embora
claramente influenciadas pelas leis e costumes sumérios, essas penalidades
refletem as tradições muito mais rigorosas da cultura amorita. O adultério
feminino, por exemplo, é tratado de modo sumário: "Se a esposa de um homem
for surpreendida com outro homem, ambos serão amarrados e jogados na
água". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, por maiores que tenham sido,
as realizações de Hamurábi no campo jurídico empalidecem quando comparadas a
suas conquistas políticas e militares. Firmando alianças e rompendo-as quando
lhe convinha, transformando seus soldados amoritas numa força guerreira
altamente disciplinada, ele conquistou as cidades-estados sumérias uma após a
outra. Em pouco tempo, a Suméria e a Mesopotâmia setentrional constituíam uma
única nação. A formação do império babilônio por Hamurábi assinalou o fim
político da Suméria, mas não cultural. Hamurábi e os amoritas absorveram toda a
civilização suméria. Com exceção da língua, eles adotaram o sistema de escrita,
a arte, a literatura, o sistema educacional e — com pequenas mudanças — até
mesmo a religião dos vencidos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sob o domínio babilônio, os últimos poetas
sumérios desoladamente gravaram em ideogramas cuneiformes, na argila macia, seu
lamento pelo desaparecimento político de sua pátria. No entanto, no próprio ato
de escrever, eles estavam assegurando que as ideias e os ideais da Suméria não
morreriam, mas deixariam suas marcas em forma de cunha nas civilizações
futuras, enriquecendo as culturas vindouras.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZ4_uiCGu4ptOWAQF8Oy7wJaOPkwrb1rqWwTRy9-Z6VbDXkvG8IAHn5jV-X3t5UCFHSqgo7mg8FmQrlqmm2uFyAPsdH1s0n8817-nagxkm6CiS5npPx8lz5k-qw_PeOFWgHlvyzmqph2yg/s1600/despertar00img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZ4_uiCGu4ptOWAQF8Oy7wJaOPkwrb1rqWwTRy9-Z6VbDXkvG8IAHn5jV-X3t5UCFHSqgo7mg8FmQrlqmm2uFyAPsdH1s0n8817-nagxkm6CiS5npPx8lz5k-qw_PeOFWgHlvyzmqph2yg/s640/despertar00img.jpg" width="488" /></a></div>
<br />
<br />
O DESPERTAR DA CIVILIZAÇÃO<br />
<br />
Primeiro capítulo do livro A ERA DOS REIS DIVINOS (3000-1500 a.C.)<br />
<br />
Da série HISTÓRIA EM REVISTA<br />
<br />
Diretor da série: Henry Woodhead<br />
Programador visual: Dale Pollekoff<br />
Administrador da série: Philip Brandt George<br />
<br />
Equipe editorial para A ERA DOS REIS DIVINOS<br />
Editor associado: Robin Richman (iconografia)<br />
Editores de texto: Stephen G. Hyslop, Ray Jones, DavidS. Thomson<br />
Pesquisadores: Karin Kinney (texto); Patti H. Cass, Patricia McKinney (fotos)<br />
Assistente de arte: Elissa E. Baldwin, Paul Graboff, Alan Pitts<br />
Chefe de redação: Diane Ullius<br />
Coordenadores de redação: Vivian Noble, Jayne E. Rohrich<br />
Coordenador iconográfico: Renée E. DeSandies<br />
Gerente de operações editoriais: Caroline A. Boubin<br />
Produção: Celia Beattie<br />
Assitente editorial: Patricia D. Whiteford<br />
<br />
Edição européia:<br />
Programador visual: Paul Reeves<br />
Subeditor: Frances Dixon<br />
Chefe de produção editorial: Maureen Kelly<br />
Assistente de produção: Deborah Fulham<br />
Departamento editorial: Theresa John, Debra Lelliott<br />
<br />
EDITORA CIDADE CULTURAL LTDA<br />
Diretor: Koos H. Siewers<br />
<br />
Tradução e adaptação para a língua portuguesa:<br />
Pedro Paulo Poppovic Consultores Editoriais S/C Ltda<br />
São Paulo<br />
Tradução: Cláudio Marcondes e Adília Bellotti<br />
<br />
Publicado pela Editora Cidade Cultural Ltda<br />
Av. Brasil, 500 - Rio de Janeiro - RJ<br />
<br />
Authorized Portuguese edition<br />
Copyright 1989 Editora Cidade Cultural Ltda<br />
Original Edition<br />
Copyright 1987 Time-Life Books Inc<br />
All right reserved<br />
First Portuguese printing 1989<br />
<br />
TIME-LIFE is a trademark of Time Incorporated U.S.A. </div>
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
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<br /></div>
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Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-27872044251316758182016-02-26T20:11:00.001-03:002016-02-27T07:46:43.123-03:00TABULETA DO DILÚVIO<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><b><span style="font-size: large;">Tabuleta de argila para escrever, de Nínive (perto de Mossul), norte do Iraque</span></b></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b> 700-600 A.C.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A história bíblica de Noé, sua arca e o
Dilúvio está de tal maneira integrada à nossa linguagem que qualquer criança
sabe dizer que os animais entraram aos pares. Mas a história do Dilúvio é bem
anterior à Bíblia, e comum a muitas outras sociedades. Isso leva a uma grande
indagação: temos conhecimento do Dilúvio porque alguém há muito tempo,
registrou a história por escrito — mas quando surgiu a ideia inicial de
registrar uma história por escrito?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2ODIs0XHI-hGl-2-7HH3NrSnrzYS6YjmEEaEcnxYVv1KcuGl00_ZEIhA6h9fRhS1fAIG_VDR_Ng6oGLIQ3kWYzUt9m5l-gRcC-YuoxEuqlITDMKbPQTu0f54yK81yjvh3mZMZ33okyy83/s1600/tabuleta1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2ODIs0XHI-hGl-2-7HH3NrSnrzYS6YjmEEaEcnxYVv1KcuGl00_ZEIhA6h9fRhS1fAIG_VDR_Ng6oGLIQ3kWYzUt9m5l-gRcC-YuoxEuqlITDMKbPQTu0f54yK81yjvh3mZMZ33okyy83/s640/tabuleta1.jpg" width="556" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Moradores de Bloomsbury têm o hábito de
dar uma passada no British Museum. Pouco mais de 140 anos atrás, um deles, um
homem chamado George Smith, costumava visitá-lo no horário do almoço. Aprendiz
de uma gráfica não muito distante, ele ficou fascinado com a coleção de
tabuletas de argila da antiga Mesopotâmia. Mergulhou tanto no assunto que
aprendeu a ler a escrita cuneiforme das tabuletas e com o passar do tempo
tornou-se um dos maiores especialistas em escrita cuneiforme de sua época. Em
1872, Smith estudou uma tabuleta de Nínive (hoje no Iraque), e é ela que quero
examinar agora.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A biblioteca onde mantemos as tabuletas de
argila da Mesopotâmia — existem cerca de 130 mil — é uma sala repleta de
prateleiras do chão ao teto, com uma estreita bandeja de madeira em cada
prateleira contendo até doze tabuletas, a maioria em fragmentos. O pedaço que
chamou a atenção de George Smith em 1872 tem aproximadamente quinze centímetros
de altura, é feito de argila marrom-escura e está coberto por um texto denso e
organizado em duas colunas apertadas. De longe, lembra um pouco pequenos
anúncios de um jornal antigo. Originalmente deve ter sido retangular, mas ao
longo do tempo partes se desprenderam. Quando George Smith compreendeu o que
este fragmento significava, descobriu que abalaria os alicerces de uma das
grandes histórias do Antigo Testamento, levantando importantes dúvidas sobre o
papel da escritura e sua relação com a verdade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nossa tabuleta é sobre um dilúvio — sobre
um homem que recebe uma ordem de seu deus para construir um barco e carregá-lo
com sua família e animais, pois uma inundação está prestes a liquidar a
humanidade da face da Terra. A história gravada na tabuleta era fantasticamente
familiar para George Smith, porque, enquanto lia e decifrava, ficava claro que
o que ele tinha diante de si era um mito antigo que correspondia à história de
Noé e sua arca e — o mais importante — era anterior a ela. Apenas para lembrar,
eis aqui alguns fragmentos da história de Noé contada pela Bíblia (Gênesis,
6:14-7:4):<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 14.2pt; margin-right: 14.1pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 8.0pt; line-height: 115%;">Faze para ti uma arca (...) e de tudo o que vive, de toda a
carne, dois de cada espécie, farás entrar na arca (...) farei chover sobre a
terra quarenta dias e quarenta noites; e desfarei de sobre a face da terra toda
a substância que fiz.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E aqui vai um pequeno extrato do
que George Smith leu na tabuleta de argila:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 14.2pt; margin-right: 14.1pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 8.0pt; line-height: 115%;">Demole a casa e constrói um barco! Abandona a riqueza e busca
sobreviver. Despreza a propriedade, salva a vida. Leva para dentro a semente de
todas as coisas vivas! O barco que construirás, suas dimensões devem ser todas
iguais: o comprimento e a largura devem ser os mesmos. Cobre-o com um teto,
como o oceano embaixo, e ele te enviará chuva abundante.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O fato de uma história da Bíblia
hebraica já ter sido contada em uma tabuleta de argila da Mesopotâmia era uma
descoberta assombrosa, e Smith sabia disso, como demonstra um relatório da
época:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 14.2pt; margin-right: 14.1pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -14.2pt;">
<span style="font-size: 8.0pt; line-height: 115%;">
Smith pegou a tabuleta e pôs-se a ler as linhas que o conservador com
que a limpara fizera aparecer; e, quando viu que continha uma parte da lenda
que esperara encontrar, disse: “Sou o primeiro homem a ler isto após dois mil
anos de esquecimento.” Pondo a tabuleta na mesa, saiu pulando e correndo pela
sala, na maior agitação, e, para espanto dos presentes, começou a tirar a
roupa!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era mesmo uma descoberta pela
qual valia a pena tirar a roupa. A tabuleta, que se tornaria universalmente
conhecida como Tabuleta do Dilúvio, foi escrita onde hoje é o Iraque, no século
VII a.C., mais ou menos quatrocentos anos antes da última versão conhecida da
narrativa bíblica. Seria possível que a narrativa bíblica, longe de ser uma
revelação especialmente privilegiada, fosse apenas parte de uma reserva comum
de lendas compartilhada por todo o Oriente Médio?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi um dos grandes momentos de revisão
radical da história do mundo no século XIX. George Smith só divulgou a tabuleta
doze anos após a publicação de A origem das espécies, de Charles Darwin. E, com
isso, abriu uma caixa de Pandora religiosa. O professor David Damrosch, da
Universidade de Columbia, mede o impacto sísmico da Tabuleta do Dilúvio:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 14.2pt; margin-right: 14.1pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 8.0pt; line-height: 115%;">Na década de 1870, as pessoas viviam obcecadas por histórias
bíblicas, e a veracidade das narrativas bíblicas era um assunto muito
controverso. Por isso foi uma sensação quando George Smith encontrou essa
versão antiga da história do Dilúvio, obviamente muito mais velha do que a
versão bíblica. O primeiro-ministro Gladstone foi ouvir a palestra de Smith
sobre sua nova tradução, noticiada em primeira página no mundo inteiro,
incluindo um artigo no New York Times, no qual já se dizia que a tabuleta
poderia ser interpretada de duas maneiras bem diferentes: isso prova que a
Bíblia é verdade ou mostra que é tudo lenda? E a descoberta de Smith deu mais
munição para os dois lados do debate sobre a veracidade do relato bíblico e
sobre Darwin, evolução e geologia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Que efeito tem, em nossa
percepção sobre um texto religioso, a descoberta de que ele vem de uma
sociedade mais antiga, com um conjunto diferente de crenças? Perguntei ao
rabino-chefe do Reino Unido, Jonathan Sacks:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 14.2pt; margin-right: 14.1pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 8.0pt; line-height: 115%;">Existe claramente um acontecimento central por trás das duas
narrativas, que foi uma grande enchente, parte da memória folclórica de todos
os povos daquela região. O que as antigas narrativas sobre o Dilúvio fazem é,
essencialmente, falar das grandes forças da natureza controladas por divindades
que não gostam muito dos seres humanos e para as quais tudo se resolve pela
força. A Bíblia aparece e conta a história mais uma vez, mas de forma diferente:
Deus envia o Dilúvio porque há muita violência no mundo, e o resultado é que a
história ganha sentido moral, o que é parte do projeto da Bíblia. É um salto
radical do politeísmo para o monoteísmo: para um mundo em que as pessoas
cultuavam o poder, para a insistência bíblica em que o poder tem de ser justo e
às vezes compassivo, e de um mundo no qual há muitas forças, muitos deuses,
lutando uns contra os outros, para outro em que todo o universo é resultado de
uma única vontade criadora racional. Portanto, quanto mais se entende o que a
Bíblia combate, mais profunda é nossa compreensão dela.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, a Tabuleta do Dilúvio
era importante não apenas para a história da religião; é também um documento
vital na história da literatura. A tabuleta de Smith vem do século VII a.C.,
mas agora sabemos que a história do Dilúvio foi escrita originalmente mil anos
antes. Só mais tarde o relato do Dilúvio foi inserido por contadores de
história na famosa epopeia de Gilgamesh, o primeiro grande poema épico da
literatura mundial. Gilgamesh é um herói que parte em busca da imortalidade e
do autoconhecimento. Enfrenta demônios e monstros, sobrevive a todos os perigos
e, por fim, como todos os heróis posteriores, vê-se diante do maior desafio de
todos: sua própria natureza e sua própria mortalidade. A tabuleta de Smith é
apenas o décimo primeiro capítulo da história. A epopeia de Gilgamesh tem todos
os elementos de um ótimo conto, mas é também um momento decisivo na história na
escrita.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A escrita no Oriente Médio começou como
pouco mais do que uma forma de fazer contabilidade: criada essencialmente para
burocratas a fim de manter registros. Foi usada, acima de tudo, para as tarefas
práticas do Estado. Já as histórias eram em geral contadas ou cantadas e
aprendidas de cor. Porém, aos poucos, mais ou menos há quatro mil anos,
histórias como a de Gilgamesh começaram a ser registradas por escrito.
Intuições sobre as esperanças e os temores do herói agora podiam ser ajustadas,
refinadas e fixadas; o autor teria certeza de que sua visão particular da
narrativa e seu entendimento pessoal da história poderiam ser transmitidos
diretamente, e não alterados o tempo todo por outros contadores de história. A
escrita transferiu a autoria da comunidade para o indivíduo. Não menos
importante, um texto escrito podia ser traduzido, e a forma particular de uma
história poderia, agora, passar facilmente para várias línguas. A literatura
registrada por escrito tornava-se, assim, literatura mundial. David Damrosch
explica esse contexto:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 10.0pt; margin-left: 14.2pt; margin-right: 14.1pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: -14.2pt;">
<span style="font-size: 8.0pt; line-height: 115%;">
Gilgamesh agora é muitas vezes apontada nos cursos de literatura como a
primeiríssima obra, e isso mostra uma espécie de globalização precoce. É a
primeira obra da literatura mundial que circula amplamente no mundo antigo. O
mais notável, quando se observa Gilgamesh hoje, é ver que, recuando o
suficiente no tempo, não houve choque de civilizações entre o Oriente Médio e o
Ocidente. Descobrimos em Gilgamesh as origens de uma cultura comum — seus
rebentos aparecem em Homero, em <i>As mil e
uma noites</i> e na Bíblia —, portanto ele é, de fato, uma espécie de fio
condutor comum na nossa cultura global.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com a epopeia de Gilgamesh,
representada aqui pela Tabuleta do Dilúvio de Smith, o ato de escrever deixou
de ser um meio de registrar fatos e passou a ser um meio de investigar ideias.
Sofreu uma mudança em sua natureza. E mudou a “nossa” natureza: uma literatura
como a de Gilgamesh nos permite não apenas explorar nossos próprios
pensamentos, mas habitar o mundo da imaginação de outros. Essa, obviamente, é
também a ideia do British Museum e, na verdade, dos objetos que compõem este
fio condutor da história da humanidade que tento traçar aqui: eles nos oferecem
a possibilidade de outras existências.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHNt9OfrTqCM3Cur15I8uhpdesNZqxocsM_jpCBRyKaf1P6tveJgMS-PNSLARzf0AdahW6W0qxzvrxlNcBELymngNRD2uHq0As0wfmCPxUJ776O-noMBnI7PjQfDq2OaFlimDDkr2DMqaY/s1600/tabuleta2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="550" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHNt9OfrTqCM3Cur15I8uhpdesNZqxocsM_jpCBRyKaf1P6tveJgMS-PNSLARzf0AdahW6W0qxzvrxlNcBELymngNRD2uHq0As0wfmCPxUJ776O-noMBnI7PjQfDq2OaFlimDDkr2DMqaY/s640/tabuleta2.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>A delicada e pequena escrita cuneiforme na Tabuleta do Dilúvio foi impressa na argila úmida<br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /></i></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
TABULETA DO DILÚVIO<br />
<br />
é o 16º capítulo do livro<br />
<br />
A HISTÓRIA DO MUNDO EM 100 OBJETOS<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPHbg2zwm7G29iMdJhCZyuz6NBVwjTmeSdJIP0ZMl7MMR-lAdDtiHLMrBOkRUwtm0fFqumuG5OvND-SapPVJiuaj_YpTn9g-kWLM-QwmMzFqBL_1Msj7_wvsx8ellSLF8yUnDIPpu_oPXo/s1600/A+historia+do+mundo+em+100+obje+-+Neil+MacGregor-page-001.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPHbg2zwm7G29iMdJhCZyuz6NBVwjTmeSdJIP0ZMl7MMR-lAdDtiHLMrBOkRUwtm0fFqumuG5OvND-SapPVJiuaj_YpTn9g-kWLM-QwmMzFqBL_1Msj7_wvsx8ellSLF8yUnDIPpu_oPXo/s640/A+historia+do+mundo+em+100+obje+-+Neil+MacGregor-page-001.jpg" width="492" /></a></div>
<br />
<br />
NEIL MacGREGOR<br />
<br />
Tradução de Ana Beatriz Rodrigues, Berilo Vargas e Cláudio Figueiredo<br />
<br />
Copyright © the Trustees of the British Museum and the BBC, 2010<br />
Publicado mediante acordo com BBC e The British Museum<br />
O logo da BBC é marca registrada de British Broadcasting Corporation e é utilizada sob licença.<br />
BBC logo © BBC 1996<br />
O logo de The British Museum é marca registrada de The British Museum Company Limited e é marca não registrada de<br />
The Trustees of the British Museum e é utilizada sob licença.<br />
<br />
TÍTULO ORIGINAL<br />
A History of the World in 100 Objects<br />
<br />
ADAPTAÇÃO DE CAPA<br />
Julio Moreira<br />
<br />
PREPARAÇÃO<br />
Carolina Rodrigues<br />
<br />
REVISÃO<br />
Suelen Lopes<br />
Clara Diament<br />
<br />
REVISÃO DE EPUB<br />
Fernanda Neves<br />
<br />
PRODUÇÃO DE EPUB<br />
Simplíssimo Livros<br />
<br />
Edição digital: 2013<br />
<br />
Todos os direitos desta edição reservados à<br />
Editora Intrínseca Ltda.<br />
Rua Marquês de São Vicente, 99, 3o andar 22451-041 – Gávea<br />
Rio de Janeiro – RJ<br />
Tel./Fax:(21) 3206-7400<br />
www.intrinseca.com.br<br />
<br />
DADOS DE COPYRIGHT<br />
<br />
Sobre a obra:<br />
<br />
A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o<br />
objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como<br />
o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.<br />
<br />
É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso<br />
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<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJDXaXIrbARg0xufKufa2WAjrQUcx2dopyCin7zxAW1DYM5N7dz7qhbVrhG45BaxQ6TF5AmTfMrqjhoTbqV4fdZSEYFlkQLrch1okkwtQZUrOoRiXoxm2U7uACQYlnbiS6HDfnvTNR4ZHx/s1600/A+historia+do+mundo+em+100+obje+-+Neil+MacGregor-page-002.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="130" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJDXaXIrbARg0xufKufa2WAjrQUcx2dopyCin7zxAW1DYM5N7dz7qhbVrhG45BaxQ6TF5AmTfMrqjhoTbqV4fdZSEYFlkQLrch1okkwtQZUrOoRiXoxm2U7uACQYlnbiS6HDfnvTNR4ZHx/s320/A+historia+do+mundo+em+100+obje+-+Neil+MacGregor-page-002.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por<br />
dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."</div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-19077842490500986982016-02-23T00:08:00.000-03:002016-02-23T08:38:42.348-03:00JOANA D'ARC (1412-1431)<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhc99aIGQbVRJpiY53tdRGTmVyrrhwAgM6JRuNbexlq9MEMM9IC6alpt5h5ij73wb5UsqiZk9TnXQXgFV6XeEobtRuLN7ADw-Mj7lSR25sqEgSGQYZyKw9NemYPpiAfOwLICyMV9J8JWahG/s1600/JD1+f1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhc99aIGQbVRJpiY53tdRGTmVyrrhwAgM6JRuNbexlq9MEMM9IC6alpt5h5ij73wb5UsqiZk9TnXQXgFV6XeEobtRuLN7ADw-Mj7lSR25sqEgSGQYZyKw9NemYPpiAfOwLICyMV9J8JWahG/s640/JD1+f1.jpg" width="425" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
A jovem camponesa torna-se soldado e símbolo de uma luta. As
chamas que consumirão seu corpo não destruirão a bandeira que ela significou
para os franceses.<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chinon, março de 1429. Como tantas outras
cidades, pequenas ou grandes, do reino da França, Chinon é rodeada de muralhas.
Para entrar, é preciso passar por um ou dois portões guardados e explicar muito
bem a razão da visita. Caso contrário, abaixam-se as grades e ninguém mais
entra ou sai — a cidade inteira se transforma numa praça-forte. Quartel-general
dessa fortaleza: o castelo, com seu fosso só transponível através da ponte
levadiça. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos salões do castelo há muita agitação.
Barões, duques e outras personalidades discutem em voz alta. Parecem esperar
alguma decisão. As atenções se concentram numa grande porta, por onde costuma
entrar o jovem Carlos, príncipe herdeiro do trono da França. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o príncipe prefere ficar sozinho nos
seus aposentos. Simplesmente não sabe o que dizer aos súditos. A situação, na
verdade, é mais grave do que nunca — a chamada Guerra dos Cem Anos, entre a
França e a Inglaterra, atravessa um momento decisivo. Forças inglesas ocupam a
maior parte do país e um dos últimos bastiões de resistência, a cidade de
Orléans, está sitiada, pode cair a qualquer momento nas mãos do inimigo. É
necessário decidir urgentemente o envio de um reforço. Mas o Príncipe Carlos
hesita — os soldados são poucos e têm o moral enfraquecido pelas derrotas
passadas. Além do mais, falta um chefe, alguém capaz de conduzir as tropas e
fazê-las acreditar na possibilidade de uma vitória. Como consegui-lo, se ele
mesmo, o próprio príncipe, já tem sua autoridade contestada por tantos
compatriotas? Não há mesmo quem negue que ele seja o herdeiro legítimo do trono?
. . . Quanto mais Carlos pensa, mais confuso e pessimista vai ficando. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCJ_ULU8aDUnAh8KxXF-k-KRmxP_dQ_SVaPqMaWPFC1Op_pqaEyiF5fYNnpuhhvurudfKiamNU3yBbVzJzt3j2P0-gusxOt7gWBNkqRNANaLInRATVYIQzPt0bw2BYAX4o-GUEfuFjiqWW/s1600/JD6+f1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="263" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCJ_ULU8aDUnAh8KxXF-k-KRmxP_dQ_SVaPqMaWPFC1Op_pqaEyiF5fYNnpuhhvurudfKiamNU3yBbVzJzt3j2P0-gusxOt7gWBNkqRNANaLInRATVYIQzPt0bw2BYAX4o-GUEfuFjiqWW/s400/JD6+f1.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: x-small; line-height: 115%;">A
chegada de Joana ao palácio real, em Chinon, foi apresentada muitas vezes como
uma entrada triunfal. Mas, ao que parece, o rei desconfiou daquela
menina que se apresentava como salvadora e resolveu aplicar-lhe vários testes,
para comprovar a veracidade da sua história. Uma enviada de Deus serviria bem à
propaganda de sua causa.</span><span style="font-size: 11.0pt; line-height: 115%;"> </span></span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
Embaixo, nos salões, a impaciência
aumenta. De repente, a grande porta se abre. Todos se calam, preparando-se para
saudar o príncipe. Então, a surpresa. Mal e mal cabendo em sua pesada armadura,
surge uma menina de apenas dezessete anos, anunciada solenemente por um pajem:
"Joana d'Arc, camponesa, chegada do vilarejo de Domrémy, que viajou dez
dias e dez noites para cumprir uma missão do Céu, solicita humildemente a permissão
de ver Sua Graciosa Majestade, o príncipe herdeiro... "</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">UMA MENINA METIDA A
SANTA, VESTIDA EM ARMADURA, QUER FALAR COM O PRÍNCIPE<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Com que direito uma simples camponesa
pretende incomodar Sua Majestade em momento tão grave? — pergunta La
Trémouille, assessor principal de Carlos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— O arcanjo São Miguel, Santa Catarina e
Santa Margarida apareceram a mim numa grande luz e me ordenaram procurar o
príncipe e libertar a cidade de Orléans! — responde Joana. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
La Trémouille troca olhares irônicos com
seus vizinhos; quase não pode conter o riso. Dirige-se a Joana com uma
solenidade exagerada — "Sua Majestade será prontamente avisada de vossa
providencial chegada!" — e manda dizer ao príncipe que uma menina metida a
santa apareceu no castelo contando histórias divertidas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Quem sabe Sua Majestade poderia lhe dar
o lugar do bufão, que anda muito sem graça ultimamente ... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Carlos recebe a notícia com espanto. Mas,
para se divertir, resolve aplicar um teste na recém-chegada. Vestindo-se como
um súdito qualquer, entra por uma porta lateral e mistura-se aos nobres.
Depois, manda que façam Joana entrar novamente. Como simples camponesa, ela não
pode conhecer-lhe a fisionomia. Contudo, se o identificar ... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Joana não vacila. Caminha até um canto dos
salões, onde alguns nobres fingem conversar distraídos. Ajoelha-se aos pés do
príncipe e diz: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Gentil senhor, em nome de Deus, eu posso
dizer que sois filho do rei e herdeiro legítimo do trono da França! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O príncipe está aturdido. Pede a vários
bispos e cardeais que interroguem Joana: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Em que língua te falaram os santos? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Melhor do que a vossa, Excelência. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrBwgDWLaKN7MinlEfghimxUPeL-pAPcUSCnWffTpteQLmmmAvvSBfMoxBnhZmYcRN89MAfSm0q3HSF8sppV7IpIfWz7G98qVWKtE5uoBGTv-3K6rtF-LGz7UNtDJD3Y9WLmF2ZnzPoUGz/s1600/JD3+f1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrBwgDWLaKN7MinlEfghimxUPeL-pAPcUSCnWffTpteQLmmmAvvSBfMoxBnhZmYcRN89MAfSm0q3HSF8sppV7IpIfWz7G98qVWKtE5uoBGTv-3K6rtF-LGz7UNtDJD3Y9WLmF2ZnzPoUGz/s640/JD3+f1.jpg" width="425" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Segundo contou Joana, as vozes lhe ordenaram duas tarefas:
salvar a França e coroar seu rei. Em pouco tempo, a história de suas visões se
espalhou. Para uns, Joana era uma santa; para outros, uma enviada do diabo.
(Óleo de Jules Jules-Eugène Lenepveu, Paris.)<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em pouco tempo a segurança e a
simplicidade da jovem acabam por convencer a todos. A começar pelo próprio
príncipe. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>O REI ESTÁ LOUCO. QUEM VAI GOVERNAR? <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tragédia e intriga marcam a história do
Príncipe Carlos e de toda a sua família. Carlos VI, seu pai, casara-se com uma
princesa alemã de quinze anos, Isabel da Baviera. Um casamento arranjado, como
era costume entre as famílias nobres. A menina foi ficando moça e, ao que
parece, cada vez mais bela e atraente. Diziam as más línguas que a fidelidade
ao marido não era exatamente o seu forte. Verdade ou não, o fato é que em pouco
tempo Carlos VI tornou-se extremamente nervoso; e ao fim do sexto ano de casado
teve o primeiro ataque de loucura. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrTaduv5NuEgV8g5pc_UmEFyb5s49z2i3jgKLlE7_M4JsoMdltrb8zcQCx4ZWUOAEgiHneIi0hXYesdQQ7IS1N4A-RqzbEoDJVKBdVJUFo2QooYIm963i2ioV5hXJdIHun3o472voVh7lm/s1600/JD1+x+f1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="476" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrTaduv5NuEgV8g5pc_UmEFyb5s49z2i3jgKLlE7_M4JsoMdltrb8zcQCx4ZWUOAEgiHneIi0hXYesdQQ7IS1N4A-RqzbEoDJVKBdVJUFo2QooYIm963i2ioV5hXJdIHun3o472voVh7lm/s640/JD1+x+f1.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Carlos VI está louco. Em meio a uma batalha, tenta matar um
cavaleiro de seu próprio séquito. (Miniatura da época, Museu Condé de
Chantilly.)<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aproveitando-se da doença do rei, seu
primo, o Duque de Borgonha (mais conhecido como João Sem Medo), começou a
manobrar para tomar o poder. Mas ele não era o único a ter essa ideia: o Duque
de Orléans, irmão de Carlos VI, também ambicionava a coroa. Por isso João
mandou matá-lo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os homens de Orléans não podiam aceitar
esse desfecho. Depois de fundar um partido — o Armagnac — em torno do qual se
reuniram, deram início à luta contra Borgonha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na época não existia propriamente um país
chamado França, como o entendemos hoje: o reino estava dividido em vários
feudos, governados cada um por um senhor. Havia sem dúvida um rei, mas seus
domínios e sua autoridade eram limitados a uma certa região. Fora daí, cada
duque ou conde mais importante tinha seu próprio castelo, exercendo poder sobre
enormes extensões de terra; cada castelo tinha a sua bandeira, seus cavaleiros
munidos de lanças e escudos, com o brasão do senhor. O Duque de Borgonha era o
maior dentre esses senhores feudais. Seu ducado — situado ao norte da França e
incluindo a Bélgica de hoje — era maior e mais rico do que vários reinos; sua
corte, mais suntuosa que a de muitos reis. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cada um desses ducados interessava-se
principalmente por si próprio. Um súdito qualquer de Borgonha, antes de ser um
francês, era em primeiro lugar um borgonhês. Comumente, os nobres casavam com
princesas estrangeiras. Assim, as famílias reais e as nobrezas de vários países
se misturavam. Podia acontecer, por exemplo, que um inglês viesse a ser rei da
França. Os ingleses, aliás, não queriam outra coisa; reivindicavam a coroa
francesa. Só que os franceses não gostavam da ideia. A luta começou pela
disputa da Aquitânia, uma região do sudoeste da França, e se prolongou, intermitentemente,
entre 1337 e 1450. Um cônego francês afirmava em fins do século XIV que "durante
toda a sua vida vira apenas guerra". A frase poderia ter sido dita por seu
pai ou por seus sobrinhos. A fome, a guerra e a peste foram tão constantes
naquela época que surgiu nas zonas rurais uma nova invocação religiosa, na qual
se pedia ao Senhor para livrar os homens destes três flagelos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando estourou na França a luta entre os
dois ducados, no curso da Guerra dos Cem Anos, Henrique V, da Inglaterra,
entendeu que a ocasião era boa para fazer uma nova investida. Não queria
combater contra Borgonha, pois a Inglaterra mantinha intenso e vantajoso
comércio com esse ducado. Preferiu desembarcar 30 000 homens na França,
lançando um ataque às forças de Orléans. Foi a terrível batalha de Azincourt
(1415), considerada a maior daquele século. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnjZ6AaxByd_pQOncmw1dZzliUCFRPwiME7HS5e5Y88hldht0R7rLNGic2uD1_tdCQcCKsh-oHuO1l_48WAV-9LrFHebeA_sEw3UhJ_VCYqGKXLMieEo5jqPJ4ded5LYcsIcjYhnsHPyRY/s1600/JD2+f.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnjZ6AaxByd_pQOncmw1dZzliUCFRPwiME7HS5e5Y88hldht0R7rLNGic2uD1_tdCQcCKsh-oHuO1l_48WAV-9LrFHebeA_sEw3UhJ_VCYqGKXLMieEo5jqPJ4ded5LYcsIcjYhnsHPyRY/s640/JD2+f.jpg" width="560" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Na batalha de Crécy, como em seguida em Azincourt, ficou
evidente a superioridade da infantaria e dos arqueiros ingleses sobre a pesada
cavalaria feudal. (Miniatura, séc. XIV, Biblioteca Municipal de Toulouse.)<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na Idade Média os chefes de dois exércitos
inimigos costumavam almoçar juntos antes de uma batalha e combinar as regras do
jogo (recuar, por exemplo, era considerado vergonha para um cavaleiro, mesmo
que estivesse em posição desfavorável). Para os nobres franceses a guerra ainda
era assim, um misto de aberto conflito de interesses e de competição esportiva.
Em Azincourt os cavaleiros e soldados franceses puseram-se em formação de alinhamento
e foram avançando lentamente, em coluna. Contudo, os ingleses não respeitavam
mais as velhas regras: escondidos atrás de uma colina, seus melhores arqueiros
despejaram uma chuva de flechas sobre os adversários. Era uma grande inovação
militar: os franceses, vestidos com pesadas armaduras e sem recuar por questão
de honra, foram massacrados. Tiveram mais de 10 000 mortos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Toda a metade norte da França caíra em
mãos dos ingleses ou dos seus aliados de Borgonha; Paris ficava sendo governada
por um regente inglês, Bedford. Nobreza e funcionários franceses se acomodaram
muito bem na nova situação, pois os ingleses ofereceram numerosas vantagens
econômicas. Os poucos partidários de Orléans que restaram tiveram que fugir
mais para o sul. O mesmo aconteceu com a família real. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjju4BTVYUPBt9TrT0CPY463cWclpsQ1vBe81M4XE1bbwpsiJzP_FQquD7VVrNcFNf2yHT1dfeb8YFQepi_TNTY4LbkucTXfFOm2bZ5o9OAFiOzyyu-n-grEt0TLchhSmCboHdgGLZ29-MA/s1600/JD1+x+f2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="608" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjju4BTVYUPBt9TrT0CPY463cWclpsQ1vBe81M4XE1bbwpsiJzP_FQquD7VVrNcFNf2yHT1dfeb8YFQepi_TNTY4LbkucTXfFOm2bZ5o9OAFiOzyyu-n-grEt0TLchhSmCboHdgGLZ29-MA/s640/JD1+x+f2.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Bastão de comando na mão, os senhores leais ao rei da França
dirigem suas fôrças contra o inimigo inglês. (Min. séc. XV, Biblioteca do Arsenal,
Paris.)<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Carlos VI enlouquecera. Mas havia um
herdeiro, o Príncipe Carlos, e uma filha, Catarina. Querendo obter as boas graças
dos ingleses, Isabel, a rainha, convenceu o marido a abdicar da coroa e
oferecer a mão de Catarina ao rei da Inglaterra. Henrique V, apesar de velho e
doente, aceitou depressa a oferta. Além de ganhar uma linda princesinha
francesa, o negócio tinha outra vantagem, muito mais importante: a
possibilidade de unir sua família com a família real francesa. Casaram-se e
logo tiveram um filho, Henrique. Mas o velho rei morreu antes que o menino
completasse um ano de idade. A criança, filha de um rei da Inglaterra e de uma
princesa da França, foi proclamada "solenemente, pela graça de Deus, rei
da França e da Inglaterra e soberano senhor de dois reinos". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Isabel e o "rei louco" ainda
tinham outro filho, o Príncipe Carlos, já então um rapaz. Qual dos dois príncipes
era agora o legítimo herdeiro? Carlos, o francês, ou Henrique, o inglês? Para
desacreditar Carlos, os ingleses começaram a espalhar um boato: na verdade,
como Isabel era uma "senhora de costumes duvidosos", o verdadeiro pai
de Carlos não fora o velho Rei Carlos VI . . . Sendo filho de um pai
desconhecido, o príncipe não podia ser herdeiro de coroa alguma.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p> </o:p> Nessa hora, Joana d'Arc chegou ao castelo
e resolveu a grande dúvida do príncipe, fazendo-o crer que Deus revelara ser ele
o legítimo herdeiro e ordenara a Joana coroá-lo soberano da França.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>A JOVEM CAMPONESA DE DOMRÉMY DESCOBRE A GUERRA <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas quem era essa camponesa que se
investiu de tão importante missão? Joana d'Arc nasceu em 1412, na cidade de
Domrémy; quanto a isso não há dúvida. Mas ela se tornaria mais tarde tão famosa
que até hoje existe uma disputa para saber a que província pertencia, na época,
o seu lugar natal. Para alguns era a Champagne, para outros a Lorena. O General
De Gaulle adotou como símbolo patriótico a dupla cruz de Lorena, em homenagem a
ela (e os ingleses não perderam a oportunidade para ironizá-lo, dizendo que ele
se considerava uma reencarnação de Joana d'Arc ...). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Criada numa família camponesa, Joana teve
três irmãos e uma irmã. Como eles, ajudava o pai no trabalho da terra, tomava
conta dos carneiros no pasto e auxiliava também a mãe em casa. Por isso, não
teve tempo para estudar; não aprendeu a ler nem a escrever. Só lhe ensinaram a
dizer de cor o Padre-Nosso e a Ave-Maria, e assim mesmo errava muito. Sua casa
ficava junto à igreja e Joana tornou-se muito crente — bastava ter cinco
minutos livres e já corria a rezar. Não perdia uma só procissão ou festa
religiosa. Mas também achava tempo para brincar com as outras crianças. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ficou muito impressionada quando um dia a família
toda teve que fugir da cidade; as tropas inglesas estavam perto e foi preciso
se esconder delas por uns tempos. Pela primeira vez, Joana soube o que era
guerra. Porque raramente se ouvia falar nisso em Domrémy. A cidadezinha era
afastada dos campos de batalha e as notícias andavam muito devagar nessa época.
Não existia jornal nem correio. Só se sabia de alguma coisa quando passava um
cavaleiro informado. Mas os caminhos eram tão ruins que um cavaleiro levava
semanas para andar poucos quilômetros. Às vezes acontecia algo importantíssimo
na cidade vizinha e apenas se ficava conhecendo os fatos, em Domrémy, um mês
depois. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas agora a situação estava realmente
difícil para o próprio lugarejo; a população assustava-se com a aproximação dos
ingleses. Foi quando Joana, então com doze anos, afirmou ter tido suas
fantásticas visões. Segundo seu relato, ela passeava certa tarde pelo jardim da
casa quando, de repente, uma luz fortíssima apareceu no céu, surgindo logo em
seguida santos, aos quais prometeu ser boa, ter sempre fé e guardar eternamente
a castidade; depois, ouviu vozes que lhe ordenavam salvar a França e coroar o
rei. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante quatro anos ela hesitou. Nesse
meio tempo, a história das suas visões se espalhara. Enquanto muitos já a
olhavam como santa e até como curandeira, outros sussurravam que Joana podia
ser uma enviada do demônio... Certa ocasião, o Duque de Lorena mandou chamá-la,
pedindo-lhe que curasse suas doenças. Joana não curou nada, só lhe deu um
conselho: abandonar a amante e voltar à sua própria mulher... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Joana continuava angustiada, indecisa,
quando soube que a cidade de Orléans estava cercada. A guerra chegara a um
momento crítico e a França não tinha um rei para defendê-la. Assaltada por esse
pensamento, Joana resolveu-se. Procurou o Capitão Baudricourt e lhe pediu uma
escolta para acompanhá-la até o príncipe. O capitão cedeu, pois toda a
população estava ao lado da jovem. Com o dinheiro de uma coleta,
conseguiram-lhe uma armadura e uma espada. E a 23 de fevereiro de 1429 Joana
d'Arc partiu a cavalo na direção de Chinon. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBUkNmUpKac0zYnIyNz_thyphenhyphenGRd1K-Ah_8z5dS5ofgG7BU_1WjUiIJ-s02on3YQS8oX5RKC3tSXCiU4esOXVlULv6jaJdwiEfD0QnMqUL8-kLSl9970mnB7YbzwZM83MR92-H80h4rMCKth/s1600/JD3+f2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="409" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBUkNmUpKac0zYnIyNz_thyphenhyphenGRd1K-Ah_8z5dS5ofgG7BU_1WjUiIJ-s02on3YQS8oX5RKC3tSXCiU4esOXVlULv6jaJdwiEfD0QnMqUL8-kLSl9970mnB7YbzwZM83MR92-H80h4rMCKth/s640/JD3+f2.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Foi preciso muito esforço para convencer o Capitão de
Vaucouleurs a fornecer-lhe a espada, um cavalo e uma carta de apresentação ao
rei. Mas todo o povo já sabia e acreditava na missão de Joana d'Arc.
(Jules-Eugène Lenepveu, Paris.)<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma lenda percorria então todo o reino:
"Perdida por uma mulher, a França será salva por uma virgem". A
mulher, todos imaginavam que fosse Isabel, a rainha. Quanto à virgem, já se
começava a falar em Joana d'Arc. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>UMA MENINA DERROTA A INGLATERRA <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Joana ganha a confiança de seu príncipe.
Convencido de que é preciso agir depressa, Carlos outorga-lhe o título de
"chefe de guerra". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Falta uma espada. Joana conta que, segundo
as vozes que ouvira, uma excelente espada estava escondida atrás do altar de
Santa Catarina. Enviado até lá, um pajem volta com uma velha espada,
completamente enferrujada. Dizem que bastou encostar nela um pano para que a
arma ficasse brilhante na mesma hora. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrtz3jzrtNqzS63SexWeuWzMLRvvIbCDV1Si9lL5nGGq-mp1AtzPTZKJOURSY8GLjNxlN7pL961ffAmiG36U89RPQ6zU2BkwtakTJXhJpTjV5YlsPVZcZf8aqVFQDE4uV6ZnXAnsia-5-1/s1600/JD5+f.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrtz3jzrtNqzS63SexWeuWzMLRvvIbCDV1Si9lL5nGGq-mp1AtzPTZKJOURSY8GLjNxlN7pL961ffAmiG36U89RPQ6zU2BkwtakTJXhJpTjV5YlsPVZcZf8aqVFQDE4uV6ZnXAnsia-5-1/s640/JD5+f.jpg" width="604" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
A partida de Joana faz nascer uma esperança no povo místico
da época: Deus a teria enviado para terminar com as guerras e a miséria.<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Joana recebe o comando de um comboio de
víveres. A missão: furar o cerco de Orléans e abastecer os soldados já
famintos. A moça põe-se à frente do grupo, levando nas mãos um estandarte,
onde, ao lado de Deus, figuram os nomes de Jesus e Maria e o símbolo do reino,
a flor-de-lis. Alguns dias mais tarde o comboio entra triunfante na cidade. Um coro
de padres marcha à frente, cantando o <i>Veni
Creator</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Joana não perde tempo. Liderando as tropas,
ordena uma incursão contra os ingleses. Depois de algumas investidas, toma as
principais bases de apoio do inimigo, que, surpreso com a violência do ataque,
bate em retirada. Está libertada a cidade de Orléans. Uma das
"regras" da guerra diz que um domínio não pode ser atacado na ausência
do seu senhor. Ora, o Duque de Orléans ainda estava prisioneiro dos ingleses. Estes,
ao atacarem a cidade, tinham cometido portanto um grande ultraje. Com a vitória
de Joana, está salva a honra de Orléans. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQMQcaG1bC73jd1m21qB4AqZ_u8idkmy39pi8m9wBZ71VbO_RhccsqblmteLdJyDD_BS5q0ByY373-ny8Pn9FVMI29FZMGQE-qmFXlFcSLStZbgep0cxQSgrljWOOveM5f0hxqTylTPHCz/s1600/JD6+f2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQMQcaG1bC73jd1m21qB4AqZ_u8idkmy39pi8m9wBZ71VbO_RhccsqblmteLdJyDD_BS5q0ByY373-ny8Pn9FVMI29FZMGQE-qmFXlFcSLStZbgep0cxQSgrljWOOveM5f0hxqTylTPHCz/s640/JD6+f2.jpg" width="640" /></a></div>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh3At340y4Ky5eUmGhmNRn0769-BAl8aKC1HLPC-jiEDR-dgiLyOAfjBhh-eWWiWP6SaS3snK0ZgE9stOwPa9imXCtZbxIovai7HX8_rrJLsvYh7TeMBO2pijxJkSk_KFe2mnuRDhmvc-3B/s1600/JD6+f3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="420" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh3At340y4Ky5eUmGhmNRn0769-BAl8aKC1HLPC-jiEDR-dgiLyOAfjBhh-eWWiWP6SaS3snK0ZgE9stOwPa9imXCtZbxIovai7HX8_rrJLsvYh7TeMBO2pijxJkSk_KFe2mnuRDhmvc-3B/s640/JD6+f3.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: inherit; font-size: x-small;">Tendo
Joana como estandarte, as forças de Carlos VII rompem o cerco de Orléans e retomam várias posições.</span></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas isto, para Joana, é apenas a primeira
etapa. Falta agora o principal: coroar solenemente o príncipe na Catedral de
Reims. Ocorre que Reims situa-se em território controlado pelos ingleses. Para
chegar lá é preciso enfrentar vários batalhões inimigos. Joana está decidida,
mas o príncipe hesita. Ela insiste: "Gracioso príncipe, Vossa Alteza já
reuniu tantos e tão longos conselhos. Chegou a hora de seguir-me e vir receber
em Reims a vossa digníssima coroa!" Carlos se convence. E, em apenas um
mês de campanha, o exército de Joana, depois de infligir uma sucessão de
derrotas aos ingleses, penetra em Reims a 16 de julho. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3SH7qy9W12fDVstcL0ceFYCw1sVdTrSBeCrM7WdEa-dEtoKKNYOQHxugm3HHjcqZar-bY6986i98J-ZlK-jL9ldeFLobsxPZkFE9-4CiZjr-v4cDyyirzXlYhTvQFczPrWO8nJMMFTTVq/s1600/JD8+f.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3SH7qy9W12fDVstcL0ceFYCw1sVdTrSBeCrM7WdEa-dEtoKKNYOQHxugm3HHjcqZar-bY6986i98J-ZlK-jL9ldeFLobsxPZkFE9-4CiZjr-v4cDyyirzXlYhTvQFczPrWO8nJMMFTTVq/s640/JD8+f.jpg" width="374" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
A segunda parte da sua missão era chegar a Reims e coroar o
rei na catedral. Mas havia ingleses pelo caminho: muitas cabeças ficaram nas
estradas.<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A entrada triunfal numa cidade era o maior
símbolo de uma vitória. A cerimônia se preparava meticulosamente. Às vezes, até
ocorria alguns dias depois da verdadeira entrada, para dar tempo de se
organizar uma entrada a caráter, uma verdadeira apoteose. A população nas ruas
aplaudia a cavalaria e o estandarte dos vencedores, após o que apareciam os
chefes, anunciados por cornetas e vestidos com uniformes de gala. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Joana aproveita para unir essa festa a uma
outra — no dia seguinte, realiza-se solenemente na Catedral de Reims a coroação
de Sua Majestade, Carlos VII, rei da França. De pé, ao lado do rei, tendo na
mão seu estandarte, fica o "chefe de guerra", Joana d'Arc. Tomando a
mão do novo soberano, diz-lhe: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Gracioso rei, está cumprida a vontade de
Deus. Orléans de volta ao reino e Vossa Majestade coroado como único e legítimo
rei da França. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkDUK3HBnS3vME-lfwaX9dUowTm0QZUICtA5pSO316BroGsDnrsSkD2WtWmZyjMIoahr35XSyX76eW9HsUV3PhB7M_Z7JGKhY3-fLquaEf75l6Fj2PrnJ_gwG-U0QEmzlLiKrkrWpNiBaE/s1600/JD8+x+f.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkDUK3HBnS3vME-lfwaX9dUowTm0QZUICtA5pSO316BroGsDnrsSkD2WtWmZyjMIoahr35XSyX76eW9HsUV3PhB7M_Z7JGKhY3-fLquaEf75l6Fj2PrnJ_gwG-U0QEmzlLiKrkrWpNiBaE/s640/JD8+x+f.jpg" width="499" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Coroado Carlos VII, Joana chega ao apogeu da glória. Sua
missão, para o rei, já se cumpriu. A partir daí, a heroína começa a se tornar
incômoda. (Jules-Eugène Lenepveu, Paris.)<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Joana, no entanto, não está satisfeita. Não
há ainda tantas terras francesas em mãos do inimigo? "Como seria
bom", diz ela, "que Deus meu criador me ordenasse agora abandonar as
armas, servir meu pai e minha mãe guardando as ovelhas... " Mas como pode
a França ser livre, se Paris continua governada por um regente inglês? Sua
Majestade, entretanto, não mostra o menor entusiasmo por outras aventuras.
Alega que a missão de Joana está concluída. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">CONQUISTAR PARIS É MAIS
IMPORTANTE QUE GUARDAR OVELHAS<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As coisas mudaram. O príncipe agora é um
rei coroado e está finalmente numa posição de força. Seu conselheiro, La
Trémouille, diz-lhe ao ouvido: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Para que arriscar-se numa batalha
dessas? Podemos muito bem entrar num acordo vantajoso com os ingleses e com o
Duque de Borgonha... Além do mais, não podemos ter confiança eternamente em
nossa heroína. Afinal, trata-se de uma mulher. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Joana insiste mais que o conselheiro.
O rei acaba lhe concedendo uma tropa de quatrocentos homens — apenas
quatrocentos homens — para conquistar Paris. Ela sai à frente; o Rei Carlos
deverá encontrá-la em seguida. Chegando às portas de Paris, Joana espera por ele
quinze dias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Do outro lado das muralhas, Paris prepara-se
para uma longa resistência. A fama de Joana d'Arc é enorme. E os ingleses temem
também o prestígio do novo rei. É importante impedir, de algum modo, que ela
cative a população da cidade para a causa de Carlos VII. Bedford organiza uma
grande procissão na cidade. Mais de 50 000 pessoas desfilam de tochas acesas
nas mãos, jurando fidelidade ao Duque de Borgonha e ao regente inglês. Tratam Joana
d'Arc pelos piores nomes — Bedford afirma que ela é um instrumento do demônio! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nas praças públicas, costumavam-se representar
pequenas peças de teatro, ou mesmo simples cenas de dança ou de poesia. Era uma
mistura de parque de diversões e de mercado: rebanhos de animais atravessando
as ruas, carroças vendendo legumes, crianças brincando. Tudo isso em meio a uma
terrível sujeira. As ruas não eram calçadas e não havia esgotos: detritos de
toda espécie eram jogados na rua e se misturavam na lama. O povo passeava
despreocupado, escolhendo entre um ou outro espetáculo. Mas agora o tema
principal é Joana d'Arc. Ela aparece nos papéis mais incríveis. Nos versos,
fala-se nela como "mulher pública" de Orléans.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto dá esse divertimento para o povo,
Bedford fortifica as muralhas, fabrica armas e baixa decretos: durante o cerco
da cidade pelas tropas de Joana d'Arc, qualquer entrada ou saída pelos portões
de Paris está proibida. Fica também proibido mandar ou receber cartas. Será
severamente punido quem ousar subir nas muralhas da cidade, ainda que só para
espiar (apenas as sentinelas armadas têm esse direito). Mas a verdade é que Paris
não está, nem de longe, cercada. A falta de notícias leva os ingleses a
exagerar o perigo. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnomTF4V8EGBfZznmRoqu8pwhLVqKfBwy3PqK6oK-zUwwZ9jBMsjuVdfKYESqDHWrToa2iVk0Div_Y_cQ1v727mWitryDbXJmy_QWGWNAdWFtqEDGh65PJ57j_ND3IrwwstsTr4Obi3-HX/s1600/JD10+f1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="404" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnomTF4V8EGBfZznmRoqu8pwhLVqKfBwy3PqK6oK-zUwwZ9jBMsjuVdfKYESqDHWrToa2iVk0Div_Y_cQ1v727mWitryDbXJmy_QWGWNAdWFtqEDGh65PJ57j_ND3IrwwstsTr4Obi3-HX/s640/JD10+f1.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgc6-ee9gVFI2DPyetrs-Vdg7yVO2fuqO3QU9lAu1JmqfE6NDdSVNhB6DmLsyHo2zyXeFbN4ijXLCokuHydBHpMMsCO48h0_xmPPItn0x125HQqySUSd_T3kxs-U285II80ahJwkapiMj5-/s1600/JD10+f2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="435" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgc6-ee9gVFI2DPyetrs-Vdg7yVO2fuqO3QU9lAu1JmqfE6NDdSVNhB6DmLsyHo2zyXeFbN4ijXLCokuHydBHpMMsCO48h0_xmPPItn0x125HQqySUSd_T3kxs-U285II80ahJwkapiMj5-/s640/JD10+f2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgTpfnAiQum93lLrkMioz-6_p_272pVZCJlwyWAB8WBgiGROLnoiSvVtnm4MyssbSOmrk3YK_e7CXHkXgfrt7ipUFZVWgspgHI8JGSiwPdQxyBsoG3xFHDa5WoApaf9L2mlScvw2x6bfVyB/s1600/JD10+f3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="403" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgTpfnAiQum93lLrkMioz-6_p_272pVZCJlwyWAB8WBgiGROLnoiSvVtnm4MyssbSOmrk3YK_e7CXHkXgfrt7ipUFZVWgspgHI8JGSiwPdQxyBsoG3xFHDa5WoApaf9L2mlScvw2x6bfVyB/s640/JD10+f3.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Joana vence as fôrças inglesas em Patay (acima), mas não dá
sua tarefa por terminada. Pede audiência ao soberano e recebe autorização para
investir contra a cidade de Troyes (ao centro). A campanha é rápida e
fulminante — Joana volta pouco depois ao monarca e apresenta as chaves da
cidade conquistada (embaixo).<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando enfim o Rei Carlos chega e o ataque
é iniciado, os ingleses dão uma resposta fulminante: a própria Joana é atingida
por uma flecha que lhe vara a coxa. É preciso retirá-la à força do campo de
batalha, pois ela não quer recuar de modo algum. Mas o rei é quem decide: o
ataque fracassou, por ora desiste-se de Paris. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mal se recupera de sua ferida, Joana quer
recomeçar a luta. Mas Carlos ouviu La Trémouille. Está decidido a conciliar com
os inimigos. Inicialmente, manda Joana evacuar o Castelo de Compiègne, que está
cercado pelo Duque de Borgonha. Missão sem grande importância, mas perigosa.
Joana penetra no castelo e começa a proteger a retirada das tropas. De repente,
quando quase todos já saíram, a ponte do castelo é levantada. Joana d'Arc está
prisioneira. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUJrAH-Nb8K3-lcy3j-C_w7KuOSI4xRRAXcglzrmZQMtTLCeuZiyLaLgxQJowoCtQQbXPn_VNidhjy99PAMXwrncKTfhU86_RGAfus1uNg6hjD_q_WUo4ZLdwmC4PV90UZ6LQ3UvVaN-3M/s1600/JD10+f4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="352" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUJrAH-Nb8K3-lcy3j-C_w7KuOSI4xRRAXcglzrmZQMtTLCeuZiyLaLgxQJowoCtQQbXPn_VNidhjy99PAMXwrncKTfhU86_RGAfus1uNg6hjD_q_WUo4ZLdwmC4PV90UZ6LQ3UvVaN-3M/s640/JD10+f4.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Insistindo em continuar a luta, Joana é enviada a Compiègne
e ferida no combate. (Jules-Eugène Lenepveu, Paris.)<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>PARA A SANTA INQUISIÇÃO ESSA MOÇA É UMA BRUXA <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Terá sido uma armadilha? Será que o rei,
ou La Trémouille, já de acordo com o Duque de Borgonha, resolveu entregar
Joana? De fato, os conselheiros do rei viam em Joana apenas um instrumento útil
para dar confiança aos soldados e à população — uma espécie de bandeira ou de
mascote do batalhão. Chegada a hora das barganhas e combinações diplomáticas,
uma santa guerreira podia se tornar incômoda. Fosse ou não uma armadilha, a
verdade é que Carlos VII nada fez para libertá-la. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aprisionada por uma companhia do Duque de
Luxemburgo, Joana é encerrada no alto de uma torre. Mas tenta escapar.
Improvisando uma corda com os lençóis, pula a janela e começa a escorregar pelo
muro; contudo, a corda se arrebenta e ela cai desmaiada no fosso do castelo. O
duque decide então vendê-la aos ingleses: Bedford paga 10 000 escudos e manda
colocá-la numa jaula de ferro, os pés e as mãos amarrados. "Com uma enviada
do diabo", diz ele, "é preciso tomar algumas precauções... " <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se pagou um preço tão alto é porque tem um
interesse especial na presa. Há muito tempo Bedford vem ruminando uma ideia:
entregar Joana à Santa Inquisição, o mais elevado tribunal da Igreja na França.
O objetivo: provar que Joana d'Arc não é nada menos que uma enviada do demônio.
Essa condenação infamante, proferida pela própria Igreja da França, será uma
grande desmoralização para o Rei Carlos. Todo mundo se perguntará que espécie
de rei é este, que se deixou enganar por uma bruxa e foi até coroado por ela.
Ao mesmo tempo, os ingleses mostrarão a todos que Deus está de seu lado, não da
França. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuxEN5xA5Y0hM22OMAfeVGaaQYhuykE93bhCUIHj7mSSTrAFAlF-lSkCeWzTU1ynMS7Cppr_Wdbb2_IK0L-kk6xpdyJm-kP-zAVGxTyMIUDeD3zQ6rZHPvkYd_UaRAlelC2F-s-te4wOfV/s1600/JD12+f.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="505" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuxEN5xA5Y0hM22OMAfeVGaaQYhuykE93bhCUIHj7mSSTrAFAlF-lSkCeWzTU1ynMS7Cppr_Wdbb2_IK0L-kk6xpdyJm-kP-zAVGxTyMIUDeD3zQ6rZHPvkYd_UaRAlelC2F-s-te4wOfV/s640/JD12+f.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: inherit; font-size: xx-small;"><o:p> </o:p></span>Feita prisioneira e entregue à Santa Inquisição, Joana é interrogada pelo Bispo de Beauvais, Pierre Cauchon: "Como foram mesmo as tais visões?... </span><span style="font-size: xx-small;">"</span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O tribunal reúne-se pela primeira vez em
fevereiro de 1431, sob a presidência do Bispo Pierre Cauchon, um velho
partidário do Duque de Borgonha, aliado portanto da Inglaterra. Cauchon escolhe
mais de setenta conselheiros religiosos para fazer parte do júri, todos ligados
aos mesmos interesses. A acusada não tem o mínimo direito, nem mesmo a um
advogado de defesa. Só se aceitam as testemunhas contra ela. Seu interrogatório
é uma verdadeira tortura mental, destinado a confundi-la e levá-la ao
desespero. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com relação às "visões", ninguém
alega que são invenções da acusada. O que querem provar é que — ao invés dos
santos — diabos e bruxas apareceram a ela: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Como eram os tais santos, tinham braços?
Eram cabeludos? Por acaso tinham chifres?... E São Miguel, estava nu? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Os senhores acham que Deus não tinha
roupas para dar a ele? —responde Joana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas para os juízes não há dúvida, quem
conversa com criaturas do inferno só pode ser uma enviada de Satã. Prosseguem a
inquisição: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Joana, reconheces que com a ajuda do
diabo enganaste o Príncipe Carlos e ganhaste a sua confiança? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Não! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Ela disse <i>sim</i> — continua o juiz. — Podem pôr na ata: FEITICEIRA! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nada adiantam seus protestos. Só uma bruxa
poderia ter adivinhado quem era o príncipe disfarçado entre os nobres, afirmam
os juízes. "Só uma diaba podia ter comprado a alma de um rei". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— E por que esta impudorada mulher só anda
com roupa de homem? Não sabe que a Bíblia e todos os concílios consideram
pecado tal sacrilégio? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— São as roupas que uso para ir à guerra e
defender a França. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Por acaso ainda é virgem esta mulher
imunda?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A essa pergunta, eles mesmos respondem:
"PROSTITUTA!" <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o crime mais grave para o tribunal é a
heresia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Como então esta mulher pretende obedecer
diretamente a Deus e aos santos, sem respeitar a Igreja? Pois se a Igreja e o
Tribunal da Inquisição são os representantes de Deus sôbre a Terra! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Herética! Bruxa! Relapsa! Prostituta!/Inimiga
de Deus! Inimiga do rei! Inimiga do povo!/ Que ela seja levada, que ela seja
morta,/que ela seja queimada! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com estes versos, o poeta Paul Claudel
procura exprimir a terrível condenação dos inquisidores, que por quatro meses
só têm um objetivo: obter de Joana a abjuração. Que ela reconheça as próprias
culpas e renegue tudo o que disse ou fez em sua vida. Só assim alguém
acreditará na sentença. Prometem poupar sua vida, se ela assinar a confissão.
Por fim, Joana não resiste mais a tanta tortura. Completamente esgotada, a
ponto de sua mão ser conduzida por um oficial de justiça, desenha uma cruz num
documento contendo algumas linhas em francês — aliás, diverso do que apareceu
depois no processo, ampla "confissão" escrita em latim. Uma vez
obtida essa "confissão", ninguém se lembra de cumprir o prometido.
Mandam preparar uma fogueira na praça central de Rouen, pois "só pelas chamas
se destrói uma feiticeira". No dia 30 de maio, a multidão começa a se
concentrar na praça. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">A “FEITICEIRA” FOI
QUEIMADA. ESTÁ NASCENDO UMA HEROÍNA<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A execução nessa época é sempre um
espetáculo. O público vai assisti-la como a um divertimento, sem se comover com
a cena. Mas desta vez o bispo teme uma manifestação favorável à condenada. Por
isso, 120 homens armados com lanças e espadas acompanham Joana d'Arc até a praça
e amarram-na ao poste. Seu cabelo está raspado. Seu olhar, mais que o cansaço,
mostra dignidade. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEguLOR2Q5kJyGIfooAZ3jUYUziHnUONdvUJG9GZQ7zppLt0SDR5-DtW2dXfZvWoSBQAmgTx4dzvvyB9lOnMHis7Kc-UUiHOxKwH81DUgWFNyPGLQI6JcYZj-WtAldDTbCCsxAZs_fi32Mx5/s1600/JD13+f.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEguLOR2Q5kJyGIfooAZ3jUYUziHnUONdvUJG9GZQ7zppLt0SDR5-DtW2dXfZvWoSBQAmgTx4dzvvyB9lOnMHis7Kc-UUiHOxKwH81DUgWFNyPGLQI6JcYZj-WtAldDTbCCsxAZs_fi32Mx5/s640/JD13+f.jpg" width="368" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Seu suplício foi um espetáculo público. Era preciso
queimá-la e espalhar as cinzas — o símbolo da resistência francesa devia ser
bem destruído. (Lenepveu, Paris.)<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Antes de acenderem o fogo, seus carrascos
têm o cuidado de fazer o povo constatar a identidade da vítima. Depois de
totalmente queimado, o corpo é reduzido a cinzas. Não querem deixar intatos
ossos que possam servir de relíquia. Querem impedir que o povo transforme Joana
d'Arc em objeto de veneração.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>A NOVA JOANA É UMA GRANDE VIGARISTA<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
0 objetivo inglês só foi atingido em parte. Joana d'Arc fora condenada e queimada
como feiticeira, por um tribunal de partidários de Borgonha, que todos sabiam
ser aliados da Inglaterra. Mas morreu negando. A reputação do Rei Carlos não
chegou a sofrer tanto quanto o esperado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De qualquer forma, os ingleses ainda têm
uma esperança. Escrevendo a Henrique VI, diz Bedford: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Depois do cerco de Orléans, as
coisas andaram de mal a pior para nós; nossos adversários inventaram uma mulher
desordenada, feiticeira, idólatra e herética, cujos horríveis crimes conduziram-na
justamente à fogueira. Desaparecida a causa diabólica de suas derrotas, a
Inglaterra retomará certamente as posições perdidas", conclui ele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para os franceses, apesar de tudo, a morte
de Joana d'Arc teve um profundo efeito — um símbolo da França fora queimado
numa fogueira. Por esse tempo, a ideia de "pátria" não existia; os
vários feudos e ducados ainda não se tinham unido para formar o país. Dessa
forma, nem todos entendiam por que o rei insistia tanto em expulsar os ingleses.
Joana também não percebia bem. Mas estava convencida de que a luta era justa.
Nessa época, a crença mística incentivava os homens, na guerra, com mais eficácia
do que o sentimento nacional. Sem sua "santa guerreira", era como se
a França tivesse perdido o apoio do Céu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como continuar a guerra? Paris ainda
estava em poder dos ingleses, que também ocupavam muitas outras regiões da
França. De onde viria a salvação? Todos esperavam que algo acontecesse, que
algum sinal viesse do Céu e desse de novo confiança aos franceses. Foi então
que ocorreu o estranho episódio da falsa Joana d'Arc. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Maio de 1436. Na cidade de Metz aparece
uma jovem que jura ser a própria Joana d'Arc. — Não me queimaram. Puseram uma
outra condenada em meu lugar e eu consegui escapar! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ansioso por uma aparição salvadora, o povo
acredita na história. Mais incrível ainda: no mesmo dia, dois irmãos de Joana
d'Arc, Pierre e Jean, chegam à cidade e não hesitam em afirmar: a recém-chegada
é mesmo a irmã deles! <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisOFwKuJrfftE2tNuvykyHjvfYhPd-v5BnStkO2nA9ydEP1S36n1pQ7vi5KlxCFm1N4ByC5A2wZ3-u6fAs2xs6W_yGROyuFpgjfjlso4_6aii-4AmFZeYemaDt6G4sGPnHjMeLR98qoqCq/s1600/JD7+f.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="406" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisOFwKuJrfftE2tNuvykyHjvfYhPd-v5BnStkO2nA9ydEP1S36n1pQ7vi5KlxCFm1N4ByC5A2wZ3-u6fAs2xs6W_yGROyuFpgjfjlso4_6aii-4AmFZeYemaDt6G4sGPnHjMeLR98qoqCq/s640/JD7+f.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Dizem as lendas que Joana d'Arc jamais usou sua espada, a
não ser sobre as "mulheres de má vida" que se misturavam às tropas.<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Diante de tantas "evidências", a
população reúne recursos para dar a esta Joana um cavalo, uma espada e outros
apetrechos e, especialmente, o dinheiro, de que ela diz estar necessitada. . .
A jovem monta extremamente bem e maneja a lança como uma guerreira. "Ela
ainda está em plena forma", reconhecem todos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pouco tempo depois, um dos irmãos da
verdadeira Joana surge em Orléans. Pede 12 francos aos habitantes do lugar,
alegando que precisa de recursos para ir ao encontro dela. Nos anos de 1437 e
1438 a missa em memória de Joana d'Arc é suspensa na cidade: pois, se é fato
que ela está viva, nada mais ridículo que rezar por sua alma! Em 1439, a
própria "Joana" chega à cidade, sendo acolhida com grandes honras.
Oferecem-lhe uma recompensa de 210 libras, "pelo bem que ela fez à cidade,
durante o cerco", e dão-lhe um jantar regado com os melhores vinhos da
região. A convidada não acabou ainda de esvaziar o copo, quando, de repente,
levanta-se e, dando um pretexto qualquer, desaparece do salão - e da cidade. Os
demais convivas não demoram muito para entender o acontecido. Um mensageiro chega
e dá a notícia: "Foi descoberto que a dita Joana d'Arc é uma
impostora!". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar disso nem todo mundo fica convencido.
Assim, um sapateiro apresenta-se ao tabelião, acompanhado de um cavaleiro. Quer
registrar a seguinte aposta: um par de botas contra um cavalo, como Joana d'Arc
está ainda perfeitamente viva. Conta-se também que a falsa Joana quase enganou
o próprio rei. Levada ao castelo, ela teria repetido a proeza da verdadeira Joana,
reconhecendo o soberano disfarçado entre os nobres. Mas quando o rei perguntou
qual era o "segredo" que existia entre ambos, a impostora se atrapalhou
e confessou a farsa. Presa em Paris pouco mais tarde, confessou também que se
chamava Claude, que era casada e mãe de dois filhos! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com muita facilidade, todos chegaram a
acreditar por bom tempo nesta e em outras falsas Joanas. A França precisava de
um herói, de uma bandeira para continuar a guerra. Na verdade, todos queriam
acreditar que Joana não morrera. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>ANTES, BRUXA. AGORA, SANTA <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se Joana d'Arc não se tivesse transformado
em heroína, é bem provável que alguém cumprisse seu papel de símbolo na luta
dos franceses contra os ingleses. O que não significa, entretanto, que uma
outra pessoa fosse fazer exatamente o que fez Joana, vencendo as mesmas
batalhas, indo até a fogueira sem renegar a sua missão. Um herói geralmente
surge quando há uma ansiedade geral por sua aparição, quando se espera muito
por ele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na época de Joana, o misticismo era uma
importante força histórica. Os reis eram considerados reis "por direito
divino". Que melhor forma, então, de assegurar-se da legitimidade, no caso
de Carlos VII, do que através daquela palavra "que vinha do Céu"? A
crença nos feitos sobrenaturais de Joana e o mito das "falsas Joanas"
só se explicam no clima cultural da época, onde todos "precisavam
acreditar". <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9qr7Ny2uzwYmHJdeZEasb_AO_w56NExFiUMqo0kuMQDvPuaULSbS2VjIvpUc-kJMj9alIJqmSiPoAUaw6g7h3aT52_AFboyBYQd_c7ePC4s8c9NbWEkLmz4YiTGAZJZxkNsO1l6F_jj7k/s1600/JD9+f.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9qr7Ny2uzwYmHJdeZEasb_AO_w56NExFiUMqo0kuMQDvPuaULSbS2VjIvpUc-kJMj9alIJqmSiPoAUaw6g7h3aT52_AFboyBYQd_c7ePC4s8c9NbWEkLmz4YiTGAZJZxkNsO1l6F_jj7k/s640/JD9+f.jpg" width="448" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal">
Reconhecido enfim como rei da França, Carlos VII preferiu
negociar a enfrentar o inimigo.<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
À medida que a nação francesa foi-se
formando, a figura de Joana foi, cada vez mais, sendo glorificada. Em 1450, o
grande objetivo da heroína estava realizado: Paris reocupada por Carlos VII e
os ingleses expulsos de toda a França. A Guerra dos Cem Anos terminara. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não se podia agora deixar difamado o nome
daquela que fora a grande heroína da causa francesa. Decidiu-se rever seu
processo, com a autorização do papa, pois se tratava de um processo da
Inquisição. Constatou-se então que ele havia sido inteiramente arquitetado para
dar uma "fachada cristã" à ocupação inglesa e para desmoralizar o rei
da França. Denunciou-se a crueldade empregada para forçar a confissão de Joana
d'Arc: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Nós dizemos, pronunciamos e declaramos
que o dito processo e sentença, manchados de falsidade, de calúnia, de iniquidade,
de contradição, de erro manifesto de fato e de direito, inclusive a abjuração,
a execução e todas as suas consequências, foram, são e serão nulos,
invalidados, sem valor e sem autoridade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Estava pronunciada a reabilitação de Joana
d'Arc. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com a Revolução Francesa de 1789, ficava
consolidada a nação. Joana tornava-se heroína nacional. Inaugurando em 1803 um
monumento em sua homenagem, Napoleão Bonaparte declarava aos cidadãos de
Orléans: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— A ilustre Joana d'Arc nos prova que não
existe milagre que o gênio francês não possa cumprir, quando a independência
nacional está ameaçada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O reconhecimento governamental estava
feito. Faltava o da Igreja: em 1909, Joana era beatificada; em 1920, canonizada
e proclamada Santa Padroeira da França. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para os ingleses, ela continuou por muito
tempo a bruxa que os expulsara da França com a ajuda do diabo... O teatrólogo
William Shakespeare, em sua peça <i>Henrique
VI</i>, apresenta-a como uma feiticeira que não hesita em se declarar grávida
para escapar à fogueira. Foi preciso passar muito tempo para que ela fosse reconhecida
também pela Inglaterra. Agora, na Catedral de Westminster, em Londres, há uma
estátua de Joana d'Arc, colocada num lugar de honra. Sem dúvida, o último lugar
onde Joana um dia pensaria estar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">A GUERRA DOS CEM ANOS<o:p></o:p></span></b><br />
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></b>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhY01KY8clwbT95NSDVmG_1pxXYML6XiDS3DwoAvwVXklqBVXjNXe_OTO2jKN3w1pA33JQfpQYfcvBkmFrs4XNPLSeutdKovofjtZXGvCcR5bygg2_jYk4FoE4oXVujGcmPf_fUPA2M3diF/s1600/JD14+f.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhY01KY8clwbT95NSDVmG_1pxXYML6XiDS3DwoAvwVXklqBVXjNXe_OTO2jKN3w1pA33JQfpQYfcvBkmFrs4XNPLSeutdKovofjtZXGvCcR5bygg2_jYk4FoE4oXVujGcmPf_fUPA2M3diF/s1600/JD14+f.jpg" /></a></div>
<br />
Em 1429 a França era um país curvado ao
invasor inglês e sem ânimo para reerguer-se: o Delfim Carlos VII, que se refugiara
em Bourges, não se preocupava muito com a defesa do país, Orléans era a última
grande cidade ainda em mãos dos franceses, 92 anos após o início da guerra que
duraria mais de um século (a Guerra dos Cem Anos). Não se acreditava, àquela
altura, que um dia a resistência se reavivasse e o jugo inglês caísse por
terra. Muito menos que a iniciativa de encetar campanhas decisivas partisse de
uma jovem camponesa de dezesseis anos: Joana d'Arc sai de sua terra natal —
Domrémy — e consegue chegar ao delfim, na cidade de Chinon, convencendo-o a
dar-lhe um pequeno exército. Oficiais e soldados recobram a esperança de
vitória, ante aquele exemplo de confiança. O primeiro passo é atacar os ingleses
que sitiam Orléans. A cidade é libertada. Depois de coroar o príncipe em Reims,
Joana participa de uma frustrada tentativa de retomar Paris. É ferida e
afastada do campo de luta. O próximo objetivo é libertar Compiègne, cercada
pelos borgonheses. Outro insucesso. É aprisionada e vendida aos ingleses.
Levada a Rouen, acusam-na de ser herege e feiticeira. Carlos VII nada faz para
salvá-la. Joana é condenada à fogueira, onde morre protestando inocência. Em
1436 Paris é libertada e, após trinta anos de domínio estrangeiro, a Normandia
volta aos franceses (1450). É o fim da Guerra dos Cem Anos.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
JOANA D'ARC<br />
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<o:p> </o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<o:p>é um fascículo (capítulo 23) da coleção encadernável </o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
GRANDES PERSONAGENS DA HISTÓRIA UNIVERSAL</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
Volume II, editado pela</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
ABRIL CULTURAL</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
com Copyright Mundial, em 1971, de</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
ARNOLDO MONDADORI EDITORE, Milão, Itália </div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
e Copyright para a língua portuguesa, em 1971 da</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL</div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-52414303460168490812016-02-17T23:47:00.000-03:002016-02-18T08:05:55.186-03:00O VELHO PALÁCIO DA LUZ<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De uns tempos a esta parte,
convencionou-se chamar ao velho casarão da Praça General Tibúrcio, que serve de
sede ao governo cearense, Palácio da Luz. O nome é bonito, não há dúvida,
inspirando-se no glorioso apelido que o Ceará mereceu por ter sido o arauto da
emancipação dos escravos, - Terra da Luz. Aliás, é moda batizar os paços da
governação pelo Brasil afora com títulos tradicionais ou impressionantes:
Palácio dos Campos Elíseos em S. Paulo, da Liberdade em Belo Horizonte, da
Aclamação da Bahia, dos Leões em S. Luís, do Ingá em Niterói, de Karnak em
Teresina, o que lembra o velho Egito, da Alvorada em Brasília em outros. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A sede do governo do Ceará, que já
suportou um bombardeio de artilharia de 16 para 17 de fevereiro de 1892, quando
foi deposto o general José Clarindo de Queiroz, um assédio de barricadas
populares na deposição do Dr. Antônio Pinto Nogueira Acióli, em 24 de janeiro
de 1912, e um tiroteio violento em 1914, abriga há mais dum século os
representantes do poder público. Começou sendo um casarão particular, <i>fora de portas</i>, diz João Brígido, pois a
cidade se compunha, então, de Praça do Conselho, depois da Sé, de umas quatro
ruas, sendo uma, a Direita dos Mercadores, ao longo do Pajeú até a praia, e da
Praça Carolina, mais tarde do Mercado, do Comércio e José de Alencar, que não
chegava até aquele ponto. Edificou-o para sua residência particular o
capitão-mor "de tijolo de coco e barro extraído das imediações da
fortaleza; os rebocos foram de cal recebida do Aracati, donde primitivamente
também vinha a telha". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1801, quando o referido capitão-mor
faleceu no cargo de tesoureiro da Fazenda Pública, achava-se em débito de
avultada soma para com esta. Por este motivo, a Junta de Fazenda penhorou-lhe o
prédio e o vendeu à Câmara Municipal precisada de sede, pela grande quantia na
época de 800 mil réis, servindo de fiador na transação, porque a referida
Câmara não dispunha no momento de dinheiro em espécie, um dos homens mais ricos
e prestigiosos da capitania, o capitão-mor dos Inhamuns, José Alves Feitosa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Senado da Câmara viu-se obrigado a criar
um imposto especial para pagar a sua nova casa. Foi o chamado Subsídio das <i>Águas Ardentes</i>, "que consistia,
refere o historiador já citado, em 4 mil réis sobre pipa importada desse
precioso líquido, que, ainda em 1814, em ata de sua sessão, dizia o Senado, ser
<i>objeto de luxo</i>. Vinha de Pernambuco".
Conseguia-se um palácio à custa da cachaça. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O casarão ocupava a esquina da rua
denominada do Rosário, que corre entre ele e a Igreja dessa invocação, sobre o
terreno em declive para o Vale do Pajeú, tendo como sua dependência toda a área
compreendida entre ele e as ruas do Rosário e antiga do Cajueiro. Em julho de 1803,
o ouvidor Cabral a mandou cercar com altas estacas de pau-ferro, espontadas e
seguras com travessas de madeira pregadas a prego. Nelas se abria um portão de
tábuas, com ferrolho e chave, protegido por um tejadilho. A obra, terminada em
dezembro, custou 90 mil réis e delimitou o perímetro em que hoje se levantam os
corpos da edificação, terraços, pátios, jardim e quintal do Palácio da Luz, uma
quadra inteira na parte central e mais importante da cidade de Fortaleza. No
tempo do futuro marquês do Aracati, João Carlos de Oyenhausen e Grevenburg, os
soldados da guarda, mal pagos e famintos, pulavam a cerca para furtar as
goiabas do governador... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Antes de vir para o solar do capitão-mor
Viana, a Câmara ocupava uma casa da antiga Praça do Conselho, edificada entre
1721 e 1727 por 400 mil réis, tirados do imposto dos açougues ou <i>talho das carnes</i> pelo governador Manuel
Francês. Nela residiram alguns governadores da capitania e foi vendida, depois,
ao mestre régio Ávila por 90 mil réis. Sempre maus os negócios oficiais. Devido
a essa Venda, eles que, antes, assistiam no quartel da fortaleza, passaram a
habitar uma casa de terraço de tijolo e grandes portões, ao lado do Mercado de
Cereais, que foi demolida entre 1928 e 1930, para aumento deste. Deitava para a
Rua Direita dos Mercadores, do Comércio, de Baixo, do Conde d'Eu e Sena
Madureira, que todos estes nomes teve no decurso do tempo. Pertencia a Raimundo
Vieira da Costa Perdigão e rendia de aluguel 40 mil réis por ano. Imagine-se se
tivesse sido congelado por uma lei do inquilinato, que beleza! Ao mesmo foi
mais tarde adquirida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1809, a Câmara recebeu-a em troca da do
capitão-mor Viana. Para esta vieram os governadores; para aquela foram os edis,
que dali somente sairiam para o sobrado de Francisco José Pacheco de Medeiros,
o famoso Pachecão, após a independência, nele permanecendo até há poucos anos.
Esse último paço municipal foi posto abaixo para o alargamento da Praça do
Ferreira e construção dum abrigo de cimento armado, espécie de Tabuleiro da
Baiana. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ocuparam o Palácio da Luz desde 1809 todos
os capitães-mores e governadores da capitania do Ceará Grande, presidentes da
província e comandantes das armas, presidentes, interventores e governadores do
Estado. A lista é longa, pontilhada de homens notáveis como Manuel Inácio de
Sampaio, Pedro José da Costa Barros, padre José Martiniano de Alencar, Manuel
Felizardo de Sousa e Melo, brigadeiro José Joaquim Coelho, padre Vicente Pires
da Mota, José Bento da Cunha e Figueiredo, Diogo Velho Cavalcânti de
Albuquerque, Heráclito Graça, o barão de Catuama, o barão de Sobral, Miguel
Calmon du Pin e Almeida, Antônio Caio da Silva Prado e Jerônimo Rodrigues de
Morais Jardim, sem falar nos do período republicano. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Compunha-se o prédio, ao princípio,
somente da parte térrea, na esquina fronteira à Igreja do Rosário, onde durante
muitos anos funcionou a Secretaria do Interior e, depois, se instalou a
Secretaria do Governo, bem como da parte que lhe seguia até a cerca de
pau-a-pique já referida. Fez-lhe obras Barba Alardo em 1811. Em 1839, o
presidente João Antônio de Miranda aumentou a edificação até a Rua de Baixo,
construindo o grande salão central e a parte assobradada que deita para a
mesma. Em 1844, o tenente-coronel Inácio Correia de Vasconcelos levantou o
terraço que se segue ao sobrado, perlongando a referida rua. Em 1854, o padre
Pires da Mota edificou a sala de jantar, unindo-a por alpendradas à ala
primitiva e por um belo terraço ajardinado, com painéis de azulejos e
estatuetas de louça do Porto, ao terraço, de Vasconcelos. Em 1878, José Júlio
de Albuquerque Barros, barão de Sobral, fez o passadiço coberto e com rótulas
que completa a moldura do pátio interno, dando-lhe um ar conventual, tanto que,
visitando-o, em 1913 ou 1914, Paul Adiam julgou, como escreveu, achar-se em um
mosteiro antigo. Eis o que diz no fim do último capítulo de "Les visages
du Brésil": <i>Au palais du Président,
il est un vieux cloitre rose et Mane, dallé de céramiques claires</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Afinal, outras modificações de pouca monta
foram levadas a efeito em algumas das administrações republicanas. Do
mobiliário antigo, estragado em grande parte pela metralha em 1892, havia ainda
até 1929 alguns dunquerques de espelho, com tampo de mármore, jarrões de
porcelana e grandes espelhos de molduras douradas no salão, e toda a guarnição
da sala de jantar em nogueira esculpida. Depois de 1930, tudo isso desapareceu.
<i>Quod non fecerunt barbari fecerunt
Barberini</i>... E os Barberini, sobretudo, das intervenções, não foram
poucos... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1811, quando esteve de passagem pelo
Ceará, o viajante inglês Henry Koster frequentou as reuniões que dava no
casarão do capitão-mor Viana, recentemente trocado com a Câmara Municipal, o
governador Luís Barba Alardo de Menezes. Eram pequenas recepções improvisadas,
com chá, café, conversa e jogos de cartas, que faziam passar o tempo
agradavelmente. Nas datas solenes, ao pé do retrato do príncipe regente de
Portugal, sob um rico dossel, o governador de grande uniforme, recebia num
estrado alto as homenagens das pessoas gradas e, à noite, dava-lhes um jantar
de gala, em que tudo era "excelente e adequado". Acrescenta Koster
que esse administrador construíra a parte central do paço, empregando nessa
obra trabalhadores índios, aos quais pagava a metade do que custavam os braços
livres. Era, então, o palácio o <i>único
edifício assoalhado</i> <i>em toda a vila</i>.
<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Longe vão esses bons tempos. Em nossos
dias, apesar do nome pomposo e ilustre, o Palácio da Luz não corresponde mais
ao ambiente em que se encontra. A vila antiga é uma cidade moderna, viva e
bela, de mais de 300 mil habitantes, uma das principais e melhores do País. As
edificações de 1808, 1811, 1839, 1854 e 1878 não se integram mais no sentido e
na forma de viver da atualidade. O velho Palácio da Luz, carregado de tradição
e de história, não está mais de acordo com a esplêndida capital onde se
encontra. Isto é uma grave ameaça que pesa sobre ele, porque em nossa terra
ninguém sabe conservar a alma das coisas, há mesmo o desprezo, senão o ódio,
pelo que chamam velharias. E, ao invés de construírem um paço novo, adequado a
seus fins e ao ambiente, destinando o antigo, devidamente restaurado, a
serviços públicos de natureza educativa ou cultural, sem dúvida um dia porão
abaixo as veneráveis paredes que abrigaram tantas figuras ilustres do nosso
passado e resistiram impávidas aos canhões <i>La
Hitte</i> de 1892. Perderia Fortaleza um edifício desgracioso e velho, mas
impregnado, para os que se habituaram a vê-lo desde a mais tenra infância e a
ouvir falar dele, da mais viva e humana simpatia. Ele por si só representa uma
peregrinação ao passado, dessas que somente podem realizar os que aprenderam a
compreender com Maurício Barrés o romantismo sem par das coisas mortas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgg3mtnAHeyWMuKMxKTCNg3BrDiUKS3mQeqwHfGeMOT7gdw67mP7stTvclMC4SR850-XTNFJgqApwBtac7SAkrXgx0_SrTjnDawlXswS8BAZMeRUjiGpoxRUYNdPS-ApUqDoPpsKGCdX1aG/s1600/Gustavo+Barroso.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgg3mtnAHeyWMuKMxKTCNg3BrDiUKS3mQeqwHfGeMOT7gdw67mP7stTvclMC4SR850-XTNFJgqApwBtac7SAkrXgx0_SrTjnDawlXswS8BAZMeRUjiGpoxRUYNdPS-ApUqDoPpsKGCdX1aG/s320/Gustavo+Barroso.jpg" width="213" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">- Gustavo Barroso em À MARGEM DA HISTÓRIA DO CEARÁ, editado em 1962 pela
UFC, tendo sua segunda edição, de onde foi copiado este capítulo, em 2004, sob
os auspícios da FUNCET-PMF.</span><br />
<br />
<b>Gustavo Dodt Barroso</b>, que nasceu em Fortaleza em 1888, foi advogado,
político, contista, museólogo, folclorista, ensaísta, cronista, arqueólogo,
memorialista e romancista. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi o
criador do Museu Histórico Nacional, em 1922, por ocasião das comemorações do
Centenário da Independência, iniciativa do então presidente Epitácio Pessoa,
tendo dirigido a instituição desde a fundação até a sua morte, em 1959.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-56916344791721020292016-02-15T08:51:00.001-03:002016-02-15T08:51:54.713-03:00A SAGA DO PROFETA<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivsDFUf7R4gOuyyaVFALPlXdw81j_VQ_TZaFLEI5hLC3oVwpzfEY6l_3P191dLdJZnB1P6mBeGFGv6yBiy1ZbEVgA3I8LmOE6yjtOakQKrB5LL5YKdC1Jm8gjlcdrYozeV8RTSMmPRr3me/s1600/saga+a1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivsDFUf7R4gOuyyaVFALPlXdw81j_VQ_TZaFLEI5hLC3oVwpzfEY6l_3P191dLdJZnB1P6mBeGFGv6yBiy1ZbEVgA3I8LmOE6yjtOakQKrB5LL5YKdC1Jm8gjlcdrYozeV8RTSMmPRr3me/s400/saga+a1.jpg" width="302" /></a></div>
<br />
Em quase todo o mundo, das florestas
crepusculares do norte da Europa às planícies douradas do norte da China, as
primeiras décadas do século VII foram marcadas pelo som de espadas em combate e
pelo grito de exércitos em guerra. Na Britânia, há muito abandonada pelas
legiões de Roma, principelhos lutavam entre si por território e supremacia.
Invasores visigodos haviam tomado boa parte da Espanha e os lombardos
expandiam-se na Itália, ameaçando a própria Roma. Na Índia, o resplandecente
Império Gupta entrara em colapso; cerca de setenta potentados locais dividiam
agora o subcontinente, formando um mosaico de antagonismos. A China estava
mergulhada em tumulto político, com um imperador impopular que tentava em vão
manter-se no trono, diante de dezenas de rebeliões que explodiam ao mesmo
tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E nas velhas terras do Oriente Médio dois
grandes estados imperiais confrontavam-se, com inveja e suspeita mútuas. O
Império Bizantino — paladino do cristianismo, herdeiro da antiga Roma —
mantinha sob controle o Mediterrâneo oriental. Embora enfrentasse muitos
problemas no Ocidente, provocados pelos invasores germânicos, Constantinopla
ainda era a sede da maior potência do mundo, senhora da Anatólia, do Egito, da
Síria e de toda a Europa oriental ao sul do Danúbio. No início do século VII,
os cidadãos de Constantinopla acreditavam firmemente que moravam no coração da
civilização.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa convicção era contestada pelo
principal rival de Bizâncio, o Império Persa. De Ctesifonte, sua capital junto
ao rio Tigre, no berço mesopotâmico da cultura humana, os soberanos persas
controlavam um território que ia das fronteiras de Bizâncio às estepes da
Rússia e às montanhas do Afeganistão. A amplitude de seu poder e o esplendor de
sua corte lembravam os dias do primeiro Império Persa, mil anos antes. O mesmo
se podia dizer de seu conflito com o Ocidente. Ao longo do tempo, os regimes
persas haviam lutado contra gregos, depois contra romanos. Agora, a dinastia
Sassânida estava enredada num debilitante e intermitente esforço de guerra
contra Bizâncio, disputando o controle do Oriente Médio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto as grandes potências alimentavam
as chamas de seu antagonismo, um clima de descontentamento reprimido
espalhava-se pelas populações submetidas. Esse sentimento expressava-se
parcialmente em contendas religiosas. A Igreja Cristã começara a dissipar seu
vigor juvenil, gastando suas energias em disputas doutrinárias. Irrompiam
conflitos entre cristãos e judeus, com assassinatos e represálias de ambas as
partes. As perspectivas assumiam cores apocalípticas. "Quando vir reinos lutando
entre si", afirmava um dito popular judeu da época, "então procure as
pegadas do Messias."<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De fato, logo apareceria um Messias,
embora a libertação que traria pouco se assemelhasse ao que os judeus
imaginavam — eles jamais o reconheceriam como um mensageiro de Deus. Numa
cidade comercial do oeste da Arábia, na margem pedregosa e seca do mundo
civilizado, um obscuro mercador de meia-idade chamado Muhammad ibn Abdulla —
Maomé — foi tocado pela inspiração divina e começou a pregar. Sua mensagem era
simples: submissão à vontade de um deus único e universal, promessa de um dia
do juízo, com recompensa ou punição, e, caridade para os pobres. Mas as
repercussões dessa mensagem foram profundas: as palavras de Maomé, apanhadas no
ar por seus companheiros árabes, ressoariam por todo o hemisfério e abalariam
até os alicerces a ordem existente, mudando a balança do poder no Oriente Médio
e reordenando as linhas da política mundial, daqueles dias até os tempos
modernos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O islã explodiu sobre o mundo com a força
súbita de um furacão no deserto. Com o grito de <i>Allahu akbar</i> — Deus é grande — atravessando as areias, exércitos
árabes começaram a penetrar na Síria e na Mesopotâmia em 633. Em uma década,
tinham conquistado a Pérsia e o Egito e tomado a cidade santa de Jerusalém. Em
674, estavam às portas de Constantinopla. No início do século seguinte, as
bandeiras do islã tremulavam da Espanha, no Ocidente, à Índia, no Oriente — uma
extensão de território que tornava pequenos todos os impérios anteriores.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPskyFVoXZOewgzf5VbOE4Q__7sDAF78fP3yAC47Dn96j5ceS43LAuooaLKnD4zO8AwzF1f9uW71ylyiP9yhRnmhz8B_b19tkzY9XCXRRWwd5O0t1hWP-P4ZKX4aSf4QgzTcEgPvKVb2cp/s1600/saga+b1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="364" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPskyFVoXZOewgzf5VbOE4Q__7sDAF78fP3yAC47Dn96j5ceS43LAuooaLKnD4zO8AwzF1f9uW71ylyiP9yhRnmhz8B_b19tkzY9XCXRRWwd5O0t1hWP-P4ZKX4aSf4QgzTcEgPvKVb2cp/s640/saga+b1.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Menos de um século depois que o profeta Maomé proclamara a nova fé islâmica, exércitos muçulmanos haviam conquistado um império que se estendia por 6 mil quilômetros, do oceano Índico ao Atlântico. Os primeiros quatro califas, governantes muçulmanos que sucederam Maomé, enviaram forças árabes para dominar a Síria, o Iraque, a Palestina, o Egito e boa parte da Pérsia. Os califas da dinastia dos Omíadas (661-750) estenderam o império para além do rio Indo e da fabulosa Samarcanda, até as fronteiras da Índia e da China; no norte da África, avançaram até o Marrocos e atravessaram a Espanha. Em suas conquistas, os exércitos árabes destruíram o Império Sassânida da Pérsia, mutilaram severamente o Império Bizantino e espalharam o islamismo por três continentes.</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa expansão triunfal e rápida do poder
árabe foi tão surpreendente em sua amplitude quanto em sua imprevisibilidade.
Nada na natureza do povo e da terra da Arábia parecia sugerir capacidade de
conquistar com fervor o mundo. Poucas regiões na Terra eram tão destituídas de
vantagens naturais. A península Arábica parecia um apêndice esquecido entre a
África e a Mesopotâmia — mais de 2,5 milhões de quilômetros quadrados de areia,
cascalho e lava, vincados por leitos secos de rios e salpicados de quando em
quando por oásis de tamareiras. Uma cadeia de montanhas em forma de L ao longo
das costas sul e oeste retinha uma modesta precipitação anual e oferecia
condições de vida até convidativas. Mas a maior, parte da península era
inteiramente seca e terrivelmente quente. Anos passavam-se antes que uma gota
de chuva caísse sobre o deserto de Nafud, no norte, com suas dunas de 90 metros
de altitude, ou no vasto Rub al-Khali — o Lugar Vazio —, no centro. Quando a
chuva finalmente chegava, caía em torrentes, causando enchentes súbitas e
devastadoras. E não havia nenhum rio permanente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A população vivia ao deus-dará, em
povoados à sombra dos oásis, ou em tendas de pastores e condutores de camelos
nômades. Não sobreviveram indicações claras para contar às futuras gerações de
onde teriam vindo os habitantes da Arábia, embora fossem obviamente de origem
semítica. A tradição islâmica traçou sua linhagem até Abraão, o patriarca
ancestral de árabes e de judeus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em algum momento do segundo milênio antes
de Cristo, diz a história, Abraão deixou sua família na cidade de Ur, na
Mesopotâmia (chamada de Ur dos caldeus na Bíblia), e foi viver na Palestina.
Sua idosa esposa Sara parecia ser estéril e assim, a pedido dela, Abraão
casou-se com uma escrava chamada Agar, que lhe deu um filho, Ismael. Alguns
anos depois, Sara deu à luz um filho, Isaac. Como esse segundo nascimento
causasse atrito entre as duas mulheres, Abraão levou Agar e Ismael para o vale
de Meca, uma parada de caravanas isolada, nas montanhas ocidentais da Arábia.
Ali deixou-os com provisões e voltou para Sara. Não demorou muito para Agar
desesperar-se, pois estava acabando a água, mas Ismael arrastou o calcanhar na
areia e viu brotar uma fonte de águas claras e frescas. A fonte tornou-se o
poço de Zem-Zem, que mais tarde seria um marco para os peregrinos muçulmanos A
nova fonte atraiu outros povoadores, dando origem à cidade de Meca. Abraão visitou
Agar e seu filho mais velho e, com Ismael, construiu o santuário que séculos
depois se tornaria o lugar mais sagrado do islamismo, a Caaba, encravando em
sua parede a Pedra Negra sagrada de origem meteórica.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ismael casou-se com uma mulher dos novos
povoadores. De acordo com a tradição, desse casamento nasceram os árabes,
enquanto os filhos de Isaac viriam a ser os israelitas. Alguns dos descendentes
de Ismael desceram para a extremidade sul da península e se estabeleceram entre
o povo que vivia nas montanhas escarpadas, com até 3 660 metros de altitude,
onde hoje é o lêmen. Ali encontraram condições mais amenas. As monções de verão
regavam a terra com relativamente generosos 500 a 750 milímetros de chuva por
ano, umidade suficiente para sustentar a agricultura. Os habitantes captavam a
água em reservatórios e levavam-na, através de canais de irrigação, para as
plantações em terraços nas encostas, onde cresciam trigo, cevada, melões,
amendoeiras e outros alimentos básicos para uma vida sedentária próspera.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No correr dos séculos, os vilarejos se
transformaram em cidades e estas em reinos. Palácios de pedra de grande luxo e
sofisticação surgiram entre os picos das montanhas, inclusive uma cidadela em
Sana, cercada de altas muralhas. Vastas obras de irrigação transformaram a
paisagem. Por volta de 750 a.C., o povo de um reino chamado Sabá construiu em
Marib, sua capital, uma enorme represa que controlaria o fornecimento de água
para a região nos mil anos seguintes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Além da agricultura, os árabes do sul
tinham outra fonte de riqueza. A região estava na junção de várias rotas
importantes de comércio, por onde os objetos de luxo do Oriente eram
atravessados em barcas para os impérios do Mediterrâneo. As <i>dhows</i> árabes, com suas velas latinas
triangulares — um tipo de embarcação que sobreviveria quase sem modificações
até os tempos modernos —, chegavam do oceano Índico com gemas, tecidos e
especiarias da Índia e da China. Algumas talvez atravessassem as passagens
estreitas entre o lêmen e a Etiópia, entrando no mar Vermelho. Mas para evitar
as áreas de conflito entre bizantinos e persas, a maioria dos mercadores
passava suas mercadorias para caravanas na entrada do mar Vermelho e seguia por
terra para o norte, pela trilha que se estendia ao longo das montanhas até a
Palestina e a Síria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essas caravanas eram formadas por grandes
grupos de pessoas e animais, com até trezentos mercadores, condutores e
guardas, além de 2500 camelos. O valor dos bens que carregavam era
incalculável. A Bíblia registra a visita da caravana da rainha de Sabá à corte
do rei Salomão, em Jerusalém, com uma quantidade de ouro, pedras preciosas e
perfumes que os judeus jamais haviam visto. O rei, encantado, "deu à
rainha de Sabá tudo o que ela desejou e pediu"; inclusive, segundo certa
tradição, um filho, fundador da dinastia que reinaria sobre a Etiópia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar de todas as riquezas que vinham do
Oriente, as mercadorias mais valiosas da Arábia durante séculos foram de origem
local. Nas encostas secas do interior das montanhas costeiras do sul cresciam
duas variedades de retorcidas e raquíticas árvores aromáticas. As resinas que
exsudavam dos troncos — incenso e mirra—estavam entre os produtos mais
preciosos do mundo antigo. Ambas tinham múltiplos usos: em perfumes e
cosméticos, em unguentos medicinais, dissolvidas em vinho para compor remédios,
e em rituais religiosos. O incenso seco e pulverizado era jogado nas brasas dos
altares de sacrifício para que as oferendas subissem aos céus numa nuvem de
fumaça perfumada. Os romanos usavam incenso e mirra nas cremações para
disfarçar o odor de carne queimada.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhnlteyfza6hrx4fqknkB3m4144E13UOntl55lj0dPBCazNFsjrVpFPcwI8hOB3vR4AQ2ynyajVUbcyN9nUBsA6D8e4wa8ct0Esukhl8F7Ysw7_3bcWZM6mi9pCVq1ZCHV5O1FY9l0mE0W/s1600/saga+c1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="354" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhnlteyfza6hrx4fqknkB3m4144E13UOntl55lj0dPBCazNFsjrVpFPcwI8hOB3vR4AQ2ynyajVUbcyN9nUBsA6D8e4wa8ct0Esukhl8F7Ysw7_3bcWZM6mi9pCVq1ZCHV5O1FY9l0mE0W/s640/saga+c1.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Os administradores árabes que governaram os países conquistados cunharam uma série de moedas - algumas adotadas do dinheiro local, outras puramente muçulmanas. A moeda de ouro da extrema esquerda retrata em estilo bizantino o califa omíada Abd al-Malik, que segura a Espada do Islã, símbolo do poder árabe. A moeda de prata abaixo dela, um <i>dirham</i> cunhado na Pérsia, traz escrito em árabe o nome do governador al-Hajaj ibn Yusuf, mas a imagem é a de um imperador sassânida. A moeda de ouro da direita, mostrada de frente e de verso, traz escritos em árabe, em vez de imagens. Parte da inscrição da frente diz:"Não há outro Deus, mas Deus apenas". A margem do verso anuncia que a moeda foi cunhada em Damasco no ano 78 do calendário islâmico (697-698 d.C.)</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com o controle firme do comércio de caravanas
e o monopólio da produção de resinas aromáticas, o sul da Arábia passou da prosperidade
à opulência. Cronistas gregos e romanos dos dois primeiros séculos da era
cristã maravilharam-se com essa riqueza. O historiador Estrabão não economizou
adjetivos ao descrever a "cara magnificência" de seus palácios, com
suas estátuas de alabastro e interiores adornados de joias. Estudiosos,
baseados em rumores duvidosos, produziram volumes e volumes sobre sua geografia
e seu povo. Quando Ptolomeu de Alexandria, o mais eminente cartógrafo de seu
tempo, fez um mapa da península, batizou a região com o nome de <i>Arabia Felix</i> — Arábia Afortunada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Porém, poucos dos refinamentos da
civilização penetravam no interior estéril da Arábia. Ali era o território dos
beduínos, os verdadeiros nômades do deserto, para quem a vida continuava a
mesma de séculos atrás: uma ida e vinda sem fim entre as pastagens e os oásis,
em um ritmo tão previsível quanto a marcha das estações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nessa terra ressequida a vida era muito
dura; e possível, em grande parte, graças a um animal notável: o camelo. Além
de servir aos beduínos como meio de transporte, animal de guerra e unidade de
troca, o camelo fornecia ainda alimento e matéria-prima. Um espécime adulto
saudável podia viajar até 100 quilômetros por dia através do deserto, levando
cargas de até 180 quilos. Sobrevivia por três dias sem água no calor sufocante
do verão e até mais, no inverno. Os beduínos faziam tendas e cordas com o pêlo,
transformavam a pele em artigos de couro, usavam o esterco como combustível,
bebiam o leite e eventualmente comiam a carne. Quantias grandes — o dote de uma
noiva ou um pagamento para resolver uma rixa entre famílias — eram computadas
em quantidades de camelos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A tamareira, cujo fruto era obtido pelo
comércio com os habitantes dos oásis, constituía o outro esteio da vida dos
beduínos. Além de ser um alimento de fácil conservação, as tâmaras fermentadas
forneciam cerveja; seus caroços, moídos, serviam para alimentar os camelos e as
frondes eram usadas para fazer cestos ou como material de construção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar dos hábitos independentes, a
sociedade beduína estava fortemente unida por lealdade e alianças tribais. Os
membros de um clã sempre acampavam juntos, reunindo-se em torno de oásis e
poços do clã na estação seca e indo para a mesma área de pastagem do deserto
quando as chuvas de inverno atapetavam as areias com um verde magro e fugaz. Se
tivessem um ancestral comum — e muitos árabes podiam traçar sua linhagem por
diversas gerações —, vários clãs reunidos formavam uma tribo. Os Banu Harith
descendiam de Harith; os Banu Bakr, de Bakr.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nada era mais importante para um árabe do
que a fidelidade à tribo, ao mesmo tempo lei e religião. "Sê leal a tua
tribo", cantava um bardo do deserto, "o direito dela sobre seus
membros é forte o suficiente para fazer um marido desistir de sua esposa".
Em troca de fidelidade, a tribo comprometia-se a proteger seus membros e
socorrê-los em caso de necessidade. Insultar um dos membros era insultar todos
e exigia vingança em espécie. Contudo, dentro da tribo, cada membro cultivava
um profundo senso de independência e igualdade. Não havia cidadãos de segunda
classe no deserto: todos estavam sujeitos às mesmas leis da sobrevivência e aos
laços inquebrantáveis dos costumes e da linhagem. Até mesmo a posição de xeque
era assumida por acordo dos homens da tribo e não por direito hereditário.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A dura vida do deserto levava
inevitavelmente à competição entre as tribos pelo número limitado de poços e
áreas de pastoreio. Um beduíno poderia matar seu último camelo para alimentar
um visitante estranho, pois assim exigia o código do deserto; mas se precisasse
de outro camelo, simplesmente tomava-o. Bandos armados roubavam animais dos
acampamentos rivais e assaltavam gente extraviada ao longo das rotas de
caravanas. O objetivo era a pilhagem, não o combate. Sangue exigia sangue na
ética tribal e derramá-lo podia desencadear uma rixa que ninguém desejava.
Mesmo assim, surgiam disputas tribais a todo momento. Uma das mais famosas,
celebrada em prosa e verso, explodiu no século V entre as tribos Taghlib e Bakr
e durou quarenta anos. Sua causa: um chefe Taghlib ferira acidentalmente a
fêmea de camelo favorita de uma matrona Bakr.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tais incidentes forneciam a matéria-prima
para a forma de arte mais desenvolvida dos árabes do deserto. Sempre em
movimento, sem possibilidades de experimentar a arquitetura ou as artes
visuais, canalizaram sua energia criativa em uma única direção: a palavra
falada. O árabe clássico do deserto era um meio de comunicação
extraordinariamente expressivo. Cantada junto ao fogo, à noite, sob o majestoso
dossel de estrelas do deserto e a vaga sombra das dunas, a solene prosa rimada
da saga beduína cativava a alma dos ouvintes. "A beleza de um homem está
em sua eloquência", dizia um ditado. E qualquer árabe aquinhoado com esse
dom era visto com admiração, como se possuído por alguma força sobrenatural.
Assim aconteceria com as palavras proferidas por Maomé, cujo poder ressoante
seria considerado como um milagre, prova conclusiva de sua origem divina.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Orgulhosos de sua independência e
habilidade nas armas, os nômades do deserto viam com desprezo seus primos
sedentários dos oásis, mas não poderiam sobreviver sem eles. Os oásis eram os
pomares e os mercados do deserto, fornecendo damascos, laranjas,
cana-de-açúcar, melancias, romãs e, é claro, os produtos das tamareiras. Alguns
oásis eram paradas de caravanas, com bazares onde os beduínos compravam armas,
ferramentas, recipientes, roupas e muitas outras coisas necessárias à vida no
deserto. Em troca, ofereciam camelos, leite, couro e proteção contra atacantes
— ou melhor, faziam o acordo de não atacar o lugar. Surgiam alianças entre
certos oásis e determinadas tribos e um xeque do deserto talvez até mantivesse
uma moradia em seu oásis de adoção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As crenças no deserto tendiam à adoração
de espíritos. Dizia-se que a paisagem era assombrada por demônios chamados
djins. Havia espíritos malignos, contra os quais era preciso se precaver com
amuletos e magias, e deuses tribais que exigiam prova de obediência. A Lua era
vista como um espírito benevolente e várias estrelas eram identificadas com
divindades dos clãs. Veneravam-se também certos aspectos da natureza: árvores,
cavernas, fontes do deserto, rochas de aparência incomum. Alguns atingiam o
estatuto de santuários, em cujos recintos toda vida era considerada sagrada e
todas as espadas eram mantidas embainhadas.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnqoJPn5MkPfVYE9vZZVKFmSrq6YwPqxnoawdEiNDyw6xULgG0p0rgITpb23ddZMthnZQbgQoOyKns3Jm-UZ5hxks3obKK1wQcjFMRxkGFECZzqDcLMIzm6JETzGZ-Zbw3hyMJahCrYpSc/s1600/saga+f1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="452" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnqoJPn5MkPfVYE9vZZVKFmSrq6YwPqxnoawdEiNDyw6xULgG0p0rgITpb23ddZMthnZQbgQoOyKns3Jm-UZ5hxks3obKK1wQcjFMRxkGFECZzqDcLMIzm6JETzGZ-Zbw3hyMJahCrYpSc/s640/saga+f1.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Abrigando a Pedra Negra sagrada - um meteorito - e coberta por panos de lã com listras em ziguezague, a Caaba tinha cerca de 3,5 metros de altura quando foi reconstruída, em 608. A porta elevada servia para dificultar a entrada de intrusos. As paredes eram feitas de camadas alternadas de pedra e madeira, método de construção pouco usual na Arábia. Como em Meca não havia árvores, a madeira veio com certeza de longe, provavelmente de um navio naufragado nas costas do mar Vermelho, em algum lugar a oeste da cidade.</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O santuário mais importante era a Caaba,
em Meca, com sua Pedra Negra sagrada. Meca surgira como uma parada de caravanas
numa ravina árida do Hedjaz, a região ocidental montanhosa da Arábia, e apesar
de seus arredores desérticos, mantinha um ar cosmopolita e vivaz. Todos os anos
as caravanas atravessavam-na, vindas dos bosques de incenso da Arábia
meridional e dos portos do golfo Pérsico. Os visitantes compravam provisões — e
talvez camelos novos — e deixavam em troca uma boa quantia de prata. Além
disso, os habitantes de Meca realizavam um festival religioso anual que atraía
milhares de nômades do deserto.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b> A Meca de Maomé<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b>No início do século VII, quando Maomé vivia em Meca como comerciante, a
cidade era pequena, mas apinhada, com cerca de 3 mil habitantes, a maioria vivendo
num conjunto de casas de teto plano, feitas de pedra e tijolos de barro. Meca
situava-se em um vale seco e arenoso, praticamente cercado por uma dupla cadeia
de colinas desérticas. Na verdade, a única coisa que tornava a vida possível
nessa paisagem ressequida era a água que brotava do poço Zem-Zem, no centro de
Meca. Ao lado do poço estava o modesto santuário conhecido como Caaba, uma estrutura
semelhante a uma caixa, dedicada, na época, às divindades locais. A Caaba se
tornaria o lugar mais sagrado da nova religião islâmica, da qual Maomé seria o
profeta.<o:p></o:p></b></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>Por ser um oásis, Meca constituía uma parada natural para as caravanas
de camelos que levavam mercadorias do sul da Arábia para os bazares das grandes
cidades da Síria e da Babilônia. A população local lucrava indiscutivelmente ao
comerciar com as caravanas – e cobrar taxas para permitir que elas
atravessassem a cidade -, bem como ao montar expedições mercantis próprias. E
Meca já atraía os crentes que iam rezar na Caaba. Depois que a fé radiante de
Maomé derramou-se sobre o mundo, enxames de peregrinos vinham conhecer a cidade
onde o Profeta nascera.<o:p></o:p></b></div>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBtkltJSBfnuiqcWiN_ubVAprDS9fySTbfU_1nWdAFX8tCyIqgenJr9dejQogN-0byFV_KNrnQyW1VfGs9NEKYV0Sgx24XI_EThd-6a0BWCyz8MZUQkl_Eys7lr_oz_oZ9oNQm_lPzx6hD/s1600/saga+d1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="434" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBtkltJSBfnuiqcWiN_ubVAprDS9fySTbfU_1nWdAFX8tCyIqgenJr9dejQogN-0byFV_KNrnQyW1VfGs9NEKYV0Sgx24XI_EThd-6a0BWCyz8MZUQkl_Eys7lr_oz_oZ9oNQm_lPzx6hD/s640/saga+d1.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">As trilhas de caravanas convergiam de todas as direções para Meca. Bem no centro do oásis - um labirinto de ruas estreitas - estava a clareira com a Caaba e o poço de Zem-Zem.</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os visitantes pechinchavam nos bazares da
cidade, alegravam seus estômagos com carneiro assado e <i>pilau</i> e trocavam notícias com membros de clãs que retornavam de
pastagens distantes ou de aventuras mercantis. Invariavelmente, parariam na
Caaba para celebrar Hubal, a principal divindade do local, e os 360 ídolos menores
que o santuário abrigava. (Há muito o povo se afastara do deus único de Abraão,
para o qual o santuário fora erguido.) Em Zem-Zem, o poço encontrado por
Ismael, os visitantes bebiam da água abençoada e depois subiam o monte Arafat,
local de outro santuário. E sempre partiam com os bolsos mais vazios.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O encontro anual das tribos e a algazarra
festiva de vozes de toda a Arábia impunham um sentido fugaz de unidade cultural
árabe. A cidade estava sob controle dos coraixitas, uma poderosa tribo do
Hedjaz que adorava vários deuses. Outras crenças haviam penetrado na península,
inclusive o monoteísmo de cristãos e de judeus. Conversos de ambas as religiões
tinham-se estabelecido havia muito tempo no perímetro da Arábia, na Síria e nos
antigos reinos da Arábia Meridional. Em épocas festivas, os visitantes
relatavam as histórias bíblicas de Abraão, Moisés e Jesus, junto com as sagas
de suas tribos. Na virada do século VII, Meca era uma das principais cidades da
Arábia. Sua posição só fazia crescer com as disputas políticas além-deserto que
interrompiam as tradicionais rotas de comércio.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiU_k7mqdjgYJDpd-EDoP-aFzBngtB66YF5YmtwpzARMWrKJ5syv0S4Itv4BaNXzy8-p5-zLfRil36gBEaWom1RSVsgOoFbcnLLvSn7QjyIdjdMBR1VoMsz6sNX56yvveSN39_0kJfS_P0D/s1600/saga+e1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="412" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiU_k7mqdjgYJDpd-EDoP-aFzBngtB66YF5YmtwpzARMWrKJ5syv0S4Itv4BaNXzy8-p5-zLfRil36gBEaWom1RSVsgOoFbcnLLvSn7QjyIdjdMBR1VoMsz6sNX56yvveSN39_0kJfS_P0D/s640/saga+e1.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Os beduínos negociavam com os comerciantes locais nas lojas sob arcadas de Meca, situadas a certa distância da Caaba (<i>ao fundo</i>). Na época de Maomé, os principais produtos eram roupas de lã, artigos de couro, como cintos, sandálias e selas, e utensílios usados pelas caravanas - odres e recipientes para água e óleo.</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O sul da península, no entanto, vinha
passando por um período de declínio. Com a expansão do cristianismo no mundo
ocidental, mudaram os costumes fúnebres. Os cristãos favoreciam o enterro em
vez da cremação e a consequência foi uma queda na demanda de incenso. Usava-se
ainda a resina com objetivos rituais e cosméticos, mas já não era necessária
para disfarçar o odor das piras funerárias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O sul da Arábia viu-se envolvido também na
disputa maior entre Bizâncio e a Pérsia. Nisso, a religião desempenhou papel
fundamental. Igrejas cristãs surgiram na região ao longo dos anos e a maioria
de seus membros e clero devia obediência espiritual a Constantinopla. (Havia
também cristãos nestorianos, em conflito com a Igreja Bizantina.) Muitos judeus
viviam ali como agricultores ou comerciantes e alguns árabes tinham-se
convertido ao judaísmo, inclusive um príncipe iemenita chamado Dhu Nuwas.
Preocupado com o poder crescente da Bizâncio cristã, Dhu Nu-was aliou-se à
Pérsia. Bizâncio respondeu obrigando um de seus estados-satélites, a Etiópia, a
invadir a península. Dhu Nuwas repeliu o primeiro ataque etíope, mas o segundo,
em 525, foi forte demais para ele. Enquanto seu exército tombava, dizem as
crônicas, o príncipe, em seu cavalo de batalha, "mergulhou nas ondas do
mar e nunca mais foi visto".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O ataque da Etiópia destruiu a economia da
Arábia Meridional, que os invasores tentaram colonizar, com sucesso limitado.
Durante sua estada, a grande represa de Marib rompeu-se e a agricultura local
jamais se recuperou desse desastre. Por volta de 570, um exército etíope, com
um comboio de elefantes, arrastou-se para o norte a fim de atacar Meca. De
acordo com a tradição islâmica, foi derrotado por aves que o bombardearam com
pedras quentes do fogo do inferno. (Outras fontes creditaram a derrota a uma
epidemia de varíola.) Os futuros muçulmanos considerariam o Ano do Elefante
como um símbolo da intervenção triunfante de Alá.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cinco anos depois veio outra invasão,
dessa vez da Pérsia. Os etíopes, enfraquecidos e desmoralizados, cederam
rapidamente. No meio século seguinte, o sul da península foi uma satrapia
persa, até ser libertado pelo exército do islã.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tensões semelhantes atingiram o deserto do
norte da península Arábica, onde os dois grandes impérios haviam instalado
estados-tampões. Os Banu Ghassan, vindos do sul, eram vassalos bizantinos que
ocupavam o interior da Jordânia e da Síria, inclusive Petra e Palmira. Em troca
de um subsídio de Constantinopla, defendiam as fronteiras meridionais de
Bizâncio dos assaltos cada vez mais ferozes de guerreiros beduínos. E serviam
também de guardas de fronteira contra as forças da Pérsia. Mais para leste, os
Banu Laikhm executavam papel semelhante em favor da Pérsia. As duas tribos
estavam constantemente em guerra e suas batalhas tinham toda a maldade de uma
rixa entre famílias. Ambas as tribos haviam-se convertido ao cristianismo, mas
pertenciam a seitas cujas doutrinas se opunham ferozmente. Embora as questões
pudessem parecer obscuras para os cristãos do futuro, eram consideradas
fundamentais naquela época: os gassânidas eram monofisistas que acreditavam em
um Cristo totalmente divino, enquanto os lácmidas eram nestorianos, defendendo
a natureza dual de Cristo, ao mesmo tempo divina e humana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De qualquer forma, as duas tribos tinham
muita coisa em comum: aos olhos de bizantinos e persas, eram indóceis e
irrequietas. No início do século VII, o imperador bizantino Heráclio conquistou
a inimizade dos gassânidas ao cortar o subsídio governamental. E a Pérsia,
alarmada com os modos independentes dos lácmidas, instalou seu próprio governo
no território. Em 604, o resultado foi a invasão da região dos lácmidas por
outros beduínos, que empurraram as fronteiras do Império Persa na região.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto os reinos da fronteira norte
declinavam, as tribos do sul começavam a prosperar. Na região relativamente
estável do Hedjaz floresceram os empreendedores comerciantes de Meca. Os
líderes coraixitas da cidade, astutos nos negócios e na diplomacia, garantiram
tratados de comércio com todos os quadrantes: Pérsia, Bizâncio, Etiópia e
lêmen. Um mercador podia contar com um lucro de cem por cento em cada caravana.
E assim jorrava dinheiro, junto com atitudes e comodidades do mundo exterior.
Foi nesse clima de crescente prosperidade e mudança social que o profeta Maomé
começou a pregar submissão a um único deus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Poucos detalhes seguros sobre o início da
vida de Maomé passariam para as gerações futuras, mas suas linhas gerais seriam
transmitidas com reverência por lendas e pela tradição oral. Ele nasceu em Meca
por volta de 570 — no Ano do Elefante, diz a tradição, quando as tropas etíopes
marcharam contra a cidade. Sua família, que pertencia ao clã dos hachemitas,
ramo da tribo coraixita, era respeitável, mas não estava entre as mais ricas.
Abdulla, pai de Maomé, morreu pouco antes de seu nascimento, deixando para a
mãe uma pequena herança constituída por um escravo, cinco camelos e umas poucas
ovelhas. Como era costume, ela enviou o filho órfão para viver no deserto com
uma família de beduínos, pois se acreditava que a vida dura e simples promovia
a saúde e o caráter. Quando Maomé estava com 5 anos, ela o trouxe de volta para
casa, mas morreu logo depois; o avô do menino encarregou-se de cuidar dele, mas
também morreu dois anos depois.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Felizmente, Maomé tinha um estoque quase
inesgotável de parentes. Foi então morar com Abu Talib, um tio que sustentava
uma grande família com seu trabalho no negócio de caravanas. Abu Talib assumiu
a educação do menino, ensinando-lhe a delicada arte de comprar, vender e cuidar
da criação. Segundo a tradição, aos 12 anos Maomé viajou com o tio até a Síria,
onde travou relações amistosas com um monge cristão que logo percebeu o
potencial messiânico do menino. Na verdade, Maomé pouco se distinguia dos
meninos árabes. Não havia nada que o marcasse como o profeta cuja mensagem
levaria ao nascimento de uma grande religião. À medida que crescia, Maomé
começou a revelar várias virtudes que, embora simples, o distinguiam. Inteligente
e trabalhador, logo ganhou reputação de justo e confiável nos negócios,
inspirando lealdade e confiança. Apesar da bela aparência — compleição mediana,
tez rosada, grandes olhos pestanudos, cabelo preto levemente encaracolado,
espessa barba negra, andar firme e resoluto,— ainda era solteiro aos 25 anos de
idade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Abu Talib apresentou ao rapaz uma rica
viúva coraixita de 40 anos, chamada Cadija. Mulher de negócios astuta que
equipava caravanas, ela contratou Maomé como seu agente para levar um comboio
para a Síria. Pouco depois, casaram-se e tudo indica que foi uma união feliz.
Cadija arrancara Maomé de uma situação relativamente modesta para elevá-lo a
uma posição de riqueza e responsabilidade. Deu-lhe seis filhos: quatro meninas
sadias e dois meninos que morreram na infância. Enquanto Cadija viveu, ele não
tomou outras esposas, embora fosse costume. Contudo, Maomé não estava
inteiramente satisfeito. Sob sua aparência sólida e discreta havia correntes de
ardente sensibilidade. Todos os anos, retirava-se para uma caverna do monte
Hira, no deserto, para meditar e orar durante dias sem fim.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b> As delícias da música<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>A música floresceu como nunca durante o período de ascensão do islã,
como atestam as figuras abaixo. Uma parte delas era solenemente litúrgica, como
os cantos gregorianos da Igreja Cristã. Mas a maior parte, em especial no mundo
islâmico, era secular e alegre – melodias vivazes tocadas em casamento e
festivais, ou executadas por acrobatas e palhaços em seus números de rua. A
música do islã enriqueceu-se com a disseminação de vários instrumentos novos, a
maioria originária da Pérsia, da Arábia e de outros países orientais. Dessas
regiões emergiram não menos que 32 variedades de alaúde, 28 de flauta e 22 de
oboé. A música também era uma paixão na longínqua China; os soberanos da
dinastia Tang importavam melodias e músicos da Índia, Birmânia e Coréia. Essa
arte tornou-se tão popular na China que as orquestras imperiais da época
contavam com até oitocentos músicos.<o:p></o:p></b></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlHufNHlsVZSjgLblzb7cfSP2M5ozknA5dbhtjgKBoe-NjpWbHNm7Ni9q3l8QztuHMkmYGHbtOWNQoFDYqUiE9i1_acRxv72DZ8YI8GvUUsAHKtExYkdpyPAI5eAp9eSXhah8vQ35TcTTZ/s1600/saga+g2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="558" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlHufNHlsVZSjgLblzb7cfSP2M5ozknA5dbhtjgKBoe-NjpWbHNm7Ni9q3l8QztuHMkmYGHbtOWNQoFDYqUiE9i1_acRxv72DZ8YI8GvUUsAHKtExYkdpyPAI5eAp9eSXhah8vQ35TcTTZ/s640/saga+g2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUELfdYk6fILw4OFzuurSZmdEh9Os2fpEWXUUtfTQNL5F7PlrpN9rdkljhasJ9nvsWZhbIpchA0Cth9lRR5eTdb3rel6IXhXCQ-AbB9f3EKw_TBdmF2hHquZoU_dT3-ksFFIwyxKsLCm1r/s1600/saga+g1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="570" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUELfdYk6fILw4OFzuurSZmdEh9Os2fpEWXUUtfTQNL5F7PlrpN9rdkljhasJ9nvsWZhbIpchA0Cth9lRR5eTdb3rel6IXhXCQ-AbB9f3EKw_TBdmF2hHquZoU_dT3-ksFFIwyxKsLCm1r/s640/saga+g1.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhoJ-2lci-sS9t8C2VWX0o48oGiD7SL-zeqQSGMQqso6VySszzjK2aSDJ4lmiy20IdEtblpu7SREw-7ohS1U5YI7O0AmZHzjms95RKXx8Bl3cEKmPu9d70Yl9zzCesv0AlGJ0SL5d2Ff4V8/s1600/saga+g3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="486" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhoJ-2lci-sS9t8C2VWX0o48oGiD7SL-zeqQSGMQqso6VySszzjK2aSDJ4lmiy20IdEtblpu7SREw-7ohS1U5YI7O0AmZHzjms95RKXx8Bl3cEKmPu9d70Yl9zzCesv0AlGJ0SL5d2Ff4V8/s640/saga+g3.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<span id="goog_801696579"></span><span id="goog_801696580"></span><br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Muita coisa perturbava Maomé. O início de
sua vida fora pleno de tragédias e a morte dos filhos deixara-o sem herdeiros.
Mas além dessas preocupações puramente pessoais, outras questões mais amplas
absorviam-no. Em toda a cidade, nos bazares e santuários de Meca, as antigas
virtudes tribais de honra e generosidade estavam em declínio. Os laços de
lealdade familiar gradualmente davam lugar aos padrões de ganância do comércio.
A cobiça substituía a coragem como ordem do dia. O influxo de riquezas para os
cofres de Meca provocava enormes disparidades entre ricos e pobres, negando os
velhos ideais de liberdade e igualdade. Maomé, com seus anos de luta como primo
órfão e pobre de uma tribo poderosa, conhecia muito bem as indignidades da
cidadania de segunda classe.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Igualmente perturbadora era a maneira
arrogante com que os governantes de Meca estavam usando a Caaba e suas hordas
anuais de peregrinos como fonte de lucro. Com seus 360 ídolos, o santuário
transformara-se num arremedo do verdadeiro sentimento religioso. Com frequência,
seus recintos estavam congestionados com camelôs vendendo bugigangas e
talismãs. Contra esse pano de fundo maculado, vinham do outro lado do deserto
os acordes do monoteísmo de cristãos e judeus, com sua confessada compaixão pelos
humildes e oprimidos. Um grupo de árabes locas, os hanifitas, também abraçou o
conceito de uma divindade única e levava uma vida de abnegação. Talvez se
pudesse encontrar na fé desses árabes um remédio para os males sociais de Meca.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E assim Maomé deixava-se ficar em sua
caverna do deserto, meditando sobre essas questões solenes. Então, numa noite
de 610, durante o mês de ramadã, ele ouviu o tilintar de sinos. Uma voz
incorpórea falou-lhe em tom majestoso — a tradição diria que era a voz do
arcanjo Gabriel. "Recita!" — ordenou a voz. Maomé sentiu como se
fosse agarrado por grandes mãos invisíveis e depois solto. Estava aterrorizado.
"O que devo recitar?" — perguntou. A voz repetiu a ordem: “Em nome de
teu Senhor Criador, que criou a humanidade de um coágulo de sangue, recita!”. Enquanto
a voz continuava a falar da natureza de Alá, Maomé memorizava e recitava tudo
que era dito. Por fim, o anjo retirou-se.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Profundamente perturbado, Maomé disparou
para casa e contou para Cadija o que ocorrera. Ficara louco? Estaria possuído
por um djim maligno? Cadija confortou-o e chamou um primo mais velho,
convertido ao cristianismo e sábio em assuntos religiosos. Não, disse o
cristão, Maomé não ficara louco; ele recebera uma verdadeira revelação,
semelhante à que Deus concedera a Moisés e aos profetas, e devia submeter-se a
ela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Maomé aguardou outras visitas. Durante
vários meses, o anjo reapareceu, tal como fizera na primeira Noite de Poder e
Excelência. (Os futuros muçulmanos comemorariam aquela noite todos os anos,
ficando acordados e orando até o amanhecer.) Gabriel anunciou ser Maomé
"um mensageiro para instruir a humanidade". As mensagens divinas
inundavam Maomé "como o romper da aurora", diria ele mais tarde, e
deixavam-no abalado: "Nunca recebi uma revelação sem pensar que minha alma
me fora arrancada".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A mensagem do anjo seguia quase as mesmas
linhas dos profetas bíblicos de séculos antes. Tratava-se de advertências
terríveis contra a idolatria e da afirmação de um único deus — neste caso,
chamado Alá. A reforma moral desempenhava papel central, com grande ênfase na
caridade aos pobres. Alá aparecia como um vingador justo mas piedoso, pronto
para punir a injustiça, mas perdoando generosamente quem abandonasse o mal e se
submetesse a seus mandamentos. "Glorifica teu Senhor e pede-lhe
perdão", declarava o anjo. "Ele está sempre disposto à clemência".
Em seguida ocorria uma visão poderosa da vida após a morte, que poderia ser no
jardim do Paraíso ou no Inferno abrasador, conforme o caso — e um anúncio do
Dia do Juízo Final, quando se decidiria quem iria para onde: <i>Quando a Terra tremer em sua última
convulsão (...) então quem tiver feito um átomo de bem vê-lo-á, e quem tiver
feito um átomo de mal vê-lo-á também</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim revelou-se um dos princípios básicos
do islã — que em árabe significa "submeter-se à vontade de Deus".
Para o negociante de 40 anos encarregado de difundir esses princípios, a tarefa
deve ter parecido tremenda. Contudo, com a voz do anjo ressoando em seus
ouvidos, Maomé começou a disseminar a palavra de Deus — a princípio em segredo,
falando para pequenos grupos em colinas remotas e residências particulares,
longe dos olhares dos poderosos. Seus primeiros conversos vieram evidentemente
do próprio lar: a esposa, um escravo favorito que libertara e seu primo Ali,
filho de Abu Talib. Um mercador rico e amigo íntimo, Abu Bakr, tornou-se um dos
primeiros seguidores. Maomé atraiu também alguns membros insatisfeitos de clãs
menores e até alguns jovens ambiciosos das famílias mais influentes de Meca que
estavam prontos para uma mudança social. Othman, um rapaz tranquilo de uma
importante família coraixita, teria papel vital na disseminação do islã. O
mesmo aconteceria com o obstinado Omar ibn al-Khattab, recrutado de um ramo
menor coraixita. A mensagem do islã chegou ainda aos estratos mais baixos de
Meca — os escravizados, os pobres, os despossuídos. Em 613, três anos depois de
receber a primeira revelação, Maomé começou a pregar em público.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUyNgXiMEzBJADJeO2EptlzcHoib6rKeVGE8PJTGa1xNLrmIKiYjMkqBbuV4t5fw9i10E-2yUJTTVH4LBSLFJOOMYQQto3JpNMVtEdJkMCj0idWpb-wPLx2C7-43btSiIN6MT5OEgOxwc3/s1600/saga+i1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="182" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUyNgXiMEzBJADJeO2EptlzcHoib6rKeVGE8PJTGa1xNLrmIKiYjMkqBbuV4t5fw9i10E-2yUJTTVH4LBSLFJOOMYQQto3JpNMVtEdJkMCj0idWpb-wPLx2C7-43btSiIN6MT5OEgOxwc3/s640/saga+i1.jpg" width="640" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
À medida que Maomé ganhava seguidores, chamados
muçulmanos (literalmente, aqueles que se rendem), o poder nascente mas crescente
do islã começou a alarmar os governantes aristocratas da cidade. Os decretos do
Profeta contra a idolatria atingiram duramente o sistema de peregrinação à
Caaba, fonte fundamental de riqueza. Sua defesa dos pobres desagradou os ricos.
Uma das propostas islâmicas que achavam particularmente odiosa era a <i>zakat</i>, uma contribuição obrigatória
anual como caridade de 2,5 por cento do excesso de riqueza de uma família —
isto é, de qualquer dinheiro ou posse não necessários para a manutenção da
família.<i> Zakat</i> significava
literalmente "purificar" e essa contribuição anual aos pobres
destinava-se a ajudar um muçulmano na busca da pureza. Os próceres da cidade,
liderados pelo poderoso ramo omíada da tribo coraixita, lançaram primeiro uma
campanha de ridicularização e depois de intimidação violenta. Um dignitário do
próprio clã hachemita de Maomé voltou-se contra ele e alguns de seus seguidores
fugiram para a Etiópia. Mas Maomé ficou e continuou a pregar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A oportunidade veio da cidade de latribe,
num oásis a cerca de 400 quilômetros ao norte de Meca, onde duas tribos árabes
hostis — os Aws e os Khazaraj — estavam sempre brigando entre si ou com os
vários clãs judeus que também viviam na região. Em peregrinações a Meca, árabes
de ambas as tribos ouviram a mensagem de Maomé e converteram-se ao islã. Nos
anos seguintes, esses novos muçulmanos chamaram Maomé para morar na cidade
deles, pois em Meca sua liberdade e sua vida estavam ameaçadas. Em 622, ele
partiu para latribe em companhia do amigo Abu Bakr. Esse êxodo de Meca ficou
conhecido como <i>hijra</i> — literalmente,
"fuga" —, "hégira" em português. O evento marcaria de forma
indelével a fé e o calendário islâmico. Os muçulmanos passaram a contar os anos
a partir daquela data e o oásis ganharia um novo nome: Medina, a cidade do
Profeta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Maomé estava armado de considerável
autoridade moral. Continuou a pregar e converter, mas também trabalhou para
deslindar os nós da política de Medina. Na verdade, suas palavras começaram a
tratar cada vez mais de assuntos mundanos. No islã, não haveria diferenciação
entre as preocupações religiosas e as seculares. Todos os aspectos da vida eram
governados pelas doutrinas da fé. A pregação de Maomé voltou-se para temas
práticos como casamento e divórcio, herança, punição para roubo e outros crimes
e até questões de dieta e higiene pessoal. O Profeta prescrevia regras para o
comportamento doméstico e explicava detalhadamente como deveriam ser as
relações entre seus seguidores e os não-crentes. Todos os seus preceitos eram
apresentados como revelações do Todo Poderoso, embora alguns parecessem
derivados dos costumes tribais. Como profeta e estadista, Maomé era agora
responsável por uma considerável comunidade islâmica e procurava combinar com
habilidade ambos os papéis.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0tATxME0LLhsTNa-t72oP-2q7Tl6R1cF12NBDiqBa3sWIJCeWtBx_tSy6DmizwzIV-zNwvS9nmCTdbmVNdmQqsJXoy6lkAR-pV8SEaSnmVDlfO0V4rgi2wv7eUBVSzy_LIBloALArFx_S/s1600/saga+j1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="176" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0tATxME0LLhsTNa-t72oP-2q7Tl6R1cF12NBDiqBa3sWIJCeWtBx_tSy6DmizwzIV-zNwvS9nmCTdbmVNdmQqsJXoy6lkAR-pV8SEaSnmVDlfO0V4rgi2wv7eUBVSzy_LIBloALArFx_S/s640/saga+j1.jpg" width="640" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seu centro de operações era um conjunto
construído com tijolos de barro no meio do oásis, com uma fileira de cabanas
defronte de um grande pátio murado. As cabanas abrigavam sua crescente família,
pois Cadija morrera durante os últimos anos negros em Meca e o Profeta tomara
várias esposas. Era no pátio, de maneira tipicamente árabe, que Maomé conduzia
seus negócios, julgando disputas, recebendo delegados da cidade e dirigindo-se
aos seguidores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Também no pátio Maomé pregava a mensagem e
seus seguidores memorizavam suas palavras ou inscreviam-nas em pedaços de
pergaminho, folhas de palmeira ou couro — o que estivesse à mão. (Mais tarde,
estudiosos islâmicos recolheriam esses fragmentos orais e escritos para
compilar o Corão, livro sagrado do islã.) Aí também, ao nascer do Sol, ao crepúsculo
e em outros momentos fixados, a comunidade realizava ritos de devoção,
entoando: "Louvado seja Alá, Senhor da Criação, o Piedoso, o
Misericordioso, a Ti somente adoramos e a Ti somente rezamos por ajuda".
Então prostravam-se, à maneira dos judeus, com a cabeça voltada para Jerusalém,
cidade significativa na vida de Abraão e de outros profetas, inclusive Jesus.
Mais tarde, o Profeta transmitiu uma ordem de Alá para que os muçulmanos
orassem na direção da Caaba, o santuário de Abraão em Meca.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Maomé dispunha de poucos meios de sustento
material. A principal atividade do oásis era o cultivo de tamareiras, para o
qual os emigrados de Meca, ex-comerciantes e condutores de caravanas, não
tinham aptidão, sobrevivendo graças a doações dos anfitriões. A autossuficiência
era essencial se o islã quisesse crescer e florescer. Fazia parte da tradição
do deserto que um povo necessitado atacasse alguém para suprir suas exigências
materiais. E os muçulmanos tinham como inimigos naturais seus antigos
perseguidores, os coraixitas de Meca. Os homens de Maomé começaram então a
atacar caravanas coraixitas a caminho da Síria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As primeiras incursões foram um fracasso.
Os muçulmanos, sempre em menor número, não conseguiam interceptar as caravanas,
ou eram facilmente repelidos por forças superiores. Nenhum sangue era derramado
e nenhum butim conquistado. Então, no início de 624, um bando muçulmano atacou
um comboio de camelos perto de Meca, matando um dos membros da escolta. O
carregamento seguinte, uma grande caravana de cerca de setenta mercadores,
transportando 50 mil dinares em mercadorias, deveria passar em breve pelo
caminho entre Gaza e Meca. Todas as principais famílias coraixitas haviam investido
nela. Para garantir a segurança dessa valiosa caravana, reuniram uma força de
950 guerreiros armados; que partiram para o norte a fim de escoltá-la.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O bando de Maomé, composto por cerca de
trezentos homens, escondeu-se em torno de um poço em Badr, vilarejo próximo a
Medina. O lugar foi escolhido com sabedoria. Quando as forças de Meca se
aproximaram do poço, os muçulmanos atacaram, desencadeando uma tempestade de
flechas. Antes, o Profeta baixara um decreto: "Ninguém que lute neste dia
e se comporte com coragem inabalável (...) encontrará a morte sem que Alá o
leve para o Paraíso!" Entusiasmados com essa promessa, os islamitas caíram
sobre os soldados de Meca, pondo-os em fuga. Os vitoriosos logo descobriram
que, infelizmente, a caravana cobiçada escapara por uma rota diferente. Mas a
derrota dos guerreiros coraixitas, valiosa por si mesma, forneceu alguns
despojos: 150 camelos, dez cavalos, numerosos armamentos e vários cativos,
pelos quais pediriam resgate. Maomé ficou com parte do butim para distribuir
entre os necessitados e deu o restante em porções iguais para seus soldados. A
Batalha de Badr deu enorme impulso ao moral e ao prestígio de Maomé e seus
seguidores, sendo vista como um sinal tangível do favor de Deus, um endosso
divino do islã. O Profeta tornou-se uma figura amplamente admirada, mesmo entre
os beduínos que patrulhavam as rotas de comércio do deserto, para os quais não
havia sucesso como a vitória em batalha.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embora uma derrota no ano seguinte para
uma força coraixita nas encostas do monte Uhud tenha custado o prestígio dos
muçulmanos aos olhos dos beduínos, o <i>establishment</i>
de Meca ainda via o poder crescente de Maomé como uma ameaça. Não podiam
permitir que continuassem os ataques a suas caravanas. Assim, na primavera de
627, um exército de 10 mil homens partiu de Meca para Medina, confiante num
triunfo rápido e arrasador. Mas quando chegaram a Medina, logo se decepcionaram.
Maomé, ao saber das novas, mandara cavar um enorme fosso nos pontos vulneráveis
a um ataque de cavalaria — estratagema que, segundo a tradição, fora sugerido
por um converso da Pérsia. Os soldados de Meca tentaram vários assaltos em vão,
no curso das duas semanas seguintes. Por fim, com água e provisões acabando,
voltaram para casa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Batalha do Fosso pode não ter sido um
grande triunfo militar, mas confirmou o status de Maomé como líder a ser
considerado, além de despertar sua má vontade contra o último grupo de judeus
residentes em Medina. Após as batalhas em Badr e Uhud, um dos clãs judeus
locais fora acusado de conspirar com o inimigo. Maomé, acreditando nas
acusações, expulsara as famílias da cidade. Agora, ficara sabendo que o último
clã judeu, chamado Banu Qurayza, colaborara com os clãs de Meca. Os muçulmanos,
numa reação implacável, passaram os homens judeus na espada e venderam as
mulheres e crianças como escravas. Entre muçulmanos e judeus se estabelecia uma
atitude de intensa animosidade mútua que se tornaria um recorrente traço
debilitador da vida e da política no Oriente Médio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com o fiasco de seu exército em Medina, os
senhores de Meca viram seus piores temores se realizarem. As tribos beduínas do
Hedjaz começaram a romper seus laços de fidelidade, preferindo tratar com Maomé.
Os muçulmanos passaram a controlar mais e mais rotas de comércio. Procurando
ganhar força, Maomé negociou uma trégua com os coraixitas que lhe permitiu
peregrinar a Meca.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era a chance que estava esperando. Uma vez
na cidade em que nascera, começou a fazer conversões, inclusive de um dos
líderes militares da cidade. Finalmente, em 630, sentiu-se forte o suficiente
para voltar com tudo. No comando de um exército de 10 mil homens, avançou
contra as portas da cidade. Os líderes coraixitas, intimidados, logo se
renderam. Pouco sangue foi derramado e nenhuma represália tomada. Em massa, os
habitantes de Meca abraçaram a nova religião.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na verdade, a submissão a Alá foi
notavelmente indolor. Maomé dedicou a Caaba ao único deus verdadeiro, Alá, e
limpou o santuário de seus numerosos ídolos. Mas, para alívio dos mercadores de
Meca, as peregrinações continuariam; a <i>hagg</i>
— peregrinação a Meca — tornou-se obrigatória para todos os crentes. As caravanas
voltaram a realizar suas jornadas, agora sob a proteção do islã. O único peso
financeiro para os mercadores era a contribuição legal para os pobres (<i>zakat</i>).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Maomé voltou em triunfo para Medina, sua
capital de adoção. O anterior gotejamento de delegados das tribos do deserto
assumia agora proporções de inundação. Em troca da garantia de independência e
do direito de continuar em sua vida nômade, os beduínos concordavam em prestar
lealdade a Maomé e pagar a <i>zakat</i>.
Aparentemente, a maioria também aceitou o islã. Embora frágil, como se revelaria,
esse pacto era uma realização extraordinária. Pela primeira vez, a maior parte
da Arábia estava unida sob a mesma bandeira, a do islã e de seu carismático
líder. Em uma exortação final, Maomé declarou: "Saibam que cada muçulmano
é irmão do outro muçulmano e que agora sois uma única irmandade".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A missão do Profeta chegara ao fim. Com
mais de 60 anos de idade, foi atingido, por uma doença súbita. Retirou-se para
a cabana de Aisha, sua esposa favorita, e designou o pai dela, seu velho amigo
Abu Bakr, para dirigir os serviços, religiosos em seu lugar. Então, a 8 de
junho de 632, entregou a alma a Alá. A morte de Maomé mergulhou a comunidade
muçulmana numa crise. Embora ninguém o considerasse imortal, também não tinham
previsto sua perda imediata. O islã podia ter jogado uma rede enorme, mas um
único homem segurava as pontas. Todos os editos, todos os atos de governo,
todas as decisões estratégicas haviam sido somente de Maomé. E de acordo com a
versão ortodoxa dos eventos, aceita pela maioria, dos muçulmanos, nenhuma
providência fora tomada quanto ao sucessor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na sociedade árabe tradicional,
escolhiam-se os líderes tribais por consenso. Os mais velhos do clã reuniam-se
e fechavam um acordo pelo qual um deles era nomeado xeque. Mas o islã, pelo
menos em teoria, sobrepunha-se aos clãs. Na confusão do momento, vários grupos
rivais reivindicaram preeminência. Os nativos de Medina formavam um partido e
os primeiros conversos de Meca, outro; ambos afirmavam sua autoridade para
escolher o sucessor do Profeta. Por fim, elegeu-se um candidato de compromisso:
Abu Bakr — meigo, devoto, sábio com a compreensão de seus 60 anos e o primeiro
seguidor de Maomé fora de sua família. Apesar da escolha parecer perfeita, uma
facção não ficou satisfeita. O parente mais próximo de Maomé era seu primo Ali,
que crescera na casa do Profeta, casara com a filha deste, Fátima, e lhe dera
os dois únicos netos. Alguns muçulmanos achavam que Ali, como herdeiro natural
de Maomé, deveria ser o novo chefe de estado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Abu Bakr assumiu o título de califa —
"sucessor". Sua primeira tarefa foi lidar com a defecção em massa de
muitas tribos árabes. Essas tribos sustentavam que deviam lealdade a um líder,
não a uma ideologia, e com a morte do Profeta consideravam-se isentas de
obrigação. Mas qualquer diminuição da influência do islã nesse momento crucial
teria sido desastrosa para os sucessores de Maomé. Assim, o novo califa enviou
seus melhores generais para submeter os desertores. Em 634, após dois anos de
conflito sangrento, a bandeira do islã flutuava triunfalmente em toda a Arábia
e nas regiões fronteiriças da Síria e do Iraque.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse período, Abu Bakr sucumbira à idade
avançada e outro califa assumira o comando: Omar ibn al-Khattab. O mais forte e
mais decidido dos companheiros próximos de Maomé, Omar acreditava que sua
missão era expandir vigorosamente o domínio do islã. Além de disseminar a fé,
uma política expansionista talvez constituísse também uma válvula para os
instintos guerreiros dos beduínos. Em vez de ameaçar Medina ou brigar entre si,
poderiam marchar contra os infiéis, sustentando o princípio islâmico do <i>gihad</i>, a "luta no caminho de
Deus". <i>Gihad</i> implicava, de início,
uma batalha da consciência contra as tentações de Satã. Mas logo assumira
feições militares e heroicas: uma guerra santa contra os incréus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E assim começou a marcha. Liderada por
generais coraixitas — em especial, o magistral Khalid ibn al-Walid, "a Espada
de Alá" — os árabes invadiram a Mesopotâmia, a Palestina e a Síria. Em
635, tomaram Damasco depois de um sítio de seis meses. Quando as forças de
Constantinopla partiram em seu encalço, os muçulmanos desapareceram no deserto
para esperar sua hora. Ela chegou no ano seguinte, no Yarmak, um rio da
Jordânia: 25 mil homens emergiram de uma tempestade de areia e derrotaram o
dobro de soldados de uma força de Bizâncio. O irmão do imperador Teodoro morreu
na batalha. Depois, caíram as cidades sírias de Antióquia e Alepo. Em 637 os
muçulmanos tomaram Jerusalém.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Voltaram-se então para o leste,
atravessando o sul do Iraque e atingindo o coração da Pérsia. Em outra
tempestade de areia, puseram os exércitos persas em debandada na batalha de
al-Qadisiya, em 637. Atravessando o Tigre, tomaram facilmente Ctesifonte, a
capital sassânida. Os guerreiros do deserto fizeram uma pausa para admirar as
maravilhas da metrópole mais suntuosa do Oriente Médio, com palácios repletos
de tapetes e móveis deslumbrantes e depósitos transbordando de ouro. Alguns
árabes jamais haviam visto ouro na vida, não sabiam seu valor e trocaram suas
cotas por volumes iguais de prata. Tomando a cânfora por sal, temperaram a
comida com os cristais medicinais. Retomaram, então, a marcha em direção às
fortalezas do planalto iraniano: Isfahan, Nihavand e Ecbátana, na terra dos
medos; e lstakhr, berço do Império Sassânida. Todas caíram. Em menos de uma
década, os muçulmanos tomaram de roldão todo o território até a fronteira da
Índia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A eficiência feroz dos guerreiros do
deserto e seu fervor islamita contribuíram para essa explosiva campanha de
conquista. Pequenos em número e lépidos na tática, confundiam seus oponentes.
Viviam da terra, não dependendo de linhas de suprimento vulneráveis. Usando o
deserto como refúgio, podiam escolher a hora e o local das batalhas; disparando
ataques nos momentos oportunos e depois recuando para a imensidão arenosa que
desencorajava a perseguição. O pequeno e forte cavalo árabe era sua montaria
nas batalhas. Mas os camelos forneciam sustento e transporte para as longas
distâncias áridas nas campanhas mais longínquas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outra vantagem era o enfraquecimento dos
dois grandes impérios do Oriente Médio. Bizâncio e Pérsia tinham exaurido suas
forças ao longo de séculos de antagonismo e guerra, depauperando suas economias
e pondo à prova a lealdade de seus súditos. Problemas políticos internos
perturbavam os dois impérios e ambos confiavam em estados-tampões árabes para
proteger suas fronteiras do deserto — uma posição pouco segura em face da
cruzada pan-arábica do islã.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E havia também a irresistível atração da
própria religião, cujas exigências básicas eram simples. Havia apenas cinco
requisitos, chamados de Cinco Pilares: reconhecer que Alá era o único deus e
Maomé seu profeta; orar cinco vezes por dia voltado para Meca; jejuar durante o
mês do ramadã; pagar a <i>zakat</i>; e, se
possível, fazer pelo menos uma peregrinação a Meca. As recompensas do islã
também eram atraentes, particularmente para os árabes. Não só se uniriam com
seus irmãos de raça num movimento unificador de grande força espiritual, mas
também compartilhariam das recompensas da vitória. Os códigos simples do islã
ofereciam ainda a libertação do jugo bizantino ou persa. Em consequência, a
expansão do islamismo fez-se tanto por conversão quanto por conquista. Veja-se
o caso dos gassânidas, vassalos árabes de Bizâncio na Síria. Como medida de
economia, o imperador suspendera o subsídio que recebiam para patrulhar as
fronteiras, o que provocara rancor imediato. Além disso, pertenciam a uma seita
cristã, o monofisismo, que fora fortemente censurado por Constantinopla. Assim,
quando as tropas muçulmanas atacaram a Síria, os gassânidas sabiam o que fazer:
mudar de lado e abraçar o islamismo.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiH5QKD7lTfF27_bWl3_WKMBw9QOX176oXlQ5IlMfIfRmEAT2jGRB1SFa-7gFxVzH8R0OqoPb1w31AeJHGiysI_gC7t-ODXFMlhArUYQszYWBZWOw3wkYyNKcjROJTT3KXzv6aF65iHswVL/s1600/saga+m1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiH5QKD7lTfF27_bWl3_WKMBw9QOX176oXlQ5IlMfIfRmEAT2jGRB1SFa-7gFxVzH8R0OqoPb1w31AeJHGiysI_gC7t-ODXFMlhArUYQszYWBZWOw3wkYyNKcjROJTT3KXzv6aF65iHswVL/s640/saga+m1.jpg" width="518" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Desta magnífica sala do trono, parte do palácio islâmico de Khirbat al-Mafjar, no vale do rio Jordão, distribuíam-se favores e anunciavam-se mandatos ao povo da Palestina conquistada. O governante local, ou califa, ocupava a alcova parcialmente coberta por um domo, enquanto os que aguardavam suas decisões sentavam-se em bancos ao longo das paredes da sala principal, iluminada pelas janelas do domo. Boa parte do reboco era pintada para parecer mármore; no mosaico no chão da alcova (<i>detalhe</i>), representando uma árvore e animais, o leão que aparece atacando uma gazela talvez simbolizasse o poder imperial do islã.</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Insatisfação semelhante prevalecia no
Egito, onde os impostos eram pesados, o populacho irrequieto e irrompera uma
disputa teológica entre Constantinopla e o patriarca copta local. Em 639,
quando um general muçulmano atravessou a fronteira, muita gente saudou os
invasores como libertadores. Várias batalhas difíceis foram travadas contra as
guarnições bizantinas; o cerco de Alexandria, a capital, durou um ano, mas em
642 todo o Egito estava em mãos árabes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na maioria dos casos, a mudança para o
domínio muçulmano foi notavelmente suave e indolor. O califa Omar, governando
de uma modesta construção em Medina, revelou-se um administrador sábio e
eficaz. Permitiu que os povos conquistados mantivessem suas próprias leis e
crenças religiosas. Ninguém foi forçado a converter-se ao islamismo. Os
administradores locais continuaram em seus postos, sob a supervisão de um
oficial árabe graduado. Os impostos eram geralmente mais leves do que sob os
regimes imperiais e cumpria-se a justiça à risca. Como observou um nativo da
Síria: "Gostamos muito mais de vosso governo e de vossa justiça do que do
estado de opressão e tirania sob o qual vivíamos".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 644 Omar foi derrubado, no auge de suas
forças. Preparava-se para dirigir as preces matinais na mesquita de Medina,
quando foi assassinado por um escravo persa com uma adaga envenenada. Omar
seria reverenciado como o maior dos primeiros califas. No leito de morte, ele
escolheu seu sucessor: Othman, outro converso antigo, conhecido por sua devoção
e boa índole. Membro do clã omíada, o ramo mais poderoso e aristocrata dos
poderosos coraixitas, recebeu o apoio do <i>establishment</i>
mercantil de Meca. Com ele, o domínio muçulmano expandiu-se ainda mais — para a
Armênia, a Ásia Menor, a Bactriana e outros territórios da Ásia central —, mas
a década das grandes conquistas acabara. E uma transformação sutil começou a
mudar gradualmente o caráter do regime islâmico. Uma imensa riqueza passou a
chegar dos territórios recém-adquiridos e com ela vieram todos os vícios da
corrupção e da vida fácil. Os postos militares deixaram de ser simples conjuntos
de barracas para se tornarem comunidades de alvenaria com mesquitas, bazares e
oficinas de artesãos. Meca e Medina prosperaram. A austeridade do islã começou
a desaparecer. Poucos anos antes, Omar demitira seu melhor general — Khalid, a
Espada de Alá — por ter-se banhado em vinho e contratado poetas para cantar
suas glórias. O próprio Omar dormira em cama de folhas de palmeira e usara à
mesma túnica de lã até desfazer-se em pedaços. Othman, por outro lado, apesar
do temperamento devoto e moderado, aumentou sua já considerável riqueza pessoal
durante seu governo. Também favoreceu parentes com nomeações para cargos
importantes, uma política que irritou os muçulmanos de tribos menores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A insatisfação fervilhava nas guarnições. Os
guerreiros com as espadas embainhadas estavam cada vez mais indóceis e Othman
não tinha a firmeza necessária para controlá-los. Em 655, irrompeu a primeira
revolta, em Cufa, perto de Ctesifonte, atual Iraque. Seguiram-se outros motins.
Uma delegação chegou do Egito exigindo que Othman abdicasse. Diante da recusa
do califa, os emissários egípcios invadiram o palácio, onde o encontraram lendo
o Corão. Abateram-no ali mesmo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse ataque regicida abriu uma ferida no
islã que jamais cicatrizaria. O próximo califa a ser escolhido foi Ali, o primo
do Profeta, que perdera a primeira eleição muitos anos antes. Sua ascensão era
um triunfo para os anti-omíadas e para uma facção dos "legitimistas",
que acreditavam que a direção do islã deveria ficar nas mãos do herdeiro mais
próximo de Maomé. Porém havia muitos que discordavam. O protesto mais alto veio
de Aisha, a viúva do Profeta, que havia muito tempo não se dava com Ali por
questões de família. Ela juntou forças com Talha e Zubayr, dois dignitários de
Meca que tinham seus próprios desígnios para o califado, e os três rumaram para
Basra, no Iraque, onde reuniram um exército e lançaram seu desafio.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZ7ZmA1Gh271fu_obkx6tqxNyySVtns4210CoprZGhQtbVzqx4TUj9a77BVHkzucjkEK-gCevigWHdozVeuEuo2u99WJ0ZNWHIuaGphhectAsZhE7ww286DMgW-s2GTXlPNNimLaA2-IKh/s1600/saga+n1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="556" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZ7ZmA1Gh271fu_obkx6tqxNyySVtns4210CoprZGhQtbVzqx4TUj9a77BVHkzucjkEK-gCevigWHdozVeuEuo2u99WJ0ZNWHIuaGphhectAsZhE7ww286DMgW-s2GTXlPNNimLaA2-IKh/s640/saga+n1.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O longo braço da autoridade muçulmana ia além das terras conquistadas, como registra esta carta escrita sobre papiro, em 758, por Moussa ibn Kab, governador árabe do Egito. Nela, exige que o rei da Núbia honre certos acordos - inclusive a passagem segura para egípcios - e pergunta sobre um mercador que ficara preso naquele país e possivelmente fora assassinado. O detalhe mostra parte da escrita cúfica: "Mande-nos o mercador de Muhammad ibn Zayd e a riqueza que estava com ele, a não ser que tenha sido morto; nesse caso, mande os mil dinares, seu dinheiro mercenário".</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ali não tinha habilidade política, mas não
era covarde. À frente de sua própria força de guerreiros marchou para o Iraque.
Em Cufa, local da primeira revolta e uma cidadela de fervor religioso, levantou
mais reforços. Os dois lados se confrontaram nas cercanias de Basra, e Aisha
assistiu montada em um camelo. Suas esperanças logo se desvaneceram: as forças
de Ali ganharam uma batalha particularmente sangrenta. Os dois principais
rebeldes morreram na luta, junto com outros 13 mil, e Aisha foi mandada em
desgraça para Medina. A Batalha do Camelo foi o primeiro grande choque entre
muçulmanos, estabelecendo um precedente agourento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma ameaça mais séria surgiu em Damasco,
governada por Muawiya, primo do califa omíada assassinado. Muawiya achava que
Ali não se esforçara para levar os assassinos de Othman a julgamento. Clamando
por vingança, fez da camisa manchada de sangue de Othman sua bandeira.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O confronto armado era inevitável e
ocorreu em 657, perto das ruínas da cidade romana de Siffin, junto ao Eufrates.
A princípio, a batalha foi favorável a Ali. Mas Muawiya contava com uma manobra
engenhosa: mandou seus homens prenderem páginas do Corão na ponta de suas
lanças. Então avançaram aos gritos de "Que Deus decida". Nenhum
muçulmano devoto derrubaria o livro de Deus. Houve um pedido de arbitramento e
Ali, contra a vontade, foi obrigado a concordar. Muawiya voltou para Damasco e
Ali retornou para Cufa, que adotara como capital, tendo sofrido uma derrota
moral. Aos poucos, seu prestígio declinou. Um grupo de antigos partidários, os
carijitas, organizou uma revolta que Ali mal conseguiu abafar. Então, em 661,
tombou sob uma adaga carijita.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A morte de Ali marcou o fim de uma era. Os
quatro primeiros sucessores de Maomé, conhecidos pelos cronistas árabes como os
califas "bem guiados", eram homens de profunda devoção e lealdade.
Todos estavam relacionados ao Profeta e destacavam-se entre seus primeiros
conversos. Haviam reinado numa época de mudança e expansão exuberante, quando o
islã ainda era uma flor pura, quando a dedicação a Alá parecia ser o bem
supremo e antes que as alegrias da conquista tivessem se solidificado nas
pesadas estruturas de um domínio imperial. Mas o islã era agora um império, o
maior do mundo, e precisava de um governante que pudesse tomar as rédeas do
poder e manejá-las com habilidade e determinação. Muawiya acreditava que não
havia melhor candidato do que ele próprio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Primeiro a Síria e depois, aos poucos, o
resto do império aclamaram Muawiya como califa. Quando os militantes de Cufa
propuseram o nome de Hasan, filho mais velho de Ali, Muawiya soube exatamente o
que fazer. Diante de uma generosa oferta de renda vitalícia, Hasan renunciou à
candidatura e retirou-se para um harém em Medina, onde, segundo um relato, se
casou com — e divorciou-se de — cerca de noventa beldades árabes antes de
morrer aos 45 anos.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhE8ND3StWihBOgOgfJHdflLEIFY2qTRVVkNdVgdGAtdqXwDhroPM-LLk_1n2ROE_HT7O5poZ5khx6ZEa2GTIwt3NA7TkRIC01-pP9Hy_Wnsa7fAE3vKEewgew0NsdD1-CQkfZtGcHAL7rq/s1600/saga+k1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhE8ND3StWihBOgOgfJHdflLEIFY2qTRVVkNdVgdGAtdqXwDhroPM-LLk_1n2ROE_HT7O5poZ5khx6ZEa2GTIwt3NA7TkRIC01-pP9Hy_Wnsa7fAE3vKEewgew0NsdD1-CQkfZtGcHAL7rq/s640/saga+k1.jpg" width="502" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Estes mosaicos do interior da Grande Mesquita de Damasco, com belos detalhes e cores delicadas, oferecem praticamente um catálogo da arquitetura muçulmana: de palácios ornamentados e prédios públicos com muitas colunas (<i>abaixo</i>) a conjuntos de modestas casas de vilarejos (<i>acima</i>) com suas janelas estreitas características, situadas logo abaixo do telhado. Executados por volta de 706, os mosaicos de Damasco mostram como os artesãos islâmicos absorveram com rapidez e perícia as técnicas artísticas dos países conquistados, em especial as do Império Bizantino, com sua longa tradição na arte dos mosaicos.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVxiCk-yHnarURUV8kFKq3mSexz2MmZm-s1nE1gxerBS5DLHwqHZugPutyKp9aDhs9DqHNkQgMoey48l09qrw8jSeuVRx_-ZJD1l4mq1ATI2IHFCMZWY2a0lT3wmWgDRBDWUi4wD4sUUKm/s1600/saga+k2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><br /><img border="0" height="450" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVxiCk-yHnarURUV8kFKq3mSexz2MmZm-s1nE1gxerBS5DLHwqHZugPutyKp9aDhs9DqHNkQgMoey48l09qrw8jSeuVRx_-ZJD1l4mq1ATI2IHFCMZWY2a0lT3wmWgDRBDWUi4wD4sUUKm/s640/saga+k2.jpg" width="640" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Muawiya fez de Damasco sua capital, onde
os alicerces de sua administração já estavam firmemente implantados. O aparelho
administrativo, herdado dos tempos romanos, mantinha muito da antiga estrutura
imperial. Escribas cristãos ocupavam postos-chaves e realizavam suas tarefas em
grego ou aramaico. O principal secretário do califa era um cristão. Ao lidar
com seus companheiros árabes, cujo senso de superioridade racial ele incensava,
o califa apresentava-se como um xeque tribal, como o primeiro entre iguais. Mas
seu controle sobre o império jamais era contestado, pois era um político magistral.
"Se um único fio de cabelo ligar-me a meu povo, eu não o deixarei
romper-se", dizia o califa; "quando eles puxam, eu afrouxo, e se eles
afrouxam, eu puxo".<o:p></o:p><br />
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era preciso mão firme no Iraque, onde
grupos rebeldes ainda causavam problemas. Para lá, o califa nomeou uma série de
governadores árabes que foram impiedosos em liquidar as dissensões. Em Basra, o
governador, falando da principal mesquita, anunciou um toque de recolher:
"Cuidado com as andanças noturnas; matarei todos que forem encontrados nas
ruas à noite".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Muawiya foi o primeiro de uma linhagem de
califas omíadas que governariam o império durante quase um século. Todos esses
sucessores eram seus descendentes diretos — uma transição para uma norma dinástica
que ele realizou com a simples nomeação de seu filho mais velho para sucedê-lo.
Numa reverência à tradição do deserto, obteve o consenso de seus assessores
árabes e dos chefes tribais, mas estabelecera-se um precedente. A teocracia
eletiva foi substituída pelo processo hereditário de todos os regimes
imperiais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sob os Omíadas, o governo do islã continuou
a seguir a trilha cada vez mais secular iniciada por Muawiya. Meca e Medina
continuaram como centros religiosos, mas o poder mudou-se para a irreversivelmente
mundana e cosmopolita Damasco. Ao mesmo tempo, a convulsão política e cultural deflagrada
pela conquista de nações altamente civilizadas por povos tribais começou a
amainar, dando lugar à ordem social. Os conquistadores árabes, como a casta
guerreira dominante, controlavam o topo da pirâmide social. Um estipêndio
governamental supria parte de suas necessidades materiais. Muitos adquiriram
latifúndios, apesar de uma antiga proibição à posse de propriedades fora da
Arábia. Muitos ainda lucravam com as caravanas comerciais. A única obrigação
financeira era o pagamento da <i>zakat</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas surgiu um problema com o número
crescente de súditos estrangeiros que se convertiam ao islã. O número de
não-árabes que abraçava a nova fé logo se tornou maior que o de árabes, que
assim se viram numa situação embaraçosa. Maomé havia dirigido sua mensagem para
seus companheiros árabes; contudo, também decretara que todos os crentes
deveriam ser tratados como irmãos. Como poderia um árabe ter um irmão
não-árabe? E como poderia um muçulmano árabe manter seu status elevado se teria
de compartilhá-lo com todo mundo? Havia também uma complicação financeira:
enquanto os muçulmanos pagavam a <i>zakat</i>,
os não-muçulmanos estavam sujeitos a tributos mais pesados, inclusive um
imposto por indivíduo e taxações sobre a propriedade que forneciam a maior
parte dos fundos do estado. Muitas conversões ocorreram na esperança de escapar
desses tributos, mas sem eles o estado iria à falência. E assim novos impostos
sobre a terra foram introduzidos sem levar em consideração se o proprietário
era árabe ou não, muçulmano ou incréu. Os<i>
mawalis</i>, muçulmanos não-árabes, permaneceram cidadãos de segunda classe.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bem abaixo na pirâmide social estavam os
judeus e cristãos — o "Povo do Livro", como os designava o Corão.
Gozavam de completa liberdade religiosa e, ao pagar o imposto individual,
ganhavam isenção do serviço militar — benefício mais tarde estendido aos
zoroastristas monoteístas da Pérsia. O povo do deserto só podia se maravilhar
com a sofisticação cultural desses três grupos, que tendiam a ocupar as
fileiras da administração governamental, mas que eram socialmente inferiores
aos árabes. Na base da pirâmide estavam os escravos — gregos, turcos, armênios,
berberes e africanos negros — capturados nas conquistas, geralmente vendidos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com o tempo, os governantes de Damasco e
seus representantes nas capitais orientais começaram a adquirir o polimento
urbano de seus súditos. Em 696, o califa Abd al-Malik decretou o árabe como
língua oficial do império e substituiu as antigas moedas correntes bizantinas e
sassânidas por novas moedas árabes, estampadas com inscrições islâmicas. Uma
cultura distinta começou a tomar forma, misturando a augusta herança de Roma e
da Pérsia com as lições do Profeta e as cadências ressoantes da língua arábica.
Apesar de todo o orgulho racial, os árabes tinham grande respeito pelas
realizações das civilizações passadas, pela erudição e, em particular, pela
palavra escrita. Escribas começaram a estudar as obras dos antigos, inclusive a
ciência e a matemática dos gregos. A tradução para o árabe desses textos meio
esquecidos levou a um renascimento intelectual que moldaria o pensamento árabe
ao longo dos séculos — e preservaria uma herança ameaçada de desaparecer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sob os Omíadas, uma nova onda de
conquistas foi deflagrada, estendendo o império a sua dimensão máxima. Muawiya
principiou por avanços no norte da África e no leste da Pérsia, mas seu
verdadeiro objetivo era Bizâncio. Mobilizando a primeira marinha do islã,
limpou o Mediterrâneo dos navios bizantinos e assediou por duas vezes
Constantinopla. Seus sucessores, após alguns anos de consolidação, retomaram a
campanha. Penetraram no Turquestão, capturando Bukhara e Samarcanda, e
atravessaram o Afeganistão até a fronteira da China e o vale do Indo. Outros
exércitos avançaram pelo norte da África até o estreito de Gibraltar. Em 711, espalharam-se
pela Espanha e atravessaram os Pireneus, penetrando na França. Chegaram até 160
quilômetros de Paris, antes que o soberano franco Carlos Martel os derrotasse
na Batalha de Tours, em 732.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCymDAjq0Rkhe371bm7jkTF3PtPW9xvyFQWLszCE_bNbOA_BUqRfU0CFWiCeSgtVP6rwiPW1z-eQ1WV35lEEyEllAUonyicwWylNRNGc2WjChkPR1b4_w4De1hUoJNGwe0tjn-LKIX8o-j/s1600/saga+l1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="628" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCymDAjq0Rkhe371bm7jkTF3PtPW9xvyFQWLszCE_bNbOA_BUqRfU0CFWiCeSgtVP6rwiPW1z-eQ1WV35lEEyEllAUonyicwWylNRNGc2WjChkPR1b4_w4De1hUoJNGwe0tjn-LKIX8o-j/s640/saga+l1.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Frondes abstratas decoram este prato de barro esmaltado feito na Mesopotâmia muçulmana, no século IX. Os artesãos árabes aprenderam a técnica do barro esmaltado no Egito - e obtiveram progressos com ela. Os egípcios faziam objetos de vidro com superfícies brilhantes aplicando pigmentos que continham compostos metálicos e depois queimando-os no forno, de tal forma que os metais se transformavam em óxidos polidos. Os artesãos islâmicos usaram o processo para decorar cerâmica. A frase em árabe na borda do prato reproduz votos de "boa sorte para o dono".</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar desses
triunfos no exterior, os Omíadas enfrentavam levantes dentro de seus domínios.
As velhas facções dissidentes que reivindicavam o califado nunca se acalmavam.
Um dos desafios mais sérios ao domínio omíada veio de Meca, lançado por Abdulla
ibn al-Zubayr, filho de Zubayr, que se unira à viúva Aisha e morrera na Batalha
do Camelo. Em 683, durante um breve interregno em Damasco, Abdulla reivindicou
o califado. Combinando força e diplomacia, ganhou o apoio de importantes
líderes muçulmanos e começou a atiçar as brasas da revolta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por fim, chegou ao poder um omíada forte o
suficiente para lidar com Abdulla: Abd al-Malik, o califa que construiria a
Cúpula da Rocha em Jerusalém e lançaria a nova moeda islâmica. Sua solução foi
um assalto a Meca. Para essa missão enviou seu general mais feroz, que devastou
a cidade sagrada. Mísseis de pedra caíram no centro religioso. A Caaba pegou
fogo e o meteorito sagrado rachou, mas a rebelião foi debelada e Abdulla
esquecido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Porém o caldeirão de ressentimentos
continuava a ferver, estimulado pelas iniquidades econômicas e sociais e pelos
métodos cada vez mais ditatoriais dos governantes omíadas. Um foco perpétuo de
descontentamento era o Iraque, onde ainda havia muita simpatia pelas pretensões
de Ali, o último dos califas "bem guiados". Em 680, Husayn, segundo
filho de Ali e único neto vivo do Profeta, atravessava o deserto com um pequeno
bando de partidários, para unir-se aos rebeldes do Iraque, quando foi
surpreendido em Karbala por uma força governamental muito maior, a qual, ante a
recusa de rendição, abateu até o último homem. A cabeça de Husayn foi mandada
como troféu para Damasco. A insatisfação com o regime era crescente e o
incidente tornou-se um símbolo de oposição heroica. Surgiu um movimento
político chamado Xiat Ali — o Partido de Ali — , dedicado a restaurar a
linhagem de Ali. Células xiitas irromperam em todo o Império Muçulmano, em
especial nas províncias orientais, e o local do massacre tornou-se um
santuário. (Os xiitas viriam a ser uma das duas seitas primárias do islã, menor
apenas que a dos sunitas, nome dado mais tarde aos muçulmanos ortodoxos que
consideravam os primeiros quatro califas como sucessores legítimos do Profeta.)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outros grupos de oposição botaram lenha na
fogueira revolucionária. Os carijitas, agora seguidores de Ali, continuavam a
espalhar anarquia e confusão. Numeroso contingente de <i>mawalis</i> — os convertidos não-árabes — procurava maneiras de
protestar contra seu status inferior; muitos deles se uniram às seitas xiitas
que proliferavam. Nativos árabes de tribos menores, que não estavam
participando da riqueza e do poder acumulados pelos bem-nascidos, murmuravam
seu descontentamento. E muçulmanos devotos de toda parte levantavam os olhos do
Corão e exigiam mudanças. Por fim, a mudança acabou vindo de uma aliança de
conveniência entre todos esses dissidentes. No extremo leste do império, na
província persa de Khura-san, uma família árabe descendente de Abu al-Abbas,
tio do Profeta, começou a unir as forças da revolta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Pérsia oriental, tal como o Iraque,
sempre fora particularmente irrequieta sob o domínio dos Omíadas. Os
conquistadores árabes haviam-se casado com a aristocracia sassânida local e se
adaptado muito bem às maneiras e tradições persas. Os<i> mawalis</i> tinham grande influência no governo e nos círculos
intelectuais da região, que era um foco xiita. Assim, quando os Abássidas, na
tradição dos califas "bem guiados", e de defensores do islamismo,
ergueram a bandeira negra da revolução, ganharam o apoio de todo o mundo
muçulmano oriental.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os Abássidas depuseram o governante
legalista de Khurasan em 747 e logo conquistaram o controle do planalto
iraniano. Então, sob o comando do ex-escravo persa Abu, iniciaram sua marcha triunfal
para oeste. Em 749, entraram em Cufa sob aclamação popular. Abu al-Abbas,
chamado al-Saffah — o Derramador de Sangue —, tornou-se o primeiro califa
abássida e foi acumulando vitórias. A última resistência legalista desabou na
Batalha do Grande Zab, um afluente do Tigre, em 750. Al-Saffah celebrou com a
decapitação dos Omíadas sobreviventes. Só escapou um dos membros dessa
dinastia, Abd al-Rahman, que fugiu para a Espanha e estabeleceu uma corte em
Córdoba, que brilharia nos séculos seguintes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No comando de grande parte do mundo
muçulmano, os Abássidas começaram a construir um estado real islâmico que
sobrepujaria seus predecessores em extravagância e em poder autocrático. A
dinastia instalou sua capital em Bagdá, uma pequena vila sassânida um pouco
acima das ruínas da esplendorosa Ctesifonte. Abu Jafar al-Mansur, sucessor de
al-Saffah, iniciou a construção em 762, visando a defesa militar. As três
muralhas concêntricas de Bagdá erguiam-se 27 metros acima da planície
circundante e tinham quatro portões majestosos. O palácio ficava no centro, com
o domo verde de sua câmara de audiências a 40 metros de altura. Ao lado
erguia-se uma mesquita imponente e, em torno de ambos, os alojamentos do exército,
as repartições do governo e a moradia dos altos funcionários.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8K7Mo11xcl8SMBq6PR9ha2o8aIlfEm_1Q932KvhlSBkQ9DEO5Pv7X1l4Q1tu0aZuRe-PHbyzUISP38UfQlpiXAgkVVvHOD4dyjpIWe6j5jqrA3-HoXEN-5T5H2mAAgTeb3bhqDGyjHicV/s1600/saga+o1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8K7Mo11xcl8SMBq6PR9ha2o8aIlfEm_1Q932KvhlSBkQ9DEO5Pv7X1l4Q1tu0aZuRe-PHbyzUISP38UfQlpiXAgkVVvHOD4dyjpIWe6j5jqrA3-HoXEN-5T5H2mAAgTeb3bhqDGyjHicV/s640/saga+o1.jpg" width="439" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse enclave, os califas abássidas
mantinham uma corte mais parecida com a Pérsia imperial do que com a Arábia
tribal. Assumiam títulos extravagantes, tais como "Sombra de Deus sobre a Terra".
Alguns funcionários construíram quintas luxuosas às margens do Tigre, onde
bebiam vinhos persas, mantinham amantes persas e divertiam-se com os encantos
suaves de escravas perfumadas que cantavam canções persas. Contudo, os
Abássidas também deram apoio enérgico às instituições islâmicas. Construíram
mesquitas em todo o império, escolas para estudar o Corão e hospitais; além de
expandirem o jardim em torno da Caaba e estabelecerem postos de guarda e poços
ao longo das rotas de peregrinação.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com os Abássidas o império prosperou como
nunca. Bagdá tornou-se o centro de um vasto empreendimento comercial. Caravanas
e navios traziam ouro da Núbia, tecidos do Egito, tapetes da Armênia, rubis da
Índia e especiarias das Índias Orientais. Da China vinham faisões e cavalos;
feltro, seda e brocados; ruibarbo e drogas; escravas, engenheiros hidráulicos e
eunucos. Escandinávia e Rússia forneciam cera, âmbar e peles de raposa, castor
e arminho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O despertar intelectual que se iniciara em
Damasco floresceu com a ajuda da introdução do papel e da tinta vindos da
China. Fundou-se uma escola de medicina em Bagdá. Estudiosos analisaram
cuidadosamente o Corão, compilando um corpo de leis chamado Sharia. Alguns
poetas começaram a produzir uma lírica nova, mesclando os temas Sensuais do
Oriente com as nuanças vibrantes do árabe, enquanto outros voltavam à prosa
rimada da tradição heroica tribal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O poder e a energia criativa abássidas
atingiram seu ponto mais alto durante o reinado de Harun al-Rashid, que se
iniciou em 786 e acompanhou a virada do século. Mas então novas turbulências
começavam e novas vozes dissidentes exigiam atenção. Em breve, líderes rivais
chegariam ao poder em províncias distantes e as bordas do império começariam a
se desfazer em pedaços. Os sucessores de Harun teriam grande dificuldade de
manter sua supremacia sob a bandeira do islã.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
A SAGA DO PROFETA é o primeiro capítulo do livro A MARCHA DO ISLÃ.</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
Os demais capítulos são: A FACE CAMBIANTE DA EUROPA; NASCEM IMPÉRIOS NO ORIENTE e O REINO DO SOL NASCENTE.</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
A MARCHA DO ISLÃ é parte integrante da coleção HISTÓRIA EM REVISTA.</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span lang="EN-US">Original Edition: Copyright 1988 – TIME-LIFE Books B.V.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
Authorized Portuguese Edition: Copyright 1990 – ABRIL LIVROS Ltda.</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
Tradução e adaptação para a língua portuguesa:</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
PEDRO PAULO POPPOVIC Consultores Editoriais S/C Ltda.</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
Tradução: PEDRO MAIA SOARES</div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-15201802933471647142016-02-14T22:21:00.002-03:002016-08-27T19:21:18.634-03:00AS AVENTURAS DO CANOA DOIDA<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alexandre Francisco Cerbelon Verdeixa,
alcunhado o Canoa Doida, deixou fama imperecível na crônica antiga do Ceará.
João Brígido, seu primeiro biógrafo, diz que se não sabe ao certo o local de
seu nascimento: Rio do Peixe, na Paraíba, Goiana, em Pernambuco, ou Crato, no
Ceará. Inclina-se a considerá-lo pernambucano. Afirma que, desde pequeno, se
assinalou pelas travessuras maldosas no gênero das do lendário Pedro
Malasartes. Não conheceu o pai. A mãe, D. Feliciana, cavilosa e piedosa,
oscilava entre "as asneiras do marido e as diabruras do filho",
casada em segundas núpcias com um professor de latim, boêmio e piegas, Joaquim
Teotônio Sobreira. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1824, Verdeixa passou das traquinadas
da infância às aventuras da adolescência, alistando-se nas forças republicanas
da Revolução de 1824 que, sob o comando de José Pereira Filgueiras e Tristão
Gonçalves de Alencar, ocuparam a vila cearense de Jardim, "tomando parte
no massacre dos presos e na roda de pau que se lhes aplicou, dando de cacete,
com as duas mãos, em muitos pacientes, até caírem inanimados". Após a
derrota dos rebeldes, passou-se para os legalistas do coronel Agostinho José
Tomás de Aquino. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante seis anos, de 1824 a 1830, cursou
o seminário de Olinda, ordenando-se em 1831 e sendo logo nomeado vigário de
Lavras, no sul do Ceará. Como e por que se decidiu a seguir a carreira
eclesiástica, quando até então não denotara a menor propensão para ela e os
pendores naturais do seu espírito o inclinavam a outros rumos, é coisa que
jamais se conseguiu saber. Que se poderia esperar dum sacerdote, sem vocação
formal e sem preparação adequada, solto num meio agitado como a região do
Cariri naquele tempo? Teceu ali uma "enredada diabólica",
malquistando o coronel Agostinho com Pinto Madeira, o infeliz rebelde de 1832, satirizou
o perverso advogado Simplício José da Rocha, levou à ruína o juiz leigo Antônio
da Rocha Moura, desancou em versos o famigerado João André Teixeira Mendes, o
Canela Preta, e até nos casamentos que celebrava ofendia os noivos com
pilhérias indignas do seu sagrado ministério. Daí o ódio que o cercou e o
obrigava a viver sempre de sobreaviso, ocultando-se ou fugindo. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Teve de deixar o sertão e vir para
Fortaleza, onde se tornou logo inimigo do presidente da província, o padre e o
senador Martiniano de Alencar. Enganou os pobres índios mansos que ainda viviam
na povoação de Arronches ou Parangaba, fazendo-os assinar uma representação em
termos tais que levou à cadeia. Blaterava por toda parte contra o presidente
Alencar e, caçado pela Polícia, refugiou-se na casa do negociante português
Martinho Borges, onde demorou o tempo que quis, obrigando-o a tratá-lo a vela
de libra sob a ameaça de denunciar-se às autoridades, o que acarretaria os
piores aborrecimentos no seu hospedeiro, verdadeira chantagem. Ia a cavalo
insultar Alencar debaixo das janelas do palácio do governo, gritando-lhe a
alcunha - Padre Cobra! E fugindo imediatamente a galope. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Juiz de paz em Baturité, praticou as
maiores arbitrariedades. Quando o quiseram prender, escondeu-se num buraco
coberto por uma tábua sobre a qual sua mãe placidamente fazia renda, trocando
os bilros na almofada. Mal os beleguins, que o não tinham encontrado, se
distanciavam, insultava-os duma janela. Voltavam, davam busca na moradia e
nada. Ele estava no buraco sob as saias rodadas de D. Feliciana. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Envolvido numa tentativa de morte contra o
presidente brigadeiro José Joaquim Coelho, mais tarde barão da Vitória,
defendeu-se pessoalmente no júri a que o submeteram, encalacrando seu
companheiro, o velho capitão-mor Barbosa. Quando este lhe perguntou porque lhe
fizera tanto mal, respondeu que, se ele fosse solto, passaria fome na cadeia,
porquanto até ali vinha comendo do que a família do respeitável ancião mandava.
Corria que tinha o dom da presciência, avisando as pessoas dos desastres iminentes
que as ameaçavam e adivinhando a chegada das patrulhas que o procuravam. Ia se
tornando aos poucos um personagem lendário. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tantas fez que se viu forçado a procurar
outros ares. Embarcou para o Sul e conseguiu a nomeação de vigário de
Carapebus, na província do Rio de Janeiro. Ali "amotinou contra si todos
os espíritos", de forma tal que o amarraram às costas dum cavalo e o levaram
até fora dos limites da paróquia. Encontrando um conhecido no caminho,
disse-lhe que aquela boa gente o amava tanto que o levava daquele jeito para
que não fugisse aos seus carinhos... <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era uma alma feita de violentos
contrastes, ora de energúmeno, ora cheia de "doçura angélica". Suas
aventuras foram sempre, no fundo, traquinadas ou molecagens. Parece que não
deixou de ser criança. Não falam os seus cronistas de eventos amorosos na sua
vida agitada e inquieta, em que as paixões políticas do momento predominam.
Contudo, sabe-se que deixou dois filhos e duas filhas. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1848, de novo no Ceará, redige o
"Juiz do Povo", panfleto à maneira do "Père Duchêne", de
Herbert, na Revolução Francesa, mal escrito e atrevido, que atacava tudo e
todos em prosa e verso. Vigário de Soure, a antiga Caucaia, ali lhe imputaram
crimes de morte. Preso em Pacatuba por escrever libelos anônimos, foi mandado
sob escolta para Fortaleza. No caminho, convenceu aos soldados que o deviam
amarrar para não fugir. Assim o fizeram e, ao entrar na cidade, o povo, vendo
um sacerdote ajoujado e lacrimoso, encheu-se de indignação, atacou a guarda e o
libertou. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Deputado provincial nas legislaturas de
1848 e 1868, apesar dos 20 anos que as separam, em ambas nada mais fez senão
pilhérias, travessuras e meter os colegas em ridículo. De Fortaleza saía para
as vilas próximas - Maranguape, Pacatuba e Baturité, onde pintava o sete.
Irrequieto e andejo, acabou mudando-se para o Aracati, de onde regressou
moribundo à capital da província, embarcando num pequeno veleiro. Morreu, pouco
depois de desembarcado, na Santa Casa de Misericórdia, segurando nas mãos hirtas
um pacote com 400 mil réis, pelos quais vendera um velho escravo que o servia.
Fora, na verdade um canoa doida, levada aos trambolhos pelo rio da vida, figura
curiosa do nosso passado a desafiar um estudo psicológico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_oBqnVSKvuxEQhHQ2Hh-aURdbr5AIwEJB-tqRqzQcJvZnLVWvUd4o1nh1w_sZu5xxkRftcp6YeCyYny2wzXuhSM2GVsn2j3_nXVQ2bWqlsNHSNP7rb4MW6M4UcDA_9tx2yqwTNkj0xlJ3/s1600/%25C3%2580+margem+da+hist%25C3%25B3ria+do+Cear%25C3%25A1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_oBqnVSKvuxEQhHQ2Hh-aURdbr5AIwEJB-tqRqzQcJvZnLVWvUd4o1nh1w_sZu5xxkRftcp6YeCyYny2wzXuhSM2GVsn2j3_nXVQ2bWqlsNHSNP7rb4MW6M4UcDA_9tx2yqwTNkj0xlJ3/s640/%25C3%2580+margem+da+hist%25C3%25B3ria+do+Cear%25C3%25A1.jpg" width="422" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: "arial" , "tahoma" , "helvetica" , "freesans" , sans-serif; font-size: 9pt; line-height: 13px;">- Gustavo Barroso em À MARGEM DA HISTÓRIA DO CEARÁ, editado em 1962 pela UFC, tendo sua segunda edição, em 2004, de onde foi copiado este capítulo, sob os auspícios da FUNCET-PMF.</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: "arial" , "tahoma" , "helvetica" , "freesans" , sans-serif; font-size: 9pt; line-height: 13px;"><br /><br /><b>Gustavo Dodt Barroso</b>, que nasceu em Fortaleza em 1888, foi advogado, político, contista, museólogo, folclorista, ensaísta, cronista, arqueólogo, memorialista e romancista. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi o criador do Museu Histórico Nacional, em 1922, por ocasião das comemorações do Centenário da Independência, iniciativa do então presidente Epitácio Pessoa, tendo dirigido a instituição desde a fundação até a sua morte, em 1959.</span></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-45498566259408073112015-10-03T12:08:00.001-03:002015-10-03T12:17:57.800-03:00SÃO FRANCISCO DE ASSIS<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-large;">SÃO FRANCISCO</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-large;"> 1182-1226</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgtFl6Wy9AT7DnBnBmtSLeJbPTytP02ivypZ3q9TtmxY4bREL3AryUnw403_n7XuSqFAxDPRRZtLHuldS-MVvqF-5mLcvA1_C5v3CK7YIKDShiIzM8RSBaileDA6LT3u83mMVmdMZCFtPp7/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+01aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgtFl6Wy9AT7DnBnBmtSLeJbPTytP02ivypZ3q9TtmxY4bREL3AryUnw403_n7XuSqFAxDPRRZtLHuldS-MVvqF-5mLcvA1_C5v3CK7YIKDShiIzM8RSBaileDA6LT3u83mMVmdMZCFtPp7/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+01aa.jpg" width="440" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O jovem "rei das festas" abandonou os prazeres do mundo pela vida religiosa. Ao morrer, tinha seguidores que se incumbiriam de disseminar por todo o mundo a ordem que fundara. (À morte, São Francisco abençoa Assis. Tela de C. Sermei, Pinacoteca de Assis.<br />
<br />
<span style="font-size: x-small;"> <span style="text-align: justify;"> </span></span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pedro amarra o cavalo e enxuga a testa com um lenço. A viagem fora longa, mas proveitosa. Já pode até imaginar a fortuna que ganhará com o carregamento de tecidos franceses. Ainda está descarregando, quando sua mulher, Joana, aparece à janela. <br />
— Corra aqui! — diz ela. — Venha ver o
presente que ganhamos! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sem imaginar o que seja, o mercador
atravessa o pátio da casa, entra no salão e se precipita para abraçar a mulher,
que há tanto tempo não via. Mas ela tem uma criança nos braços: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Não é verdade! — exclama Pedro, surpreso.
— Já nasceu? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Pois nasceu, e há umas boas semanas —
explica Joana. — Dei ao garoto o nome de João.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pedro está feliz. Só não gosta do nome. O
filho de um abastado comerciante italiano deve ter um nome diferente, invulgar.
Como não há nesta época o registro, ainda está em tempo de mudar. E por que não
Francisco? É um nome estrangeiro, de França, e bem adaptado a um futuro
mercador, destinado a viver, como o pai, dos tecidos chegados desse país. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pedro Bernardone Maricone é um dos comerciantes
mais ricos e conceituados de Assis. Suas mercadorias — tafetás, veludos, sedas
finas importadas de França, da Normandia, do país de Flandres —, expostas na
praça central da cidade, atraem damas e cavaleiros elegantes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Passam-se alguns anos. Atrás do balcão, um
menino sorri para os clientes e os observa com curiosidade. Esta é a sua
escola, e seu pai o professor. A principal e única matéria do curso é o
mecanismo dos negócios: os tipos de tecidos, o preço de compra e venda, o
lucro, como convencer e regatear com os fregueses. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco é mandado à escola episcopal.
Deve aprender a ler e escrever, mas principalmente a contar. Quando já sabe o
suficiente para o comércio, é retirado da escola pelo pai e nomeado vendedor
adjunto. Não se pode perder tempo, há algo mais importante a fazer — ganhar
muito dinheiro, e depressa. É quase uma obsessão coletiva da época essa
necessidade de enriquecer em pouco tempo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>AMAI O DINHEIRO, SE POSSÍVEL <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesses últimos anos do século XII, o
comércio estava em extraordinária expansão na Itália. A era das Cruzadas
chegava ao termo e, com a conquista do Oriente "bárbaro" pelos cristãos,
havia uma infinidade de riquezas a serem transportadas para a Europa. Os
italianos eram os intermediários ideais, pois estavam a meio caminho entre a
Europa ocidental e o Oriente Médio. Os portos de Veneza e Gênova tornaram-se
rapidamente os grandes centros do comércio mundial. Dos campos vizinhos acorriam
às cidades os lavradores livres e os servos, esperando fazer fortuna em pouco tempo.
Nem todos, é claro, atingiam essa meta, pois a concorrência era das mais
intensas. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3JbmS6nF8YWFaZPdx2OfmgR_dg_lyVUc9OKYBce6wZ6prvk1Z2bZAq7WCjdwmOginLLtSJYtyUtx4sc2I6xc0AlzLlROQyptviWGvkvQd_q0El78pGAlxOR5odlAUGaJ8XUeaMxmFrCkA/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+1ab.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3JbmS6nF8YWFaZPdx2OfmgR_dg_lyVUc9OKYBce6wZ6prvk1Z2bZAq7WCjdwmOginLLtSJYtyUtx4sc2I6xc0AlzLlROQyptviWGvkvQd_q0El78pGAlxOR5odlAUGaJ8XUeaMxmFrCkA/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+1ab.jpg" width="464" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Francisco ajudou o pai, na banca de tecidos; mas viver atrás de um balcão não era trabalho que o atraísse. (A Praça do Mercado, afrêsco de Lorenzetti)</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma classe de mercadores ricos formara-se
desde cedo, monopolizando a parte mais lucrativa do grande comércio. Em torno deste,
girava toda uma série de atividades, exercidas por mercadores ambulantes,
marinheiros, artesãos, carregadores. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cada uma das cidades rivalizava com as
demais na conquista dos mercados. Os ricos negociantes de Gênova e de outras
cidades orgulhavam-se dos palácios que mandavam construir. As magníficas
mansões onde moravam e instalavam as companhias de comércio simbolizavam o
poder desses comerciantes. Como também as igrejas e os monumentos que encomendavam
aos melhores artistas da época. Não se admitia nenhuma interferência externa
nos assuntos de cada cidade. Apenas a burguesia local — isto é, os mercadores —
se achava no direito de governar. Eram, portanto, verdadeiras repúblicas
independentes, frequentemente em guerra umas com as outras. Nem os soberanos,
nem o papa, tinham força suficiente para enfrentar essas cidades comerciais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>QUANDO OS MERCADORES PERDEM A PACIÊNCIA <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assis não era um grande centro, mas tinha
seus belos prédios burgueses, num dos quais morava a família Bernardone.
Rodeada de fortes muralhas e repleta de torres e campanários, a cidade se
localizava nas encostas de uma montanha. Situação estratégica, para dificultar
o acesso de inimigos e facilitar a defesa. No ponto mais alto ficava a Roca,
imponente fortaleza, onde morava o Duque de Spoleto. Vivia lá em cima, isolado
de tudo e de todos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse nobre era homem de poucos amigos.
Recebera o ducado das mãos de Henrique VI, soberano germânico, filho do
poderoso Barba Ruiva. O Sacro Império Germânico estendera sua dominação até o
Mediterrâneo: toda a região da Umbria atual, onde se achavam o ducado de Spoleto
e as cidades de Assis, Perúsia e muitas outras, estava sob seu controle. O papa
não via essa dominação com bons olhos, mas, não podendo a ela se opor,
acomodou-se com o Império. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os mercadores, contudo, não toleravam a
ocupação. Ao invés de favorecer o comércio, o Duque de Spoleto preferia
apoiar-se na velha nobreza feudal. Parecia mais preocupado em se defender do
povo de Assis que em defender a cidade das suas concorrentes. Qualquer
incidente era pretexto explorado pelo duque para aplicar represálias contra os
mercadores e lançar seus homens contra a população. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Numa manhã de setembro do ano de 1197, os
mensageiros penetram na praça de Assis, trazendo uma notícia importante:
Henrique VI morrera. Seu filho tinha apenas dois anos e vários nobres
disputavam o trono — que ficaria sem ocupante até que a situação se decidisse.
Era a oportunidade tão esperada por todos para se livrarem do déspota: sem a
proteção do imperador germânico, que poder tinha o Duque de Spoleto? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Ao castelo! — grita um mercador
inflamado, subindo em sua banca. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Abaixo o duque! — respondem outros
oradores, surgidos espontaneamente no meio do povo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Começa então uma corrida desenfreada. É
preciso pegar tudo que possa servir de arma, pois as verdadeiras armas estão em
poder do duque. Em pouco tempo, o povo rodeia a fortaleza. Com o auxílio de
machados, foices e facas os mais corajosos já se lançam contra os soldados.
Apavorada diante da massa humana, a guarnição começa a recuar. Sentindo sua força,
a multidão salta os muros e invade a fortaleza. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os
soldados do duque são massacrados até o último homem; o próprio forte da Roca é
totalmente destruído. O ódio é terrível. Nenhuma pedra deve ficar de pé onde esteve
o tirano. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>PRIMEIROS COMBATES OU PRIMEIROS JOGOS? <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco tinha então dezesseis anos e
muito provavelmente participou dessa luta. Os comerciantes estavam na primeira
linha do combate — eram os que mais detestavam o duque. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A revolta ganhara toda a província e
chegara mesmo à ilha de Sicília. Os castelos de Montemoro, Bassano e muitos
outros caíram em poder dos insurretos. Os proprietários nobres haviam recebido
do imperador um privilégio que irritava extremamente os mercadores: cobrar
pedágio de tudo o que atravessasse o domínio. Era um imposto completamente
injustificado, aos olhos dos negociantes. "Só serve para entravar o
comércio e enriquecer essa classe de parasitas", diziam eles. Mas a hora
da desforra finalmente chegara. Em toda parte, as forças do Império e da
nobreza sofrem pesadas baixas e são obrigadas a bater em retirada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse intervalo, novo papa subira ao trono
de São Pedro: Inocêncio III, dinâmico prelado de apenas 37 anos. Também a Santa
Sé quer tirar vantagem do súbito enfraquecimento do Império. "Sem derramar
uma gota do nosso sangue, poderemos estender o domínio papal a todas as terras
controladas até agora pelo imperador", diz Inocêncio a seus mais diretos assessores.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2Z8-yTp_JMTmsL_U6u-txGl4LK3DTcGerroCrG-mjT_fMMM5AcBgTMid6ngbWMibL-ESkRcoEvXTcNbJjr7BNrJBsBUi3DXKakIEREjwgl4DRcO23LLFeBAIjwkfrvKNGtcWEM1oA5DAs/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+03aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2Z8-yTp_JMTmsL_U6u-txGl4LK3DTcGerroCrG-mjT_fMMM5AcBgTMid6ngbWMibL-ESkRcoEvXTcNbJjr7BNrJBsBUi3DXKakIEREjwgl4DRcO23LLFeBAIjwkfrvKNGtcWEM1oA5DAs/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+03aa.jpg" width="242" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A caridade é uma das regras da cavalaria. Francisco segue-a à risca, dando a túnica ao homem pobre.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um enviado do pontífice logo chega à
cidade de Assis, com o encargo de substituir o governador imperial deposto. Os
mercadores, em posição de força pela vitória alcançada sobre o duque, não estão
dispostos a entregar o poder assim, sem mais nem Menos. Mas o legado papal
acaba por convencê-los, oferecendo grandes vantagens: representantes da
burguesia comercial estarão presentes no conselho da cidade e terão poder de
decisão em todo assunto importante. Os nobres serão afastados dos cargos principais
e substituídos por mercadores. Pela primeira vez, surge um governo favorável
aos interesses do comércio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Três anos já se haviam passado desde o
início da revolta, quando Assis organiza uma tropa: é preciso dar combate a
alguns nobres que ainda resistem. Muitos deles haviam se refugiado em Perúsia,
a antiga rival de Assis. Ao chegar lá perto, no local denominado Colestrada, a
tropa depara com poderosa força inimiga. A batalha não dura muito — os mercadores-soldados
de Assis são batidos facilmente pela experiente cavalaria dos nobres, que nesse
meio tempo tinham-se recuperado das primeiras derrotas. Muitos prisioneiros são
levados à prisão de Perúsia — entre eles, um jovem de dezenove anos, Francisco
Bernardone. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco passaria um ano inteiro no
cárcere. Engajara-se na luta por mero espírito de aventura, como tantos amigos
seus. Agora, queixava-se da sorte. "Estou perdendo aqui a minha
juventude", dizia aos companheiros de cela. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Posto finalmente em liberdade, Francisco
só tem uma preocupação: recuperar o tempo perdido. Não nos negócios, como
desejava o pai, ansioso pela colaboração do filho. Ao invés de vender tecidos,
Francisco torna-se o maior cliente do pai. Escolhe na banca as sedas mais
coloridas e lustrosas e manda confeccionar vestimentas tão finas que sua figura
é logo notada pelas grandes damas da cidade. Exatamente o efeito que esperava. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É tempo também de escolher novos amigos.
Francisco começa a procurar os filhos das grandes famílias de Assis. Seu
prestígio sobe rapidamente. Um rapaz tão distinto, herdeiro do próspero
comerciante Bernardone, era sem dúvida excelente aquisição para a sociedade.
Além do mais, Francisco era simpático, estava sempre bem-humorado. Jamais
recusava uma nova dança, um copo de vinho a mais. Certa noite, seus admiradores
resolvem conceder-lhe a grande honra: Francisco é eleito "rei da
festa" por todos os convidados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O pai não sabe bem que atitude tomar. Não
consegue se acostumar com o tipo de vida que o rapaz está levando, mas sente
que isso destaca seu nome de comerciante nos círculos mais elegantes da cidade.
Aborrece-se um pouco ao saber que Francisco é escolhido como "rei de
festas"; quem tem de pagar todas as despesas é ele, e não o filho. Mas
acaba consentindo em organizar em sua própria casa os bailes e serões musicais.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>DE COMERCIANTE A CAVALEIRO, O ITINERÁRIO DE UMA VOCAÇÃO <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco cansou-se das festas com a mesma
rapidez com que se entusiasmara. Sua curiosidade era grande demais para se
acomodar à rotina, mesmo uma rotina de prazeres. Bastava subir às ruínas da
antiga Roca e olhar por sobre as muralhas para compreender que o mundo não se
limitava a Assis. Nesses momentos, sentia necessidade de mudar de vida, de
abandonar os salões de festas e fazer algo de mais útil. Mas a última profissão
que desejava seguir era a do pai. Parecia-lhe terrivelmente monótono ter de
passar os dias atrás de um balcão de tecidos. Além disso, não considerava o comércio
atividade suficientemente "nobre" para um rapaz tão distinto e
elegante ... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A grande aspiração de todo jovem da época
era tornar-se cavaleiro. O caminho das glórias e honrarias era justamente esse
— ser cavaleiro significava ser bravo, cortês e magnânimo, nobres qualidades
que ainda tinham a vantagem de comover o coração das belas damas. Francisco começou
a pensar seriamente nessa hipótese. Afinal, já tinha alguma experiência de
combate. Um tanto curta, mas, de qualquer modo, uma experiência. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os Bernardone não faziam objeção a esses
planos. Numa família de mercadores, tornar-se cavaleiro significava, sobretudo,
mudar de categoria social, tornar-se gentil-homem. Para atingir essa condição,
o comerciante não podia mais "sujar as mãos" na venda direta de
pequenas peças ao consumidor. Só era compatível com sua posição vender grandes
lotes, por atacado. Que futuro melhor se poderia esperar para um filho? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A perspectiva de Francisco não era
exatamente essa. Sonhava com o dia em que uma espada lhe tocaria os ombros e ele
ouviria as palavras rituais: "Em nome de Deus, de São Miguel e de São
Jorge, faço-vos cavaleiro. Sede sempre bravo, audaz e leal!" Para chegar
até aí, era preciso começar como escudeiro de um nobre. Francisco se encarrega
de consegui-lo, enquanto o pai prepara a indumentária. No dia de partir para a
guerra, o novo escudeiro se apresenta ao seu senhor. Qual não é a surpresa deste
ao verificar que Francisco tem um cavalo melhor e vestes mais suntuosas que ele
próprio! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzXCQPaEQl_Ehvbj-cRDIeHAbOIT78I3p6feMhEiUZa8v-Zlzk6ki_qV78fikj3WKn6vqTNo6buWUvnEsGOvAUJUhpP7Jgt5vhHUhW7iFKq7jAmCT2tr0z-0snaBbX8n9AhlxRWEba0G6_/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+04aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzXCQPaEQl_Ehvbj-cRDIeHAbOIT78I3p6feMhEiUZa8v-Zlzk6ki_qV78fikj3WKn6vqTNo6buWUvnEsGOvAUJUhpP7Jgt5vhHUhW7iFKq7jAmCT2tr0z-0snaBbX8n9AhlxRWEba0G6_/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+04aa.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Segundo a lei imperial, "não há nome melhor que cavaleiro, para designar um homem perfeito". Também São Martinho recebeu essa investidura. (Afrêsco de Simone Martini, na Basílica de Assis)</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bem pouco tempo se passara desde a partida
de Francisco, e a família já estava ansiosa por notícias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Quem sabe voltará dentro de um ano,
coberto de glórias? — dizia Pedro à mulher. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Que Deus o proteja e o traga logo de
volta ao nosso lar — respondia Joana. Conversavam assim certo dia, quando a
porta se abriu vagarosamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Não é possível! — exclama Pedro
Bernardone. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— É nosso filho que volta! — diz a mulher,
espantada. Francisco nada fala. Parece transformado. Seu olhar não se fixa em
nada, está distante. Nessa noite, os pais não conseguem extrair dele nenhuma explicação.
Só depois ficam sabendo o que ocorrera. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mal abandonara os limites da cidade,
Francisco teve um estranho encontro: um homem muito mal vestido, quase nu, lhe
aparecera. O jovem ficou transtornado. Uma das qualidades requeridas do futuro
cavaleiro era justamente a generosidade. Francisco despiu-se de sua rica túnica
bordada e a ofereceu ao homem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era um rapaz impetuoso. Quando tomava
alguma atitude, gostava de ir às últimas consequências. Entregara-se de corpo e
alma a uma vida alegre, enquanto isto lhe pareceu interessante. Então, não se
contentara com papel secundário, chegara a "rei de festa". Pois bem,
ao desiludir-se da vida fútil que levava e resolver tornar-se cavaleiro, era
para levar a sério as regras da cavalaria. Mas, desta forma, em apenas um dia
de caminhada já se desfizera de suas vestes, dos sapatos e das moedas que
carregava na sacola. Pois se a cada encruzilhada encontrava um mendigo, uma
criança faminta! Enquanto repousava da marcha, à beira da estrada, Francisco fez
a si mesmo indagações: "Por onde devo começar minha obra de cavaleiro?
Levar a guerra aos infiéis, inimigos do papa? Ou exercer a caridade? Mas há
tanto a fazer em toda a parte!" E olhou para o alto, como à procura de
inspiração divina. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Neste ponto, começa o período de sua vida
em que é difícil distinguir a lenda da realidade. Conta-se que Francisco ouviu
então uma voz do céu, uma espécie de pressentimento: devia retornar
imediatamente a sua casa e orar na capelinha de São Damião. Deus lhe daria ali
a Sua palavra. Mas há quem diga que o que aconteceu foi bem mais simples:
despojado de tudo, sem mais uma só moeda, Francisco não teve alternativa senão
regressar. O fato é que essa volta rápida e sem glória deixou o pai muito
irritado e serviu para alimentar comentários irônicos no seu velho círculo de
amizades. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tenha ou não ouvido a voz do céu, o certo
é que Francisco voltou transtornado da experiência. Tudo o que vivera até
então, tudo em que acreditava, já não era inabalável: "Como pude gozar
tanto de riqueza, enquanto os miseráveis erram pelas estradas à cata de um
pedaço de pão? Como pode haver tanta injustiça, tanto luxo, ao lado de tanta
pobreza?" <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>"VÁ, FRANCISCO, E RESTAURE A MINHA CASA!" <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como para ouvir a resposta de Deus às suas
perguntas, Francisco vai todo dia à capelinha de São Damião e se ajoelha diante
do altar. Olhando com fervor o crucifixo, parece-lhe, em dado momento, que os
lábios do Cristo se movem. Francisco esfrega os olhos, teme que seja uma
alucinação. Diz a lenda que nessa hora Jesus lhe disse: "Vá, Francisco, e
restaure a Minha Casa!" <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seria esta tarefa, que Deus lhe designava,
a resposta às perguntas que fizera com tanta veemência? "É por isso, provavelmente,
que Ele me ordenou voltar a Assis", murmura Francisco. Entrega-se então,
com fervor, ao trabalho. A igrejinha estava em situação lastimável: o teto,
quase a desabar, precisava ser reconstruído; faltavam boa pintura e novas
imagens, mais belas, "para prestar homenagem ao Senhor". Mas tudo
isto requeria trabalho e muito dinheiro. Francisco não hesita: começa por
vender todos os objetos e roupas que possui. Como não basta, vai à banca do pai
e retira algumas peças de fino tecido. Transformadas estas coisas em dinheiro,
bate à porta do velho padre em São Damião: "Eis aqui, para a reconstrução
da capela!" <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o capelão desconfia de tanta
generosidade: "Que súbito acesso de fé vos tomou ultimamente, meu filho?
Ainda há pouco tempo, recordo-me de vos ter visto em serenatas sob as janelas
da cidade!" <o:p></o:p></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSpVypdpDA30s9pGq2XhkZKjuJTiO79P3-DUHxQUzxO4-2p3DbdvHc60H-OXGo143Fwjle-GZMZyFUHc51Hw4MNDI-SJsKQm0YibIYKAIIvwL9rQx-JTpcLLWGzPpw6MU3dJKt-xUeQ9Ch/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+06aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSpVypdpDA30s9pGq2XhkZKjuJTiO79P3-DUHxQUzxO4-2p3DbdvHc60H-OXGo143Fwjle-GZMZyFUHc51Hw4MNDI-SJsKQm0YibIYKAIIvwL9rQx-JTpcLLWGzPpw6MU3dJKt-xUeQ9Ch/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+06aa.jpg" width="542" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Olhando o crucifixo da capela, pareceu a Francisco ter ouvido o Cristo dizer-lhe: "Vá, e restaure a Minha Casa!"</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Francisco insiste, ajoelha-se, implora
ao padre para deixá-lo ficar em São Damião, a serviço da capela. Finalmente,
impressionado por tanta convicção, o capelão cede, não sem mandar um mensageiro
avisar a família Bernaidone o que ocorria. Ao receber a notícia, o pai de
Francisco explode: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Isto já passa dos limites! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sela o seu cavalo e vence em alguns
minutos o quilômetro que separa a igrejinha da cidade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Exijo imediatamente a restituição de meu
filho e de meu dinheiro! — grita ao padre. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pressentindo o perigo, Francisco
desaparecera da capela. Seu pai volta com a sacola de moedas, furioso: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Que loucura é esta! Distribuir aos
pobres toda a nossa fortuna!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alguns dias depois, o rapaz se aventura a
ir à cidade: está sujo e faminto, emagreceu vários quilos. Ninguém reconhece nele
o jovem bem vestido que há pouco tempo brilhava na sociedade, salvo sua mãe,
que, debruçada à janela, vê de repente o filho num canto, como um mendigo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Francisco! — grita ela. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bernardone ouve e sai à rua às pressas.
Pega o filho pelo braço, dá-lhe uma surra e leva-o de volta a casa: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Ficará preso no porão, até tirar da
cabeça essas ideias! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>O PEDREIRO DE DEUS <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dona Joana não pode ver o filho prisioneiro.
Aproveitando uma saída do marido, devolve a liberdade a Francisco. Furioso, Bernardone
decide levar o caso ao Tribunal Episcopal: "Está bem", diz ele,
"meu filho pode fazer o que quiser. Mas não com o meu dinheiro! Faço
questão<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
de que ele renuncie aqui,
oficialmente, a todo direito de sucessão à minha fortuna!" <o:p></o:p><br />
<br />
<b>POR QUE TANTO LUXO, AO LADO DE TANTA POBREZA?</b><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsDr_dECItHh0Ju8CWvEnW6uNoWyP5UPH6PdApe13fKpwb8iHTtVrEJzlp9bvCkV0in9RHiF3QkaSXrssa913Hx0yGbIOge1LlcvRs-qvC7u6oRY-9nwNYX8FU2NuhX1hijs45eKsKiEA2/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+3ab.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="568" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsDr_dECItHh0Ju8CWvEnW6uNoWyP5UPH6PdApe13fKpwb8iHTtVrEJzlp9bvCkV0in9RHiF3QkaSXrssa913Hx0yGbIOge1LlcvRs-qvC7u6oRY-9nwNYX8FU2NuhX1hijs45eKsKiEA2/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+3ab.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ao saber que o filho se entregara ao serviço religioso, Bernadone levou o caso ao Tribunal Episcopal, diante do qual Francisco se despiu, jogando as vestes aos pés do pai e aceitando a túnica que lhe dava o bispo de Assis. (Afrêsco de Benozzo Gozzoli)</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dom Guido, bispo de Assis, ouve em
silêncio as acusações do mercador. Agora, dá a palavra à outra parte. Mas, para
grande espanto do Tribunal, em vez de responder, Francisco começa a se despir.
Jogando as vestes aos pés do pai, exclama: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Até agora te chamei de "meu
pai" sobre a Terra. Mas, a partir de hoje, só tenho um Pai, que está no
Céu. Renuncio a tudo que venha de ti, tua herança, tuas roupas! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O bispo se aproxima de Francisco, que está
totalmente nu, e, num gesto amistoso cobre-o com sua própria túnica. O filho de
Bernardone tem agora 25 anos. Não possui mais nada, salvo a túnica escura que
lhe foi dada pelo bispo. Pendura uma cruz de madeira ao pescoço e lança-se com
afinco àquilo que acredita ser a sua tarefa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Faz-se um perfeito pedreiro, restaurando
pouco a pouco a velha capelinha de São Damião. Quando o dinheiro escasseia, vai
à cidade mendigar o auxílio do povo, para prosseguir as obras. Seus ex-amigos
são implacáveis, não perdem nenhuma oportunidade para fazer piadas e
ridicularizá-lo nessas visitas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEismqldbkdBddlt6lXrNH9e5IZL2wVKcoKjKyYS48DV3wqhDy2l4XSQ7_Kv175kaFqgj3uhJDldZTRdNOfxIR_bfaw3OCNnF3y1FHY6dr3TURIPAuziuFJkxMa2anpyBKJwPFllaXxts9jA/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+07aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="544" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEismqldbkdBddlt6lXrNH9e5IZL2wVKcoKjKyYS48DV3wqhDy2l4XSQ7_Kv175kaFqgj3uhJDldZTRdNOfxIR_bfaw3OCNnF3y1FHY6dr3TURIPAuziuFJkxMa2anpyBKJwPFllaXxts9jA/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+07aa.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Certa ocasião, um de seus discípulos, encontrando duas crianças no caminho, construiu-lhes uma gangorra e durante horas ficou brincando com elas (Miniatura do Códice Franceschina).</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Francisco mostra indiferença. Nada
mais lhe importa, a não ser o serviço de Deus. Encontrara finalmente sua
vocação. Havia outra igreja a restaurar: Nossa Senhora da Porciúncula. Certo
dia, lá pelo ano de 1208, o padre dessa igreja lê aos fiéis a passagem do
Evangelho em que Jesus traça regras de conduta para os seus apóstolos:
"Ide a toda parte e anunciai que o Reino de Deus está próximo. Não leveis
ouro nem prata em vossa cintura, nem sacola, nem duas túnicas, nem sandálias ou
cajado". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco ouve e medita. "Então é
isto...", diz em voz baixa, "Cristo também desprezava as riquezas e
pregava a seus apóstolos uma vida simples, sem nenhum artifício material! Mas a
Igreja e os prelados de hoje não parecem apreciar muito este preceito". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Inquieto com a gravidade da questão que
acabara de descobrir, resolve estudar cuidadosamente os Evangelhos. Não era
leitura fácil, especialmente levando em conta a pouca instrução que tivera. Com
muita força de vontade, supera, contudo, o obstáculo. "Como a vida de
Jesus era diferente da vida dos papas!", reflete ele. "De um lado, a
maior humildade; de outro, a maior das opulências! A Igreja se desviou
incrivelmente dos ensinamentos do Cristo". Súbito, Francisco tem a
impressão de compreender tudo, como se houvesse sido iluminado: "Então é
isto que dizia o Cristo a mim, em São Damião! Restaurar a Sua Casa... Claro! Ele
quer pôr ordem em Sua Igreja, em toda a Igreja!" <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>RESOLVER UM ENIGMA PODE CRIAR MUITOS PROBLEMAS <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restaurar as instituições da Igreja é tarefa
bem mais complicada que consertar o telhado de São Damião. Com Inocêncio III, a
Santa Sé atinge o auge do seu poder. Na qualidade de Vigário de Cristo, o papa
sente-se no direito de soberania sobre todas as igrejas e todos os reinos. Os
legados de Roma espalham-se pela Europa, com o objetivo de fazer respeitar a
vontade papal. Os príncipes devem prestar juramento de fidelidade ao pontífice
e pagar-lhe um pesado imposto, se não quiserem ser excomungados. Punição
terrível, nestes tempos em que os senhores e os reis pretendem governar em nome
do Céu. Graças ao poderio financeiro e militar de que dispõe, Inocêncio III
consegue estender os domínios papais até a Inglaterra. A Sicília, a Espanha e
Portugal já eram Estados vassalos da Santa Sé. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por esse tempo, os pecadores, nobres ou
plebeus, podiam livrar-se das culpas, pagando uma taxa, a "porciúncula"
(pequena porção). Este e todos os demais tipos de impostos levavam considerável
fortuna aos cofres da Igreja. Bispos e cardeais viviam em ricos monastérios,
como príncipes. Os monges mais parecem soldados seus, pois durante séculos estiveram
armados para defender as terras e riquezas da Igreja. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhI39fSDEL8x_UTGACc1f75EUK87sY-q_1cDfADysYy3YduBr4NVGG5hpr4RfUV2X0ucINevZYyoq03mzqO9rQp_cKAVwb2fP2ozDKa4Ivxz-U8kNZl0i_P6PKvtwBP4g9HRsThy3PlEAPp/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+08aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhI39fSDEL8x_UTGACc1f75EUK87sY-q_1cDfADysYy3YduBr4NVGG5hpr4RfUV2X0ucINevZYyoq03mzqO9rQp_cKAVwb2fP2ozDKa4Ivxz-U8kNZl0i_P6PKvtwBP4g9HRsThy3PlEAPp/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+08aa.jpg" width="264" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Velho e cansado, os olhos doentes, Francisco é obrigado a enxugá-los continuamente. (Pint século XV, Ermida de Greccio)</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em toda parte começam a surgir reações a esse
estado de coisas. Monges, isoladamente, ou mesmo algumas confrarias, resolvem
corrigir os abusos e fazer voltar a Igreja à austeridade e às práticas
espirituais. Insurgem-se contra a doutrina teocrática, pela qual o papa
pretende ser o soberano do mundo. Pregam a volta à simplicidade do Evangelho.
Assim, os valdenses, ou "pobres de Lyon", pretendem despojar a Igreja
das riquezas terrenas. "Humilhados", cátaros e outras seitas mendicantes
também desejam renunciar aos privilégios materiais. Inocêncio bem podia
consentir certas reformas, cedendo às súplicas dos monges, mas que não se
tocasse em seu poder, sobretudo político! As seitas reformadoras são logo
qualificadas de heréticas e seus componentes perseguidos impiedosamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco não estava bem a par desses fatos.
As notícias caminhavam devagar: às vezes passavam anos até que em Assis se
tomasse conhecimento de algum fato importante. Trazidas por mercadores,
passadas de boca em boca, as informações chegavam tão deformadas que era muito
difícil dar-se crédito a elas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco seguia o que lhe ditava a
consciência. Decidido a cumprir fielmente as Escrituras Sagradas, passou a
viver do modo mais simples e humilde. Em público, começou a ensinar os fiéis a
viver como Cristo, despojados das coisas materiais e voltados apenas para o
espírito. Os ouvintes se entusiasmavam, tanto mais quanto ele próprio dava exemplo
do que pregava. Seus sermões eram cada vez mais frequentados. Sua fama foi-se espalhando
para bem além das regiões de Assis e Perúsia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>DE COMO VENDER UMA HERESIA AO PAPA <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco recebe um dia uma visita
inesperada. Bernardo Quintavolo, rico burguês de Assis, profundamente tocado
por sua pregação cristã, decide entregar aos pobres os seus bens e pede
permissão para segui-lo. Francisco não esperava contar tão logo com um
discípulo. E já aparecem outros: Ange, Rufino, Leão. Ao fim de algum tempo, são
doze, que a ele se vêm juntar, dispostos a fazer voto de pobreza e fundar uma
nova ordem religiosa, fiel seguidora do Evangelho. O Poverello (pobrezinho),
como Francisco já era chamado, pretendia regenerar a Igreja, mas temia a
criação de uma ordem: queria uma religião pura, sem instituições ou hierarquia,
para não cair nos mesmos erros do clero. Seu objetivo, além disso, era agir
pela força do amor e da persuasão, sem provocar inutilmente o papa: caso
contrário, arriscava-se a ser qualificado de herético. E já fora informado do
tratamento que se dava às heresias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Igreja enfrentava, na ocasião, o difícil
desafio de seitas "heréticas" — valdenses, cátaros, pataros, na França
meridional e na Itália setentrional —, monges que levavam uma vida simples e
criticavam asperamente a dissolução de costumes no seio da Igreja oficial. Pela
primeira vez na história eclesiástica a heresia abandonava as estéreis disputas
teológicas; procurava o exemplo concreto, mostrando a diferença de vida dos
seus membros e dos integrantes do clero católico. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Contra as doutrinas heréticas fora
estabelecida a Inquisição; mas era preciso vencê-las em seu próprio terreno,
discutir com os heréticos em praça pública, mostrar a todos que uma vida de pobreza
não era privilégio dos inimigos do papa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7KgJbTDdUiJaMeo7TaohlMaLmNVGMBchBLyGqgiW74Oc4YYVl-cobfHSaDFckUQiDfZ3kPgspmDfiKsr62klat_AZ50dFNsYRqTrkAHkVmj9qxQ-9TzQ7lEslBSmt4LJCWyBI6KQ6cXkR/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+09aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7KgJbTDdUiJaMeo7TaohlMaLmNVGMBchBLyGqgiW74Oc4YYVl-cobfHSaDFckUQiDfZ3kPgspmDfiKsr62klat_AZ50dFNsYRqTrkAHkVmj9qxQ-9TzQ7lEslBSmt4LJCWyBI6KQ6cXkR/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+09aa.jpg" width="432" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Retrato de Santa Clara, de autor desconhecido, do século XIII, em painel na Basílica de Santa Clara, em Assis.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Inocêncio ouvira falar do Poverello e
desconfiava desse homem que, com doze seguidores, imitava Jesus. Mas, quando o
próprio Bispo Guido lhe apresenta o grupo dos "penitentes de Assis",
Sua Santidade hesita. Não lhe agrada a ideia de seguir à risca o Evangelho,
especialmente nessa atitude de brandura, humildade e pobreza. Mas não convém
reprimir um movimento que já adquiriu raízes populares e até o apoio do bispo
de Assis. Dom Guido explica: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— A política de repressão das novas seitas
tem dado péssimos resultados, Santidade. Tem servido para criar novos mártires
e diminuir vossa autoridade. Seria mais prudente de nossa parte conceder-lhes o
que pedem: a fundação de uma ordem mendicante, baseada no Evangelho. Desta forma
evitaremos que passem à heresia e utilizaremos, em nosso proveito, o movimento.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Inocêncio adia seu pronunciamento. A
questão é muito grave e demanda longas consultas junto aos cardeais. As
opiniões, então, divergem, mas o papa encontra a fórmula conciliatória — aprova
<i>verbalmente</i> a ordem nova, sem assumir
um compromisso formal. Teria, assim, tempo de pôr à prova a fidelidade desses
"pobrezinhos". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>DA POBREZA SE FAZ DOUTRINA <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco não pede mais nada. Fundada a
Ordem dos Irmãos Mendigos, retira-se com os discípulos para uma choupana abandonada
na montanha. Renunciando a qualquer forma de propriedade, os
"franciscanos" recusam mesmo ter uma igreja. Na cabana, não há móvel
algum. Dormem no chão e põem os alimentos sobre as cinzas, antes de comê-los,
de modo a retirar deles todo o gosto: não se admite forma alguma de satisfação
material. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar de tudo, reinava alegria nessa cabana.
Francisco e seus seguidores, imbuídos de fé, estavam convictos de que viviam os
preceitos evangélicos. Dali se mudaram, passando de uma caverna para outra, vivendo
do modo mais primitivo, quase como os animais: "Eles também são criaturas
de Deus", dizia Francisco. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esta busca desesperada da pobreza tem
enorme repercussão. Em sete anos, os discípulos de Francisco não são apenas
doze, porém milhares, vindas de toda a península italiana. É gente de todas as
origens, atraída pela simplicidade e pela "valorização da pobreza",
numa época em que são visíveis os contrastes entre a teoria e a prática da
Igreja. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCQO0XVDhyphenhyphen6TTaSOtTxoRwsFfFEhZs-bdttZt1YR9rjiSuPddmkl93iz6bBm_nXjH5TaSeD5t-wR5Buu7gJO2a9IkXBE4ka7h5X_XUC1MhGANSIWfl19l2m8G7EeqFFExVx-ax2yU__ocR/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+4ab.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCQO0XVDhyphenhyphen6TTaSOtTxoRwsFfFEhZs-bdttZt1YR9rjiSuPddmkl93iz6bBm_nXjH5TaSeD5t-wR5Buu7gJO2a9IkXBE4ka7h5X_XUC1MhGANSIWfl19l2m8G7EeqFFExVx-ax2yU__ocR/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+4ab.jpg" width="568" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Um pintor anônimo do século XV retratou São Francisco em exaltação mística.</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de muitas peregrinações, Francisco
passa um dia na cidade natal. Uma jovem o aguardava impaciente, há vários
meses: Clara, da poderosa família dos Offreducci. Após diversas peripécias,
conseguira escapar à perseguição do pai. Desfazendo-se de suas ricas vestes, a
jovem declara-se disposta a cortar os cabelos e a entrar num mosteiro, a
serviço dos franciscanos. Francisco não previra a participação de mulheres na
Ordem; mas, comovido com a atitude de Clara, autoriza-a a se instalar em São
Damião. Alguns dias depois, sua irmã Agnes vem juntar-se a ela. Não se passa
muito tempo e outras jovens também se recolhem à capelinha. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwC4lKyCe5tohBwcPcEztwnWZh_Z9O0sACvzCXm5SLPF-fxP4XXWOfBafxVqa9-ny_OvXriZ3aH9JBDZkzH32JwOrGAgkurHiesBCXODSj5-_0dwePS4x9kKc4wm8SYqBAxKN8Nk1OdfQQ/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+6ab.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwC4lKyCe5tohBwcPcEztwnWZh_Z9O0sACvzCXm5SLPF-fxP4XXWOfBafxVqa9-ny_OvXriZ3aH9JBDZkzH32JwOrGAgkurHiesBCXODSj5-_0dwePS4x9kKc4wm8SYqBAxKN8Nk1OdfQQ/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+6ab.jpg" width="470" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Clara segue ao encontro de Francisco, em Porciúncula. Permanecerá com ele por um ano, preparando-se para sua missão. (Basílica de Santa Clara, Assis)</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco convence-se de que não há razão
para restringir aos homens o privilégio de pertencer à Ordem. Consegue do papa
autorização especial para abrir um convento em São Damião. As "damas
pobres" que aí se estabelecem fazem voto de castidade e de pobreza. Terão
como primeira superiora a jovem Clara Offreducci, que seria mais tarde canonizada:
Santa Clara. (Deriva do seu, o nome de clarissas, pelo qual as irmãs da Ordem
ficaram conhecidas.) As franciscanas conhecem rapidamente grande expansão.
Mesmo princesas, como Isabel de França, resolvem abandonar o mundo e ingressar
na Ordem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>INOCÊNCIO PREPARA A ARMADILHA <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era o ano de 1215. Para Inocêncio III
chegara o momento de oficializar a ordem nova, antes que ela se declarasse
rebelde. Na Espanha, o pregador Domingos fundara outra irmandade, a dos
dominicanos, que, juntamente com os franciscanos, poderia ameaçar a autoridade
pontifícia. Reúne-se o Concílio de Latrão; a Ordem dos Irmãos Menores de Assis
é solenemente reconhecida pela Igreja: "menores" no reino de Deus,
mas, de qualquer forma, no interior do reino... Era o que contava. O Cardeal
Ugolino é designado "protetor" da Ordem. Inocêncio já compreendera
que um movimento dessa importância, fora da Igreja, poderia constituir um
perigo; dentro dela, e bem tutelado, poderia servir admiravelmente a seus
objetivos. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsIyBlUI4sSzCNAgYUBkdbjAk62e1UrnqvlWt3_14mCHIEY3q2Zfp7PLvmu13OLwiJ5yLa4lDeYMxIhDf24ZPGlxeXAp9qlMiPjTizJU5sg0zAf0AQ2y7KDv545AE7UiQkHwZ6tfnfA0UZ/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+5ab.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsIyBlUI4sSzCNAgYUBkdbjAk62e1UrnqvlWt3_14mCHIEY3q2Zfp7PLvmu13OLwiJ5yLa4lDeYMxIhDf24ZPGlxeXAp9qlMiPjTizJU5sg0zAf0AQ2y7KDv545AE7UiQkHwZ6tfnfA0UZ/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+5ab.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Francisco envia um frade ao Imperador Oto IV, com uma mensagem: "Breve perderá a coroa". (Óleo de Cesare Sermei)</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O primeiro capítulo geral (assembleia) da
Ordem é declarado aberto. Mais de 5 000 irmãos e 500 noviços assistem às
sessões. Sob injunção do papa, Francisco consente em repartir seus discípulos
em grupos de dois: cada um desses grupos deveria sair em peregrinação pelo
mundo, para "converter os infiéis". Inocêncio conseguira seu intento.
Além de cumprir a nobre missão, os franciscanos constituirão um verdadeiro
exército espiritual. Juntamente com as forças armadas da Santa Sé, poderiam,
sem dúvida, submeter ao papa os povos que ainda resistiam. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Francisco ainda não percebera os riscos
que corria. Seu movimento se tornaria, justamente, instrumento do poderio
material da Igreja, o qual ele tanto combatia. O que estava errado, a seu ver,
nas Cruzadas, eram os métodos violentos, era a guerra empregada pelo papa na
conversão dos infiéis. Para Francisco, as armas adequadas deveriam ser a fé e a
persuasão. O Poverello vê, na missão determinada pelo pontífice, a oportunidade
extraordinária de disseminar o sentimento e a fé cristã por todo o mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1220, cinco dos seus discípulos caíram
prisioneiros dos muçulmanos, em Ceuta; como recusassem a converter-se ao
islamismo, tiveram as cabeças cortadas e levadas numa bandeja ao sultão. Os
franciscanos já tinham os primeiros mártires. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto isso, Francisco embarca para a
Terra Santa. Os exércitos do papa haviam organizado uma Cruzada para conquistar
a Palestina. Percorrendo desarmado o campo de batalha, Francisco é aprisionado
e levado ao Sultão Melekel-Kamel. Conta-se que, para mostrar a ele a
superioridade da fé cristã, Francisco caminhou sobre o fogo, desafiando um
muçulmano a fazer o mesmo. A proeza teria agradado tanto ao sultão, que este
mandou libertá-lo. Mas isso não impediu que as forças do papa sofressem pesada
derrota e afinal abandonassem a pretendida conquista. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNee3S0DCYlpf-49a-iJ0s9ALo7hqB1lbVNDyHk1DYrRGbvxtaSN1U0dE2aZc-XZb5uZd6jbxbmjlTsynspaiv12rkMf-J5sUpGpioxMPiXwaN9zZVHhBSLKTCzZzPOjyPDo8J1KAiRHpt/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+5ac.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="466" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNee3S0DCYlpf-49a-iJ0s9ALo7hqB1lbVNDyHk1DYrRGbvxtaSN1U0dE2aZc-XZb5uZd6jbxbmjlTsynspaiv12rkMf-J5sUpGpioxMPiXwaN9zZVHhBSLKTCzZzPOjyPDo8J1KAiRHpt/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+5ac.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Demônios perturbam a cidade de Arezzo. Mas Francisco expulsa-os, dando tranquilidade aos habitantes. (Afrêsco de Benozzo Gozzoli)</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alguns biógrafos de São Francisco
acreditam que ele foi ao Oriente com a ideia fixa de ser martirizado. Ao invés
disso, só obteve honrarias. Seja como for, Francisco voltou à Itália extremamente
preocupado. Pela primeira vez, a irmandade enfrentava uma crise interna:
aproveitando sua ausência, alguns discípulos, pressionados por Ugolino, o
"protetor" da Ordem, haviam preconizado uma reforma. Era preciso,
diziam, estabelecer novas regras para a comunidade, mais adaptadas às
"condições do tempo", isto é, menos severas quanto ao voto de
pobreza. O Poverello não quis ouvir falar de qualquer concessão neste terreno.
Mas Ugolino insiste: "Já não estamos mais naquela fase heroica de Assis.
Chegou a hora de refletir e organizar de um modo realista o movimento". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>"E QUE SÓ TENHAM UMA COISA A DIVIDIR: A POBREZA" <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para ganhar tempo, o fundador dispõe-se a
redigir ele mesmo as novas regras. Inocêncio III morrera. Francisco imagina
poder contar com o apoio do novo papa, Honório III, para manter a pureza dos
Irmãos Menores. Apresenta finalmente, em 1221, o texto de uma <i>Regra</i>, que nada ou quase nada difere dos
preceitos que sempre defendera: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Observar o Santo Evangelho, viver na
obediência, na castidade e não possuir absolutamente nada (...). Proíbo rigorosamente
a todos os irmãos receberem dinheiro, casas, terras, sob qualquer pretexto,
seja diretamente ou por meio de outras pessoas (...). E que só tenham uma coisa
a dividir: a pobreza". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Evidentemente, o texto é recusado. Ugolino
convida Francisco a fazer outra Regra. Desta vez, em 1223, o texto é retocado
pelo próprio protetor e, depois de bem "abrandado", é finalmente
sancionado por Honório III. Os franciscanos perdem muito dos traços que os
distinguiam: já não são mais "os pobres entre os pobres". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como se não bastasse essa decepção,
Francisco estava doente: contraíra na Palestina uma inflamação no olho. Não era
velho, tinha apenas 41 anos, mas seu corpo se desgastara com as longas
privações a que se submetera. O Poverello é obrigado a moderar suas atividades.
Em 1224, renuncia à direção efetiva da comunidade que criara. E parte em
direção à floresta, em companhia apenas dos três discípulos mais chegados:
Ange, Rufino e Leão. <o:p></o:p><br />
<span style="font-size: large;"><br /></span>
<b>AMARGURADO, ESCOLHE A FLORESTA PARA FUGIR DO MUNDO</b><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-3V6XemA2oxeY0I0nDs3-t9oStBJYVd7aJVEHNGcVjN44mP5w5_Xz5mzGQ8Ywtx1wOxeno8mYUBOdurC6BBl8kV0lZMMXxP5qJ0E2TmMrOKvCs7GYWF0M2QrWulUFti-8JgKUQFEoyYf4/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+7ab.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-3V6XemA2oxeY0I0nDs3-t9oStBJYVd7aJVEHNGcVjN44mP5w5_Xz5mzGQ8Ywtx1wOxeno8mYUBOdurC6BBl8kV0lZMMXxP5qJ0E2TmMrOKvCs7GYWF0M2QrWulUFti-8JgKUQFEoyYf4/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+7ab.jpg" width="500" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Na íngreme rocha, entre o Tibre e o Arno, recebeu de Cristo a marca final, que suas carnes carregaram por dois anos". Dante descreve, na Divina Comédia ( Paraíso, XI, 106), o surgimento dos estigmas de Francisco . (Quadro de Dono Doni, Pinacoteca de Assis)</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É difícil distinguir entre a verdade e a
imaginação popular, nos muitos acontecimentos atribuídos a Francisco, na última
fase de sua vida, quando ele procurou o mais íntimo contato com a natureza.
Diz-se que os animais da floresta, sentindo o respeito e o amor que o Poverello
tinha por eles, alegravam-se e saudavam-no: os peixes saltavam fora da água, os
pássaros pousavam em seus ombros. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o episódio mais famoso teria ocorrido
no alto de um rochedo, entre o rio Tibre e o Arno. Estava Francisco meditando
junto à sua choupana, quando desceu do céu um serafim de asas resplandecentes,
trazendo nos braços uma cruz. Mas, subitamente, a imagem desaparece. Francisco
percebe então marcas ensanguentadas nas mãos e nos pés, como se tivessem sido
atravessados por pregos. Muito se discutiu posteriormente sobre a autenticidade
desses estigmas. Na opinião de alguns, teriam sido provocados após a morte de
Francisco; porém, seus seguidores estabeleceram com isso a semelhança
espiritual e física entre São Francisco e o Cristo crucificado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Francisco não morreria na cruz. Nem os
médicos do papa lhe conseguiram amenizar as doenças e a extrema fraqueza:
tentou-se a cauterização do olho, o corte de veias e a perfuração da orelha.
Nada deu resultado. Francisco implora que o conduzam a Assis — quer morrer na
cidade onde nascera. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tanto se espalha que ele é um santo, que
os fiéis correm em massa ao seu encontro, durante a viagem. Começa a "caça
às relíquias": cada um quer guardar um pedaço de seu hábito, um fio de sua
barba. Francisco continua lúcido. Chamando a si os irmãos mais próximos, dita
várias cartas, entre elas uma para Clara, com quem marca um reencontro na
Eternidade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Num último gesto de fidelidade à sua
doutrina, pede aos irmãos para o deitarem no chão, completamente nu, e o
cobrirem de cinzas. É o seu adeus a Nossa Senhora da Pobreza, de quem tinha
sido o mais fiel devoto. No dia 3 (ou 4) de outubro de 1226, o Poverello ainda
murmura: "Senhor, libertai minha alma da prisão, para que eu possa
bendizer o Vosso nome". Os discípulos se entreolham. São Francisco morreu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDj7d24PPCvZamJVPj5nbhhYLQvP342s2L_zTHs4IYOsYAMqCs7tIUxcTQj6w53pRB1uGXqqtnYam67T977obzd06Qux9-s7Ddw3ZOP__fPXJQ2M-A1PpcNC7Rezf351XR_agOln4IsQtv/s1600/S%25C3%25A3o+Francisco+11aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="420" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDj7d24PPCvZamJVPj5nbhhYLQvP342s2L_zTHs4IYOsYAMqCs7tIUxcTQj6w53pRB1uGXqqtnYam67T977obzd06Qux9-s7Ddw3ZOP__fPXJQ2M-A1PpcNC7Rezf351XR_agOln4IsQtv/s640/S%25C3%25A3o+Francisco+11aa.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Senhor, libertai a minha alma da prisão para que eu possa bendizer o Vosso nome". Rodeado pelos discípulos, São Francisco pronuncia essas palavras e morre. Seu desejo fôra atendido: terminou seus dias na cidade onde nascera. (Afrêsco de B. Gozzoli, em Montefalco)</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A partir de então, a Ordem expandiu-se
consideravelmente. Não exatamente no sentido que desejara o fundador, mas como
instrumento do poder papal. No fim do século XIII, os franciscanos já eram 25
000 e possuíam mais de mil conventos.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi preciso esperar também a morte do
Poverello para que fossem escolhidos os primeiros cardeais franciscanos. Era a
suprema vitória da Igreja, quase uma afronta a São Francisco, que tanto
combatera as hierarquias. No início do século XIV, o franciscano Giovanni de
Montecorvino é o arcebispo de Pequim, sob a proteção do Grande Khan mongol.
Durante todo esse século, os franciscanos partiram para o Oriente, a serviço
das famosas missões do papado. O crescimento da Ordem prosseguiu. Nos dias de
hoje, ela conta com 45 000 seguidores: os irmãos de hábito marrom e preto e os
irmãos capuchinhos, além das clarissas, que são 13 000. Todo um exército de
religiosos, agindo segundo o exemplo de resignação e pobreza deixado pelo Poverello
de Assis.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><span style="font-size: x-large;">SÃO FRANCISCO</span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p> </o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p>é um fascículo (capítulo 17) da coleção encadernável </o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
GRANDES PERSONAGENS DA HISTÓRIA UNIVERSAL</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Volume II, editado pela</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
ABRIL CULTURAL</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
com Copyright Mundial, em 1971, de</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
ARNOLDO MONDADORI EDITORE, Milão, Itália </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
e Copyright para a língua portuguesa, em 1971 da</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL</div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-76060417799080818382015-09-20T14:16:00.000-03:002016-02-27T07:51:35.358-03:00UMA HISTÓRIA COMESTÍVEL DA HUMANIDADE - Comida, Energia e Industrialização<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">PARTE IV</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">7. Novo Mundo, novos
alimentos<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“O maior serviço que pode ser
prestado a qualquer país é acrescentar uma planta útil à sua [agri]cultura.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
THOMAS JEFFERSON<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Um abacaxi para o rei<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O retrato do rei Carlos II da Inglaterra
pintado por volta de 1675 não é simples como parece. O rei é mostrado usando um
paletó até a altura dos joelhos e calções, de pé nos primorosos jardins de uma
grande casa. Dois cães <i>spaniels</i> o
acompanham, e perto dele ajoelha-se John Rose, o jardineiro real, que o
presenteia com um abacaxi. O simbolismo parece claro. Na época, essa fruta era
extremamente rara na Inglaterra, pois tinha de ser importada das Índias Ocidentais,
e muito poucas sobreviviam à viagem sem apodrecer. De tão valorizadas, eram conhecidas
como a “fruta dos reis”, uma conotação reforçada pela coroa folhosa que a
adorna. Na Inglaterra, a associação do abacaxi com riqueza e poder reais
remontava a 1661, quando um espécime havia sido enviado a Carlos por um
consórcio de agricultores e comerciantes de Barbados que queriam que ele
impusesse um preço mínimo ao seu principal produto de exportação, o açúcar.
Carlos recebeu mais de 10 mil petições de grupos de interesses diversos durante
a década de 1660, e presenteá-lo com um abacaxi, um dos primeiros já vistos na Inglaterra,
foi um gesto hábil do consórcio de Barbados, que certamente fez sua solicitação
sobressair. A tática funcionou: Carlos concordou com a proposta alguns dias
depois da chegada do presente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o abacaxi da pintura é mais que
simplesmente um símbolo de status; é também um lembrete da ascensão da
Inglaterra como uma potência comercial marítima, bem como de sua ascendência
nas Índias Ocidentais em particular. Carlos havia aprovado nos anos 1660 as Leis
da Navegação, que proibiram navios estrangeiros de comerciar com as colônias
inglesas e encorajaram assim uma espetacular expansão da frota mercante
nacional. Em 1668, um abacaxi servira de advertência sobre o crescente poderio
naval da Inglaterra num banquete oferecido por Carlos em homenagem ao embaixador
francês, Charles Colbert. Como na época a Inglaterra e a França disputavam
possessões coloniais nas Índias Ocidentais, a presença dessa fruta como item
principal da sobremesa enfatizou o compromisso do rei com seus territórios
ultramarinos. Um observador ressaltou que Carlos cortou ele mesmo os pedaços e ofereceu-os
de seu próprio prato. Isso poderia parecer um gesto de humildade, mas era na realidade
uma demonstração de poder: somente um rei podia oferecer abacaxis a seus convidados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjib2dC_tKZHXT3JeLfGV1qEER9sPazhNWBLQjDKqVOcGuFHAjnJI4YOmfTwk303x3DXvFXpRUW1fcIXZzsJJbj1jSbyQk7Tn8_WHSAurXEp5ALEdPSuf4cKp5HiyaDifm0-10NA8KQ-agA/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_9.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="522" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjib2dC_tKZHXT3JeLfGV1qEER9sPazhNWBLQjDKqVOcGuFHAjnJI4YOmfTwk303x3DXvFXpRUW1fcIXZzsJJbj1jSbyQk7Tn8_WHSAurXEp5ALEdPSuf4cKp5HiyaDifm0-10NA8KQ-agA/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_9.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Retrato de Carlos II recebendo um abacaxi de John Rose.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Emprestava significado adicional à pintura
o fato de que o abacaxi mostrado era uma fruta extraordinária: tratava-se,
segundo o título da tela, do “primeiro abacaxi cultivado na Inglaterra”. Parece
extremamente provável que o abacaxi em questão tivesse sido importado como uma
planta jovem, e apenas amadurecido na Inglaterra, não tendo sido cultivado a
partir do zero – algo que só se tornaria possível mais tarde, nos anos 1680,
com a invenção da estufa aquecida. Mesmo assim, ter amadurecido uma fruta
tropical na Inglaterra já era um feito e tanto, e indicava a competência dos
horticultores ingleses, numa época em que as nações europeias competiam para
descobrir, categorizar, propagar e explorar a abundância de plantas da Ásia e
das Américas que haviam se tornado subitamente disponíveis para eles. Nesse
campo da “botânica econômica”, a busca pelo conhecimento científico caminhava
de mãos dadas com os interesses nacionais, e jardins botânicos estavam sendo
criados no mundo todo como laboratórios coloniais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os líderes incontestes no campo da
botânica econômica no fim do século XVII eram os holandeses, que, à época,
haviam tirado os portugueses do caminho para se tornar a potência europeia
dominante no Oriente. Os holandeses queriam conhecer as novas plantas por duas
razões: descobrir tratamentos para as doenças tropicais que afligiam seus
marinheiros, comerciantes e colonos e encontrar novos e rentáveis produtos
agrícolas, além das especiarias conhecidas. Os holandeses fundaram jardins
botânicos em seus postos coloniais avançados no Cabo, em Malabar, no Ceilão, em
Java e no Brasil, todos os quais trocavam espécimes com estabelecimentos
semelhantes na matriz, em Amsterdam e Leiden. Esses jardins botânicos eram
muito mais ambiciosos que aqueles estabelecidos na Europa durante o século XVI
- sendo o primeiro na Itália, nos anos 1540 -, cujas finalidades eram sobretudo
medicinais. Ao apostar corrida para rivalizar com os holandeses e estabelecer
postos comerciais próprios, a Inglaterra e a França descobriram também um
entusiasmo pela botânica econômica. A história do comércio de especiarias havia
mostrado que vastas fortunas aguardavam quem fosse capaz de controlar a oferta
e o comércio de gêneros alimentícios valiosos; que outras plantas estariam
esperando para ser exploradas?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como que para enfatizar o vínculo entre o
domínio botânico e o geo-político, alguns jardins botânicos eram planejados
para representar o mundo. Em sua maioria, eram quadrados e divididos em quatro
partes – uma para a Europa, uma para a África, uma para a Ásia e uma para as
Américas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois,
essas áreas eram progressivamente subdividas, até chegar aos canteiros
individuais para plantas particulares. Os botânicos que os estabeleciam
sonhavam em ser capazes de reunir as plantas do mundo todo num só lugar, como
expressa o catálogo do Jardim Botânico de Oxford: “Assim como todas as
criaturas foram reunidas na Arca ... assim também temos as plantas do mundo em
microcosmo em nosso jardim.” Essa meta ambiciosa, porém, provou-se
irremediavelmente irreal à medida que o número de plantas conhecidas
multiplicou-se rapidamente. O tratado “Investigação das plantas”, de Teofrasto,
um autor grego antigo, relacionava apenas 500 plantas; o “Pinax Theatri
Botanici”, uma obra épica publicada pelo botânico suíço Caspar Bauhin em 1596,
listava 6 mil; nos anos 1680, a “Historia Generalis Plantarum”, de John Ray,
listava mais de 18 mil. Em botânica, como em tantos outros campos,
verificava-se que o conhecimento das autoridades antigas era incompleto ou
simplesmente errado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, os botânicos serviam a dois
senhores: por um lado, eram membros de uma comunidade internacional de
pesquisa, trabalhando juntos em prol da compreensão da natureza e participando
de uma revolução científica em que a observação direta finalmente triunfou
sobre a sabedoria herdada. Por outro lado, esperava-se que fizessem o possível
para que seu próprio país tirasse o maior proveito das novas plantas. Robert
Kyd, um oficial do exército britânico baseado na Índia, fundou os Jardins
Botânicos de Calcutá em 1787. Ele sintetizou essa duplicidade quando escreveu
que os jardins foram criados “não para reunir plantas raras como objeto de
curiosidade ou para fornecer artigos de luxo, mas para estabelecer um
sortimento que colabore na disseminação daqueles artigos que possam se provar benéficos
para os habitantes, bem como para os nativos da Grã-Bretanha, e que possam
finalmente conduzir à extensão do comércio e das riquezas nacionais”.
Colonialismo, comércio e ciência caminhavam de mãos dadas; o número de plantas
que uma nação tinha ao seu dispor e a capacidade de seus botânicos de
cultivá-las fora dos habitats naturais demonstravam a proeza técnica dessa
nação. A botânica era considerada a “grande ciência” da época, uma indicação do
poderio e da sofisticação de um país, assim como o domínio da ciência nuclear
ou da tecnologia espaciais nos nossos dias. Tudo isso significava que o abacaxi
oferecido a Carlos II era mais que uma mera fruta, era um símbolo vivo de seu
poder.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
À medida que exploradores, colonos,
botânicos e comerciantes europeus se empenhavam na procura de novas plantas,
aprendiam como cultivá-las e tentavam descobrir onde mais poderiam florescer,
eles remodelavam os ecossistemas globais. A “Troca Colombiana” de produtos
agrícolas entre o Velho e o Novo Mundo, na qual trigo, açúcar, arroz e bananas
deslocaram-se para oeste e milho, batatas, batatas-doces, tomates e chocolate
deslocaram-se para leste (para mencionar apenas alguns exemplos em cada
direção), representa uma grande parte da história, mas não ela toda. Os
europeus também deslocaram produtos agrícolas de um lado para outro dentro do
Velho e do Novo Mundo, transplantando café árabe e pimenta indiana para a
Indonésia, por exemplo, e batatas sul-americanas para a América do Norte.
Evidentemente, as plantas sempre migraram de um lugar para outro, mas nunca com
tal velocidade, em tão grande escala ou por distâncias tão grandes. A mistura
pós-colombiana do caldeirão global de alimentos correspondeu à mais importante
reordenação do ambiente natural pela humanidade desde a adoção da agricultura.
Novos alimentos provenientes de terras estrangeiras foram inseridos em nichos
ecológicos anteriormente subexplorados, em muitos casos aumentando a oferta de
comida. Isso se aplica às batatas e ao milho em partes da Eurásia, aos amendoins
na África e na Índia e às bananas no Caribe, por exemplo. Por vezes os novos
produtos agrícolas eram mais resistentes que os locais: as batatas-doces vindas
das Américas prosperaram no Japão porque podiam sobreviver aos tufões que
ocasionalmente destruíam as safras de arroz, e a mandioca, também proveniente
das Américas, foi adotada na África depois de se mostrar resistente a
gafanhotos, já que suas raízes comestíveis permanecem fora de alcance, debaixo
da terra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar das ambições nacionalistas dos
botânicos, tentativas de monopolizar novas plantas em geral não duravam muito.
Para ganhar dinheiro com açúcar, por exemplo, era preciso ter possessões
coloniais com o clima adequado, e isso dependia principalmente de poderio
militar, não de poderio botânico. Mesmo assim, uma nação europeia sobressaiu
como vencedora dessa competição colonial, embora sua vitória tenha tomado uma
forma inteiramente inesperada. A troca e a redistribuição de plantas
alimentícias refez o mundo, e em particular as áreas em torno do oceano
Atlântico, em dois estágios. Primeiro, novos alimentos e novos padrões
comerciais redefiniram as características das populações das Américas, da
África e da Europa. Tendo feito isso, contribuíram para a emergência da
Grã-Bretanha como a primeira nação industrializada. Se Carlos II soubesse disso
em 1675, teria sem dúvida se orgulhado, embora talvez tivesse ficado
desapontado em saber que o abacaxi não era um dos muitos alimentos que
desempenhariam um papel na história. Em vez disso, os dois alimentos centrais
seriam o açúcar, que atravessou o Atlântico em direção ao oeste, e a batata,
que viajou na direção contrária.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Colombo e sua troca<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Troca Colombiana, como o historiador
Alfred Crosby a denominou, foi assim chamada porque realmente começou com o próprio
Cristóvão Colombo. Embora muitas outras pessoas tenham transportado plantas,
animais, pessoas, doenças e ideias entre o Velho e o Novo Mundo nos anos
seguintes, Colombo foi diretamente responsável por duas das primeiras e mais
importantes trocas de produtos agrícolas com as Américas. No dia 2 de novembro
de 1492, tendo chegado à ilha de Cuba, ele enviou dois de seus homens – Rodrigo
de Jerez e Luis de Torres – ao interior, com dois guias locais. Colombo acreditava
que Cuba era parte do continente asiático e esperava que seus homens
encontrassem uma cidade grande, onde ele pudesse entrar em contato com o
imperador. Torres falava um pouco de árabe, que seria, segundo se supunha,
compreendido pelos representantes do monarca. Passados quatro dias, os homens
voltaram sem conseguir encontrar nem cidade, nem imperador. Mas tinham encontrado,
como Colombo registrou, muitos campos de um “grão parecido com milhete, que os
índios chamam de <i>mahiz</i>. Esse grão tem
um gosto muito bom quando cozido, seja assado ou moído, transformado num
mingau.” Era o primeiro contato dos europeus com o milho, e Colombo
provavelmente levou um pouco consigo para a Espanha quando voltou da primeira
viagem, em 1493; certamente levou milho na volta de sua segunda expedição, no
ano seguinte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embora o milho fosse inicialmente encarado
por eruditos europeus como uma curiosidade botânica, logo ficou claro que ele
era apropriado para o clima mediterrâneo do sul e que era, na verdade, um
produto agrícola extremamente valioso. Na década de 1520, ele já era cultivado
em várias partes da Espanha e do norte de Portugal, e pouco depois se espalhou
em torno do Mediterrâneo, pela Europa central e pela costa oeste da África. Sua
difusão pelo mundo foi tão rápida que suas origens não ficam claras. Na Europa,
era conhecido como grão espanhol, grão indiano, grão guineano e milho da
Turquia, refletindo a confusão sobre sua procedência. A velocidade com que o
milho chegou à China – provavelmente nos anos 1530, embora a primeira
referência explícita a ele só apareça em 1555 – levou alguns à conclusão
errônea de que devia já estar presente na Europa e na Ásia antes de Colombo. O
milho difundiu-se tão rápido por ter propriedades muito desejáveis. Como
crescia bem em solo úmido demais para trigo e seco demais para arroz, fornecia
um alimento extra vindo de terras em que os alimentos básicos eurasianos não
podiam ser cultivados. Também demandava pouco tempo de crescimento e propiciava
uma produção maior por unidade de terra e de trabalho que qualquer outro grão.
Embora o trigo produzisse normalmente quatro a seis vezes mais grãos que o
número de sementes utilizadas, o milho produzia de 100 a 200 vezes mais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se o milho que Colombo levou para o leste
foi uma bênção, a cana-de-açúcar que ele levou para o oeste foi uma maldição.
Tendo trabalhado na juventude como comprador de açúcar para comerciantes
genoveses, Colombo conhecia esse cultivo. Percebeu que as novas terras que
tinha descoberto seriam apropriadas para a plantação desse lucrativo produto, e
levou-o consigo para Hispaniola em sua segunda viagem às Américas, em 1493. Se
não pudesse encontrar ali ouro nem especiarias, poderia, ao menos, produzir
açúcar. Como tal cultivo requeria muita mão de obra, teria de encontrar força
de trabalho suficiente, é claro. Mas Colombo tinha observado, depois de sua
primeira viagem, que “os índios não têm armas e andam completamente nus...
precisam apenas que lhes deem ordens para serem levados a trabalhar, a plantar
ou a fazer qualquer coisa de útil”. Em outras palavras, ele podia pôr os
nativos para trabalhar como escravos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Açúcar e escravidão tinham andado juntos
por séculos. A cana-de-açúcar, originária das ilhas do Pacífico, foi encontrada
na Índia pelos gregos antigos e introduzida na Europa pelos árabes, que começaram
a cultivá-la em grande escala no Mediterrâneo, no século XII, usando escravos
do leste da África. Os europeus tomaram gosto pelo açúcar durante as Cruzadas e
se apropriaram de muitas das plantações de cana dos árabes, explorando-as com
escravos sírios e árabes. O sistema de produção baseado em mão de obra escrava
foi transplantado para a Ilha da Madeira, no Atlântico, nos anos 1420, depois
que ela foi descoberta pelos portugueses. Durante os anos 1440, Portugal
aumentou a produção com o uso de grande número de escravos negros trazidos de
seus novos postos comerciais na costa oeste da África. A princípio, esses
escravos eram sequestrados, mas logo os portugueses concordaram em comprá-los
de comerciantes africanos em troca de mercadorias europeias. Em 1460, a Ilha da
Madeira tornou-se o maior produtor de açúcar do mundo, e não era de admirar:
tinha o clima ideal para a cana-de-açúcar, era próxima do fornecedor de
escravos e estava no ponto mais extremo do mundo conhecido, de modo que as
realidades brutais da produção do açúcar eram mantidas convenientemente
afastadas da vista da crescente multidão de consumidores europeus. Os
espanhóis, por sua vez, começaram a produzir açúcar nas ilhas Canárias, perto dali,
também usando escravos da África.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Isso se revelou apenas o aquecimento para
o que aconteceria no Novo Mundo. Foi só em 1503 que o primeiro engenho de
açúcar foi aberto em Hispaniola. Os portugueses iniciaram a produção no Brasil
por volta da mesma época, e os britânicos, franceses e holandeses o fizeram no
Caribe durante o século XVII. Depois que as tentativas de escravizar os nativos
fracassaram, principalmente porque eles sucumbiam a doenças para as quais não
tinham nenhuma imunidade, os colonos começaram a importar escravos diretamente
da África. E assim começou o tráfico de escravos. No curso de quatro séculos,
cerca de 11 milhões de escravos foram transportados da África para o Novo Mundo.
Esse número, na verdade, subestima a real escala do sofrimento, porque nada menos
que a metade dos escravos capturados no interior africano morria no caminho
para a costa. A vasta maioria dos escravos enviados através do Atlântico –
cerca de três quartos deles – era posta para trabalhar na produção de açúcar,
que se tornou uma das principais mercadorias no comércio atlântico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse comércio prosperou nos séculos XVII e
XVIII, e acabou consistindo em dois negócios triangulares que se sobrepunham.
No primeiro, mercadorias das Américas, principalmente açúcar, eram enviadas
para a Europa, enquanto artigos acabados, sobretudo têxteis, eram enviados para
a África e usados na compra de escravos; esses escravos eram então enviados para
as plantações de cana-de-açúcar no Novo Mundo. O segundo triângulo também
dependia do açúcar. O melaço, um espesso xarope remanescente da produção de
açúcar, era levado das ilhas produtoras para as colônias americanas da Inglaterra,
onde era destilado para a fabricação de rum, que era então enviado para a
África. O rum, juntamente com os têxteis, era usado como moeda na compra de
escravos, que eram enviados ao Caribe para então produzir mais açúcar. E assim
por diante.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O preço do açúcar, que havia sido um luxo
dispendioso no tempo das Cruzadas, caiu à medida que a produção aumentou; no
fim do século XVII, ele se tornou um item de consumo diário para muitos
europeus. A demanda aumentou quando novas bebidas exóticas como o chá, o café e
o chocolate (da China, da Arábia e das Américas, respectivamente) tornaram-se populares
na Europa, invariavelmente adoçadas com açúcar. Tendo usado frutas e mel como adoçantes
durante séculos, os consumidores europeus tornaram-se subitamente habituados
com o açúcar, até viciados nele. A demanda enriqueceu os barões da cana
caribenhos, mercadores europeus e colonos norte-americanos. O rum tornou-se o item
manufaturado mais lucrativo produzido na Nova Inglaterra, e, no início do
século XVIII, era responsável por 80% das exportações. Tentativas do governo
britânico de restringir as importações do melaço barato proveniente das ilhas
francesas da cana pela Nova Inglaterra, através da Lei do Açúcar e do Melaço,
de 1733, e da Lei do Açúcar, de 1764, desagradaram profundamente aos colonos, causando
a primeira das muitas divergências e protestos que levaram, finalmente, à
Declaração de Independência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Além de notável por sua dependência da
escravidão e sua importância econômica, a produção de açúcar também cristalizou
um novo modelo de organização industrial. Envolvia uma série de processos:
cortar a cana, moê-la para extrair o caldo, ferver e tirar a escuma deste e
depois esfriá-lo, para permitir a formação dos cristais de açúcar, e destilar o
melaço restante para fabricação de rum. O desejo de fazer tudo isso em grande
escala da maneira mais rápida e eficiente possível levou ao desenvolvimento de
um maquinário cada vez mais complexo e estimulou a divisão dos trabalhadores em
equipes especializadas nas diferentes etapas da produção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em particular, a produção do açúcar
dependia do uso de moendas para prensar a cana. Estas podiam extrair o caldo de
maneira mais eficiente que os métodos antiquados de picar os talos de cana à
mão e esmagá-los ou usar uma prensa com rosca. As moendas eram também mais
apropriadas para a produção contínua: depois de espremidos, os bagaços podiam
ser usados como combustível para as caldeiras, na etapa seguinte do processo. O
maquinário desenvolvido para processar açúcar – movido pelo vento, pela água ou
por tração animal – era a mais complexa e cara tecnologia industrial da época,
e prefigurou o equipamento usado mais tarde nas indústrias têxtil, do aço e do
papel.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entretanto, operar as moendas, tomar conta
dos caldeirões de caldo fervente e operar o equipamento de destilação podia ser
perigoso. Um minuto de desatenção ao introduzir a cana na moenda, ou ao lidar
com o açúcar fervente, podia levar a ferimentos horríveis e à morte. Como um
observador registrou: “Se um caldeireiro encosta no açúcar escaldante, ele
gruda como cola, ou visgo, e é difícil salvar seja o membro ou a vida.” Ninguém
faria um trabalho tão perigoso e repetitivo pelos baixos salários que os
produtores ofereciam, razão por que eles recorriam ao trabalho escravo. Para
minimizar o risco de acidentes, era lógico para os trabalhadores
especializarem-se em certas tarefas. Mesmo nas funções menos perigosas, como o
cultivo da cana, os produtores descobriram que dividir seus escravos em equipes
e dar-lhes tarefas predeterminadas facilitava a supervisão do trabalho e a
coordenação dos diferentes estágios do processo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Iniciar uma plantação de cana-de-açúcar
exigia investimento de grande capital para pagar por terra, construções,
maquinário e escravos. A produção da cana era o maior negócio privado de seu
tempo, deixando os proprietários (que podiam esperar lucros anuais de cerca de
10% do capital investido) entre os homens mais ricos da época. Foi sugerido que
os lucros do açúcar e do comércio de escravos geraram a maior parte do capital
de giro necessário para a industrialização subsequente da Grã-Bretanha. De
fato, há poucas evidências de que isso tenha ocorrido, mas a ideia de organizar
a fabricação como um processo contínuo, em linha de produção, com máquinas
energizadas poupadoras de mão de obra e trabalhadores especializados em funções
exclusivas, tem uma clara dívida para com a indústria açucareira das Índias
Ocidentais, onde esse sistema foi implementado pela primeira vez em grande
escala.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirDcJnktxPW-aynyM2BwLzkCgoXW9a7-doBYtarak9ci_m8CtLQQZb3vhzvq94we_6io7RutLavosrGlCTLXe8RKmIN4rczyIv4QW6VHwGDQkSv1iVfsTGTCkTN78EQwp2zuA5lC68PqH6/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_10.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="532" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirDcJnktxPW-aynyM2BwLzkCgoXW9a7-doBYtarak9ci_m8CtLQQZb3vhzvq94we_6io7RutLavosrGlCTLXe8RKmIN4rczyIv4QW6VHwGDQkSv1iVfsTGTCkTN78EQwp2zuA5lC68PqH6/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_10.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Gravura mostrando a produção pré-industrial de açúcar nas Índias Ocidentais.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">“Que comam batatas”<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Conta-se que, quando Maria Antonieta, a
rainha da França, ouviu que os camponeses não tinham pão para comer, ela teria
declarado: “Que comam brioches.” Numa versão da história, ela disse isso quando
os pobres famintos vociferavam nos portões de seu palácio; em outra, a rainha
fez o comentário ao andar por Paris em sua carruagem e notar como as pessoas
estavam desnutridas. Ou talvez tenha dito isso quando multidões iradas tomaram
de assalto as padarias de Paris, em 1775, e quase causaram o adiamento da
coroação de seu marido, Luís XVI. Na verdade, ela provavelmente nunca disse
nada parecido. Esse é apenas um dos muitos mitos associados à famigerada
rainha, que foi acusada de toda sorte de excessos e devassidão por seus
adversários políticos no período em que se preparava a Revolução Francesa, em
1789. A frase sintetiza, no entanto, a percepção de que Maria Antonieta era
alguém que dizia se preocupar com os pobres famintos, mas que era inteiramente
incapaz de compreender suas aflições. Mesmo que nunca tenha defendido a
substituição de pão por brioche, porém, ela endossou publicamente o uso de
outro gênero alimentício como um meio de aplacar a fome dos pobres: a batata.
Provavelmente, também não disse “que comam batatas”, mas foi isso que ela e
muitas outras pessoas pensaram. E não era uma ideia tão má assim. No fim do
século XVIII, esses tubérculos estavam sendo tardiamente aclamados como um
alimento prodigioso do Novo Mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os europeus tiveram o primeiro contato com
as batatas nos anos 1530, quando os conquistadores espanhóis se aventuraram na
tomada do Império Inca, que se estendia até a costa oeste do continente
sul-americano. Elas eram o esteio da dieta inca, ao lado do milho e do feijão.
Originalmente domesticadas na região do lago Titicaca, espalharam-se depois
pelos Andes e além. Os incas desenvolveram centenas de variedades, cada uma
adequada a uma combinação de sol, solo e umidade. Mas os europeus que primeiro
as conheceram não perceberam seu valor. O primeiro relato escrito, datado de
1537, descreve-as como “raízes esféricas que são semeadas e produzem um caule
com ramos e flores, embora poucas, de uma cor roxa suave; e à raiz dessa mesma
planta ... elas estão presas, sob a terra, e são mais ou menos do tamanho de um
ovo, algumas redondas e algumas alongadas; são brancas e roxas e amarelas,
raízes farinhosas de bom sabor, uma iguaria para os índios e um prato delicioso
até para os espanhóis”. Embora algumas batatas tenham sido enviadas para a Espanha
e espalhadas, a partir de lá, pelos jardins botânicos da Europa, elas não foram
entusiasticamente adotadas como um novo produto agrícola à semelhança do que
ocorrera com o milho. Em 1600, elas estavam sendo cultivadas em pequena escala
em poucas partes da Europa, porque os espanhóis as haviam introduzido em suas
possessões na Itália e nos Países Baixos. Em 1601, Clusius, um botânico de
Leiden, descreveu a batata e deu-lhe o nome científico de <i>Solanum tuberosum</i>. Registrou que havia recebido espécimes em 1588,
e que a cultivavam na Itália para consumo tanto de seres humanos quanto de
animais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por que as batatas não se tornaram mais
populares? Afinal, no solo arenoso do norte da Europa, elas acabariam se
provando capazes de produzir de duas a quatro vezes mais calorias por hectare
do que havia sido possível anteriormente com trigo, centeio ou aveia. Além
disso, levam somente três a quatro meses para amadurecer, contra dez para os
cereais, e podem ser cultivadas em quase qualquer tipo de solo. Um problema foi
que as primeiras batatas levadas das Américas eram adaptadas para crescer nos
Andes, onde a duração do dia não varia muito ao longo do ano. Na Europa, onde a
quantidade de luz por dia varia muito mais, elas produziram de início uma safra
escassa, e os botânicos levaram alguns anos para produzir novas variedades
adaptadas ao clima europeu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mesmo assim, os europeus permaneciam
desconfiados desse novo produto. Diferentemente do milho, que era percebido
como um primo até então desconhecido do trigo e de outros grãos, as batatas
eram estranhas e estrangeiras. Não eram mencionadas na Bíblia, o que sugeria
que Deus não pretendera que os homens as comessem, diziam alguns clérigos. A aparência
inestética, malformada, também repelia as pessoas. Para herbanários que acreditavam
que a aparência de uma planta era uma indicação das doenças que ela podia causar
ou curar, as batatas se assemelhavam às mãos nodosas de um leproso, e a ideia
de que causavam lepra disseminou-se. De acordo com a segunda edição de <i>Herball</i>, de John Gerard, publicada em
1633, “os borgonheses são proibidos de fazer uso desses tubérculos, porque lhes
asseguram que comê-los causa lepra”. Botânicos mais inclinados à ciência
interessaram-se pelas batatas, os primeiros tubérculos comestíveis conhecidos,
e as identificaram como membros da venenosa família da doce-amarga. Isso também
não ajudou sua reputação: elas passaram a ser associadas à bruxaria e ao culto
do diabo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No início do século XVII, as batatas eram
vistas em geral como forragem apropriada para animais, mas, para seres humanos,
eram tidas apenas como um último recurso, quando nenhuma outra comida estivesse
disponível. O tubérculo fez lento progresso nos anos seguintes, sendo consumido
apenas pelos muito ricos (era apreciado por alguns jardineiros aristocráticos e
servido como uma novidade) e muito pobres (tornou-se um item básico da dieta
dos desfavorecidos, primeiro na Irlanda e depois em partes da Inglaterra, da
França, dos Países Baixos, da Renânia e da Prússia). Períodos de fome fizeram
surgir novos adeptos, pois pessoas que não tinham escolha senão comer batatas
logo descobriram que, afinal de contas, elas não eram tão horríveis assim. Um
dos primeiros atos da Royal Society, sociedade científica pioneira da Grã-Bretanha,
após sua fundação em 1660, foi chamar atenção para seu valor em épocas de fome
– argumentando que nos anos em que a safra de trigo fracassava, havia muitas
vezes uma boa colheita de batatas. Mas esse conselho foi ignorado, e somente quando
a fome assolou, como ocorreu na França em 1709, foi que as virtudes da batata
foram completamente evidenciadas e a ameaça de inanição obrigou as pessoas a
pôr os preconceitos de lado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma série de períodos de fome no século
XVIII valeu à batata alguns amigos altamente posicionados. Quando as safras
fracassaram em 1740, Frederico o Grande, da Prússia, recomendou insistentemente
a produção mais ampla do tubérculo entre seus súditos. Seu governo distribuiu
um manual que explicava como cultivar o novo produto e distribuiu batatas-sementes
gratuitas. Outros governos europeus fizeram o mesmo, fazendo da promoção da
batata uma política oficial. Na Rússia, os conselheiros médicos de Catarina a
Grande convenceram-na de que o tubérculo podia ser um antídoto para a inanição;
governos na Boêmia e na Hungria também defenderam seu cultivo. Por vezes, a
defesa da batata era apoiada pela força: os camponeses austríacos foram
ameaçados com 40 chicotadas caso se recusassem a aceitá-la. A guerra também
ajudou a mudar atitudes. Durante as campanhas no norte da Europa, nos anos 1670
e 1680, os exércitos de Luís XIV encontraram batatas em Flandres e na Renânia,
onde nessa época já estavam sendo cultivadas em alguma quantidade. Um
observador registrou que “o exército francês encontrou assim grande apoio,
alimentando os soldados rasos mais abundantemente; ela é ao mesmo tempo
deliciosa e saudável”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Soldados austríacos, franceses e russos
que lutaram na Prússia durante a Guerra dos Sete Anos (1756-63) viram como as
batatas (plantadas por insistência de Frederico o Grande) sustentavam a
população local e passaram a defender seu cultivo quando voltaram para casa. Uma
vantagem desse alimento durante os tempos de guerra era que ele permanecia
escondido, em segurança, debaixo da terra; mesmo que um exército acampasse num
campo de batatas, o agricultor ainda poderia colhê-las depois.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A experiência de um homem em especial com
as batatas durante a Guerra dos Sete Anos o inspirou a se tornar o maior
defensor desses tubérculos. Antoine-Augustin Parmentier, um cientista francês,
serviu como farmacêutico no exército francês. Depois de capturado pelos prussianos,
passou três anos na prisão, e durante grande parte desse tempo só lhe deram batatas
para comer. Ele concluiu que elas eram um alimento nutritivo e saudável; quando
a guerra terminou e ele voltou à França, tornou-se um eloquente defensor da
batata. Após outra má colheita em 1770, foi oferecido um prêmio para o melhor
ensaio sobre “gêneros alimentícios capazes de reduzir as calamidades da fome”;
Parmentier foi o vencedor, com um elogio às batatas. Embora ainda houvesse uma
crença generalizada de que elas eram venenosas e podiam causar doenças, em 1771
Parmentier ganhou o respaldo do corpo docente médico da Sorbonne, que decidiu
que a batata era realmente apropriada para o consumo humano. Pouco depois,
Parmentier publicou uma detalhada análise científica dos méritos daquele
alimento. Mas o apoio em meio à comunidade científica era uma coisa; após anos
de esforço, Parmentier descobriu que convencer as pessoas a cultivar e a comer
batatas era outra muito diferente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Diante disso, ele organizou uma série de
eventos publicitários. Em 1785, num banquete para celebrar o aniversário de
Luís XVI, Parmentier presenteou o rei e a rainha com um buquê de flores de
batata; o rei prendeu uma das flores na lapela e Maria Antonieta pôs uma
guirlanda delas no cabelo. Quando os convidados se sentaram para comer, vários
dos pratos incluíam batatas. Com o endosso do rei e da rainha, comer batatas e
usar flores dessa planta logo se tornaram moda na aristocracia. Parmentier
também promoveu ele mesmo vários jantares, servindo batatas preparadas numa
variedade de maneiras para enfatizar sua versatilidade. (O estadista e
cientista americano Benjamin Franklin estava entre as celebridades convidadas
para esses eventos.) O melhor truque de Parmentier, contudo, foi postar guardas
armados em torno dos campos próximos de Paris, dados a ele pelo rei, em que
cultivava batatas. Isso despertou o interesse dos moradores das vizinhanças,
que perguntavam a si mesmos que planta valiosa poderia requerer tais medidas de
segurança. Quando uma safra ficou madura, Parmentier mandou os guardas se
afastarem; a gente do lugar invadiu o campo correndo e roubou as batatas. Quando
a hostilidade em relação ao tubérculo finalmente se dissipou, consta que o rei
teria dito a Parmentier: “A França lhe agradecerá algum dia por ter encontrado
pão para os pobres.” Foi somente alguns anos mais tarde, depois da Revolução
Francesa (durante a qual Luís XVI e Maria Antonieta foram guilhotinados), que a
previsão do rei se confirmou. Em 1802, Napoleão Bonaparte instituiu a ordem da
Légion d’Honneur, e Parmentier foi um dos primeiros a recebê-la. O serviço que
prestou à batata é lembrado hoje na forma de vários pratos baseados em batata
que levam seu nome.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A história foi parecida, ainda que menos
poética, no resto da Europa: com a combinação de fome, guerra e promoção
governamental, por volta de 1800 a batata havia se tornado um novo e importante
gênero alimentício. Sir Frederick Eden, um escritor inglês e pesquisador
social, escreveu que em Lancashire “ela é um prato sempre presente em todas as
refeições, exceto no desjejum, tanto nas mesas dos ricos quanto nas dos pobres
... as batatas são talvez o mais forte exemplo da extensão do prazer humano que
pode ser mencionado”. A batata foi saudada como “a maior bênção que a terra
produz”, “o milagre da agricultura” e “a mais valiosa das raízes”. Em 1795,
depois de más colheitas de trigo em 1793 e 1794, muita gente deixou de lado a
rejeição ao novo alimento. Nesse ano, o jornal <i>Times</i>, de Londres, chegou até a imprimir receitas de sopa de batata
e de pão de milho e batata. Um fator que contou em favor do tubérculo foi o
alto status do pão branco, feito de trigo, em relação ao pão preto, feito de centeio,
aveia e cevada. Os trabalhadores ingleses, que haviam prosperado o suficiente
para trocar o pão preto pelo branco durante o século XVII, estavam muito
relutantes em voltar ao pão preto. Quando os tempos ficavam difíceis, eles
preferiam comer batatas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seu livro <i>A riqueza das nações</i>, publicado em 1776, o filósofo e economista
escocês Adam Smith observou que “o alimento produzido por um campo de batatas
não é inferior em quantidade ao produzido por um campo de arroz, e muito superior
ao que é produzido por um campo de trigo”. Mesmo admitindo o fato de que as
batatas continham grande quantidade de água, ele comentou: “Um acre de batatas
ainda produzirá 6 mil [pesos] de alimento consistente, três vezes a quantidade
de trigo produzida por acre.” Seu elogio à batata continuava com palavras que
hoje parecem proféticas: “Caso essa raiz se tornasse um dia, em qualquer parte
da Europa, o que é o arroz em algumas regiões arrozeiras, o alimento vegetal comum
e favorito do povo, de modo a ocupar a mesma proporção de terras cultivadas que
o trigo e outros tipos de grãos para a alimentação humana ocupam hoje, a mesma
quantidade de terra sustentaria um número muito maior de pessoas e ... a
população aumentaria.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">De Colombo a Malthus<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Três séculos depois da chegada de Colombo
às Américas, o intercâmbio de plantas, doenças e pessoas havia transformado a
população do mundo e sua distribuição. A varíola, a catapora, a gripe, o tifo,
o sarampo e outras doenças do Velho Mundo – muitas delas consequências da proximidade
entre seres humanos e animais domesticados, como porcos, vacas e frangos, desconhecidos
no Novo Mundo – tinham dizimado os povos nativos das Américas, que não eram
imunes a elas, abrindo caminho para a conquista europeia. Estimativas do
tamanho da população pré-colombiana variam de 9 a 112 milhões, mas um número
mais realista de 50 milhões, reduzido por doenças e guerras a cerca de 8 milhões
em 1650, dá uma ideia da dimensão da destruição. Enquanto seus aliados biológicos
invisíveis ainda exterminavam os povos indígenas das Américas, os europeus
começaram a importar escravos africanos em grande escala para trabalhar em
plantações de cana-de-açúcar. As características das populações da África e das
Américas foram transformadas, e é certo que a Troca Colombiana também ajudou a
alterar as características da população da Eurásia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na China, a chegada do milho e da
batata-doce contribuiu para um aumento na população de 140 milhões em 1650 para
400 milhões em 1850. Como podia ser cultivado em áreas secas demais para o
arroz e em encostas de morros não irrigáveis, o milho aumentou a oferta de comida
e permitiu às pessoas viver em novos lugares. As regiões montanhosas da bacia
do Yangtze foram desmatadas para dar lugar à produção de anileiras e juta, por
exemplo, e os camponeses que os cultivavam subsistiam à base de milho e
batata-doce, que cresciam bem nos morros. Outra prática que permitiu à produção
de comida acompanhar a população crescente foi a de múltiplos plantios. Quando
cultivado em campos alagados, o arroz absorve a maior parte de seus nutrientes
da água, não do solo, de modo que pode ser repetidamente plantado na mesma
terra, sem necessidade de deixá-la descansar para permitir a recuperação do
solo. Os agricultores no sul da China podiam, por vezes, obter duas ou até três
colheitas por ano num único pedaço de terra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na Europa, nesse meio-tempo, foi em parte
graças aos novos produtos agrícolas que a população pôde crescer de 103 milhões
em 1650 para 274 milhões em 1850. Durante o século XVI, os itens básicos da
dieta europeia, trigo e centeio, produziam por hectare cerca da metade da
quantidade (medida por peso) que o milho produzia nas Américas, e cerca de um quarto
do que o arroz produzia no sul da China. Assim, a chegada do milho e das
batatas à Europa proporcionou uma maneira de produzir muito mais alimento com a
mesma quantidade de terra. O exemplo mais impressionante foi o da Irlanda, onde
a população cresceu de cerca de 500 mil em 1660 para 9 milhões em 1840 – algo que
não teria sido possível sem a batata. Sem ela, o país inteiro só poderia ter
produzido trigo suficiente para sustentar 5 milhões de pessoas. As batatas
garantiram o sustento de quase o dobro desse número, embora o trigo tenha
continuado a ser cultivado para exportação. As batatas podiam ser cultivadas em
terras europeias impróprias para o trigo, e eram muito mais confiáveis. Melhor
alimentadas, as pessoas tornavam-se mais saudáveis e resistentes a doenças,
fazendo com que a taxa de mortalidade caísse e a de natalidade aumentasse. E o
que as batatas fizeram no norte da Europa, o milho fez no sul: as populações da
Espanha e da Itália quase dobraram durante o século XVIII.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Além de adotar novos produtos agrícolas,
os agricultores europeus aumentaram a produção ampliando as terras cultivadas e
desenvolvendo novas técnicas agrícolas. Em especial, introduziram as rotações
de culturas de trevos e nabos (no caso mais famoso, na Grã-Bretanha, a rotação
em quatro etapas de Norfolk, com nabos, cevada, trevo e trigo). Nabos eram
plantados em terras que teriam sido deixadas em repouso, e depois dados para os
animais, cujo estrume aumentava a produção de cevada no ano seguinte. Alimentar
animais com nabo também permitia que aquela área, antes usada como pasto, fosse
destinada ao cultivo de produtos para o consumo humano. De maneira semelhante,
cultivar trevos ajudava a restaurar a fertilidade do solo, para assegurar uma
boa safra de trigo no ano seguinte. Outra inovação foi a adoção do dril, uma
máquina puxada a cavalo que inseria sementes dentro de sulcos no solo a uma
profundidade precisa. Semear grãos desse modo, em vez de espalhá-los da maneira
tradicional, acarretava que as plantas eram devidamente espaçadas em sulcos
bem-feitos, tornando a capina mais fácil e assegurando que plantas adjacentes
não competissem por nutrientes. Mais uma vez, isso ajudou a aumentar os
rendimentos das safras de cereais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No fim do século XVIII, porém, houve
sinais de que mesmo o aumento repentino da produtividade agrícola não poderia
mais acompanhar o crescimento da população. O problema foi mais perceptível na
Inglaterra, que tivera maior sucesso que outros países europeus em aumentar a
produção de alimentos, e por isso teve mais dificuldade de manter o ritmo que
estabelecera para si mesma depois que a população se expandiu. Durante a
primeira metade do século, a Inglaterra exportara grãos para a Europa
continental; depois de 1750, porém, a população crescente e uma sucessão de más
colheitas levaram à escassez e a preços mais altos. A produção agrícola ainda
estava crescendo cerca de 0,5% ao ano, mas isso era somente a metade da taxa de
crescimento da população, cerca de 1% ao ano, de modo que a quantidade de
comida <i>per capita</i> estava caindo. O
mesmo acontecia por toda a Europa: a pesquisa antropométrica mostra que os
europeus adultos nascidos entre 1770 e 1820 eram, em média, visivelmente mais
baixos que as gerações anteriores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na China, a produção de arroz podia ser
aumentada pelo incremento da mão de obra e de mais plantios múltiplos. Mas, como
essa não era uma opção para produtos agrícolas europeus, a coisa óbvia a fazer
era disponibilizar ainda mais terras para o cultivo. O problema era que essa
oferta era finita, e a terra era necessária também para outras coisas além de
agricultura, como produzir madeira para construção e combustível e acomodar as
cidades cada vez maiores da Europa. Novamente, o problema era particularmente
agudo na Inglaterra, onde a urbanização havia sido mais rápida. As pessoas
começaram a temer que a população logo excedesse a oferta de alimentos. O
problema foi elegantemente resumido pelo economista inglês Thomas Malthus, que
publicou <i>An Essay on the Principle of
Population</i> em 1798. Foi uma obra extraordinariamente influente, e seu
principal argumento é o seguinte:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">O poder da população é infinitamente maior que o poder da
terra de produzir subsistência para o homem. A população, quando não
controlada, aumenta numa razão geométrica. A subsistência aumenta apenas numa
razão aritmética. Um conhecimento superficial dos números mostrará a imensidão
do primeiro poder em comparação com o segundo. Por aquela lei de nossa natureza
que torna o alimento necessário à vida do homem, os efeitos desses dois poderes
desiguais devem ser mantidos iguais. Isso implica um controle forte e
constantemente operante sobre a população, exercido pela dificuldade de
subsistência. Essa dificuldade deve recair em algum lugar e ser agudamente
sentida por uma grande porção da humanidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Malthus pensava que esse impasse, hoje
conhecido como a “armadilha malthusiana”, era inescapável. Se tivesse
oportunidade, a população duplicaria a cada 25 anos, aproximadamente, e depois
duplicaria de novo após o mesmo intervalo, aumentando numa razão geométrica;
apesar do rápido aumento da produtividade agrícola das décadas anteriores, era
difícil ver como a produção de alimentos poderia acompanhá-la. Mesmo que a
produção de alimentos pudesse, de algum modo, ser duplicada em relação a seu
nível dos anos 1790, isso só garantiria mais 25 anos de trégua; era difícil imaginar
como ela poderia ser novamente duplicada. “Durante o período seguinte de
duplicação, onde será encontrado o alimento para satisfazer às demandas
inoportunas dos números crescentes?”, perguntou Malthus. “Onde as novas terras
podem ser encontradas?” Rápido crescimento populacional havia sido possível,
observou Malthus, nas colônias americanas, mas isso ocorrera porque a população
era relativamente pequena em relação à abundante terra disponível.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“Não vejo nenhuma maneira pela qual o
homem possa escapar do peso desta lei que permeia toda a natureza animada”,
concluiu ele sombriamente. “Nenhuma igualdade imaginária, nenhuma regulação
agrária em sua máxima extensão poderia remover essa pressão, mesmo que por um
único século. E ela parece, portanto, decisiva contra a possível existência de
uma sociedade cujos membros deveriam todos viver em tranquilidade, felicidade e
relativo ócio, e não sentir ansiedade alguma com relação à provisão dos meios
de subsistência para si mesmos e suas famílias.” Ele previu um futuro de
escassez, fome e miséria. A batata, Malthus acreditava, tinha parte da culpa.
Tendo sido defendida como um remédio para a fome, agora parecia estar
apressando o início de uma crise inevitável. E, mesmo que fornecesse alimento
suficiente, afirmou Malthus, fazia a população crescer muito além das
oportunidades de emprego. Em retrospecto, é claro, podemos apreciar a ironia de
Malthus estar suscitando limitações biológicas à população e ao crescimento
econômico precisamente no momento em que a Grã-Bretanha estava prestes a
demonstrar, pela primeira vez na história humana, que elas não mais se
aplicavam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">8. A máquina a vapor e
a batata<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“É moda exaltar as batatas, e
comer batatas. Todo mundo participa da exaltação das batatas, e todo mundo
gosta de batatas, ou finge que gosta, o que dá no mesmo.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
WILLIAM COBBETT, AGRICULTOR E
PANFLETÁRIO INGLÊS, 1818<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">“O produto da
agricultura”<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desde os primórdios da pré-história até o
início do século XIX, quase todas as necessidades da vida haviam sido atendidas
por coisas que cresciam da terra. Ela fornecia produtos agrícolas de vários
tipos: madeira para combustível e construção; fibras com que fazer roupas, e
forragem para os animais, os quais, por sua vez, forneciam mais alimento,
juntamente com outros materiais úteis como lã e couro. Açougueiros, padeiros,
sapateiros, tecelões, carpinteiros e construtores de navios dependiam de
matérias-primas animais ou vegetais, que eram produto, de maneira direta ou
indireta, de fotossíntese – a captação da energia do sol por plantas em
crescimento. Como todas essas coisas vinham da terra, e como a oferta de terra
era limitada, Thomas Malthus concluiu que havia um limite ecológico com que
populações e economias crescentes iriam acabar se defrontando. Ele fez essa
previsão pela primeira vez às vésperas do século XIX, e refinou sua
argumentação nos anos seguintes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, a Grã-Bretanha não se chocou
contra o muro ecológico que Malthus antecipara. Em vez disso, saltou sobre ele
e libertou-se das limitações do “antigo regime biológico”, no qual tudo era
derivado dos frutos da terra. Em vez de cultivar a maior parte de seu próprio
alimento, a Grã-Bretanha concentrou-se na fabricação de produtos
industrializados, especialmente têxteis de algodão, que podiam depois ser
trocados por alimentos estrangeiros. Durante o século XIX, a população mais do
que triplicou e a economia cresceu num ritmo ainda mais rápido, de modo que o
padrão de vida médio aumentou – um resultado que teria assombrado Malthus. A
Grã-Bretanha lidara com a crescente escassez de alimentos reorganizando a
economia. Ao mudar da agricultura para a manufatura, tornou-se a primeira nação
industrializada do mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para sermos justos, Malthus dificilmente
poderia ter esperado ver isso acontecer, pois nada semelhante jamais ocorrera
antes. E nada disso foi planejado, mas sim o resultado acidental da
convergência de várias tendências independentes. Três das mais importantes
relacionavam-se com mudanças na produção de alimentos: maior especialização nas
artes manuais estimulada pela crescente produtividade agrícola; o uso cada vez
maior de combustíveis fósseis, inicialmente como medida para poupar terra; e
ênfase crescente em importar alimentos em vez de cultivá-los.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O primeiro passo no caminho de uma
economia agrícola para uma economia industrial foi o crescimento da indústria
rural, na forma de manufaturas e artes manuais baseadas no lar. Isso aconteceu
por toda a Europa, mas foi particularmente notável na Inglaterra, em razão do
crescimento extraordinariamente rápido de sua produtividade agrícola. Em 1800,
somente 40% da força de trabalho masculina trabalhava na terra, comparados com
65% a 80% na Europa continental. O número de homens trabalhando na agricultura
em 1800 era aproximadamente o mesmo que 200 anos antes, mas a introdução de
novas culturas e de técnicas aperfeiçoadas de cultivo significava que cada um
estava produzindo o dobro de comida. A alta produtividade liberava cada vez
mais trabalhadores da terra e estimulava pessoas a passarem para a manufatura rural,
como Adam Smith explicou:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">Uma região no interior de um país naturalmente fértil e
facilmente cultivável produz grande excedente de víveres além do necessário
para manter os agricultores ... A abundância, portanto, torna os víveres
baratos e estimula um grande número de trabalhadores a se estabelecer nas
vizinhanças, os quais descobrem que sua indústria ali pode lhes proporcionar
mais das necessidades e conveniências da vida que em outros lugares. Eles
trabalham o material de manufatura que a terra produz, e trocam seu trabalho
acabado, ou o preço dele, o que é a mesma coisa, por mais materiais e víveres.
Dão um novo valor à parte excedente da produção bruta ... e fornecem aos
agricultores em troca dela algo que lhes é ou útil ou agradável. Os
agricultores obtêm um preço melhor pela produção excedente, e têm oportunidade
de comprar mais barato outras conveniências ... Os manufaturadores abastecem
primeiro a vizinhança, e depois, à medida que seu trabalho melhora e se refina,
mercados mais distantes ... Desta maneira cresceram naturalmente as manufaturas
de Leeds, Halifax, Sheffield, Birmingham e Wolverhampton. Essas manufaturas são
o produto da agricultura.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de se estabelecer na Inglaterra, a
manufatura rural intensificou-se na metade norte do país durante o século
XVIII, em resposta à adoção de novas técnicas agrícolas no sul. Como o uso de
trevo e nabo em rodízio com trigo e cevada para aumentar a produção de cereais
era menos eficiente nos solos argilosos pesados do norte e do oeste da
Inglaterra, as pessoas dessas regiões concentravam-se na criação de animais e
na manufatura, usando o lucro para comprar cereais do sul do país. O resultado,
por acaso, foi uma concentração da manufatura exatamente nas regiões da
Inglaterra onde havia ricos depósitos de carvão mineral.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Os combustíveis da
indústria<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A substituição da madeira pelo carvão
mineral como combustível foi uma segunda tendência que contribuiu para a
industrialização da Grã-Bretanha. As pessoas gostavam muito mais de queimar
madeira que carvão mineral em suas casas, mas à medida que a terra tornou-se
mais requisitada para o uso agrícola, áreas que anteriormente forneciam lenha
foram limpas para dar lugar ao cultivo. O preço da lenha disparou – aumentou três
vezes em cidades da Europa Ocidental entre 1700 e 1800 –, e as pessoas
recorreram ao carvão como um combustível mais barato. (Era barato na
Inglaterra, pelo menos, pois havia fartos depósitos próximos da superfície.)
Uma tonelada de carvão fornece a mesma quantidade de calor que a quantidade de madeira
colhida de maneira sustentável de 0,4 hectare de terra. Na Inglaterra e no País
de Gales, cerca de 2,8 milhões de hectares de terra que anteriormente forneciam
madeira, ou cerca de um quinto da área de superfície total, passaram a ser
cultivados entre 1700 e 1800. Isso assegurou que a oferta de comida continuasse
a acompanhar o crescimento da população – mas exigiu que todos passassem a
queimar carvão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E foi o que fizeram: o consumo real de
carvão em 1800 era de cerca de 10 milhões de toneladas por ano, gerando uma
quantidade de energia que, de outro modo, teria exigido que 4 milhões de
hectares fossem reservados para a produção de combustível. Nessa altura,
segundo algumas estimativas, a Grã-Bretanha era responsável por 90% da produção
mundial de carvão. No que dizia respeito ao combustível, pelo menos, ela já
havia escapado das limitações do antigo regime biológico. Em vez de o país
depender de plantas vivas para captar a luz solar e produzir combustível, o
carvão lhe permitia extrair vastas reservas de luz solar, acumuladas milhões de
anos antes e armazenadas sob a terra na forma de plantas mortas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embora o carvão fosse originalmente
explorado como uma alternativa à madeira no aquecimento doméstico, sua
abundância significou que ele logo passou a ser usado para outros fins. Arthur
Young, um agricultor, escritor e observador social inglês, ficou impressionado
com a relativa escassez de vidraças nas janelas ao viajar pela França nos anos
1780; elas eram muito mais difundidas na Inglaterra nessa época, porque o
carvão fornecia energia barata para a fabricação de vidro. (Nesse meio-tempo,
os vidreiros franceses estavam tão desesperados por combustível que recorriam
ao expediente de queimar caroços de azeitonas.) O carvão era também
intensamente usado pela indústria têxtil, para aquecer os líquidos usados no
branqueamento, na tintura e na estampagem e para aquecer as salas de secagem e
as prensas. Ele permitiu uma rápida expansão na produção de ferro e aço,
anteriormente fundidos com o uso de madeira. E, é claro, era usado para acionar
máquinas a vapor, uma tecnologia que nasceu da própria indústria do carvão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de esgotados os depósitos
superficiais e visíveis de carvão da Inglaterra, foi necessário perfurar poços
de minas a profundidades cada vez maiores – quanto mais profundos, porém, maior
a probabilidade de que fossem inundados com água. A máquina a vapor inventada
por Thomas Newcomen em 1712, baseada no trabalho de inventores anteriores, foi
construída especificamente para bombear água de minas inundadas. Os primeiros
exemplares eram muito ineficientes, mas isso não importava muito, porque eram movidas
a carvão – e numa mina de carvão esse combustível era gratuito. Em 1800, já
havia centenas das máquinas de Newcomen instaladas em minas por toda a
Inglaterra. O passo seguinte foi dado por James Watt, um inventor escocês que, chamado
a consertar uma máquina de Newcomen em 1763, percebeu rapidamente como aquele
projeto esbanjador poderia ser aperfeiçoado. O projeto de Watt, concluído em 1775,
era muito mais eficiente e também mais apropriado para mover mecanismos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Isso significou que a energia a vapor pôde
ser utilizada nos vários equipamentos poupadores de mão de obra concebidos na
indústria têxtil, permitindo um enorme aumento de produtividade. Em 1790, a
primeira versão movida a energia a vapor da <i>“mule”</i>
de Samuel Crompton – uma máquina de fiar algodão – aumentou 100 vezes a
produção de fios por trabalhador em relação à roda de fiar manual, por exemplo.
A quantidade de fios que podiam ser produzidos era tão grande que foi preciso
automatizar também os teares para utilizá-los. Ao reunir todas essas máquinas
numa única fábrica, de modo que o produto de um estágio de processamento
pudesse ser passado para o seguinte, como numa plantação de cana-de-açúcar, foi
possível alcançar outros melhoramentos na produtividade. No final do século
XVIII, a Grã-Bretanha podia produzir têxteis de modo tão barato e em tal
abundância que começou a exportá-los para a Índia, devastando, no processo, o
tradicional ofício da tecelagem daquele país.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A terceira mudança que sustentou a
Revolução Industrial foi o aumento da dependência de importações de alimentos.
Assim como usava carvão do subsolo para acionar suas novas máquinas a vapor, a
Grã-Bretanha usava alimentos provenientes do estrangeiro para fornecer energia
para os trabalhadores. De suas possessões nas Índias Ocidentais, trazia vastas quantidades
de açúcar, que significavam uma espantosa proporção do consumo calórico da Grã-Bretanha
durante o século XIX, aumentado de 4% de todas as calorias consumidas em 1800
para 22% em 1900. O açúcar fluía para o leste através do Atlântico, pagando por
bens manufaturados que viajavam no sentido oposto. Como um hectare de açúcar
rende a mesma quantidade de calorias que 9 a 12 hectares de trigo, o açúcar
importado assegurava o equivalente calórico da produção de trigo em 520 mil
hectares de terras cultivadas em 1800, elevando-se para 1 milhão de hectares em
1830 e para cerca de 8 milhões em 1900. A Grã- Bretanha havia claramente
escapado das amarras impostas pela limitação de terras produzindo bens
industrializados, cuja fabricação não exigia grandes áreas, e trocando-os por
alimento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O açúcar era usado para adoçar o chá, a
bebida favorita dos trabalhadores industriais, que tinha a vantagem de fornecer
energia (do açúcar) e de mantê-los alertas durante os longos turnos (pois o chá
contém cafeína). O açúcar era também consumido como um gênero alimentício, para
avivar uma dieta monótona: podia ser adicionado ao mingau na forma de melado ou
comido como geleia (contendo de 50 a 65% de açúcar) em sanduíches. Melado ou
geleia espalhados no pão eram muito apreciados por famílias de trabalhadores
nas cidades industriais porque eram uma fonte barata de calorias e podiam ser
preparados rapidamente, sem a necessidade de cozinhar. Muitas mulheres já
estavam trabalhando em fábricas e não tinham mais tempo de preparar sopa. O
preço do açúcar caiu e a disponibilidade de geleia aumentou depois de 1874,
quando a Grã-Bretanha aboliu as tarifas sobre as importações de açúcar, que
remontavam aos velhos tempos de Carlos II e seu abacaxi, em 1661.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não apenas o açúcar da geleia que era
importado; o mesmo acontecia, cada vez mais, com o trigo usado para fazer pão.
Quando a perspectiva de escassez de alimentos aumentou, no final do século
XVIII, a Grã-Bretanha começou a importar mais comida da Irlanda. Após o Ato de
União de 1801, a Irlanda passou, tecnicamente, a fazer parte do Reino Unido,
mas na prática era tratada como uma colônia agrícola pelos ingleses. Leis que
proibiam a importação de produtos animais irlandeses pela Inglaterra haviam
sido revogadas em 1766, e no final do século XVIII as importações de carne
bovina irlandesa haviam aumentado três vezes, as de manteiga seis vezes e as de
carne de porco sete vezes. No início dos anos 1840, as importações da Irlanda
garantiam um sexto da comida consumida na Inglaterra. Essa comida era produzida
por homens que trabalhavam nas melhores terras, mais facilmente cultiváveis, e
que, como de hábito, recebiam uma pequena área, de qualidade inferior, em que
plantavam batatas para sustentar a si mesmos e às suas famílias. Em suma, os
ingleses só podiam continuar comendo pão porque os irlandeses estavam comendo
batatas. Ao sustentar os trabalhadores agrícolas irlandeses, a batata ajudou a
alimentar as primeiras décadas da industrialização britânica.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A Fome da Batata e suas
consequências<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O exemplo da Grã-Bretanha parecia ter
provado que Malthus estava errado, mas pelo menos num aspecto ele foi
agourentamente presciente. No início do século XIX, Malthus havia discordado da
ideia de que a batata solucionava o problema alimentar, como parecia ter feito na
Irlanda. Em <i>The Question of Scarcity
Plainly Stated and Remedies Considered</i>, publicado em 1800, Arthur Young
havia sugerido que o governo britânico devia dar a cada agricultor com três ou
mais filhos 0,2 hectare de terra para cultivar batatas e manter uma ou duas
vacas. “Se cada um tivesse sua ampla plantação de batatas e uma vaca, o preço
do trigo não teria muito mais importância para eles que para seus irmãos na
Irlanda”, escreveu ele. A dependência das batatas em que a Irlanda se
encontrava, no entanto, não era algo que outros países devessem invejar,
declarou Malthus. Pois se todas as pessoas se tornassem dependentes desse
alimento, o fracasso de uma safra seria uma catástrofe. “Não é possível”, escreveu
ele em resposta à proposta de Young, “que um dia a própria safra de batatas
possa fracassar?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa catástrofe atingiu a Irlanda no
outono de 1845. Em retrospecto, foi um desastre anunciado. A safra de batatas
malograra em anos anteriores, pelo menos em algumas partes da Irlanda, e
houvera anos ruins na década de 1830. Mas a ruína da safra de 1845, causada por
uma doença até então desconhecida, se deu numa escala inteiramente diferente e
afetou o país inteiro. As plantas de batata começaram a murchar, enquanto os
tubérculos sob o solo começaram a apodrecer; numa questão de dias, campos cheios
de plantas aparentemente saudáveis foram reduzidos a uma folhagem preta,
devastada. Foi a praga da batata, causada por <i>Phytophthora infestans</i>, um fungo originário do Novo Mundo que
cruzou o Atlântico pela primeira vez em 1845. Até batatas colhidas antes que a
praga se manifestasse estragaram e apodreceram em menos de um mês. O que, segundo
todas as expectativas, seria uma safra excelente – 1 milhão de hectares haviam
sido plantados, 6% a mais que no ano anterior – foi, ao contrário, um fracasso
total.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A escala da devastação não se pareceu com
nada já visto em qualquer parte da Europa desde a Peste Negra. A safra da
batata foi um fiasco de novo em 1846, e nos anos subsequentes a fome continuou
porque os agricultores desistiram de plantar esses tubérculos. As pessoas
enfrentaram não apenas inanição, mas doenças. William Forster, um quacre que visitou
a Irlanda em janeiro de 1847, registrou a cena vista em uma aldeia:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">O sofrimento excedia de muito meus poderes de descrição. Fui
rapidamente cercado por uma multidão de homens e mulheres, mais parecendo cães
famintos que criaturas humanas, cujos vultos, fisionomias e gritos mostravam a
todos que eles estavam sofrendo a agonia devoradora da fome ... numa [choupana]
havia dois homens emaciados, estendidos ao comprido no chão úmido ... fracos
demais para se mexer, na verdade reduzidos a pele e osso. Em outra um rapaz
morria de disenteria; sua mãe tinha penhorado todas as coisas ... para mantê-lo
vivo; e nunca me esquecerei do tom resignado, paciente, com que ela me disse
que o único remédio que ele queria era comida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cerca de 1 milhão de pessoas morreram de
fome na Irlanda em consequência da falta de comida ou foram levadas pelas
doenças que se espalharam na sua esteira. Outro milhão emigrou para fugir da
fome, muitos para os Estados Unidos. A praga da batata espalhou-se pela Europa
e durante dois anos não se encontrava esse tubérculo em lugar nenhum. Mas a dependência
da batata sem paralelo em que a Irlanda se encontrava fez com que ela fosse a
que mais sofreu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No final de 1845, quando a magnitude do
desastre ficou patente, o primeiro-ministro britânico, sir Robert Peel, viu-se
numa situação difícil. A resposta óbvia para a escassez era importar cereais do
exterior para aliviar a situação na Irlanda. O problema era que tais importações
estavam sujeitas na época, por lei, a uma pesada taxa de importação para assegurar
que os cereais cultivados internamente custariam menos, ficando os produtores domésticos
protegidos contra importações baratas. As Leis do Trigo, como eram conhecidas, estavam
no cerne de um antigo debate que havia lançado os proprietários de terras aristocráticos,
que queriam sua manutenção, contra uma aliança de opositores liderada por industriais,
que pediam sua abolição.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os proprietários de terras afirmavam que
era melhor depender do trigo plantado no país que de importações estrangeiras
inconstantes, e advertiam que agricultores perderiam seus empregos; calavam sua
verdadeira preocupação, de que a concorrência de importações baratas os
forçasse a reduzir o preço dos arrendamentos cobrados dos agricultores. Os industriais
diziam que era injusto manter o preço do trigo (e portanto do pão)
artificialmente alto, uma vez que a maioria das pessoas agora comprava comida,
em vez de cultivá-la. No fundo, sabiam também que o fim da tributação iria
reduzir as demandas por salários mais altos, já que os preços da comida
cairiam. Os industriais esperavam ainda que, com a comida mais barata, as
pessoas tivessem mais dinheiro para gastar com produtos industrializados. E
eram favoráveis à abolição das Leis do Trigo porque isso levantaria a bandeira do
“livre comércio”, assegurando fácil acesso a matérias-primas importadas por um
lado, e a mercados de exportação para produtos manufaturados por outro. O
debate sobre as Leis do Trigo foi, em suma, um microcosmo das lutas muito mais
amplas entre a agricultura e a indústria, o protecionismo e o livre comércio.
Era a Grã-Bretanha uma nação de agricultores ou de industriais? Como os
proprietários de terras controlavam o Parlamento, a discussão durou as décadas
de 1820 e 1830 inteiras, praticamente sem nenhum efeito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O resultado foi determinado pela batata,
quando a fome na Irlanda levou a situação a um ponto crítico. Peel, que se
opusera vigorosamente à abolição das Leis do Trigo num debate parlamentar em
junho de 1845, percebeu que suspender a tarifa sobre importações para a Irlanda
a fim de aliviar a fome, mas mantê-la em vigor nos demais lugares, causaria
grande agitação na Inglaterra, onde as pessoas teriam de continuar pagando
preços artificialmente altos. Ele se convenceu de que não havia alternativa senão
abolir as Leis do Trigo por completo, uma inversão da conduta de seu governo.
De início, foi incapaz de persuadir seus colegas políticos, mas alguns deles
mudaram de ideia quando as notícias vindas da Irlanda pioraram e ficou claro
que a sobrevivência do próprio governo estava em jogo. Finalmente, com uma
votação em maio de 1846, as leis foram revogadas. O apoio do duque de
Wellington, um herói de guerra aristocrático que havia sido um vigoroso
defensor das Leis do Trigo, foi decisivo. Ele convenceu os proprietários de
terras com assento na Casa dos Lordes a apoiar a revogação, sob a alegação de
que a sobrevivência do governo era mais importante. Em particular, no entanto,
admitiu que “aquelas malditas batatas podres” eram as culpadas pela extinção
das Leis do Trigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A suspensão da tarifa sobre cereais
importados abriu caminho para importações de milho da América, embora, no fim
das contas, o governo tenha sido ineficiente na distribuição do alimento e ele
tenha feito pouca diferença para a situação da Irlanda. Na segunda metade do
século XIX, as importações de trigo pela Grã-Bretanha aumentaram muito,
especialmente depois que a construção de estradas de ferro nos Estados Unidos
facilitou o transporte de trigo das Grandes Planícies para os portos da Costa Leste.
Enquanto isso, dentro da Grã-Bretanha, a mudança da agricultura para a
indústria se acelerou. A área de terra sob cultivo e o tamanho da força de
trabalho agrícola entraram ambos em declínio nos anos 1870. Em 1900, 80% do
trigo, o item alimentar básico da Grã-Bretanha, estava sendo importado, e a
parcela da força de trabalho dedicada à agricultura caíra a menos de 10%.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O carvão não era o único combustível que
havia impelido essa revolução industrial. O crescimento da produtividade
agrícola, que se iniciara dois séculos antes (suplementado pelo açúcar do
Caribe), e o fornecimento de trigo pela Irlanda (possibilitado pela batata)
também haviam contribuído para que a Inglaterra transpusesse o limiar da nova
idade industrial. Ao remover o obstáculo que impedia uma dependência maior da
importação de alimento, a tragédia da Fome da Batata ajudou a completar a
transformação.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Alimento e energia
revisitados<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não é nenhum exagero sugerir que a
Revolução Industrial marcou o começo de uma nova fase na existência humana,
assim como a revolução neolítica associada à adoção da agricultura havia feito
cerca de 10 mil anos antes. Ambas foram revoluções energéticas: o cultivo deliberado
de plantas domesticadas fez com que uma quantidade maior da radiação solar que chega
à Terra ficasse disponível para a humanidade. A Revolução Industrial deu um
passo adiante, explorando também a radiação solar do passado. Ambas causaram
grandes mudanças sociais: a passagem da caça e da coleta para a agricultura, no
primeiro caso, e da agricultura para a indústria, no segundo. Ambas levaram um
longo tempo para se concretizar: passaram-se milhares de anos antes que os
agricultores suplantassem globalmente em número os caçadores-coletores, e a
industrialização só está se processando há 250 anos, de modo que até o momento
apenas uma minoria da população do mundo vive em países industrializados – o rápido
desenvolvimento da China e da Índia, porém, logo fará a balança pender para o
outro lado. E ambas são controversas: assim como é possível afirmar que os
caçadores-coletores estavam em melhores condições que os agricultores e que a
adoção da agricultura foi um grande erro, é possível defender a ideia de que a
industrialização causou mais problemas do que resolveu (embora esse argumento
seja mais frequentemente proposto por pessoas desiludidas em países ricos,
industrializados). Houve também consequências ambientais impressionantes em
ambos os casos: a agricultura levou ao desmatamento generalizado, e a industrialização
produziu vastas quantidades de dióxido de carbono e outros gases estufa, que começaram
a afetar o clima mundial.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse sentido, os países industrializados
não escaparam da armadilha de Malthus, mas apenas trocaram uma crise em que o
fator limitante era a terra cultivável por outra, em que o fator limitante é a
capacidade da atmosfera de absorver dióxido de carbono. A possibilidade de que
a mudança para combustíveis fósseis fornecesse apenas uma trégua temporária das
pressões malthusianas foi aventada mesmo por escritores do século XIX,
notadamente William Stanley Jevons, um economista inglês autor de <i>The Coal Question</i>, publicado em 1865.
“Por enquanto”, escreveu ele, “nossas provisões baratas de carvão e nossa
habilidade em seu emprego, e a liberdade de nosso comércio com outras terras,
nos tornam independentes da área agricultável limitada destas ilhas, e
aparentemente nos retiram do alcance da doutrina de Malthus.” A palavra
“aparentemente” não aparecia na primeira edição do livro, mas Jevons a acrescentou
em uma edição posterior, pouco antes de morrer em 1882.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele tinha razão para se inquietar. No
início do século XXI, preocupações renovadas com a relação entre provisões de
energia e a disponibilidade de terra para a produção de comida foram suscitadas
em virtude do crescente entusiasmo com biocombustíveis, como o etanol feito de
milho e o biodiesel feito de azeite de dendê. Fazer combustível com essas
plantas é atraente por serem uma fonte renovável de energia (podemos cultivar
mais no próximo ano) e porque, ao longo de seu ciclo de vida, elas podem
produzir menos emissões de carbono que combustíveis fósseis. Ao crescer, as
plantas absorvem dióxido de carbono do ar; depois são transformadas em
biocombustível e o dióxido de carbono retorna à atmosfera quando o combustível
é queimado. Todo o processo seria neutro em emissões de carbono, não fosse por aquelas
associadas ao cultivo das plantas (fertilizantes, combustível para tratores e
assim por diante), em primeiro lugar, e depois em sua transformação em
biocombustível (algo que em geral requer muito calor). Mas a quantidade exata
de energia requerida para produzir vários biocombustíveis e o nível de emissões
de carbono associadas variam de planta para planta. Por isso alguns
biocombustíveis fazem mais sentido que outros.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O tipo que faz menos sentido é o etanol
feito de milho, que é, infelizmente, a forma predominante, representando 40% da
produção mundial em 2007, a maior parte nos Estados Unidos. As estimativas mais
prováveis sugerem que a queima de um galão de etanol produz apenas 30% mais
energia que aquela necessária para produzi-lo e reduz emissões de gases estufa
em cerca de 13%, se comparada à queima de combustível fóssil convencional. Isso
pode parecer impressionante, mas os números correspondentes para o etanol de
cana-de açúcar brasileiro são cerca de 700% e 85%, respectivamente; para o
biodiesel produzido na Alemanha, são 150% e 50%. Em outras palavras, fazer um
galão de etanol de milho requer quatro quintos de um galão de combustível
fóssil (para não mencionar centenas de galões de água), e não reduz muito as
emissões de gases estufa. A produção dessa energia faz menos sentido ainda em
bases econômicas: para alcançar essas parcas reduções de emissões, o governo
dos Estados Unidos subsidia a produção de etanol de milho com cerca de 7
bilhões de dólares por ano e impõe uma tarifa sobre o etanol de cana-de-açúcar
do Brasil para desencorajar importações. O etanol de milho parece ser um plano
elaborado para justificar subsídios agrícolas, não um esforço sério para
reduzir emissões de gases estufa. A Inglaterra aboliu as Leis do Trigo
favoráveis aos agricultores em 1846, mas os Estados Unidos acabam de introduzir
novas leis nesse sentido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O entusiasmo pelo etanol de milho e outros
biocombustíveis foi um dos fatores que ajudaram a elevar o preço dos alimentos,
à medida que plantações inteiras passaram a ser desviadas para a fabricação de
combustível, de modo que a agricultura serve de fato para alimentar carros, não
pessoas. Opositores dos biocombustíveis gostam de ressaltar que o milho
despendido para encher o tanque de um veículo com 25 galões de etanol seria
suficiente para alimentar uma pessoa durante um ano. Como o milho é também
usado para alimentar animais, seu preço mais alto torna a carne e o leite mais
caros. E, à medida que agricultores deixam de cultivar outros produtos
agrícolas para cultivar milho, esses outros produtos (como a soja) tornam-se
mais escassos e seu preço também sobe. Alimento e combustível estão, ao que
parece, competindo mais uma vez por terra cultivável. O baixo preço do carvão
mostrou aos proprietários de terras ingleses, no século XVIII, que sua terra
era mais valiosa para cultivar comida do que combustível; a preocupação com o
petróleo caro atualmente leva agricultores americanos a fazer a escolha
contrária, cultivando plantas para a produção de combustível, não de comida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, nem sempre os biocombustíveis
precisam competir com a produção de alimentos. Em alguns casos, pode ser
possível cultivar matérias-primas para biocombustíveis em terras marginais,
inadequadas para outras formas de agricultura. E essas matérias-primas não
precisam ser produtos agrícolas alimentícios. Uma abordagem potencialmente
promissora é a do etanol celulósico, feito com arbustos lenhosos e até árvores
de crescimento rápido. Na teoria, isso seria várias vezes mais eficiente em
termos energéticos até que o etanol de cana-de-açúcar, poderia reduzir as
emissões de gases estufa de maneira quase igual (uma redução de cerca de 70%
comparada aos combustíveis fósseis) e não invadiria terras cultiváveis. O problema
é que o solo ainda está imaturo, e são necessárias enzimas caras para decompor
a celulose, dando-lhe uma forma que possa ser transformada em etanol. Outra
abordagem envolve a fabricação de biocombustível com algas; mais uma vez,
porém, a tecnologia ainda está em seus primórdios.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O que está claro é que o uso de produtos
agrícolas alimentícios para a fabricação de combustível significa um passo
atrás. O passo adiante mais lógico, depois das revoluções Neolítica e
Industrial, certamente é encontrar novas maneiras de utilizar energia solar
além do cultivo de plantas ou da escavação de combustíveis fósseis. Painéis
solares e turbinas de vento são os exemplos mais óbvios, mas talvez seja também
possível trabalhar de alguma maneira com o mecanismo biológico da fotossíntese
para produzir células solares mais eficientes, ou para criar, mediante
engenharia genética, micróbios capazes de produzir grandes quantidades de
biocombustível. A necessidade de compatibilizar alimentos e combustível ressurgiu
no presente, mas pertence ao passado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;">Tom Standage</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;">Uma história comestível da humanidade</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-aOS3b-jDMY5lvRI9zgalFlunWTH7PZP8NoAsc-A7923Iyy26mL7BfJd9yOaIXNaO37XNWGS6IeWtJO7b6IsHyKoSULSPAfo2kFZa9CVqKrYy4RRzQE_lhNdLY-pDF7RtJtUodHOZB71R/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-aOS3b-jDMY5lvRI9zgalFlunWTH7PZP8NoAsc-A7923Iyy26mL7BfJd9yOaIXNaO37XNWGS6IeWtJO7b6IsHyKoSULSPAfo2kFZa9CVqKrYy4RRzQE_lhNdLY-pDF7RtJtUodHOZB71R/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_1.jpg" width="446" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.88px; line-height: 16.632px; text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;">Tradução:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small;">Maria Luiza X. de A. Borges</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small;">Uma edição:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;">Zahar Editores</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNcshgjNylb4ACx30-lzcoGxhAX9Ap21iYTmJlgJ_BGGhYDOJGpy-cP-9kwOnEadHBydm6FwaftTP5xPq-dEyjkYBsqysYIljMMbwJ9nXT57YR6XlO_PpnEfUb42D64GqSpOYhF7dFsWfc/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="209" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNcshgjNylb4ACx30-lzcoGxhAX9Ap21iYTmJlgJ_BGGhYDOJGpy-cP-9kwOnEadHBydm6FwaftTP5xPq-dEyjkYBsqysYIljMMbwJ9nXT57YR6XlO_PpnEfUb42D64GqSpOYhF7dFsWfc/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 16.632px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 25.2px;">Disponibiliado por:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 25.2px;">Le Livros</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 25.2px;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpVWXe4MOk8L-Hmra6srYNyx_l74sUm3BdYnjobKcMuHp6r6qZLp2fFq2khD3orIeOaxSAqPUoXna43wQELFUH334kJu7nzL-phLf_OkifYqOwOLsSMETR8N3kCG94e8AhFIjV6VpRwLrY/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="151" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpVWXe4MOk8L-Hmra6srYNyx_l74sUm3BdYnjobKcMuHp6r6qZLp2fFq2khD3orIeOaxSAqPUoXna43wQELFUH334kJu7nzL-phLf_OkifYqOwOLsSMETR8N3kCG94e8AhFIjV6VpRwLrY/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 25.2px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 25.2px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 20pt; line-height: 30.6667px;">DADOS DE COPYRIGHT</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b>Sobre a obra:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b>Sobre nós:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
site: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.</div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b>"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."</b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;"><span style="line-height: 13.662px;"><span style="font-size: small;">Sumário</span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"><br /></span></b><b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;">INTRODUÇÃO</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Ingredientes do passado<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;">PARTE I</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Os fundamentos comestíveis da civilização<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 1. A invenção da agricultura<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 2. As raízes da modernidade<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;">PARTE II</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Comida e estrutura social<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 3. Alimento, riqueza e poder<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 4. Seguir o alimento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;">PARTE III</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Os caminhos dos alimentos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 5. Estilhaços do paraíso<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 6. Sementes de impérios<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;">PARTE IV</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Comida, energia e industrialização<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 7. Novo Mundo, novos alimentos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 8. A máquina a vapor e a batata<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;">PARTE V</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Comida é arma<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 9. O combustível da guerra<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 10. Luta por comida<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;">PARTE VI</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Comida, população e desenvolvimento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 11. Alimentar o mundo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> 12. Paradoxos da abundância<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;">EPÍLOGO</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Ingredientes do futuro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"><i> Notas</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<i><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Bibliografia<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<i><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Agradecimentos<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.88px; line-height: 16.632px;">
<i><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333px;"> Índice remissivo</span></i></div>
</div>
</div>
</div>
</div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-85749959361121640592015-08-28T15:39:00.000-03:002015-08-28T16:00:06.522-03:00Uma história comestível da humanidade - Os caminhos dos alimentos<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">PARTE III</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">5. Estilhaços do
paraíso</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">“Não cessamos de comprar e vender nas várias ilhas, até que
chegamos à terra de Hind, onde compramos cravos-da-índia, gengibre e toda sorte
de especiarias, e dali viajamos para a terra de Sind, onde também compramos e
vendemos. Nesses mares indianos, vi incontáveis maravilhas.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
DE “SIMBÁ, O MARUJO”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
EM <i>O livro das mil e uma noites</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O intrigante atrativo
das especiarias<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Serpentes voadoras, aves
carnívoras gigantescas e criaturas ferozes semelhantes a morcegos eram apenas
alguns dos perigos que esperavam quem tentasse colher especiarias nas terras
exóticas em que elas cresciam, segundo os historiadores da antiga Grécia.
Heródoto, o escritor grego do século V a.C. conhecido como o “pai da história”,
explicou que para colher canela-da-china era preciso vestir um traje de corpo
inteiro feito com couro de boi, cobrindo tudo exceto os olhos. Somente assim a
pessoa estaria protegida das “criaturas aladas semelhantes a morcegos que
gritam horrivelmente e são muito ferozes... É preciso impedir que elas ataquem
os olhos dos homens enquanto eles cortam a canela-da-china.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mais
estranho ainda, afirmou Heródoto, era o processo de colheita da canela.
“Ignora-se por completo em que país ela cresce”, escreveu ele. “Dizem os árabes
que os paus secos que chamamos de canela são trazidos à Arábia por grandes
aves, que os carregam para seus ninhos feitos de barro e localizados sobre
precipícios nas montanhas que nenhum homem é capaz de galgar. O método
inventado para se obter os paus de canela é este: as pessoas cortam os corpos
de bois mortos em pedaços muito grandes e os deixam no chão perto dos ninhos.
Depois elas se dispersam, e as aves vêm voando e carregam a carne para seus
ninhos, os quais, sendo fracos demais para suportar o peso, caem no chão. Os homens
aproximam-se e apanham a canela. Adquirida desta maneira, ela é exportada para
outros países.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Teofrasto, um filósofo grego do século IV
a.C., tinha uma história diferente. A canela, ele ouvira contar, crescia em
vales profundos, onde era guardada por serpentes mortais. A única maneira
segura de colhê-la era usando luvas e sapatos protetores e, tendo-a colhido,
deixar um terço da colheita para trás como um presente para o sol, que faria a
oferenda se inflamar. Outra história era contada sobre as serpentes voadoras
que protegiam as árvores que produzem o olíbano. Segundo Heródoto, os
colhedores da especiaria só podiam afugentar as serpentes queimando benjoim,
uma resina aromática, para produzir nuvens de incenso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Escrevendo no século I, Plínio o Velho, um
escritor romano, não dava crédito a essas histórias. “Esses velhos contos”,
declarou, “foram inventados pelos árabes para elevar o preço de suas
mercadorias.” Ele poderia ter acrescentado que as histórias fantásticas serviam
também para camuflar dos compradores europeus as origens das especiarias. O
olíbano vinha da Arábia, mas a canela não; suas origens eram muito mais
distantes, no sul da Índia e no Sri Lanka, de onde era expedida através do
oceano Índico, juntamente com a pimenta e outras especiarias. Contudo, os
mercadores árabes que transportavam esses produtos importados junto com seus
próprios condimentos locais em caravanas de camelos através do deserto, até o
Mediterrâneo, preferiam manter envoltas em mistério as verdadeiras origens de
suas mercadorias incomuns.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Isso funcionava maravilhosamente. Os
clientes dos mercadores árabes em todo o Mediterrâneo estavam dispostos a pagar
somas extraordinárias por especiarias, em grande parte graças às suas
conotações exóticas e origens misteriosas. Não há nada de inerentemente valioso
nas especiarias, que são principalmente extratos vegetais derivados de seivas
secas, gomas e resinas, cascas de árvores, raízes, sementes e frutas secas, mas
elas eram apreciadas por seus aromas e sabores incomuns, que são em muitos
casos mecanismos defensivos para repelir insetos ou pragas. Além disso, as
especiarias são nutricionalmente irrelevantes. O que têm em comum é serem
duráveis, leves e de difícil obtenção, só podendo ser encontradas em lugares
específicos. Esses fatores as tornaram ideais para o comércio a longa distância
– e quanto maiores as distâncias pelas quais eram transportadas, mais
desejadas, exóticas e caras se tornavam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Por que as especiarias
eram especiais<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A palavra <i>especiaria</i> vem do latim <i>species</i>,
que é também a raiz de palavras como <i>especial</i>,
<i>especialmente</i> e assim por diante. O
sentido literal de <i>species</i> é “tipo”
ou “variedade” – a palavra ainda é usada nesse sentido em biologia –, mas ela
passou a denotar itens valiosos porque era usada para designar os tipos ou
variedades de coisas sobre as quais era preciso pagar imposto. A Tarifa de
Alexandria, um documento romano do século V, é uma lista de 54 desses itens,
sob o título<i> species</i> <i>pertinentes ad vectigal</i>, que significa
literalmente “os tipos (de coisas) sujeitos a taxas”. A lista inclui canela,
canela-da-china, gengibre, pimenta-branca, cardamomo, agáloco e mirra, todos
itens de luxo sujeitos a uma taxa de importação de 25% no porto egípcio de
Alexandria, através do qual as especiarias do Oriente seguiam rumo ao Mediterrâneo
e mais além para fregueses europeus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hoje reconheceríamos essas variedades, ou
“<i>species</i>”, como especiarias. Mas a
Tarifa de Alexandria arrola também vários itens exóticos – leões, leopardos,
panteras, seda, marfim, casco de tartaruga e eunucos indianos – que eram tecnicamente
também especiarias. Como apenas itens de luxo raros e dispendiosos, sujeitos a
taxas extras, eram assim qualificados, se a oferta de um item aumentava e seu
preço caía, ele podia ser retirado da lista. Isso provavelmente explica porque
a pimenta-do-reino, a especiaria mais usada pelos romanos, não aparece na
Tarifa de Alexandria: ela se tornara banal no século V em resultado de importações
cada vez maiores da Índia. Hoje a palavra especiaria é usada de maneira mais restrita,
aplicável somente a itens comestíveis ou culinários. Pimenta-do-reino é uma especiaria,
embora não apareça na Tarifa, e tigres não são, embora apareçam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As especiarias eram portanto, por
definição, mercadorias importadas e caras. Esse era um componente a mais de sua
atratividade. Consumi-las era uma maneira de demonstrar riqueza, poder e generosidade.
Elas eram dadas de presente, legadas em testamentos ao lado de outros itens de
valor, e até usadas como moeda em alguns casos. Na Europa, os gregos parecem
ter sido os pioneiros em usá-las na culinária – antes eram utilizadas em
incensos e perfumes. Como aconteceu com tantas outras coisas, os romanos tomaram
emprestada, ampliaram e popularizaram essa ideia grega. O livro de receitas de
Apício, uma compilação de 478 receitas romanas, requeria generosas quantidades
de especiarias estrangeiras, entre as quais pimenta, gengibre, saussúrea,
malóbatro, nardo e cúrcuma, em receitas como a de avestruz condimentada. Na
Idade Média, a comida era prodigamente afogada em especiarias. Nos livros de
culinária medievais, elas aparecem em pelo menos metade das receitas, por vezes
três quartos delas. Carne e peixe eram servidos com molhos intensamente
condimentados, inclusive com várias combinações de cravos, noz-moscada, canela,
pimenta e macis. Com sua comida ricamente temperada, a elite tinha literalmente
gostos caros.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse entusiasmo pelas especiarias é por
vezes atribuído a seu uso para mascarar o gosto de carne podre, dada a suposta
dificuldade de conservação desta por longos períodos. Mas usá- las dessa
maneira teria sido uma coisa muito estranha, em vista do seu alto custo.
Qualquer pessoa com condições para comprar especiarias teria certamente tido
condições para comprar carne boa; as especiarias eram de longe o ingrediente
mais caro. E há muitos registros medievais de comerciantes punidos por vender
carne em mau estado, o que sem dúvida desmente a noção de que esta era
invariavelmente pútrida e sugere que isso era a exceção, não a regra. A origem
do mito surpreendentemente persistente sobre carne ruim e especiarias reside no
uso destas para ocultar o gosto salgado da carne conservada pela salga, uma
prática generalizada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Num outro sentido, mais místico, as
especiarias eram vistas como antídotos para a miséria terrena. Pensava-se que
eram estilhaços do paraíso que tinham caído no mundo comum. Segundo algumas
autoridades antigas, o gengibre e a canela eram pescados no Nilo com redes,
tendo sido arrastados do rio do paraíso (ou do Jardim do Éden, segundo autores
cristãos posteriores), onde plantas exóticas cresciam em abundância. Eles
proporcionavam um gosto sobrenatural do paraíso em meio à sórdida realidade da
existência terrena. Daí o uso religioso do incenso, para fornecer o aroma do
reino celeste, e o costume de oferecer especiarias aos deuses como oferendas
incandescentes. Especiarias eram também usadas para embalsamar os mortos e
prepará-los para a vida após a morte. Um escritor romano chegou mesmo a dizer
que a mítica fênix fazia seu ninho com – que mais? – uma seleção de
especiarias. “Ela reúne as especiarias e aromas colhidos pelos assírios e pelos
ricos árabes; aqueles que são colhidos pelos povos pigmeus e pela Índia, e que
crescem no seio macio da terra de Sabá. Reúne canela, o perfume do amomo, que
flutua longamente no ar, bálsamos misturados com folhas de <i>tejpat</i>; há também uma nota de cássia suave e goma-arábica, e ricas
gotas de olíbano. Acrescenta as tenras espigas do suave nardo e o poder da
mirra de Panqueia.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O atrativo desses produtos, portanto,
originou-se de uma combinação de suas origens misteriosas e distantes, seus
consequentes altos preços e valor como símbolo de status e suas conotações
místicas e religiosas – além, é claro, de seu aroma e sabor. O fascínio antigo
pelas especiarias pode parecer arbitrário e estranho hoje, mas sua intensidade
não pode ser subestimada. A busca por elas foi a terceira maneira pela qual o
alimento refez o mundo, tanto ao ajudar a iluminar sua completa extensão e
geografia quanto ao motivar exploradores europeus a procurar um acesso direto
para as Índias, estabelecendo, assim, impérios comerciais rivais. Examinar o
comércio de especiarias da perspectiva europeia pode parecer estranho, uma vez
que esse continente ocupou nele apenas uma posição periférica e um papel
pequeno nos tempos antigos. Isso serviu, porém, para especialmente realçar o
mistério e o atrativo desses produtos para os europeus, levando-os finalmente a
descobrir as verdadeiras origens dessas raízes secas, bagas murchas, ramos
ressecados, lascas de casca de árvore e fragmentos pegajosos de goma tão
estranhamente atraentes – com consequências da máxima importância para o curso
da história humana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A rede internacional do
comércio de especiarias<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por volta de 120 a.C., um navio
foi encontrado encalhado no litoral do mar Vermelho, aparentemente sem nenhum
sobrevivente. Todos a bordo tinham morrido de fome – exceto, como se descobriu,
um homem, e também ele estava quase morto. Deram-lhe água e comida e levaram-no
para a corte egípcia em Alexandria, onde foi apresentado ao rei Ptolomeu VIII
(conhecido como Fiscon, ou “barrigudo”, por causa de sua pança). Contudo, como
ninguém conseguia entender o que o marinheiro estrangeiro dizia, o rei o
despachou para aprender um pouco de grego, a língua oficial do Egito na época.
Não muito tempo depois, o marinheiro voltou à corte para contar sua história.
Explicou que era da Índia e que seu navio, tendo se desviado da rota ao cruzar
o oceano, acabara à deriva no mar Vermelho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como a única rota conhecida para a Índia
na época envolvia bordejar a costa da península Arábica – algo que os
marinheiros alexandrinos eram proibidos de fazer pelos mercadores árabes, que
queriam guardar o lucrativo comércio com a Índia para si mesmos –, a referência
do marinheiro a uma rota rápida e direta através do oceano aberto foi recebida
com descrença. Para provar que dizia a verdade, e certamente para assegurar uma
passagem de volta para casa, o marinheiro ofereceu-se como guia numa expedição
à Índia. O rei concordou e nomeou como chefe da expedição um de seus leais
conselheiros, um grego chamado Eudoxo, conhecido por seu interesse em geografia.
Eudoxo partiu no dia aprazado e voltou muitos meses depois com um carregamento
de especiarias e joias, que o rei confiscou todo para si. Mais tarde, Eudoxo
fez uma segunda viagem à Índia por ordem da mulher e sucessora de Ptolomeu
VIII, Cleópatra III. Inspirado pelo naufrágio do que parecia ser um navio
espanhol na costa da Etiópia, no leste da África, ele tornou-se obcecado pela
ideia de que era possível navegar por toda a volta do continente. Navegou ao
longo do litoral norte e rumou para o Atlântico para tentar a circunavegação,
mas nunca mais se teve notícia dele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa, pelo menos, é a história contada por
Estrabão, filósofo grego que escreveu um tratado de geografia no início do
século I. O próprio Estrabão era cético em relação à história: por que o
marinheiro indiano sobreviveu se todos os seus companheiros de bordo morreram? Como
aprendeu grego tão depressa? No entanto, a história parece plausível porque o comércio
direto por via marítima entre o mar Vermelho e a costa oeste da Índia realmente
teve início durante o século I a.C., logo após a suposta aparição do náufrago
indiano em Alexandria. Até essa época, só marinheiros árabes e indianos
conheciam o segredo dos ventos alísios sazonais, que permitiam uma passagem
rápida e regular através do oceano entre a península Arábica e a costa oeste da
Índia. Esses ventos sopram do sudoeste entre junho e agosto e impelem navios em
direção ao leste; depois, entre novembro e janeiro, sopram do nordeste e
impelem-nos novamente em direção ao oeste. O conhecimento dos ventos e o controle
dos árabes sobre as rotas por terra através da península Arábica davam aos comerciantes
indianos e árabes um firme controle sobre o comércio entre a Índia e o mar Vermelho.
Eles vendiam especiarias e outras mercadorias orientais a comerciantes alexandrinos
em mercados no sudoeste da Arábia. Essas mercadorias eram depois enviadas mar
Vermelho acima, por terra até o Nilo, e finalmente Nilo acima até a própria
Alexandria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na esteira de Eudoxo, no entanto,
marinheiros alexandrinos aprenderam como tirar proveito dos ventos alísios –
consta que os detalhes foram descobertos por um grego chamado Hipalo, cujo nome
foi dado ao vento sudoeste. Eles tornaram-se então capazes de passar ao largo
dos mercados árabes e navegar diretamente através do oceano para a costa oeste
da Índia, eliminando os intermediários árabes e indianos. O volume das
expedições aumentou quando comerciantes romanos ganharam acesso direto ao mar
Vermelho, após a anexação do Egito por Roma em 30 a.C. O controle romano do
comércio entre o mar Vermelho e a Índia foi cimentado sob o imperador Augusto,
que ordenou ataques aos portos do sul da Arábia, reduzindo Aden, o principal
entreposto, a uma “mera aldeia”, segundo um observador. No início do século I,
nada menos que 120 navios romanos navegavam para a Índia todos os anos para
comprar especiarias, entre as quais pimenta-do-reino, saussúrea e nardo –
juntamente com pedras preciosas, seda chinesa e animais exóticos para serem
abatidos nas muitas arenas do mundo romano. Pela primeira vez, os europeus
haviam se tornado participantes diretos da florescente rede comercial do oceano
Índico, o eixo do comércio global na época.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O “Périplo do mar Eritreano”, um manual
para marinheiros escrito no século I por um navegador grego desconhecido, dá
uma ideia da frenética atividade comercial nos mercados interconectados pelo
oceano Índico. Ele descreve os portos ao longo da costa oeste da Índia e suas
especialidades, de Barbarikon no norte (um bom lugar para comprar saussúrea, nardo,
bdélio e lápis-lazúli) a Barygaza (bom para pimenta-longa, marfim, seda e uma
forma local de mirra), até Nelcynda, quase na extremidade sul do país. Nessa
região, o principal comércio era o de pimenta, “cultivada em quantidade” no
interior, segundo o Périplo. Havia também oferta de malóbatro, a folha da
canela local e uma especiaria particularmente apreciada: meio quilo de folhas
pequenas alcançavam 75 denários em Roma, ou cerca de seis vezes o salário
mensal básico. Em todos esses portos, os comerciantes romanos ofereciam vinho,
cobre, estanho, chumbo, vidro e coral vermelho do Mediterrâneo, apreciado na
Índia como um amuleto protetor. Mas, em geral, os comerciantes romanos tinham
de pagar pelas especiarias com ouro e prata, pois a maioria de suas mercadorias
tinha pouco atrativo para os comerciantes indianos. Os poemas em tâmil do
século I mencionam os “yavanas”, um termo genérico para pessoas do Ocidente,
com seus grandes navios e riqueza que “nunca minguavam”, uma referência às
vastas quantidades de ouro e prata que eram entregues em troca de especiarias.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwSRfUIEfHq0Mjw2o6kY5e8hEXBj1io_TAxQE0hTQz6jmX3o9uj9JU7dUVxT-3APW_YqwS0OSIBNzGS_WJuwN3TJ559Q-ryr1G8okw6f0qp6B9k4diBfv63sIgfU4k3gzC8ddD_Ba_9uPg/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_7.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="372" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwSRfUIEfHq0Mjw2o6kY5e8hEXBj1io_TAxQE0hTQz6jmX3o9uj9JU7dUVxT-3APW_YqwS0OSIBNzGS_WJuwN3TJ559Q-ryr1G8okw6f0qp6B9k4diBfv63sIgfU4k3gzC8ddD_Ba_9uPg/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_7.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A rota marítima para a Índia deu aos marinheiros alexandrinos (e mais tarde aos romanos) acesso direto ao mercado de especiarias, evitando a Arábia inteiramente.</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seguida, o Périplo fala dos portos da
costa leste da Índia e dos navios pequenos que faziam comércio entre as costas
leste e oeste. Menciona também os navios muito maiores que atravessam a baía de
Bengala, entre a Índia e o sudeste da Ásia, provavelmente embarcações malaias
ou indonésias. Dado o tamanho dos navios romanos, o fato de as dimensões dessas
outras embarcações serem ressaltadas sugere que elas eram realmente muito
grandes. Provavelmente, transportavam mercadorias de regiões mais a leste, como
noz-moscada, macis e cravos das ilhas das especiarias da Indonésia (as Molucas)
e seda da China.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Além desse ponto, o Périplo torna-se
bastante vago. Fornece, porém, pelo menos um vislumbre, pela perspectiva
europeia, de uma vasta rede comercial cujas primeiras conexões haviam sido
estabelecidas milhares de anos antes. O cardamomo do sul da Índia já estava disponível
na Mesopotâmia no terceiro milênio a.C.; navios egípcios já traziam olíbano e outras
plantas aromáticas da terra de Punt (provavelmente Etiópia) no segundo milênio
a.C., e o faraó Ramsés II foi enterrado, em 1224 a.C., com um grão de
pimenta-do-reino da Índia enfiado em cada uma das narinas. Numa onda de
expansão entre 500 a.C. e 200 d.C., no entanto, a rede do comércio de
especiarias passou a abarcar todo o Velho Mundo, com a canela e a pimenta da
Índia sendo levadas a regiões tão a oeste quanto a Britânia, e o olíbano da
Arábia chegando tão a leste quanto a China. A plena extensão dessa rede era,
porém, geralmente desconhecida por seus participantes, uma vez que nem sempre
eles estavam cientes das origens das mercadorias que comerciavam. Assim como os
gregos pensavam que as especiarias indianas que chegavam até eles por meio de comerciantes
árabes provinham de fato da Arábia, do mesmo modo, ao que parece, os chineses
supunham que noz-moscada e cravos vinham da Malásia, de Sumatra ou de Java,
embora estes fossem na realidade apenas portos de escala ao longo das rotas de
comércio marítimo desde sua verdadeira fonte mais a leste, nas Molucas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As especiarias também cruzavam o mundo por
terra. Desde o século II a.C., rotas terrestres conectavam a China ao leste do
Mediterrâneo, ligando o mundo romano no Ocidente à China Han no Oriente. (No
século XIX, essas rotas foram chamadas de Rota da Seda, embora muitos produtos
além desse fossem transportados por ali e embora houvesse, de fato, uma rede de
caminhos Oriente-Ocidente, não uma única rota.) Almíscar, ruibarbo e alcaçuz
eram comerciados por essa via. Especiarias também viajavam por terra entre o
norte e o sul da Índia, entre a Índia e a China e entre o sudeste da Ásia e o interior
da China. Noz-moscada, macis e cravos eram disponíveis na Índia e na China nos
tempos romanos, mas só passaram a chegar regularmente à Europa nos estertores
do Império Romano.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A extensão desse comércio e o montante
gasto com a importação de mercadorias estrangeiras exóticas provocaram alguma
oposição em Roma. Em primeiro lugar, ele era extravagante, o que não condizia
com os valores romanos, supostamente tradicionais, de modéstia e frugalidade.
Significava também que grandes quantidades de prata e ouro estavam fluindo para
o Oriente. Para compensar esse fluxo, era preciso que os romanos encontrassem novas
fontes de metais preciosos, seja através da conquista ou pela abertura de novas
minas. E tudo isso se destinava à compra de produtos que eram, estritamente falando,
desnecessários e vendidos a preços exorbitantes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nas palavras de Plínio o Velho: “A Índia
absorve pelo menos 55 milhões de sestércios de nossa riqueza por ano, mandando
de volta mercadorias que nos são vendidas por cem vezes o seu custo original.”
No total, relatou ele, o déficit comercial anual de Roma com o Oriente montava
a cem milhões de sestércios, ou cerca de dez toneladas de ouro, depois que a
seda chinesa e outros artigos finos passaram a ser contados junto com as
especiarias. “Essa é a soma que nossos luxos e nossas mulheres nos custam”,
lamentou. Plínio dizia-se perplexo com a popularidade da pimenta. “É notável
que seu uso tenha se tornado tão apreciado. Algumas comidas têm a doçura como
atrativo, outras têm uma aparência convidativa, mas no caso da pimenta nem o
grão nem a fruta têm nada que os recomendem”, escreveu. “A única qualidade agradável
é sua pungência – e por causa disso vamos à Índia!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De maneira semelhante, Tácito,
contemporâneo de Plínio, preocupava-se com a dependência romana de “luxos
extravagantes da mesa”. Quando escreveu essas palavras, por volta do fim do
século I, contudo, o comércio romano de especiarias já não estava mais no auge.
Nos séculos seguintes, à medida que o Império Romano declinou e sua riqueza e
esfera de influência encolheram, o comércio direto de especiarias com a Índia
minguou; os comerciantes árabes, indianos e persas se reafirmaram como os
principais fornecedores para o Mediterrâneo. Mas as especiarias continuaram a
circular. Um livro de receitas romano do século I, <i>Os excertos de Vinidário</i>, lista mais de 50 ervas, especiarias e
extratos de plantas sob o título “Sumário das especiarias que se deve ter em
casa para que nada falte à condimentação dos pratos”, inclusive pimenta,
gengibre, saussúrea, nardo, folha de canela e cravos. Quando sitiou Roma em 408
d.C., Alarico, o rei dos Godos, exigiu um resgate de 2.200 quilos de ouro,
30.000 peças de prata, 4.000 túnicas de seda, 3.000 peças de tecido e 1.300
quilos de pimenta. Evidentemente, a oferta de seda chinesa e pimenta indiana continuava,
mesmo enquanto o Império Romano desmoronava e fragmentava-se. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, durante o período em que
floresceu, o comércio direto com o Oriente introduziu brevemente o povo da
Europa no vibrante sistema comercial do oceano Índico. No século I, essa rede
comercial abarcava todo o Velho Mundo, interligando os mais poderosos da Eurásia
na época: o Império Romano na Europa, o Império Parto na Mesopotâmia, o Império
Kushan no norte da Índia e a dinastia Han na China. (Roma e China chegaram até
a estabelecer contatos diplomáticos mútuos.) As especiarias eram apenas uma das
coisas que viajavam através dessa rede global por terra e mar. Por terem uma
relação muito vantajosa entre valor e peso, só poderem ser encontradas em
certas partes do mundo, serem facilmente armazenadas e intensamente procuradas,
porém, as especiarias foram excepcionais, sendo comerciadas de uma ponta a
outra da rede, como demonstram, por exemplo, as referências em fontes romanas aos
cravos, que só cresciam nas ilhas Molucas, do outro lado do globo. Elas levavam
um sabor do sudeste da Ásia para mesas romanas e o perfume da Arábia para
templos chineses. E à medida que eram comerciadas pelo mundo todo, as especiarias
levavam também outras coisas consigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Carregadas de
significado<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mercadorias não são as únicas
coisas que circulam ao longo de rotas comerciais. Novas invenções, línguas,
estilos artísticos, costumes sociais e crenças religiosas, tanto quanto mercadorias
físicas, são também transportados através do mundo por comerciantes. Foi assim que
o conhecimento sobre o vinho e sua fabricação viajou do Oriente Próximo para a
China no século I, e que o conhecimento sobre o macarrão fez a viagem na
direção contrária. Outras ideias logo se seguiram, inclusive o papel, a bússola
magnética e a pólvora. Os numerais arábicos originaram-se realmente na Índia,
mas foram transmitidos para a Europa através de comerciantes árabes, o que
explica seu nome. Influências helenísticas são claramente visíveis na arte e na
arquitetura da cultura kushan do norte da Índia; as construções venezianas eram
decoradas com floreios árabes. No entanto, em dois campos em particular –
geografia e religião – comércio e transmissão de conhecimento reforçavam-se
mutuamente.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUyBPdO9uwFNnakob0aqmvl2eWaJvx6Z1XfpR8e4kCNkHSRnNwKN9HeN9bY1RPjFjK79o1GOlfr6Ik1eCqyc9v22E9bn9muPQJJp_Kkhf2z54uglg3uAIsjaUE0Mdjsx14VPjdQIu7aSvc/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_8.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="328" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUyBPdO9uwFNnakob0aqmvl2eWaJvx6Z1XfpR8e4kCNkHSRnNwKN9HeN9bY1RPjFjK79o1GOlfr6Ik1eCqyc9v22E9bn9muPQJJp_Kkhf2z54uglg3uAIsjaUE0Mdjsx14VPjdQIu7aSvc/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_8.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">No século I, as redes de comércio do Velho Mundo, ligavam o Mediterrâneo, no Ocidente, à China e às ilhas das especiarias, no Oriente.</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma das coisas que fazem as especiarias
parecerem tão exóticas é sua associação com terras misteriosas e longínquas.
Para os geógrafos primitivos do Velho Mundo, que tentavam compor os primeiros
mapas e descrições do mundo, as especiarias muitas vezes marcavam os limites de
seu conhecimento. Estrabão, por exemplo, referiu-se ao “país indiano que produz
canela” situado “na borda do mundo habitável”, além do qual a Terra, dizia ele,
era quente demais para permitir aos seres humanos viver. Mesmo o autor do
Périplo, mais viajado, tinha pouca ideia do que acontecia a leste da foz do
Ganges: havia uma grande ilha, “o último lugar habitável do mundo”
(possivelmente Sumatra), depois do qual “o mar chega ao fim em algum lugar”.
Para o norte ficava a misteriosa terra de “Thina” (China), a fonte da seda e
das folhas de malóbatro (canela).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os comerciantes e geógrafos dependiam uns
dos outros: os primeiros precisavam de mapas, e os cartógrafos precisavam de
informação. Os comerciantes visitavam geógrafos antes de viajar, e podiam
partilhar informações na volta. Saber quantos dias de viagem eram necessários
para chegar de um ponto a outro, ou itinerários típicos de rotas particulares, tornava
possível a estimativa de distâncias, e assim a elaboração de mapas. Desse modo
os geógrafos aprendiam sobre o traçado do mundo como um resultado indireto do
comércio de especiarias e outras mercadorias. É também por isso que tanta
informação sobre especiarias vem dos primeiros geógrafos. Nem eles nem os
comerciantes queriam revelar todos os seus segredos, mas alguma troca de ideias
fazia sentido para ambas as partes. Os comerciantes trabalhavam de mãos dadas
com cartógrafos, culminando no mapa compilado no século II por Ptolomeu, um
matemático, astrônomo e geógrafo romano. Surpreendentemente preciso mesmo para
padrões modernos, ele formou a base da geografia ocidental por mais de mil
anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A interdependência da geografia e do
comércio foi ressaltada pelo próprio Ptolomeu, que observou que era somente
graças àquele que a localização da Torre de Pedra, um posto comercial
fundamental na Rota da Seda para a China, era conhecida. Ele estava
perfeitamente ciente de que a Terra era esférica, algo que havia sido demonstrado
por filósofos gregos centenas de anos antes, e deu tratos à bola para encontrar
a melhor maneira de representar isso numa superfície plana. Sua estimativa da
circunferência da Terra, no entanto, estava errada. Embora Eratóstenes, um
matemático grego, tivesse feito esse cálculo 400 anos antes e chegado bem perto
da resposta certa, o número de Ptolomeu foi um sexto menor – assim, ele pensou que
a massa de terra eurasiana estendia-se pelo mundo muito mais do que de fato o
faz. Essa superestimação da extensão de terras da Ásia para o leste foi um dos
fatores que mais tarde estimularam Cristóvão Colombo a viajar rumo ao oeste
para encontrá-la.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ptolomeu acreditava também que o oceano
Índico era cercado de terra por todos os lados, apesar de relatos de que podia
ser alcançado a partir do Atlântico quando se contornava o extremo sul da
África. (Heródoto, por exemplo, contou sobre fenícios que haviam circunavegado
a África por volta de 600 a.C., levando cerca de três anos para fazê-lo e achando
as estações do ano estranhamente invertidas à medida que avançavam para o sul.)
Geógrafos árabes compreenderam durante o século X que a ideia de um oceano
Índico cercado por terra era errada. Um deles, al-Biruni, escreveu sobre “uma
abertura nas montanhas ao longo da costa sul [da África]. Há certas provas
dessa comunicação, embora ninguém tenha sido capaz de confirmá-la visualmente.”
Os informantes de al-Biruni eram sem dúvida comerciantes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Crenças religiosas eram outro tipo de
informação que se espalhava naturalmente ao longo de rotas comerciais, à medida
que missionários seguiam caminhos abertos por comerciantes e que os próprios
comerciantes levavam suas crenças para novas terras. O budismo Mahayana espalhou-se
pelas rotas comerciais da Índia até a China e o Japão, e o budismo Hinahyana espalhou-se
do Sri Lanka até Burma, Tailândia e Vietnã. Reza a tradição que, no século I, o
apóstolo Tomás levou o cristianismo para a costa de Malabar, na Índia, chegando
num navio mercante de especiarias a Cranganore (a moderna Kodungallur) em 52
d.C. Mas a simbiose religiosa mais impressionante foi com o islamismo. Sua
expansão inicial, a partir de seu lugar de origem, na península Arábica, foi de
natureza militar. Um século depois da morte do profeta Maomé, em 632 d.C., seus
seguidores já haviam conquistado toda a Pérsia, a Mesopotâmia, a Palestina e a
Síria, o Egito, o resto da costa norte-africana e a maior parte da Espanha.
Após o ano 750 d.C., porém, a difusão do islamismo esteve estreitamente
associada ao comércio: à medida que viajavam para fora da península Arábica, os
comerciantes muçulmanos levavam sua religião consigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os distritos comerciais árabes em portos
estrangeiros logo se converteram ao islamismo. Os impérios africanos que
comerciavam com o mundo muçulmano através do Saara (como o reino de Gana e o
Império Mali que o substituiu) converteram-se entre os séculos X e XII. O islamismo
espalhou-se também ao longo de rotas comerciais para as cidades da costa leste
da África. E, é claro, foi levado através das rotas das especiarias do oceano
Índico para a costa oeste da Índia, e além. No século VIII, comerciantes árabes
estavam navegando por todo o percurso até a China para comerciar em Cantão – um
comércio direto facilitado pela unificação política produzida pela ascensão do
islamismo no Ocidente e o início da dinastia Tang da China no Oriente.
Tratava-se, contudo, de uma viagem particularmente perigosa. Buzurg ibn
Shahriyar, um escritor persa, fala do capitão Abharah, um navegador lendário
que fez a viagem para a China sete vezes e viveu para contar a história, mas
por pouco: vítima de um naufrágio em uma de suas viagens, ele escapou como o
único sobrevivente de seu navio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse foi o período das estrambólicas
aventuras descritas nas histórias de Simbá, o Marujo, que faz grandes viagens
oceânicas, volta para casa como um homem rico, gasta o butim e depois fica
ávido por aventuras, partindo novamente. As histórias de Simbá se baseiam nas experiências
reais de comerciantes árabes que atravessavam o oceano Índico. Ocorre que o comércio
direto com a China terminou em 878 d.C., quando rebeldes que se opunham ao regime
Tang saquearam Cantão e mataram milhares de estrangeiros; dali em diante os mercadores
da Arábia não foram além da Índia ou do sudeste da Ásia, onde comerciavam com mercadores
chineses. O islamismo, contudo, continuou a se espalhar ao longo das rotas comerciais
e finalmente se enraizou por toda a volta do oceano Índico, chegando a Sumatra
no século XIII e às ilhas das especiarias, as Molucas, no século XV.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Comércio e islamismo provaram-se
extremamente compatíveis. A profissão de comerciante era considerada honrada,
até porque o próprio Maomé a exercera, fazendo várias viagens à Síria ao longo
das rotas terrestres que levavam especiarias do oceano Índico para o
Mediterrâneo. À medida que o islamismo se difundiu, a língua, a cultura, as
leis e os costumes comuns dentro do mundo muçulmano proporcionaram um ambiente
fértil em que o comércio pôde prosperar. Comerciantes muçulmanos em viagem eram
mais propensos a fazer negócios com correligionários nos centros comerciais, e
depois que uma importante cidade comercial em determinada região se convertia
ao islamismo, fazia sentido para outras cidades nas proximidades seguir seu
exemplo, adotando as leis muçulmanas e a língua árabe. O explorador veneziano
Marco Polo, visitando Sumatra no fim do século XIII, observou que a extremidade
nordeste da ilha era “tão frequentada por comerciantes sarracenos [árabes] que
eles tinham convertido os nativos à Lei de Maomé”. Mesmo que alguns comerciantes
se convertessem de início por razões de conveniência comercial, a rápida difusão
do islamismo sugere que eles, ou pelo menos seus descendentes, logo se tornaram
inteiramente sinceros em sua adesão à nova religião. O comércio espalhou o
islamismo, e o islamismo promoveu o comércio. Vale a pena notar que no fim do
século XX, os dois países com as maiores populações muçulmanas eram a Indonésia
e a China – ambos muito além do âmbito das conquistas militares islâmicas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Duas figuras históricas ilustram o alcance
e o poder unificador do islamismo. A primeira é Ibn Battuta, um muçulmano de
Tânger, muitas vezes chamado de o Marco Polo árabe. Em 1325, aos 21 anos, ele
partiu para uma peregrinação (<i>hajj</i>) a
Meca, aonde chegou no ano seguinte, tendo visitado Cairo, Damasco e Medina ao
longo do caminho. Em vez de voltar diretamente para casa, ele decidiu viajar um
pouco mais e embarcou no que viria a ser uma viagem de 29 anos e 117 mil
quilômetros por grande parte do mundo conhecido. Visitou o Iraque, a Pérsia, a
costa leste da África, a Turquia e a Ásia Central, e viajou através do oceano
Índico em direção ao sul da China. Depois retornou ao norte da África, a partir
de onde visitou o sul da Espanha e o reino de Mali, na África Central. Foi uma
viagem assombrosa por quaisquer padrões, mas é particularmente notável que
durante a maior parte dela Ibn Battuta tenha permanecido dentro do mundo muçulmano,
ou do que os muçulmanos chamam de <i>dar
al-Islam</i> (literalmente, “a residência do islamismo”). Ele serviu como juiz
em Delhi e nas Maldivas, foi enviado como embaixador à China por um sultão
indiano e, quando visitou Sumatra, em 1346, constatou que os juristas eram
membros de sua própria escola Hanafi de pensamento jurídico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A segunda figura é Zheng He, almirante da
extraordinária armada de navios-tesouro da China. Entre 1405 e 1433, ele
comandou sete viagens oficiais, cada uma com dois anos de duração, que
avançaram muito pelo oceano Índico. Sua frota de 300 navios tripulados por 27 mil
marinheiros era a maior já reunida, e não seria superada em tamanho por mais
500 anos. Zheng He tinha ordens para apresentar a riqueza, o poder e a
sofisticação da China a outras nações, estabelecer ligações diplomáticas e
estimular o comércio. Assim, passando pelas ilhas das especiarias no sudeste da
Ásia, ele navegou até a costa da Índia, subiu o golfo Pérsico e avançou a oeste
até a costa leste da África. Ao longo do caminho, seus navios recolheram
curiosidades, comerciaram com soberanos locais e reuniram embaixadores para levá-los
à China. Zheng He era o embaixador chinês no mundo exterior; talvez surpreendentemente,
era também um muçulmano. Mas isso o tornava idealmente qualificado para
percorrer os portos, mercados e palácios dos reinos em torno do oceano Índico.
No fim das contas, porém, seus esforços deram em nada, já que, embora ele tenha
estabelecido a China como uma presença poderosa no oceano Índico, rivalidades
internas dentro da corte chinesa levaram ao desmantelamento da Marinha, em
parte para atender a queixas políticas, mas também para que fosse possível
desviar recursos para a proteção do Império contra inimigos vindos do norte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se as rotas de comércio de especiarias do
mundo eram as redes de comunicação da época, conectando terras distantes, então
o islamismo era o protocolo comum com que elas operavam. Mas, embora o comércio
florescesse no mundo muçulmano, a ascensão do islamismo teve o efeito de isolar
a Europa do sistema comercial do oceano Índico. Depois que Alexandria foi
tomada por tropas muçulmanas em 641 d.C., as especiarias não puderam mais
chegar diretamente ao Mediterrâneo. Os europeus foram relegados a uma região comercialmente
estagnada por uma “cortina muçulmana” que bloqueava seu acesso ao Oriente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Contornar a cortina
muçulmana<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1345, Jani Beg, o chefe da
Horda Dourada, fez um cerco ao porto de Caffa, na península da Crimeia. A Horda
Dourada (o fragmento mais a oeste do então prostrado Império Mongol) havia
vendido a cidade a comerciantes genoveses em 1226, e ela era o principal
empório comercial destes no mar Negro. Mas Jani Beg desaprovava o uso do porto
para o comércio de escravos, e tentou retomá-lo. Exatamente quando parecia
prestes a ocupar o porto, seu exército foi atingido por uma terrível peste.
Segundo um relato da época feito por Gabriele de Mussi, um notário italiano, as
tropas de Jani Beg carregaram as catapultas com os cadáveres atingidos pela
peste e os lançaram na cidade. Os genoveses jogaram os corpos para fora das muralhas
de Caffa e no mar, mas a peste se apoderara da cidade. “Logo, como se poderia supor,
o ar ficou contaminado e os poços d’água envenenados, e dessa maneira a doença
se espalhou tão rapidamente que poucos habitantes tiveram forças suficientes
para escapar dela”, registrou De Mussi. Mas alguns dos genoveses conseguiram fugir
– e quando avançaram para o Ocidente, levaram consigo a peste em seus navios.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A peste, hoje conhecida como Peste Negra,
espalhou-se por toda a bacia do Mediterrâneo durante 1347, chegando à França e
à Inglaterra em 1348 e à Escandinávia em 1349, matando entre um terço e metade
da população da Europa até 1353, segundo algumas estimativas. “Uma peste atacou
quase todas as terras costeiras do mundo e matou a maioria das pessoas”, registrou
um cronista bizantino. A especificação biológica exata dessa peste ainda é
acaloradamente debatida, mas geralmente se pensa tratar-se da peste bubônica,
transmitida por pulgas de ratos-pretos. Ela era conhecida na época como a
“pestilência”, e a expressão “Peste Negra”, cunhada no século XVI, tornou-se
popular no século XIX. Nenhum tratamento podia salvar as vítimas depois que a
peste se instalava. Há relatos de pessoas sendo trancafiadas em suas casas para
impedir que a peste se alastrasse, e de pessoas abandonando suas famílias para
evitar o contágio. Os médicos propunham toda sorte de medidas estranhas que
iriam, segundo eles, minimizar o risco de infecção, aconselhando as pessoas
gordas a não tomarem sol, por exemplo, e emitindo uma série desconcertante de conselhos
dietéticos. Médicos em Paris recomendaram às pessoas evitar hortaliças, em
conserva ou frescas; evitar frutas, a menos que consumidas com vinho; e
abster-se de comer aves, patos e leitão. “Azeite de oliva”, advertiam, “é
fatal.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Além das longas listas de produtos a
evitar, havia alguns exemplos de alimentos que supostamente ofereciam proteção
contra a peste – entre eles se destacavam as especiarias, com suas associações
exóticas, quase mágicas, seus aromas pungentes e uma longa história de usos medicinais.
Os médicos franceses recomendavam que se bebesse caldo de carne temperado com
pimenta, gengibre e cravos. Como se pensava que a peste era transmitida pelo ar
contaminado, as pessoas eram aconselhadas a queimar incenso e borrifar água de
rosas em suas casas, e a levar consigo várias misturas de pimenta, pétalas de
rosa e outras substâncias aromáticas quando saíssem. O escritor italiano
Giovanni Boccaccio descreveu pessoas que “saíam de casa carregando nas mãos
flores ou ervas aromáticas ou diversos tipos de especiarias, que levavam
frequentemente a seus narizes”. Isso ajudava a esconder o cheiro dos mortos e
moribundos, bem como, supostamente, a purificar o ar. João de Escenden,
professor adjunto da Universidade de Oxford, estava convencido de que uma
combinação de canela em pó, babosa, mirra, açafrão, macis e cravos lhe
permitira sobreviver mesmo quando as pessoas à sua volta sucumbiam à peste.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como meio de prevenir o contágio, porém,
as especiarias eram completamente inúteis. Na verdade, eram piores que inúteis;
para começar, foram em parte responsáveis pela chegada e a difusão da peste. O
porto genovês de Caffa era valioso porque se situava no extremo oeste da Rota
da Seda para a China, e porque especiarias e outras mercadorias provenientes da
Índia, enviadas golfo acima e depois transportadas por terra para Caffa e
outros portos do mar Negro davam a volta por trás da cortina muçulmana. Assim,
Caffa permitia aos genoveses burlar o monopólio muçulmano e obter mercadorias
orientais para vender a fregueses europeus. (Nessa altura, seus arquirrivais,
os venezianos, haviam se aliado aos sultões muçulmanos que controlavam o
comércio no mar Vermelho e agiam como seus distribuidores europeus oficiais.) A
peste, que parece ter se originado na Ásia Central, chegou a Caffa pelas rotas
comerciais terrestres antes de se espalhar pela Europa através dos navios de
especiarias genoveses.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando a relação entre o comércio de
especiarias e a peste foi percebida, já era tarde demais. “Em janeiro de 1348,
impelidas por um violento vento leste, três galés entraram no porto de Gênova,
horrivelmente infectadas e carregadas com variedades de especiarias e outras
mercadorias valiosas”, escreveu um cronista flamengo. “Quando os habitantes de
Gênova ficaram sabendo disso, e viram quão repentina e irremediavelmente elas
infectavam outras pessoas, as embarcações foram expulsas daquele porto por
flechas incendiárias e diversas máquinas de guerra; pois nenhum homem ousava
tocá-las; não havia tampouco nenhum homem capaz de comerciar com elas, pois se
o fizesse estaria certo de morrer imediatamente. Assim, elas foram escorraçadas
de porto em porto.” Mais tarde naquele ano, um escritor francês em Avignon
escreveu, acerca dos navios genoveses, que “as pessoas não comem, sequer tocam,
especiarias que não ficaram armazenadas por um ano, pois temem que possam ter
chegado recentemente nos supracitados navios ... Foi observado muitas vezes que
aqueles que comeram as novas especiarias ... caíram subitamente doentes.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A importância das várias rotas marítimas e
terrestres entre a Europa e o Oriente variava de acordo com a situação
geopolítica na Ásia Central. A unificação política sob o Império Mongol, por
exemplo, que abarcou grande parte do norte da massa eurasiana – da Hungria, no Ocidente,
até a Coreia, no Oriente –, tornou o comércio por terra muito mais seguro, e os
volumes cresceram de maneira correspondente. No século XIII, dizia-se que uma
donzela podia atravessar o Império Mongol caminhando com um pote de ouro na
cabeça sem ser molestada. O estabelecimento de pontos de apoio cristãos no
Levante, durante as Cruzadas, proporcionou outros escoadouros para mercadorias
trazidas por terra pela Rota da Seda ou pelo golfo. Inversamente, a
desintegração do Império Mongol, no início do século XIV, significou que a
balança voltou a pender em favor da rota do mar Vermelho, agora controlada pela
dinastia muçulmana dos mamelucos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante o século XV, houve uma crescente
inquietação na Europa com relação à extensão do controle muçulmano sobre o
comércio com o Oriente. Em 1400, cerca de 80% desse comércio estava em mãos
muçulmanas. Seus distribuidores europeus, os venezianos, estavam no auge do
poder. Veneza negociava cerca de 500 toneladas de especiarias por ano, das
quais 60% eram de pimenta. O carregamento de um único galeão veneziano tinha o
valor equivalente a um resgate real. Vários papas tentaram proibir o comércio
com o mundo muçulmano, mas os venezianos ou os ignoravam ou ganhavam dispensas
especiais para continuar fazendo negócios, como de costume. Nesse meio-tempo,
Gênova estava em declínio. Suas possessões no mar Negro estavam sob pressão dos
turcos otomanos, um poder muçulmano ascendente que avançava sobre o Império
Bizantino, que por sua vez encolhia rapidamente. Entre 1410 e 1414 houve uma
súbita alta dos preços das especiarias – na Inglaterra, o preço da pimenta
subiu oito vezes –, o que lembrou penosamente a todos a grande dependência em
que estavam de seus fornecedores. (As causas dessa elevação foram provavelmente
as atividades de Zheng He, cuja chegada inesperada à costa oeste na Índia rompeu
os padrões usuais de oferta e demanda, e fez os preços subirem.) Tudo isso
alimentou um crescente interesse pela possibilidade de encontrar algum novo
caminho que contornasse a cortina muçulmana e estabelecesse vínculos comerciais
diretos com o Oriente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A queda de Constantinopla, em 1453, é por
vezes retratada como o evento que finalmente desencadeou a idade europeia das
explorações, mas ela foi apenas o mais proeminente de uma série de eventos que extinguiram
por completo a rota terrestre para o Oriente. Em 1451, os turcos otomanos já
haviam conquistado a Grécia e a maior parte da Turquia ocidental, e consideravam
Constantinopla, agora o último reduto significativo do antigo Império
Bizantino, um “osso na garganta de Alá”. Depois da queda, eles impuseram
pesados pedágios a navios que entravam e saíam do mar Negro, e em seguida
trataram de tomar os portos genoveses em torno de sua costa, inclusive Caffa,
que foi tomada em 1475. Enquanto isso, os rivais muçulmanos dos otomanos, os
mamelucos, aproveitaram a oportunidade para elevar as tarifas sobre as
especiarias que passavam por Alexandria, provocando uma alta constante dos
preços na Europa durante a segunda metade do século XV. Em suma, não foi
simplesmente a queda de uma cidade, mas o crescimento gradual da insatisfação
com o monopólio muçulmano sobre as especiarias que incitou exploradores
europeus a buscar rotas marítimas para o Oriente inteiramente novas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">6. Sementes de impérios<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">“Depois do ano 1500 não se encontrava em Calicute nenhuma
pimenta que não estivesse tingida de sangue.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
VOLTAIRE, 1756<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">“Acredito ter
encontrado ruibarbo e canela”<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em junho de 1474, Paolo
Toscanelli, um eminente astrônomo e cosmógrafo italiano, escreveu uma carta
para a corte portuguesa em Lisboa esboçando sua extraordinária teoria: a rota
mais rápida da Europa para a Índia, “a terra das especiarias”, era navegar para
o oeste, em vez de tentar navegar para o sul e para o leste em torno da parte
inferior da África. “E não se espantem quando digo que as especiarias crescem
em terras a oeste, ainda que costumemos dizer a leste”, escreveu ele.
Toscanelli descreveu as riquezas do Oriente, fazendo grandes empréstimos da
narrativa de Marco Polo, e incluiu prestimosamente uma carta náutica que mostrava
as ilhas de Cipangu e Antília, localizadas no caminho para Cathay (China), que
ele estimava estar 10 mil quilômetros a oeste da Europa. “Esse país é mais rico
que qualquer outro já descoberto, e não somente poderia fornecer grande lucro e
muitas coisas valiosas, como também possui ouro, prata, pedras preciosas e toda
sorte de especiarias, em grandes quantidades”, declarou ele. A corte portuguesa
acabou por ignorar o conselho de Toscanelli, mas Cristóvão Colombo, um
marinheiro genovês que vivia em Lisboa na época, ouviu falar da carta e obteve
uma cópia dela, possivelmente do próprio Toscanelli.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como Toscanelli, Colombo estava convencido
de que navegar para oeste era a rota mais rápida para as Índias, e passou
muitos anos reunindo documentos que sustentavam sua argumentação, efetuando
cálculos e traçando mapas. A ideia tinha sólidos fundamentos intelectuais –
autoridades antigas, Ptolomeu e Estrabão, haviam aludido a ela; Colombo inspirava-se
também em Pierre d’Ailly, um erudito francês do século XIV cuja “Descrição do mundo”
declarava que a viagem da Espanha para a Índia, navegando para o oeste, levaria
“alguns dias”. Mas o respaldo de Toscanelli, um dos cosmógrafos mais
respeitados de seu tempo, deu peso adicional à sua teoria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Baseando-se nos cálculos de Ptolomeu, que
havia superestimado o tamanho da Eurásia e subestimado a circunferência da
Terra, Colombo escolheu a dedo estimativas de várias autoridades para se
convencer de que a Terra era ainda menor e a Eurásia ainda maior, encolhendo
assim o oceano que estava de permeio. Usou uma estimativa de Al-Farghani, um geógrafo
muçulmano, para a circunferência da Terra; deixou, porém, de levar em conta a diferença
entre milhas muçulmanas e romanas, e acabou com um número que era, convenientemente,
25% menor do que devia. Depois, usou a estimativa excepcionalmente grande do
tamanho da Eurásia de Marino de Tiro, e acrescentou a isso descrições que Marco
Polo fizera de Cipangu (Japão), uma grande ilha que estaria supostamente a
centenas de quilômetros da costa leste da China, o que reduzia ainda mais a
amplitude do oceano que teria de cruzar. Desse modo Colombo calculou a
distância entre as ilhas Canárias (ao largo da costa oeste da África) e o Japão
como sendo ligeiramente superior a 3.200 quilômetros – menos de um quarto da
verdadeira distância.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Convencer um patrocinador a financiar a
expedição que propunha, contudo, provou-se difícil. Isso não ocorreu, como por
vezes se sugere, porque os grupos de especialistas nomeados nos anos 1480 pelas
cortes portuguesa e espanhola para avaliar a proposta de Colombo discordaram de
sua afirmação de que a Terra era esférica; isso era geralmente aceito. O
problema foi que seus cálculos pareciam duvidosos, em particular porque se
baseavam em evidências fornecidas por Marco Polo, cujo livro descrevendo as
viagens no Oriente era considerado em geral, na época, uma obra de ficção.
Portugal estava, de todo modo, desenvolvendo seu próprio programa de exploração
da costa oeste da África, e não estava disposto a abandoná-lo (razão por que a
carta de Toscanelli também caiu em ouvidos moucos). Assim, ambos os grupos de
especialistas disseram não. A sorte de Colombo mudou, porém, quando o rei
Fernando e a rainha Isabel da Espanha, que acabavam de conquistar Granada, o
último baluarte muçulmano na Espanha, decidiram afinal patrociná-lo. Colombo
talvez os tenha levado a mudar de opinião ao sugerir que os lucros de sua
expedição poderiam financiar uma campanha para reconquistar Jerusalém.
Certamente ele apresentou sua viagem como uma aventura abertamente comercial, e
os documentos que definiram as condições da expedição lhe asseguravam “um
décimo de todo o ouro, prata, pérolas, gemas, especiarias e outras mercadorias
produzidas ou obtidas por permuta e mineração dentro dos limites daqueles
domínios”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seus três navios rumaram para oeste a
partir das ilhas Canárias em 6 de setembro de 1492, e encontraram terra, após
uma viagem cada vez mais angustiante, no dia 12 de outubro. Colombo teve
certeza de que havia riquezas ao alcance assim que avistaram terra. Seu diário
de bordo menciona “ouro e especiarias” repetidamente e detalha tentativas de
convencer os nativos a lhe dizer onde encontrá-los. “Eu estava atento e dei-me
ao trabalho de averiguar se havia ouro”, escreveu em seu diário em 13 de
outubro, após encontrar um grupo de nativos. Duas semanas depois de chegar,
visitou várias das que supôs serem as 7.459 ilhas que Marco Polo afirmou se
situarem ao longo da costa leste da China, e escreveu em seu diário: “Desejei
partir hoje para a ilha de Cuba ... sendo minha crença que ela será rica em
especiarias.” Colombo não conseguiu encontrar especiarias em Cuba, mas
disseram-lhe ser possível encontrar canela e ouro mais a sudeste. Em meados de
novembro, ele ainda sustentava em seu diário que “sem dúvida há nestas terras
uma grande quantidade de ouro ... pedras, pérolas preciosas e infinitas
especiarias”. Em dezembro, ancorado ao largo da ilha que chamou de Hispaniola,
registrou que podia ver na costa “um campo de árvores de mil tipos, todas
carregadas de frutas ... que se acredita serem especiarias e nozes-moscadas”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como se comunicava com os nativos usando a
linguagem dos sinais, Colombo podia interpretá-los praticamente como bem
entendia. De maneira igualmente conveniente, havia várias explicações
plausíveis para seu fracasso em encontrar qualquer especiaria. Talvez não fosse
a estação própria; seus homens não conheciam as técnicas corretas de colheita e
processamento; e, é claro, de qualquer maneira os europeus não sabiam que aparência
tinham as especiarias na natureza. “Não ter conhecimento dos produtos causa-me
o maior pesar do mundo, pois vejo mil tipos de árvores, cada uma com sua
característica especial, bem como mil tipos de ervas com suas flores; no
entanto não conheço nenhuma delas”, escreveu Colombo. Ao que parece, ele sofria
também de falta de sorte: um membro da tripulação disse ter encontrado três
lentiscos, mas lamentavelmente deixara a amostra cair; outro disse ter
descoberto ruibarbo, mas não conseguira colhê-lo sem uma pá.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Colombo partiu para a Espanha em 4 de
janeiro de 1493, tendo reunido uma pequena quantidade de ouro através de
negociações com nativos. Levou também amostras do que pensava serem
especiarias. Depois de uma viagem difícil, chegou de volta à Espanha em março
de 1493, e sua carta oficial a Fernando e Isabel relatando suas descobertas
tornou-se um best-seller em toda a Europa, com 11 edições publicadas até o fim
daquele ano. Ele descreveu ilhas exóticas com montanhas elevadas, aves estranhas
e novos tipos de fruta. Sobre a ilha de Hispaniola, escreveu: “Há muitas
especiarias e grandes minas de ouro e outros metais.” Explicou que a
distribuição das riquezas dessas novas terras podia começar imediatamente:
“Darei a Suas Majestades especiarias e algodão de imediato, tanto quanto ordenem
que se envie, e tanto quanto ordenem que se envie de lentisco ... e babosa
tanto quanto ordenem que se envie; e escravos tantos quanto ordenem que se
enviem, e estes serão de povos idólatras. E acredito ter encontrado ruibarbo e
canela.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A julgar pelo tom triunfante da carta,
parecia que Colombo alcançara seu objetivo de encontrar uma nova rota para as
riquezas do Oriente. Embora as ilhas que visitou não correspondessem às
descrições da China e de Cipangu no relato de Marco Polo, ele tinha certeza de
que o continente estava próximo. Que prova melhor haveria do que a presença de canela
e ruibarbo, que sabidamente se originavam nas Índias? Mas a opinião na corte espanhola
ficou dividida. Os gravetos que Colombo dizia serem canela não tinham o cheiro certo
e pareciam ter se estragado durante a viagem de volta. As outras amostras de
especiarias também não impressionavam, e ele só encontrara uma pequena
quantidade de ouro. Céticos concluíram que ele não havia encontrado nada mais
do que algumas novas ilhas no Atlântico. Mas como Colombo afirmou que estava se
aproximando da fonte do ouro, uma segunda expedição, muito maior, foi
despachada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A segunda expedição só perpetuou a
confusão relativa à existência de especiarias. Escrevendo de Hispaniola em 1494
para sua casa em Sevilha, Diego Álvarez Chanca, que serviu como médico de
Colombo na viagem, explicou a situação: “Há algumas árvores que, ‘penso eu’,
dão nozes-moscadas, mas não estão dando fruto no momento. Digo ‘penso eu’ porque
o cheiro e o gosto da casca se assemelham aos de nozes-moscadas”, escreveu. “Vi
uma raiz de gengibre, que um índio trazia amarrada em volta do pescoço. Há
também babosa: não é do tipo que foi visto até agora em nosso país, mas não
tenho dúvida de que tem valor medicinal. Há também lentisco muito bom.” Nenhuma
dessas coisas estava realmente lá, mas os espanhóis queriam muito que
estivessem. “Foi também encontrado um tipo de canela; é verdade que não é tão
boa como a que conhecemos em casa. Não sabemos se por acaso isso se deve a
falta de conhecimento sobre quando deve ser colhida, ou se por acaso a terra
não produz melhor.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Colombo lançou-se ele mesmo à exploração,
na esperança de mostrar que havia encontrado o continente asiático. Afirmou ter
descoberto as pegadas de grifos e pensava ter detectado semelhanças entre os
nomes locais dos lugares visitados e aqueles mencionados por Marco Polo. Em
certa altura, conseguiu fazer todos os marinheiros de sua frota jurarem que
Cuba era maior que qualquer ilha conhecida e que estavam muito próximos da
China. Todo marinheiro que refutasse essas afirmações era ameaçado com uma
pesada multa e a perda da língua. No entanto, as dúvidas cresciam à medida que
Colombo voltava de cada uma de suas viagens com somente alguns pedaços de ouro
e mais de suas especiarias duvidosas. Ele precisou recorrer a justificativas
religiosas para suas atividades – os nativos poderiam ser convertidos ao cristianismo
–, embora sugerisse também que poderiam dar bons escravos. Seus colonos tornavam-se
cada vez mais rebeldes. Colombo foi acusado de má administração das colônias e
de ter pintado um quadro enganoso de seu potencial. Ao cabo da terceira viagem,
foi enviado de volta para a Espanha acorrentado e destituído do título de
governador. Após uma quarta e última viagem, morreu em 1506, convencido até o
fim de que tinha realmente chegado à Ásia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A ideia de encontrar especiarias nas
Américas sobreviveu a Colombo. Em 1518, Bartolomé de las Casas, um missionário
espanhol no Novo Mundo, afirmou que as novas colônias espanholas eram “muito
boas” para gengibre, cravos e pimenta. O conquistador Hernán Cortés encontrou
grande quantidade de ouro, pilhando-o dos astecas durante a conquista espanhola
do México, mas até ele se sentiu mal com relação ao fracasso em obter alguma
noz-moscada ou cravo. Insistiu, em cartas ao rei da Espanha, que acabaria encontrando
o caminho para as ilhas das especiarias. Na década de 1540, outro conquistador,
Gonzalo Pizarro, esquadrinhou a selva amazônica numa busca fatal pela lendária
cidade de El Dorado e pelo “<i>país de la canela</i>”.
Foi só no século XVII que a procura do Velho Mundo por especiarias nas Américas
foi finalmente abandonada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Obviamente, as Américas ofereciam ao resto
do mundo toda sorte de novos gêneros alimentícios, inclusive milho, batatas,
abóbora, chocolate, tomate, abacaxis e novos condimentos, como baunilha e
pimenta-da-jamaica. E, embora Colombo não tenha conseguido encontrar no Novo
Mundo as especiarias que procurava, encontrou algo que era, sob alguns aspectos,
ainda melhor. “Há abundância de <i>aji</i>”,
escreveu ele em seu diário, “que é a pimenta deles, mais valiosa que
pimenta-do-reino, e todas as pessoas não comem outra coisa, sendo ela muito
saudável. Seria possível carregar 50 caravelas anualmente com ela.” Tratava-se
do chili, e embora não fosse pimenta-do-reino, podia ser usado de maneira
semelhante. Um observador italiano na corte espanhola observou que cinco grãos
eram mais ardidos e tinham mais sabor que 20 grãos da pimenta comum de Malabar.
Melhor ainda, como podia ser facilmente cultivado fora da região de origem,
diferentemente da maioria das especiarias, o chili espalhou-se rapidamente pelo
mundo e em poucas décadas já estava assimilado à culinária asiática.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar das suas virtudes culinárias,
porém, o chili não era o que Colombo queria. A facilidade com que podia ser
transplantado de uma região para outra significava que não tinha o valor
financeiro das especiarias tradicionais, que se devia, em grande parte, às
limitações geográficas de sua oferta e à necessidade de transporte por longas
distâncias. No entanto, o mais importante para Colombo era encontrar as
especiarias do Velho Mundo não por seu gosto ou valor, mas para provar ter
realmente chegado à Ásia. Foi por isso que ele semeou uma confusão que dura até
hoje, chamando os chilis de “pimentas” e as pessoas que encontrou nas Bahamas
de “índios”, em ambos os casos dando-lhes os nomes daquilo que estava empenhado
em encontrar. Isso porque encontrar a fonte das especiarias significava ter
chegado às Índias, as terras exóticas e aromáticas descritas por Marco Polo e
por outros cujas histórias enfeitiçaram os europeus por tantos séculos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">“Cristãos e especiarias”<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As especiarias não eram um dos
objetivos originais do programa português para explorar a costa oeste da
África, iniciado nos anos 1420 pelo infante Henrique de Portugal (conhecido em
inglês pelo equivalente de príncipe Henrique o Navegador, mais uma alcunha
criada do século XIX). O objetivo era aprender mais sobre a geografia da costa
e das ilhas próximas, estabelecer relações comerciais e talvez fazer contato
com Preste João, o legendário soberano cristão de um reino que se supunha estar
situado em algum lugar na África ou nas Índias, e que seria um valioso aliado
contra os muçulmanos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
À medida que desciam pela costa africana,
cada um indo um pouco mais longe que o anterior, os navios de Henrique
refutavam a antiga noção grega de que os extremos da Terra ficavam quentes
demais para os humanos. Eles levavam de volta ouro, escravos e “grãos do paraíso”,
uma especiaria inferior parecida com a pimenta-do-reino, vagamente conhecida na
Europa porque era ocasionalmente comerciada através do Saara, chegando ao
Mediterrâneo. Também procuraram algum braço do Nilo, na esperança de segui-lo
contra a corrente para encontrar Preste João. Com o decorrer do século XV,
porém, a necessidade europeia de encontrar uma rota alternativa para as Índias
tornou-se cada vez mais urgente. Os navios portugueses avançaram mais ao sul e
finalmente, em 1488, Bartolomeu Dias contornou o cabo do sul da África – por
acidente, depois de ser arrastado pelo Atlântico por uma tempestade – e em
seguida rumou para leste. Ele voltou a Lisboa com a notícia de que, ao
contrário do que pensavam alguns dos antigos, o oceano Índico não era todo
rodeado por terra e podia ser alcançado a partir do Atlântico – e o mesmo valia,
por extensão, para a Índia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por que então Portugal levou
nove anos para enviar uma expedição à Índia? A organização de uma frota teria
levado tempo, mas as descobertas de Colombo no Atlântico podem também ter sido
responsáveis pelo atraso. Se ele tivesse realmente encontrado uma rota para o
leste navegando em direção ao oeste, contornar toda a África seria
desnecessário. Mas quando Colombo voltou de sua segunda viagem, em 1496, com
muito pouco para mostrar, os portugueses recobraram o entusiasmo por uma
expedição à Índia contornando a extremidade sul da África. Os navios zarparam
no ano seguinte. Como um cronista da época relatou sucintamente: “No ano 1497,
o rei Manuel, o primeiro com esse nome em Portugal, enviou quatro navios que
partiram numa busca por especiarias, capitaneados por Vasco da Gama.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A viagem foi marcada por conflitos
religiosos e rivalidade. Tendo contornado o cabo e navegado pela costa leste da
África acima, Vasco da Gama e seus homens foram confundidos com muçulmanos pelo
sultão de Mocobiquy (Moçambique). Ele prometeu fornecer-lhes um piloto que
poderia guiá-los até a Índia, mas depois percebeu seu erro. Seguiu-se uma luta
e os navios de Vasco da Gama bombardearam a cidade, matando pelo menos duas
pessoas. Houve outras querelas com muçulmanos locais, enquanto os portugueses
tentavam, em vão, conseguir um piloto. Em Malindi, mais acima na costa
africana, Vasco da Gama confundiu os hindus ali residentes com cristãos de uma
seita desconhecida. Depois de conseguir um piloto perito, os navios portugueses
avançaram através do oceano Índico até a costa de Malabar, na Índia, onde ancoraram
perto de Calicute em 20 de maio de 1498. Seguindo o costume, Vasco da Gama enviou
para a costa um degredado, em geral um criminoso ou proscrito considerado sacrificável,
para fazer contato com os nativos. Não conseguindo entendê-lo, os indianos o levaram
à casa de alguns mercadores muçulmanos vindos da Tunísia que ali residiam. “Que
diabos o trouxeram aqui?”, perguntaram eles ao homem. A resposta foi: “Viemos à
procura de cristãos e especiarias.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embora as últimas fossem evidentemente
abundantes em Calicute, os primeiros não o eram. Mas Vasco da Gama e seus
homens pensavam de outro modo. Supunham que os hindus nativos eram cristãos,
prostravam-se de joelhos nos templos hindus, confundiam representações de
deusas hindus com a Virgem Maria e imagens de deuses hindus com santos
cristãos. O rei, ou <i>zamorin</i>, de
Calicute foi também tomado por cristão, portanto um aliado natural contra os
comerciantes muçulmanos residentes. Contudo, o rei ficou inteiramente
indiferente às quinquilharias que os portugueses ofereceram (chapéus vermelhos
e recipientes de cobre, itens comuns de permuta na costa oeste da África).
Talvez ele tivesse uma lembrança remota da chegada a Calicute dos galeões de
ouro de Zheng He, apenas algumas décadas antes, que haviam oferecido sedas
suntuosas em troca de especiarias. Esperava-se de estrangeiros misteriosos mais
que as oferendas insignificantes de Vasco da Gama. Este, atribuindo o desapontamento
do <i>zamorin</i> à influência maligna dos
muçulmanos, afirmou que seus navios eram apenas a vanguarda de uma
frota-tesouro, que evidentemente nunca se materializou. Assim, ele rumou para
casa só com pequenas quantidades de pimenta-do-reino, canela, cravo e gengibre,
chegando a Lisboa em setembro de 1499. Somente dois de seus navios e menos da metade
de seus homens haviam sobrevivido à viagem – mas sua expedição mostrara ser possível
evitar a cortina muçulmana e obter especiarias diretamente da Índia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O rei Manuel ficou encantado, e logo
estava se intitulando “Senhor da Guiné e da Conquista, da Navegação e do
Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”. Embora isso fosse evidentemente um
enorme exagero, não deixava dúvida acerca de sua intenção: arrancar dos
muçulmanos o controle sobre o comércio de especiarias. Manuel explicou isso em detalhes
numa carta a Fernando e Isabel da Espanha, na qual se vangloriava e declarava
que seus exploradores “realmente chegaram e descobriram a Índia e outros reinos
vizinhos dela ... entraram e navegaram seu mar, encontrando grandes cidades ...
e enormes populações em meio às quais é levado a cabo todo o comércio de especiarias
e pedras preciosas”. Continuando, ele expressou a esperança de que “com a ajuda
de Deus, o grande comércio que agora enriquece os mouros destas partes ...
deverá, em consequência de nossos próprios preceitos, ser desviado para os
nativos e navios de nosso próprio reino, de modo que doravante toda a
cristandade nesta parte do mundo será suprida dessas especiarias”. Manuel queria,
em suma, estabelecer um monopólio português sobre essas mercadorias,
pretensamente por razões religiosas – embora obviamente fosse obter benefícios
comerciais também.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como podia no entanto o pequenino Portugal
esperar sobrepujar os vários navios muçulmanos do oceano Índico, a milhares de
quilômetros de distância? Os homens de Vasco da Gama haviam contado “cerca de
500 navios mouriscos chegando em busca de especiarias” durante os três meses
que passaram em Calicute. Mas tinham notado também algo muito interessante
sobre esses navios: estavam desarmados. Essa era uma prática corrente no oceano
Índico, onde não havia nenhum poder político ou militar dominante; mesmo os
muçulmanos estavam divididos em várias comunidade distintas. De fato, o que
unia a região era o comércio, baseado em torno de um punhado de portos principais
e algumas dúzias de outros menores. Em cada porto, comerciantes de diferentes
comunidades podiam encontrar depósitos para armazenar suas mercadorias,
serviços bancários, acesso a mercados locais e, com frequência, um bairro da
cidade onde seus pares moravam e suas próprias leis vigoravam. Os portos
competiam para oferecer as mais baixas tarifas e atrair o maior volume de
comércio. Havia um forte senso de reciprocidade: se a polícia de um porto
particular maltratava comerciantes estrangeiros, os próprios comerciantes locais
tinham grande propensão a se queixar, uma vez que tal comportamento podia levar
a retaliação em outros portos e solapar o comércio, o que teria sido ruim para
todos. Ocasionalmente, governantes locais podiam tentar controlar o comércio
numa área específica usando a força, mas isso só tinha por efeito desviar os
negócios para outro lugar. Assim, o comércio desarmado era a norma. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Portugal poderia ter aderido a esse
sistema, pagando às autoridades asiáticas pelo uso das instalações dos portos e
saldando tarifas da maneira usual. Mas os portugueses estavam acostumados com a
maneira como as coisas funcionavam no Mediterrâneo, onde o uso da força para
proteger rotas marítimas, a marinha mercante e colônias comerciais prevalecia
desde os tempos greco-romanos. Além disso, Portugal não esperava apenas
participar do comércio no oceano Índico: queria dominá-lo, expulsando os
muçulmanos. Tudo isso logo ficou claro durante a segunda viagem dos portugueses
à Índia, com uma frota de 13 navios sob o comando de Pedro Álvares Cabral, que
partiu em março de 1500, menos de seis meses depois do retorno de Vasco da
Gama. Quando avançaram pelo Atlântico rumo ao sul e ao oeste, os navios
encontraram inesperadamente o até então desconhecido continente sul-americano,
e reivindicaram o Brasil para Portugal – mais uma consequência imprevista da
busca de especiarias. Um navio voltou para Lisboa com a notícia, enquanto os
demais prosseguiram para a costa africana, chegando a Calicute em setembro. As
hostilidades começaram quase imediatamente: os homens de Cabral capturaram
alguns navios muçulmanos e, em resposta, os muçulmanos prenderam e mataram
cerca de 40 comerciantes portugueses na cidade. Cabral reagiu apoderando-se de
mais navios muçulmanos e ateando-lhes fogo com as tripulações ainda a bordo. Em
seguida, bombardeou Calicute durante dois dias, aterrorizando os habitantes,
antes de rumar para os portos de Cochin (a atual Kochi) e Cannanore (a moderna
Kannur), onde os governantes locais, preocupados em evitar uma sorte
semelhante, permitiram aos portugueses iniciar postos comerciais em termos
generosos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os navios de Cabral voltaram então para
Portugal carregados de especiarias. Sua chegada, em julho de 1501, foi saudada
com júbilo em Lisboa e consternação em Veneza. “Essa foi considerada uma
notícia muito ruim para Veneza”, registrou um cronista. “Os comerciantes
venezianos estão verdadeiramente em maus lençóis.” Afinal, além de trazer o
primeiro grande carregamento de especiarias para a Europa contornando a cortina
muçulmana, os portugueses também pareciam ter eliminado o fornecimento do mar
Vermelho. Em 1502, chegando aos portos mamelucos de Beirute e Alexandria,
navios venezianos constataram que havia muito pouca pimenta-do-reino
disponível, o que elevou os preços às alturas e inspirou alguns observadores a
prever a ruína de Veneza. O número de galeões em sua frota mercante foi
reduzido de 13 para três, e, em vez de mandá-los a Alexandria duas vezes por
ano, como costumava fazer, Veneza começou a enviar a frota ano sim, ano não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A beligerância dos portugueses alcançou
novos níveis durante a terceira viagem para a Índia, comandada por Vasco da
Gama. Seus navios saquearam portos na costa leste da África, exigindo butim e
tributo. Ao chegar à Índia, queimaram e bombardearam arbitrariamente diversas
cidades na costa, para forçar portos estratégicos a comprar dele um “cartaz”.
Tratava-se de uma permissão que garantia proteção para o porto e seus navios, e
que só era emitida mediante o pagamento de uma taxa e a promessa de não
comerciar com muçulmanos – em outras palavras, extorsão mediante venda de
proteção. Vasco da Gama e seus homens também afundaram e pilharam embarcações
muçulmanas e locais. Em certa ocasião, usaram prisioneiros para a prática de
besta. Mãos, narizes e orelhas de outros prisioneiros foram cortados e enviados
para a terra num bote; os mutilados foram depois amarrados e queimados até a
morte num de seus próprios navios. Por fim, Vasco da Gama negociou um acordo
com fornecedores de pimenta-do-reino em Cochin, carregou seus navios com
especiarias e rumou para casa; no caminho, afundou uma frota local que havia
sido enviada para exigir vingança e bombardeou Calicute mais uma vez, por
medida de precaução.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse era o tom dos esforços portugueses
para controlar o comércio no oceano Índico: qualquer navio ou porto sem
“cartaz” era considerado um alvo de hostilidades, os governantes locais eram
intimidados e forçados a negociar em termos generosos com os portugueses e a violência
era usada de maneira arbitrária e imoderada. Outras expedições foram enviadas pelo
rei Manuel com ordens de estabelecer bases em locais-chave e ameaçar navios muçulmanos
navegando entre a Índia e o mar Vermelho, para que “eles não possam transportar
nenhuma especiaria para o território do sultão [mameluco] e todos na Índia
percam a ilusão de poder negociar com qualquer um senão nós”. Em 1510, Portugal
tomou Goa, na costa oeste da Índia, fazendo dela sua maior base no oceano
Índico, e no ano seguinte tomou Málaca, o principal ponto de distribuição de
noz-moscada e cravo das misteriosas ilhas das especiarias, as Molucas, situadas
mais a leste. Pouco depois, uma expedição portuguesa finalmente chegou a essas
ilhas, procuradas durante tanto tempo, e relações comerciais informais foram iniciadas.
Noz-moscada e macis seriam encontrados nas ilhas Banda, perto dali.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os portugueses haviam encontrado as fontes
exatas do comércio de especiarias, mas o plano de tomar dos muçulmanos o
controle do fornecimento para a Europa acabou fracassando. O oceano Índico era
simplesmente grande demais. No máximo, Portugal chegou a controlar cerca de 10%
do comércio de pimenta-do-reino de Malabar, e talvez 75% do fluxo de
especiarias para a Europa, mas as tentativas de bloquear o transporte muçulmano
nunca foram mais do que parcialmente eficazes. Em 1560, o fluxo de especiarias
levadas por comerciantes muçulmanos a Alexandria havia retornado aos níveis
anteriores. Mas, ainda que tenha fracassado nos esforços para estabelecer um
monopólio, Portugal teve êxito em definir um novo modelo para o comércio
europeu no Oriente, baseado em monopólios e bloqueios impostos por navios
armados a partir de uma rede de postos comerciais. Esse modelo foi rapidamente
adotado por seus rivais europeus. Muito apropriadamente, as rivalidades entre essas
potências coloniais emergentes centraram-se nas próprias ilhas Molucas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Sementes de impérios<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As especiarias ajudaram a atrair
Colombo para o oeste, onde não seriam encontradas, e Vasco da Gama para o
leste, onde foram achadas em abundância. E para coroar as façanhas de ambos na
criação de novas rotas marítimas, elas também inspiraram a primeira circunavegação
da Terra. Em 1494, Espanha e Portugal assinaram o Tratado de Tordesilhas, que
previa uma maneira simples de dividir as novas terras alcançadas por seus
exploradores. Eles traçaram uma linha que passava pelo meio do oceano Atlântico,
a meio caminho entre as ilhas de Cabo Verde, ao largo da costa africana (que
eram reivindicadas por Portugal), e Hispaniola (que Colombo acabava de reclamar
para a Espanha). Combinou-se que qualquer nova terra a oeste da linha
pertenceria à Espanha, e aquelas a leste pertenceriam a Portugal; a opinião dos
habitantes locais foi considerada irrelevante. Posteriormente percebeu-se que parte
da América do Sul, desconhecida na época da assinatura do tratado, situava-se a
oeste da linha, mas, como o acordo declarava expressamente que ela pertencia a
Portugal, a região se tornou portuguesa. Tudo parecia muito bem acertado até
que os portugueses chegaram às Molucas, do outro lado do mundo. De que lado da
linha estavam? O tratado de 1494 não especificara uma linha divisória no
Pacífico, mas a maneira lógica de traçar uma era estender o meridiano atlântico
em torno do globo – caso em que, suspeitava a Espanha, as ilhas das especiarias
poderiam cair no lado que ela considerava sua propriedade. Uma expedição espanhola
foi devidamente despachada para definir a localização precisa das ilhas das especiarias
e reivindicá-las para a coroa espanhola.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Muito estranhamente, a expedição foi
chefiada por um navegador português, Fernão de Magalhães, que caíra em desgraça
na corte portuguesa, renunciara à sua nacionalidade e oferecera seus serviços à
Espanha. Os navios rumaram para o oeste através do Atlântico em 1519, e foram
os primeiros a atravessar do Atlântico para o Pacífico pela passagem hoje conhecida
como estreito de Magalhães, na extremidade sul da América do Sul. Fernão de Magalhães
foi morto nas Filipinas em 1521, quando interveio numa contenda entre dois
chefes locais, mas a expedição continuou e chegou às Molucas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de ser carregado com cravos, um dos
navios de Magalhães, o Victoria, capitaneado por Juan Sebastian Elcano, continuou
rumo a oeste, chegando de volta a Sevilha em 1522. As 26 toneladas de cravos a
bordo cobriram todo o custo da expedição, e Elcano foi recompensado com um
brasão ornamentado com paus de canela, nozes-moscadas e cravos. A viagem
provara definitivamente que o mundo era redondo e que os oceanos eram
interligados. Um membro da tripulação, um abastado italiano chamado Antonio
Pigafetta, manteve um diário detalhado, e observou algo extraordinário quando o
navio parou para se abastecer nas ilhas de Cabo Verde, no caminho de volta para
a Espanha: era o dia errado, “pois havíamos feito nossa viagem sempre para o
oeste, e tínhamos voltado ao mesmo lugar de partida do sol, razão por que a
longa viagem havia proporcionado um ganho de 24 horas, como se vê claramente”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A circunavegação, porém, não resolveu a
disputa pela propriedade das Molucas. Isso seria finalmente decidido por outro
tratado, em 1529, quando a Espanha abriu mão de sua reivindicação
geograficamente duvidosa em troca de um pagamento de 350 mil ducados de ouro
por Portugal. Ao fim e ao cabo, a discussão sobre quem tinha direito às Molucas
tornou-se irrelevante graças à união das coroas de Espanha e Portugal em 1580.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A essa altura, contudo, os ingleses e
holandeses tinham entrado em cena. O explorador inglês Francis Drake passou
pelas Molucas em 1579, e observou que elas produziam uma “abundância de cravos,
de que nos abastecemos em grande monta, tão grande quanto nosso desejo de que
seu preço fosse muito baixo”. A viagem de Drake inspirou várias tentativas subsequentes
de outros marinheiros ingleses, todas terminadas em fracasso. Os holandeses tiveram
mais sucesso. Durante algum tempo, mercadores holandeses tinham sido os distribuidores
de especiarias portuguesas no norte da Europa, mas, como perderam esse privilégio
após a união da Espanha com Portugal, passaram a tentar estabelecer seu próprio
fornecimento. Informações reunidas por Jan Huyghen van Linschoten, um especialista
holandês que trabalhara muitos anos para os portugueses na Índia, indicavam que
uma excelente pimenta-do-reino local podia ser encontrada em Java. Como os
portugueses não comerciavam ali, comprando pimenta na Índia, dificilmente
poderiam se queixar se os holandeses manifestassem interesse pelo produto. Após
uma expedição bem-sucedida a Java em 1595, comerciantes holandeses que se
associaram através da Vereenigde Oost-Indische Compagnie (VOC), ou Companhia
Holandesa das Índias Orientais, em 1602, começaram a fazer carregamentos
regulares de especiarias da região, tirando partido da incapacidade de Portugal
de controlar o abastecimento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando perceberam quão tênue o controle
português realmente era, os astutos holandeses decidiram tomar o controle do
comércio, e enviaram uma grande frota para as ilhas das especiarias em 1605.
“As ilhas de Banda e as Molucas são nosso alvo principal”, explicaram os
diretores da VOC para seu almirante na região. “Recomendamos fortemente que o
senhor tente vincular essas ilhas à Companhia, se não por tratado, então pela
força!” Os holandeses expulsaram os espanhóis e portugueses das Molucas, ordenaram
a alguns navios ingleses recém-chegados que partissem e assumiram controle
direto sobre o fornecimento de cravos. A VOC passou, então, a impor
implacavelmente seu novo monopólio, decidida a triunfar onde os portugueses
tinham fracassado. A produção de cravos foi concentrada nas ilhas centrais de Ambon
e Ceram, para ser mais rigorosamente controlada; os antigos arvoredos de
craveiros em outras ilhas foram extirpados, os apanhadores massacrados e suas
aldeias incendiadas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Onde a produção de cravos foi permitida, o
cultivo de outros produtos agrícolas foi proibido, para assegurar que os nativos
ficassem dependentes dos holandeses para alimentação. Os holandeses vendiam
comida a alto preço e compravam os cravos por uma baixa quantia. A produção
declinou, levando os holandeses a ordenar o plantio de mais árvores. Quando
estas cresceram, porém, a oferta superou a demanda e os agricultores receberam
ordem de abatê-las novamente. Seguiu-se um ciclo de expansões e retrações, enquanto
os holandeses lutavam para conciliar uma demanda variável com a oferta que dependia
de árvores de crescimento lento e agricultores insatisfeitos. O cultivo de
cravos fora do controle holandês era punido com pena de morte, e o comércio
clandestino reprimido. O porto de Makassar, um centro comercial regional onde
ingleses, portugueses e chineses iam comprar cravos contrabandeados, foi
fechado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Houve um caso semelhante nas ilhas Banda,
que ficavam ali perto e eram a fonte de noz-moscada e macis. De início os
holandeses convenceram os habitantes a assinar um documento concordando em não
vender suas especiarias para mais ninguém, mas eles continuaram a fazê-lo
normalmente, provavelmente por desconhecer o teor do que haviam assinado.
Vendiam, em especial, para os ingleses, que haviam estabelecido uma base na
pequena ilha de Run, um pouco a oeste. Uma tentativa holandesa de construir um
forte nas Bandas em 1609 provocou uma disputa com os nativos; um grupo chefiado
por um almirante holandês que chegara para negociar foi dizimado pelos
bandaneses, com o apoio dos ingleses. Os holandeses retaliaram apoderando-se
das Bandas, construindo dois fortes e reivindicando outro monopólio sobre as especiarias.
Aldeias foram incendiadas e os habitantes foram mortos, expulsos ou vendidos como
escravos. Os chefes das aldeias foram torturados e depois decapitados pelos
samurais mercenários da VOC, trazidos do Japão, onde os holandeses eram os
únicos europeus com permissão para negociar. As ilhas foram então divididas em 68
lotes, abastecidos com escravos e arrendados a ex-empregados da VOC. As
condições eram brutais – os trabalhadores nos lotes de noz-moscada eram
executados de uma variedade de maneiras horripilantes pela mais insignificante
transgressão –, mas agora o fluxo das especiarias mais valiosas estava em mãos
holandesas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os ingleses concordaram em se retirar das
ilhas das especiarias em 1624, e passaram a se concentrar em oportunidades
comerciais na China e na Índia, embora os holandeses lhes tivessem permitido
conservar a soberania sobre Run, onde um pequeno contingente havia resistido
durante muitos anos. Esse minúsculo pontinho de terra, com 3,2 quilômetros de comprimento
e menos de 800 metros de largura, havia sido originalmente reivindicado pelos ingleses
em 1603, exatamente quando os tronos inglês e escocês se uniram – tendo sido portanto
a primeira possessão colonial britânica no mundo, o primeiro minúsculo passo em
direção à formação do Império Britânico. Finalmente, em 1667, Run foi entregue
aos holandeses sob os termos do Tratado de Breda, um dos muitos tratados de paz
assinados durante as intermitentes guerras anglo-holandesas dos séculos XVII e
XVIII. Como parte do acordo de 1667, a Grã-Bretanha recebeu uma pequena ilha na
América do Norte chamada Manhattan.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os lucros do comércio de especiarias
ajudaram a custear a “idade de ouro” da Holanda do século XVII, um período em
que esse país ficou à frente do mundo no comércio, na ciência e na inovação
financeira, e a abastada classe mercantil patrocinou artistas como Rembrandt e Vermeer.
Em última análise, porém, o monopólio holandês provou-se menos valioso que o esperado.
As guarnições e navios de guerra necessários para protegê-lo eram enormemente dispendiosos
e não eram justificados pelos lucros, à medida que o preço das especiarias começou
a cair na Europa, no fim do século XVII. Como essa queda de valor devia-se em parte
a uma oferta mais abundante, os holandeses impuseram-lhe limitações
artificiais: queimaram grandes quantidades de especiarias nas docas de
Amsterdam e começaram a limitar os volumes expedidos da Ásia, num esforço para segurar
os preços. Porém, com o comércio de têxteis tornando-se cada vez mais
importante, as especiarias passaram a ser responsáveis por uma parcela menor
dos lucros holandeses, caindo de 75% em 1620 para 23% em 1700.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os preços mais baixos obtidos na Europa
também refletiam uma mudança mais profunda no comércio desses produtos.
Dissipados os mitos sobre sua procedência sobrenatural, eles já não eram tão
fascinantes; tornaram-se facilmente acessíveis, até banais. Pratos fortemente condimentados
começaram a ser vistos como fora de moda, na melhor das hipóteses, ou decadentes,
na pior, à medida que os gostos mudavam e novas culinárias, mais simples, entravam
em moda na Europa. Ao mesmo tempo, novos símbolos exóticos de status, tais como
tabaco, café e chá, eclipsaram as especiarias. Ao dissiparem o mistério sobre
as origens destas, os negociantes, paradoxalmente, acabaram por desvalorizar o
tesouro que tinham procurado com tanto afinco. Hoje, a maioria das pessoas
passa pelas especiarias nos supermercados, dispostas nas prateleiras em
pequenos frascos de vidro, sem lhes dar a menor atenção. De certo modo, é um
triste fim para um comércio outrora poderoso, que remodelou o mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Alimentos locais e
globais<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sendo idealmente adequadas ao
transporte por longas distâncias, as especiarias levaram à implantação das
primeiras redes comerciais globais. As grandes distâncias que viajavam eram uma
das razões por que as pessoas se dispunham a pagar tanto por elas – pelo menos
algumas pessoas. Nem todos, no entanto, aprovavam que esses ingredientes
frívolos, dispensáveis, fossem transportados por tão longe: já mencionamos os
comentários negativos de Plínio o Velho sobre a pimenta no século I. Hoje, um
argumento semelhante é proposto pelos adeptos da “comida local”, que defendem o
consumo da comida produzida perto dos consumidores (num raio de 160
quilômetros, digamos), em vez daquela trazida de mais longe. Eles condenam o
transporte de alimentos que, em alguns casos, viajam milhares de quilômetros da
fazenda ao prato; alguns fundamentalistas da comida local tentam até evitar alimentos
não locais por completo. Plínio achava que comprar comida importada era
simplesmente um desperdício de dinheiro, mas os defensores da comida local de
nossos dias (chamados em inglês de <i>locavores</i>)
geralmente fundam seus argumentos na proteção do ambiente: o transporte de toda
essa comida de um lado para o outro causa emissões de dióxido de carbono que
contribuem para a mudança climática. Isso deu origem ao conceito de “milhas alimentares”
– a ideia de que a distância pela qual a comida é transportada dá uma medida razoável
do dano ambiental que causou, e de que deveríamos, portanto, comer alimentos locais
para minimizar esse impacto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Parece bastante plausível, mas a realidade
é bem mais complexa. Em primeiro lugar, produtos locais podem por vezes ter um
impacto ambiental maior que aqueles produzidos em outros países, simplesmente
porque alguns lugares são mais adequados que outros para a produção de
determinados alimentos. Os tomates são normalmente cultivados em estufas aquecidas
na Grã-Bretanha, por exemplo, resultando num maior volume de emissões de carbono
do que tomates cultivados na Espanha, mesmo levando-se em conta as emissões produzidas
pelo transporte dos tomates espanhóis.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De maneira semelhante, um estudo realizado
na Universidade Lincoln, na Nova Zelândia, descobriu que a carne de cordeiro
produzida naquele país era responsável pela emissão de muito menos dióxido de
carbono (563 quilos por tonelada métrica de carne) que a carne de cordeiro
produzida na Grã-Bretanha (2.849 quilos por tonelada métrica de carne). Isso se
deve, em grande parte, ao fato de haver mais espaço para pastos na Nova
Zelândia, permitindo que os cordeiros comam capim, ao passo que na Grã-Bretanha
eles recebem ração, cuja produção requer a queima de grande quantidade de
carvão. Enviar carne de cordeiro da Nova Zelândia para a Grã-Bretanha envolve
emissões adicionais de 125 quilos por tonelada métrica, de modo que a “pegada
de carbono” da carne de cordeiro da Nova Zelândia é muito menor, mesmo quando o
transporte é levado em conta. Talvez a maneira menos poluidora de organizar a
produção de alimentos fosse alcançada se países ou regiões se concentrassem nos
alimentos que podem produzir de maneira particularmente eficiente, dadas as
condições locais, e trocassem os alimentos resultantes uns com os outros.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Concentrar-se nas emissões de carbono
relacionadas ao transporte dos alimentos pode ser também escolher o alvo
errado. Um estudo americano constatou que o transporte é responsável por 11% da
energia usada na cadeia alimentar, comparados com 26% para o processamento e
29% para o cozimento. No caso das batatas, as emissões associadas a seu cozimento
ultrapassam de longe aquelas envolvidas no cultivo e no transporte. Você deixar
ou não a panela tampada ao cozinhar batatas tem mais impacto sobre as emissões
totais de dióxido de carbono que o fato de elas serem cultivadas em lugares
próximos ou muito distantes. Outro complicador é a ampla variação da eficiência
dos diferentes meios de transporte. Um navio grande pode transportar uma
tonelada de comida por 1.200 quilômetros com um galão de combustível, enquanto
com a mesma quantidade um trem faz cerca de 320 quilômetros, um caminhão faz 96
e um carro, 32. Portanto, o percurso de ida e volta de carro entre sua casa e a
loja ou o mercado pode produzir mais emissões, para uma certa quantidade de
comida, que todo o resto da viagem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É claro que nem todos os argumentos
apresentados em favor do alimento local são ambientais: há argumentos sociais
também. Essa prática pode promover a coesão social, apoiar empresas locais e
incentivar pessoas a se interessar mais pela procedência dos alimentos e o modo
como são cultivados. Há também, por outro lado, argumentos sociais em favor de
alimentos importados. Em particular, um foco exclusivo em alimentos locais prejudicaria
as perspectivas de agricultores em países em desenvolvimento, que cultivam produtos
de alto valor para exportar para mercados estrangeiros. Afirmar que eles
deveriam se concentrar no cultivo de gêneros de primeira necessidade para si
mesmos, em vez de produtos mais valiosos para estrangeiros abastados, é o mesmo
que lhes negar a oportunidade de desenvolvimento econômico.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Há indubitavelmente algum espaço para a
“realocação” da oferta de alimentos. Além disso, no mínimo o debate sobre os
quilômetros que os alimentos percorrem está fazendo consumidores e companhias
prestarem mais atenção ao impacto ambiental deles. Mas o provincianismo pode
ser levado longe demais. Equiparar alimento local a alimento virtuoso, hoje
como nos tempos romanos, é demasiado simplista. A rica história do comércio das
especiarias nos lembra que, durante séculos, as pessoas apreciaram sabores
exóticos do outro lado do mundo, e que a satisfação de suas necessidades gerou
uma florescente rede de trocas comerciais e culturais. Os caçadores-coletores
eram limitados à comida local por definição; mas se gerações subsequentes
tivessem se limitado da mesma maneira, o mundo seria hoje um lugar muito
diferente. Reconhecidamente, o legado do comércio das especiarias é misto. As grandes
viagens em busca delas revelaram a verdadeira geografia do planeta e
inauguraram uma nova era na história humana. Foi também por causa delas que
potências europeias começaram a ocupar bases pelo mundo e a estabelecer postos
comerciais e colônias. Além de enviar europeus em viagens de descoberta e
exploração, as especiarias forneceram as sementes a partir das quais os
impérios coloniais da Europa floresceram.<o:p></o:p><br />
<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
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<span style="font-size: small; line-height: 16.6319999694824px;">Tom Standage</span></div>
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<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
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<span style="font-size: medium;">Uma história comestível da humanidade</span></div>
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<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
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<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
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<span style="font-size: small; line-height: 16.6319999694824px;">Tradução:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
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<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: small;">Maria Luiza X. de A. Borges</span></div>
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<span style="font-size: small;">Uma edição:</span></div>
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<span style="font-size: small;">Zahar Editores</span></div>
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<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdF9n1RGwHKkMbAAnl7jrY9ExxkbOaEyrAh6lESNM2B866US56vsc0CPkD_1YQT7DT-5Qq8-mzj58ChQhVeYju5DHz4JJnPIYGFTUVv2Ff50ZiV6wD889oKaznj5EI5ksZ_Km5qF-cqFXI/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="209" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdF9n1RGwHKkMbAAnl7jrY9ExxkbOaEyrAh6lESNM2B866US56vsc0CPkD_1YQT7DT-5Qq8-mzj58ChQhVeYju5DHz4JJnPIYGFTUVv2Ff50ZiV6wD889oKaznj5EI5ksZ_Km5qF-cqFXI/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: small; line-height: 25.2000007629395px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: small; line-height: 25.2000007629395px;">Disponibiliado por:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: small; line-height: 25.2000007629395px;">Le Livros</span></div>
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<span style="font-size: small; line-height: 25.2000007629395px;"><br /></span></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjn7dzJZAt9eYNtlGpEI8YM0sEYyXWAkxRqC943sv9M88XHQXZvRtLGmPz9GI_NKg_VaHhQ_ZbtdYve0X4g9QiguoMCpZlyAwDfO4FYwbE_dH6YzHYut4fAo1NWGDwZ1mYsf3KFi2sJVMD7/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="151" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjn7dzJZAt9eYNtlGpEI8YM0sEYyXWAkxRqC943sv9M88XHQXZvRtLGmPz9GI_NKg_VaHhQ_ZbtdYve0X4g9QiguoMCpZlyAwDfO4FYwbE_dH6YzHYut4fAo1NWGDwZ1mYsf3KFi2sJVMD7/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: small; line-height: 25.2000007629395px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;">DADOS DE COPYRIGHT<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b>Sobre a obra:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b>Sobre nós:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso<o:p></o:p></div>
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<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b>"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."</b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="line-height: 13.6620006561279px;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;"><span style="line-height: 13.6620006561279px;"><span style="font-size: medium;">Sumário</span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"><br /></span></b><b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">INTRODUÇÃO</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Ingredientes do passado<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE I</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Os fundamentos comestíveis da civilização<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 1. A invenção da agricultura<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 2. As raízes da modernidade<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE II</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Comida e estrutura social<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 3. Alimento, riqueza e poder<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 4. Seguir o alimento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE III</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Os caminhos dos alimentos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 5. Estilhaços do paraíso<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 6. Sementes de impérios<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE IV</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Comida, energia e industrialização<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 7. Novo Mundo, novos alimentos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 8. A máquina a vapor e a batata<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE V</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Comida é arma<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 9. O combustível da guerra<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 10. Luta por comida<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE VI</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Comida, população e desenvolvimento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 11. Alimentar o mundo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 12. Paradoxos da abundância<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">EPÍLOGO</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Ingredientes do futuro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"><i> Notas</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<i><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Bibliografia<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<i><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Agradecimentos<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<i><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Índice remissivo</span></i></div>
</div>
</div>
</div>
</div>
</div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-33826960783061667472015-08-26T14:13:00.000-03:002015-08-26T14:15:52.734-03:00Uma história comestível da humanidade - Comida e estrutura social<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">PARTE II</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">3. Alimento, riqueza e
poder</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">“É difícil adquirir riqueza, mas a pobreza está sempre à
mão.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">PROVÉRBIO MESOPOTÂMICO, 2000 A.C.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Orientação vocacional<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Lista das Profissões Usuais é
um documento da aurora da civilização, inscrito em pequenas tábuas de argila
com as endentações características da escrita cuneiforme. As versões mais
antigas, datadas de cerca de 3200 a.C., foram encontradas na cidade de Uruk (a
Erech dos dias de hoje), na Mesopotâmia, a primeira região onde a escrita e as
cidades surgiram. Existem muitas cópias dessa lista, pois era um texto-padrão
usado para ensinar escribas. A lista consiste em 129 profissões, sempre
escritas na mesma ordem, com as mais importantes no topo. Os itens listados
incluem “juiz supremo”, “prefeito”, “erudito” e “supervisor dos mensageiros”,
porém o significado de muitos deles é desconhecido. A lista indica que a
população de Uruk, provavelmente a maior cidade da época, era estratificada em
diferentes profissões especializadas, algumas mais importantes que as outras.
Essa era uma grande mudança em relação às aldeias de agricultores que haviam
emergido na região cerca de 5 mil anos antes. O alimento estava na raiz dessa
transformação.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A mudança de aldeias pequenas e
igualitárias para cidades grandes, socialmente estratificadas, foi possível por
conta de uma intensificação da agricultura, quando parte da população já
produzia mais alimentos que o necessário para sua própria subsistência. Esse
excedente podia, então, ser usado para sustentar outras pessoas – assim, não
era mais necessário que todos fossem agricultores. Em Uruk, apenas cerca de 80%
da população era de agricultores. Eles cultivavam campos que circundavam a
cidade num raio de 16 quilômetros. A produção excedente era apropriada por uma
elite dominante que redistribuía parte dela e consumia o resto. Essa
estratificação da sociedade, ocasionada pelo excedente de alimentos cultivados,
ocorreu não apenas na Mesopotâmia, mas em todas as partes do mundo em que havia
agricultura. Foi a segunda importante maneira pela qual o alimento ajudou a
transformar a natureza da existência humana. Com a agricultura, as pessoas se
estabeleceram; com a intensificação da produção, elas se dividiram em ricas e
pobres, em governantes e agricultores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A ideia de que as pessoas têm diferentes
trabalhos ou profissões, e que algumas são mais ricas que outras, é considerada
natural hoje, mas durante a maior parte da existência humana essa percepção não
existia. A maioria dos caçadores-coletores, e, depois, dos primeiros
agricultores, possuía riqueza equivalente e passava seus dias fazendo as mesmas
coisas que os demais na comunidade. Estamos acostumados a pensar em comida como
algo que reúne as pessoas, seja literalmente, em volta da mesa numa reunião
social, ou metaforicamente, através de uma cozinha regional ou cultural
partilhada. A comida também pode dividir e separar. No mundo antigo, alimento
era riqueza, e controle do alimento era poder.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como na adoção da agricultura, as mudanças
na produção de alimento e a consequente transformação das estruturas sociais
ocorreram simultaneamente e de forma entrelaçada. Uma elite dominante não
apareceu de repente exigindo que todos trabalhassem mais arduamente nos campos;
nem uma produtividade maior gerou um excedente repentino a ser disputado, com o
vencedor sendo coroado rei. Na verdade, o abandono do estilo de vida
caçador-coletor significou que as limitações à capacidade do indivíduo de
acumular bens e angariar prestígio – coisas que eram desaprovadas por
caçadores-coletores – deixaram de se aplicar. Ainda assim, o nascimento de
sociedades mais complexas levou algum tempo: na Mesopotâmia, a mudança de
aldeias simples para cidades complexas demandou cinco milênios, e também na
China e nas Américas ela demandou milhares de anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O controle da comida era igual a poder
porque ela, ao alimentar seres humanos e animais, mantinha literalmente tudo em
movimento. A apropriação do excedente de alimentos cultivados deu às elites
dominantes os meios para sustentar escribas, soldados e artesãos
especializados, em regime de tempo integral. Significou também que certa
parcela da população pôde ser utilizada em projetos de construção, já que os
agricultores que permaneceram na terra forneceriam alimento suficiente para
todos. Assim, uma abundância de comida excedente conferia a seu proprietário o
poder de fazer todos os tipos de coisas novas: travar guerras, construir
templos e pirâmides e sustentar a produção de itens artesanais elaborados por
escultores especializados, tecelões e ferreiros. No entanto, para compreender
as origens do poder dos alimentos é necessário começar examinando a estrutura
das sociedades de caçadores-coletores e perguntar por que, anteriormente, as
pessoas haviam considerado o acúmulo de alimento e poder tão perigoso e
desestabilizador – e por que isso mudou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Antigos igualitários<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os caçadores-coletores podiam
passar apenas dois dias por semana vagando em busca de coisas para comer, mas
nem por isso suas vidas deixavam de ser regidas pela busca por comida. Bandos
de caçadores-coletores tinham de ser nômades, mudando-se a intervalos de
algumas semanas, assim que os recursos alimentares ao alcance de cada
acampamento começavam a se esgotar. Cada vez que o grupo se deslocava, tinha de
levar consigo todas as suas posses. A necessidade de carregar tudo limitava a
capacidade dos indivíduos de acumular bens materiais. Um inventário feito por
antropólogos modernos de uma família de caçadores-coletores africanos, por
exemplo, constatou que seus membros possuíam coletivamente uma faca, uma lança,
arco e flechas, um protetor de punho, uma rede, cestas, um enxó, um apito, uma
flauta, castanholas, um pente, um cinturão, um martelo e um chapéu. Poucas
famílias no mundo desenvolvido poderiam arrolar todas as suas posses numa única
frase. Esses itens eram compartilhados. Em vez de cada um ser obrigado a
carregar sua própria faca ou lança, faz muito mais sentido partilhá-los, para
que outras pessoas possam então carregar diferentes itens, como redes ou arcos.
Bandos em que as ferramentas eram partilhadas teriam sido mais flexíveis e
teriam tido mais probabilidade de sobreviver do que aqueles em que esses itens
eram individuais. Assim, proliferaram os bandos em que havia pressão social
para partilhar as coisas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A obrigação de partilhar estendia-se
também à comida. Caçadores-coletores modernos, muitas vezes, seguem uma regra
segundo a qual qualquer pessoa que traga comida para o acampamento tem de
partilhá-la com todos aqueles que peçam. A regra fornece um seguro contra a
escassez de alimentos, pois nem todos podem estar certos de encontrar alimento
suficiente num dado dia, e mesmo os melhores caçadores só podem esperar matar
um animal a intervalos de alguns dias. Se todos forem egoístas e insistirem em
guardar sua própria comida para si mesmos, grande parte das pessoas passará
fome a maior parte do tempo. A partilha assegura que a provisão seja
equilibrada. Evidências etnográficas de caçadores-coletores modernos mostram
que alguns grupos têm regras ainda mais elaboradas para impor a partilha. Em
alguns casos, um caçador não tem sequer permissão para se servir de sua própria
caça (embora algum parente assegure que ele receba alimento indiretamente). De
maneira semelhante, reivindicar um pedaço de terra, e os recursos alimentares a
ele associados, não é permitido. Essas regras asseguram que os riscos e recompensas
da caça e da coleta sejam partilhados por todo o grupo. Historicamente, bandos
que partilhavam a comida tiveram mais probabilidade de sobreviver que aqueles
que não o faziam: a competição por recursos tende a estimular a
superexploração, e disputas de propriedade teriam provocado a fragmentação do grupo.
Mais uma vez, a partilha do alimento predominava porque conferia claras
vantagens aos bandos que a adotavam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo isso significava que
caçadores-coletores não tentavam acumular símbolos de status para aumentar seu
prestígio pessoal. Para que se incomodar, se esses bens deveriam ser partilhados
com outros? Só depois do advento da agricultura foi que as primeiras indicações
de riqueza ou posse privada apareceram. Como um antropólogo comentou, tendo
observado caçadores-coletores na África:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-size: x-small;">Um boxímane faria qualquer esforço para evitar que outro
boxímane sinta inveja dele, e por isso as poucas posses que os boxímanes têm
estão constantemente circulando entre os membros de seus grupos. Ninguém cuida
de conservar uma faca particularmente boa por muito tempo, ainda que possa
desejá-lo desesperadamente, porque ela se tornará objeto de inveja; quando se
sentar sozinho polindo um gume afiado na lâmina, ele ouvirá os sussurros dos
outros homens de seu bando dizendo: “Vejam-no ali, admirando sua faca enquanto
nós não temos nada.” Logo, alguém lhe pedirá sua faca, pois todos gostariam de
tê-la, e ele a dará. A cultura deles determina que partilhem uns com os outros,
e nunca ocorreu que um boxímane deixasse de partilhar objetos, comida ou água
com outros membros de seu bando, pois sem uma cooperação muito rígida eles não
poderiam sobreviver às fomes e secas que o Kalahari lhes impõe.</span><span style="font-size: 9pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os caçadores-coletores também desconfiam
de autopromoção e das tentativas de criar obrigações. Os boxímanes !kung, por
exemplo, acreditam que o caçador ideal deve ser modesto e discreto. Depois de
retornar da caça, deve minimizar a importância de suas façanhas, mesmo que
tenha matado um grande animal. Quando os homens vão recolher o animal abatido,
eles expressam seu desapontamento com o tamanho: “Ora, você nos fez andar até
aqui por causa desse saco de ossos?” Espera-se que o caçador finja concordar e
não se mostre ofendido. O objetivo de tudo isso é evitar que o caçador se considere
superior, como um !kung explicou para um etnógrafo visitante: “Quando um jovem
caça muita carne, ele passa a pensar em si mesmo como um chefe ou um grande
homem, e pensa no resto de nós como seus criados ou inferiores. Não podemos
aceitar isso. Por isso sempre desdenhamos de sua caça. Desse modo arrefecemos seu
coração e o tornamos dócil.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para
complicar ainda mais as coisas, os !kung têm uma tradição pela qual a carne de
um animal abatido pertence ao dono da flecha que o matou, não ao caçador que o
atingiu. (Se duas ou mais flechas provocam a morte, a carne pertence ao dono que
primeiro atingir o animal.) Como os homens trocam as flechas rotineiramente,
isso torna façanhas espetaculares de caçadores solitários ainda menos
prováveis. Caçadores particularmente habilidosos são assim impedidos de
angariar prestígio pessoal concedendo grandes quantidades de comida a outros, o
que poderia criar uma obrigação em contrapartida. De fato, ocorre justamente o
contrário: quando atravessa um período de sorte e consegue muita comida, um
caçador pode parar de caçar por algumas semanas, para dar a outros a chance de
também se sair bem e assim evitar qualquer possibilidade de ressentimento.
Afastar-se da caça por algumas semanas significa ainda que o caçador permite
que outros lhe forneçam comida, de modo a não haver nenhuma obrigação notável
para com ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Richard Borshay Lee, um antropólogo
canadense que viveu com um grupo !kung em várias viagens de pesquisa durante os
anos 1960, enfrentou essas regras quando tentou agradecer a seus anfitriões
oferecendo-lhes um banquete. Para tanto, comprou um boi grande e gordo e ficou
surpreso quando os boxímanes começaram a zombar dele por ter escolhido um
animal velho demais, magro demais, e cuja carne seria dura demais. No fim das
contas, porém, a carne do boi revelou-se saborosa e macia. Então por que os
boxímanes haviam sido tão críticos? “Os !kung são um povo arrebatadamente
igualitário e têm pouca tolerância com a arrogância, a avareza e a insociabilidade
entre seus membros”, concluiu Lee. “Quando veem sinais desse comportamento em
seus pares, têm uma série de truques para impor a humildade e pôr as pessoas de
volta na linha.” Os !kung, como outros caçadores-coletores, veem presentes
suntuosos como uma tentativa de exercer controle sobre outros, angariar apoio
político ou elevar o próprio status, coisas que vão contra a sua cultura. Seu
igualitarismo estrito pode ser visto como uma “tecnologia social” desenvolvida
para assegurar a harmonia social e uma provisão suficiente de alimento para
todos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A comida determina a estrutura da
sociedade dos caçadores-coletores também de outras maneiras. O tamanho dos
grupos, por exemplo, depende da disponibilidade de recursos alimentares a uma
curta distância do acampamento. Um bando grande demais esgota a área
circundante mais rapidamente, obriga a um deslocamento mais frequente e exige
um território maior. Em consequência, o tamanho dos grupos varia de 6 a 12
pessoas em áreas onde o alimento é escasso a de 25 a 50 pessoas em áreas com
recursos mais abundantes. O bando é composto de uma ou mais famílias extensas
cujos membros casam-se entre si; assim, os componentes são em sua maioria
aparentados. Os bandos geralmente não têm líderes, embora algumas pessoas
possam ter funções específicas além das tradicionais tarefas masculinas e femininas
de caçar e coletar, respectivamente – como curar, fabricar armas ou negociar
com outros bandos. Mas não há especialistas em tempo integral, e essas
habilidades particulares não conferem status social mais elevado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os bandos de caçadores-coletores mantêm
alianças entre si tanto para garantir parceiros para casamentos quanto
segurança adicional contra a escassez de alimentos. No caso de escassez, um
bando pode, então, visitar outro com que seja relacionado por casamento e partilhar
um pouco de sua comida. A partilha intergrupal na forma de grandes banquetes também
ocorre em tempos de superabundância sazonal de alimentos. Esses banquetes, que parecem
universais entre caçadores-coletores, proporcionam uma oportunidade para
arranjar casamentos, realizar ritos sociais, cantar e dançar. Assim, o alimento
une sociedades de caçadores-coletores, forjando laços tanto dentro dos bandos
como entre eles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dito isto, é importante não romantizar demais
o estilo de vida dos caçadores-coletores. A “descoberta” de bandos de
caçadores-coletores por europeus no século XVIII levou à imagem idealizada do
“nobre selvagem”, que vivia num Éden não conspurcado. Quando Karl Marx e Friedrich
Engels desenvolveram a doutrina do comunismo no século XIX, foram inspirados em
parte pelo “comunismo primitivo” de sociedades de caçadores-coletores descritas
por Lewis H. Morgan, um antropólogo americano que estudou povos americanos
nativos. Mas, ainda que fosse mais sossegada e igualitária que a vida da
maioria das pessoas de hoje, a vida dos caçadores-coletores nem sempre era
idílica. O infanticídio era usado como meio de controle populacional e havia
conflitos rotineiros e generalizados entre diferentes bandos, com evidências de
morte violenta e até de canibalismo em alguns casos. A noção de que os
caçadores-coletores viviam num mundo perfeito e pacífico é sedutora, mas
errada. Mesmo assim, é claro que a estrutura de suas sociedades, sendo
determinada sobretudo pela natureza da oferta de alimento, era obviamente
diferente da estrutura das sociedades modernas. Assim, quando as pessoas
adotaram a agricultura e a natureza da oferta de alimentos foi transformada,
tudo mudou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O aparecimento do
“Grande Homem”<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando as pessoas começaram a se
estabelecer e a caça e a coleta transformaram-se gradativamente na agricultura,
as primeiras aldeias ainda eram comunidades amplamente igualitárias. Evidências
arqueológicas mostram que, habitadas usualmente por não mais de uma centena de pessoas,
elas eram formadas por cabanas ou casas de forma e tamanho similares. O
sedentarismo e a agricultura, porém, mudaram as regras que haviam desestimulado
as pessoas a buscar riqueza e status. Os mecanismos sociais desenvolvidos para
inibir as tendências inerentes do homem à organização hierárquica (claramente
visível em macacos e em muitas outras espécies animais) começaram a se
desgastar. Quando a pessoa não precisa mais se deslocar de um lugar para outro,
começa a ser possível acumular excedentes de alimento e outros bens. Os
primeiros sinais de diferenciação social começam a aparecer: povoados em que
algumas habitações são maiores que outras e contêm itens de prestígio como
conchas raras e objetos de adornos, cemitérios em que alguns túmulos contêm bens
valiosos... Tudo isso sugere que o conceito de propriedade privada tornou-se
rapidamente aceito – não há sentido em possuir símbolos de status se é preciso
partilhá-los – e que começou a se instalar uma hierarquia social em que algumas
pessoas eram mais ricas que outras.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar de sua generalização só ter se dado
com a adoção da agricultura, em alguns lugares esse processo teve início antes
disso, quando caçadores-coletores de áreas particularmente ricas em alimentos
estabeleceram-se em aldeias permanentes. Aldeias agrícolas primitivas na bacia
de Hupei, na China, no alto rio Yangtze – região onde o arroz foi domesticado
por volta de 4000 a.C. – fornecem um bom exemplo. De 208 túmulos escavados,
alguns continham bens rebuscados, ao passo que outros não continham nada além
dos corpos dos mortos. De maneira semelhante, 128 túmulos datados de c.5500
a.C., em Tell es-Sawwan, no que é hoje o norte do Iraque, mostram uma clara
variação de objetos tumulares. Alguns túmulos contêm alabastro entalhado,
contas feitas de pedras exóticas ou cerâmicas, mas outros não contêm
absolutamente nenhum item tumular. Em todos os casos temos o mesmo padrão: a
adoção da agricultura conduziu à estratificação social, sutil no início, mas
depois cada vez mais pronunciada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É fácil perceber como variações na
produtividade agrícola de diferentes famílias e sua capacidade de armazenar
certos alimentos (especialmente cereais secos) tornaram as pessoas mais
inclinadas a exigir direitos de propriedade sobre a produção. Como pode ser
trocada por outros itens, a produção alimentar armazenável excedente é
equivalente a riqueza. É certo, porém, que um povoado onde alguns habitantes
conseguem acumular mais alimento e quinquilharias do que outros é uma estrutura
ainda muito distante das hierarquias sociais complexas das primeiras cidades,
em que as elites dominantes apropriavam-se do excedente por direito e depois
distribuíam a porção dele que elas próprias não consumiam. Como esses líderes
poderosos emergiram, e como acabaram controlando os excedentes agrícolas?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um passo importante ao longo do percurso
de uma aldeia igualitária para uma cidade estratificada parece ser o
aparecimento de “grandes homens”, que conquistam o controle do fluxo de comida
excedente e outros bens e assim reúnem um grupo de dependentes ou seguidores.
Talvez surpreendentemente, o meio de persuasão do grande homem não é a ameaça
de violência, mas sua abundante generosidade. Dando presentes a outros ele os
transforma em seus devedores, e os põe na obrigação de retribuir com presentes
mais generosos no futuro. Tais presentes muitas vezes vinham em forma de
comida. Para manter esse ciclo ativo, um grande homem deve persuadir sua
família a produzir comida excedente, que depois será dada a outros; em
contrapartida, ele recebe mais comida, que pode distribuir entre seus parentes
e também dar a outros, gerando assim mais obrigações. Esse processo pode ser
observado ainda hoje, pois a cultura do grande homem ainda existe em algumas
partes do mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na Melanésia, um grande homem pode tomar
várias esposas para aumentar os recursos excedentes à sua disposição: uma
mulher para cultivar a horta e produzir alimento, uma para catar madeira, outra
para pescar. Depois, distribui esses recursos cuidadosamente, deixando outras
pessoas em dívida com ele, pessoas que deverão pagar-lhe de volta com mais
alimento ou recursos; esses produtos serão passados adiante, assegurando assim
um círculo de obrigações ainda maior. Esse processo estimula a intensificação
da produção de alimentos e culmina, finalmente, em grandes banquetes com os
quais o grande homem tenta “criar um nome para si”. Ele convida pessoas de fora
de seu círculo usual, e até de outras aldeias, pondo-as na posição de devedoras
e trazendo-as, assim, para sua esfera de influência. Dessa maneira, o grande
homem se estabelece como um membro influente e poderoso da comunidade. A rivalidade
entre grandes homens acelera o processo, à medida que eles rivalizam para promover
os maiores banquetes e acumular o maior crédito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Isso significa que os grandes homens são
ricos e preguiçosos? Longe disso. Para um grande homem, a riqueza não permite
que se acomode, pois ela só é útil se estiver circulando. Em alguns casos,
grandes homens podem até acabar ficando mais pobres que seus seguidores. Em grupos
esquimós no norte do Alasca, por exemplo, os mais respeitados capitães
baleeiros são responsáveis por negociar com caçadores de caribu do interior, e
assim terminam controlando a distribuição e a circulação de objetos de valor em
seu grupo. Mas, como devem dar tudo que recebem e não podem recusar um pedido
de ajuda, veem-se frequentemente em piores condições materiais que seus
seguidores. Grandes homens também têm de trabalhar pesado. Segundo um
observador na Melanésia, o grande homem “tem de trabalhar mais arduamente que
todos os outros para manter seus estoques de comida. Quem aspira a honras não
pode repousar sobre os louros, mas deve continuar a promover grandes banquetes
e a acumular crédito. É sabido que ele tem de labutar da manhã à noite.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo isso serve realmente a uma finalidade
prática dentro do grupo ou da aldeia: o grande homem age como uma carteira de
compensação para alimentos excedentes e outros bens, e pode determinar a melhor
forma de distribuí-los. Se uma família produz alimento extra, pode dar o excedente
a um grande homem na expectativa de cobrar o favor numa data posterior – quando
uma ferramenta precisar ser substituída ou a comida escassear. Assim, um grande
homem bem-sucedido integra e coordena a economia da comunidade e emerge como
seu líder. Mas não tem nenhum poder para coagir seus seguidores. A manutenção
de sua posição depende de sua capacidade de prover a subsistência do grupo e
administrar a redistribuição. Entre os nambikwara do Brasil, por exemplo, se o
líder do grupo não for suficientemente generoso e deixar de prover a
subsistência de seus seguidores, eles o deixarão de lado e ingressarão num
grupo diferente. Em grupos melanésios, líderes que deixam de distribuir o
excedente ou guardam uma parte grande demais para si mesmos podem ser depostos
ou até assassinados. Numa situação como essa, o grande homem tem muito mais de
um gerente que de um rei.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">De cacicados a
civilizações<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ora, como um grande homem, cuja
posição depende de generosidade e comunhão, se transforma em chefe poderoso de um
grupo de aldeias, ou cacicado, e depois em rei, no topo de uma elite dominante?
Não é de surpreender, como no caso das origens e da difusão da agricultura, que
o mecanismo seja obscuro e que haja muitas teorias conflitantes. Mais uma vez,
é improvável que uma só teoria forneça a resposta – e certas explicações têm
mais fundamento em algumas partes do mundo do que em outras. No entanto,
considerando várias dessas teorias, é possível ter uma ideia de como cacicados,
e depois civilizações, podem ter se iniciado. Em cada caso, o surgimento da
estratificação social está estreitamente relacionado com a produção de comida.
Formas mais elaboradas de organização social tornam possível maior
produtividade agrícola, e um maior excedente de alimento pode sustentar formas
mais elaboradas de organização social. Mas como o processo se inicia?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Segundo uma teoria, um grande homem ou
líder pode se tornar mais poderoso coordenando atividades agrícolas, em
particular a irrigação. Os rendimentos do cultivo agrícola podem variar muito,
mas com o nivelamento de terras, a construção de canais de irrigação e de
sistemas de diques – coisas só possíveis com certo grau de organização social –
pode-se reduzir essas variações. Isso aumentaria a produtividade agrícola da
aldeia, e teria ainda outros efeitos. Membros da comunidade ficariam menos
propensos a partir depois de terem investido em sistemas de irrigação e passado
a depender deles; o controle do sistema de irrigação conferiria poder ao líder,
já que qualquer pessoa que criasse um conflito poderia ter seu fornecimento de
água reduzido; o sistema de irrigação poderia também precisar ser defendido,
com o uso de soldados em tempo integral custeados pelo excedente de alimento e
postos sob o controle do líder.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em suma, algo iniciado como um projeto
agrícola comunitário poderia ter o efeito de aumentar enormemente o poder do
líder. Com seus seguidores mais dependentes e uma guarda privada para
protegê-lo, ele poderia então começar a reter uma parte maior do excedente para
seu próprio uso, para alimentar sua família, abastecer soldados etc. Sistemas
de irrigação são certamente um denominador comum de muitas civilizações
primitivas, desde a Mesopotâmia até o Peru. Eles são encontrados também em
cacicados, em lugares como o Havaí e o sudoeste da América do Norte. Alguns
cacicados que dependiam da irrigação não se tornaram, no entanto, mais
complexos ou nitidamente estratificados; e alguns esquemas elaborados de
irrigação parecem ser antes a consequência que a causa de maior organização
social. Assim, evidentemente outros fatores além da irrigação determinaram o
nascimento de civilizações complexas, embora ela pareça ter desempenhado um
papel importante em alguns casos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outra hipótese sugere que o armazenamento
comunal de excedentes agrícolas poderia fornecer ao líder uma oportunidade de
estabelecer maior controle sobre seus seguidores. Aldeões entregam cereais
excedentes ao grande homem prevendo presentes recíprocos numa data posterior,
estimulando-o a organizar a construção de um celeiro. Depois de construído e
abastecido, este fornece ao grande homem o “capital de giro” para fazer outras
coisas. Ele pode financiar artesãos especializados, em tempo integral, e
organizar obras agrícolas usando o excedente, sob a alegação de que tais
investimentos produzem um retorno positivo, que pode ser devolvido ao celeiro.
Projetos cada vez mais complexos de obras públicas legitimam então a posição do
líder e requerem um número crescente de administradores, que despontam como a
elite dominante. Segundo essa visão, há uma progressão natural desde a partilha
recíproca organizada por um grande homem até a redistribuição do excedente
supervisionada por um chefe poderoso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No Oriente Próximo, grandes prédios
centrais começaram a aparecer dentro das aldeias depois de cerca de 6000 a.C.,
mas não está claro se eram celeiros partilhados, salões de banquetes,
construções religiosas ou casas de chefes. É possível que servissem a várias
dessas funções: um salão de banquetes construído para impressionar a aldeia
vizinha poderia ter sido o lugar lógico para armazenar comida, e um celeiro
teria sido um lugar óbvio para a realização de rituais de fertilidade a fim de
assegurar uma boa colheita. No Havaí, há evidências de que áreas públicas
construídas originalmente para banquetes foram mais tarde muradas, ficando seu
acesso restrito a um grupo selecionado, de alta posição social. Assim, templos
e palácios poderiam ter origem em casas comunais de armazenamento ou salões de
banquetes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma terceira possibilidade é que a
competição por terras cultiváveis tenha levado à guerra entre comunidades em
áreas nas quais a terra era ambientalmente delimitada. No Peru, por exemplo, 78
rios correm das montanhas dos Andes para o litoral, atravessando 80 quilômetros
de um deserto extremamente árido. A agricultura é possível perto dos rios, mas
todas as áreas adequadas ao cultivo estão confinadas entre deserto, montanhas e
oceano. No Egito, a agricultura é possível numa faixa estreita ao longo do
Nilo, mas não no deserto que se estende além dele. E, nas planícies aluviais da
Mesopotâmia, somente áreas próximas ao Tigre e ao Eufrates são adequadas para a
agricultura. No início, essas áreas deviam ser esparsamente povoadas por alguns
agricultores; à medida que a população se expandiu (o sedentarismo e a agricultura
permitem que a população de agricultores cresça mais do que a de caçadores- coletores),
novas aldeias devem ter sido fundadas. Como toda a terra arável disponível
estava sendo usada, os agricultores intensificaram a produção, extraindo mais
alimento de uma dada área por meio de sistemas elaborados de terraços e
irrigação.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Finalmente, porém, eles chegaram ao limite
da produtividade agrícola, e as aldeias começaram a atacar umas às outras.
Quando uma aldeia derrotava outra, apropriava-se de sua terra ou obrigava seu
povo a entregar uma parte de sua colheita todos os anos. Desse modo, a aldeia
mais forte dentro de uma área crescia como classe dominante, e as aldeias mais
fracas tinham de entregar sua produção excedente, iniciando assim um sistema em
que os pobres cultivavam a terra para os ricos. Tudo isso parece plausível, mas
não há nenhuma evidência de que as pessoas chegaram ao limite da produtividade
agrícola em qualquer dos lugares onde sociedades estratificadas emergiram pela
primeira vez. No caso de uma seca ou de uma má colheita, contudo, é possível
imaginar aldeias com reservas de alimentos sendo atacadas por aldeias vizinhas
onde a comida tivesse acabado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma visão mais ampla que abarca todas
essas teorias é a ideia de que sociedades mais complexas (isto é, aquelas com
liderança forte e hierarquia social bem definida) serão mais produtivas, mais
resistentes, mais capazes de sobreviver a privações e se defender. Assim, as aldeias
em que surgissem líderes fortes suplantariam outras aldeias próximas e menos organizadas,
e seriam lugares mais atraentes para se viver, pelo menos para aqueles que não se
importassem em se submeter à autoridade do líder. Em geral, supõe-se que o
surgimento de líderes fortes implica coerção, porém as pessoas poderiam
inicialmente ter achado que valia a pena entregar ao líder toda ou parte de sua
produção excedente se os benefícios que recebessem em troca – sistemas de
irrigação eficientes, maior segurança, realização de ritos religiosos para
conservar a fertilidade do solo, mediação em disputas – fossem considerados suficientemente
valiosos. Nesse caso, o líder teria condições de guardar uma parte cada vez maior
do excedente para seu próprio uso. Ora, depois que a pessoa se estabelece e
investe trabalho numa casa, em campos e sistemas de irrigação, ela tem uma
razão para permanecer onde está, mesmo que o líder comece a se pavonear,
afirmando ser descendente de um deus ou coisa do gênero.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como podemos saber o que aconteceu? As
evidências arqueológicas mostram o processo de estratificação social ocorrendo
no mundo todo mais ou menos da mesma maneira. Ele culminou no surgimento de
civilizações da Idade do Bronze bastante comparáveis em diferentes partes do
mundo, mas em momentos diferentes: começando no Egito e na Mesopotâmia, por
volta de 3500 a.C.; durante a dinastia Shang no norte da China, por volta de 1400
a.C.; com a ascensão da civilização maia no sul do México, a partir de cerca de
300 d.C.; e na América do Sul por volta da mesma época, levando ao
estabelecimento do Império Inca no século XV.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O problema é que as evidências
arqueológicas não revelam muita coisa sobre o mecanismo de estratificação. Os
primeiros sinais de mudança são, em geral, maiores variações nos itens tumulares
e o surgimento de estilos de cerâmica regional mais elaborados, o que acontece
por volta de 5500 a.C. na Mesopotâmia, 2300 a.C. no norte da China e 900 a.C.
nas Américas. Essa cerâmica sugere algum grau de especialização e possivelmente
o despontar de elites capazes de sustentar artesãos em tempo integral. Grande
número de tigelas de cerâmica, feitas em tamanhos padrão, aparecem na
Mesopotâmia por volta de 3500 a.C., o que sugere que sua manufatura estava sob
controle centralizado e que medidas padrão de grãos e de outras riquezas
naturais eram usadas no pagamento de tributos e na distribuição de provisões.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No norte da China, povoados do período
Longshan (3000-2000 a.C.) começam a ter grandes muralhas; armas como lanças e
porretes tornam-se mais comuns. Na Mesopotâmia, aparecem entradas de
construções em forma de L, depósitos secretos de pedras usadas em atiradeiras e
trincheiras defensivas. Tudo isso é sugestivo de uma organização para fins de
defesa. Igualmente reveladores são os primeiros passos em direção à escrita, na
forma de fichas e selos usados para a administração, no oeste da Ásia, e
símbolos escritos em ossos por adivinhos da sorte, no norte da China.
Comunidades cada vez maiores, à medida que aldeias se transformam em vilas,
indicam melhor organização política, pela simples razão de que sem uma
autoridade reconhecida para a solução de conflitos as aldeias parecem não poder
crescer além de certo tamanho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No início da dinastia Shang, na China, por
volta de 1850 a.C., há oficinas artesanais especializadas; algumas comunidades
têm certos tipos de oficinas e não outros, sugerindo especialização local
deliberada. A habilidade para trabalhar o bronze no Oriente Próximo e na China
e o ouro na América do Sul é mais um sinal da especialização dos ofícios. A
presença de requintadas peças em metal entre os itens tumulares indica
estratificação, em alguns casos num grau extraordinário. Nos túmulos “reais” da
cidade mesopotâmica de Ur, datados de c.2500 a.C., os mortos eram sepultados
com objetos de ouro ou prata, ou ainda com peças incrustadas de pedras
preciosas. Eram também acompanhados por dúzias de criados, músicos e
guarda-costas sacrificados, e até de bois para puxar suas bigas. Esses túmulos,
com exemplos semelhantes na China, fornecem notáveis e horripilantes evidências
de estratificação social.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando as primeiras cidades surgem, com
seus artesãos especializados organizados em distritos e construções monumentais
como templos e pirâmides, não há dúvida de que houve uma estratificação social.
De fato, há evidências escritas diretas dela. Na China, documentos detalham uma
complexa hierarquia de nobres, cada um com seu próprio território, sob um rei.
Nas cidades-Estado da Mesopotâmia, pequenas tábuas de argila registram impostos
pagos, artigos produzidos e provisões distribuídas; há também listas de membros
de associações diversas, desde cervejeiros até encantadores de serpentes. No
Egito, o Inspetor de Todas as Obras do Rei na Quarta Dinastia (o período em que
as pirâmides foram construídas) tinha uma grande equipe de funcionários e
escribas que contratavam, alimentavam e organizavam numerosos pedreiros em
tempo integral e um número maior ainda de operários da construção que se
revezavam. Isso envolvia uma montanha de listas de provisões e tabelas de
horários.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O surgimento da arquitetura monumental,
cujos muitos exemplos ainda vemos de pé por todo o mundo, fornece sem dúvida a
evidência mais direta e duradoura da estratificação social das primeiras
civilizações. Essas obras de grande escala só podem ser levadas a cabo sob uma
estratégia de administração eficiente, com um sistema de armazenagem do
alimento excedente e de sua distribuição na forma de provisões para os
operários. E também sob uma ideologia que convença as pessoas de que o projeto
de construção vale a pena – em suma, por uma sociedade hierárquica governada
por um rei todo-poderoso. A característica que define esses túmulos, templos e
palácios é serem muito maiores e elaborados que o necessário. Essas construções
são afirmações de poder, e à medida que as sociedades se tornam mais estratificadas,
tornam-se mais proeminentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnA5Pzg7Qbf3zpV2aVqGOrbs3xkvrxXR7oc1sxatEExtV39xXFQyQ25VJtqXC4UFLciFMkpceHbH0rtD74m1T_KaIyUN9ci3I8R6huPtsfMdcPNeFgfol9RapBaxD-2PFK7Qw9gBTWbMac/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_6.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="522" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnA5Pzg7Qbf3zpV2aVqGOrbs3xkvrxXR7oc1sxatEExtV39xXFQyQ25VJtqXC4UFLciFMkpceHbH0rtD74m1T_KaIyUN9ci3I8R6huPtsfMdcPNeFgfol9RapBaxD-2PFK7Qw9gBTWbMac/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_6.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Representação mesopotâmica de uma cidade, com diferentes tipos de trabalhadores supervisionados por um rei.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As pirâmides do Egito, os zigurates da
Mesopotâmia e os templos em degraus do centro e do sul do México tornaram-se
possíveis graças aos excedentes agrícolas e ao consequente aumento da
complexidade social. Caçadores-coletores não teriam nem sonhado em construí-los,
e mesmo que tivessem, faltavam-lhes os meios – a riqueza na forma de alimento
excedente e as necessárias estruturas organizacionais – para fazê-lo. Esses
grandes edifícios representam monumentos não só ao surgimento das primeiras
civilizações, mas também ao nascimento de um grau novo e sem precedentes de
desigualdade e estratificação social que persiste desde então.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">4. Seguir o alimento<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">“Fez chover maná para que o povo comesse: deu-lhe o pão dos
céus.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">Salmo 78</span></i><span style="font-size: 9.0pt; line-height: 115%;">, versículo 24<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Uma indicação das
estruturas de poder<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Numa manhã de maio, pouco antes
do nascer do sol, mais de 600 jovens incas luxuosamente vestidos alinharam-se
em duas fileiras paralelas num campo sagrado, cercados por caules oscilantes de
milho. Quando os primeiros lampejos do sol despontaram, começaram a cantar, de
início suavemente, mas com crescente intensidade à medida que o sol se elevava
no céu. Sua canção era um canto de vitória militar, ou<i> haylli</i>. O canto foi se avolumando ao longo da manhã, atingindo o
clímax ao meio-dia. Depois, tornou-se pouco a pouco mais suave durante a tarde
e terminou quando o sol se pôs. No crepúsculo, os rapazes, todos recém-iniciados
filhos de incas nobres, começaram a colher o milho. Essa cena, repetida a cada
ano, era apenas um de vários costumes incas relacionados ao milho que demonstravam
e reforçavam o status privilegiado da elite dominante.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outro exemplo era a cerimônia do plantio
do milho, que ocorria em agosto. Quando o sol se punha entre duas grandes
colunas sobre o morro de Picchu, tal como vistas do centro de Cuzco, a capital
inca, era hora de o rei dar início à estação do cultivo. Ele fazia isso arando
e plantando um dos vários campos sagrados que só podiam ser lavrados por
membros da nobreza. Segundo o relato de uma testemunha ocular: “Na ocasião do
plantio, o próprio rei ia e arava um pouco ... o dia em que os incas faziam
isso era um festival solene de todos os senhores de Cuzco. Eles ofereciam
grandes sacrifícios a essa planície, especialmente em prata, ouro e crianças.”
Os nobres incas então lavravam a terra, mas só depois que o rei iniciara o
processo. “Se o rei não tivesse feito isso, nenhum índio ousaria cavar a terra,
e tampouco acreditaria que ela seria produtiva, se o rei não a tivesse cavado
primeiro”, mencionou outro observador. Outros sacrifícios de lhamas e porquinhos-da-índia
eram feitos quando o plantio do milho começava. No meio do campo, sacerdotisas
derramavam chicha, ou cerveja de milho, em torno de uma lhama branca. Essas oferendas
visavam a proteger os campos da geada, do vento e da estiagem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para os incas, a agricultura estava estreitamente
associada à guerra: a terra era derrotada, como numa batalha, pelo arado.
Assim, a cerimônia da colheita era realizada por jovens nobres como parte de
sua iniciação como guerreiros, e eles cantavam um <i>haylli</i> enquanto colhiam o milho para celebrar sua vitória sobre a
terra. No início da estação de cultivo seguinte, somente o inca soberano tinha
poder para derrotar a terra e se apoderar de suas energias reprodutivas para
assegurar o sucesso do ciclo agrícola, por isso tinha de cavar a terra
primeiro. Isso enfatizava seu poder sobre o povo: sem ele, todos morreriam de
fome. A derrota da terra era também uma reencenação da batalha entre os
primeiros incas e os habitantes nativos de Cuzco, os huallas, que os incas
tinham derrotado antes mesmo de plantar o primeiro milho. Na visão dos incas,
eles haviam triunfado sobre a natureza de duas maneiras: derrotando os
selvagens locais e depois introduzindo a agricultura. Os membros da elite
dominante afirmavam ser descendentes diretos dos vencedores daquela batalha
original. As cerimônias realçavam esse vínculo, e consequentemente o direito da
elite de governar as massas, ao mesmo tempo em que também sugeriam que a
estrutura hierárquica da sociedade era parte de uma antiga ordem natural. A
sugestão era que se o rei e seus nobres fossem derrubados, não haveria ninguém
para fazer as plantas crescerem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Atividades desse tipo relacionadas ao
alimento eram amplamente usadas para definir e reforçar a posição privilegiada
da elite em civilizações primitivas. A comida, ou a capacidade de produzi-la,
era usada para pagar impostos e exigida como tributo após vitórias militares.
Oferendas de alimentos e sacrifícios eram usados para manter a estabilidade do universo
e assegurar a continuação do ciclo agrícola. Partilhas formais de comida, na
forma de provisões e salários e em banquetes e festivais, enfatizavam também
como ela – e portanto o poder – era distribuída. No mundo moderno, acompanhamos
o dinheiro para determinar onde está o poder. No mundo antigo, é o alimento que
revela as estruturas de poder. Para desvendar a organização das primeiras
civilizações, devemos seguir o alimento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Comida é dinheiro<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os alimentos eram usados em
civilizações primitivas como moeda, em escambo e para pagar salários e
impostos. Eram transferidos dos agricultores para a elite de várias maneiras, e
depois redistribuídos na forma de salários e provisões para sustentar as atividades
dessa elite: construções, administração, guerra e assim por diante. O princípio
de que parte do excedente agrícola ou todo ele tinha de ser entregue é comum a
todas as civilizações primitivas, uma vez que, antes de mais nada, a
apropriação desse excedente foi a base fundamental para que elas surgissem.
Havia muitos arranjos diferentes. Em todos os casos, porém, a estrutura da
sociedade – para quem as pessoas trabalhavam, de onde vinha seu sustento e para
onde direcionavam suas lealdades – era definida pelo alimento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No Egito e na Mesopotâmia, tributos eram
pagos diretamente na forma de alimento ou indiretamente na forma de trabalho
agrícola. A maioria dos agricultores egípcios não possuía sua própria terra,
arrendando-a de proprietários que reivindicavam uma fração da produção. O
Estado possuía muitas terras, o que, portanto, gerava grande receita em
provisão de alimentos. Outras terras pertenciam a funcionários públicos,
templos, nobres e ao próprio faraó, e também eram arrendadas a agricultores em
troca de uma parcela de sua colheita, com uma fração desse aluguel indo para o
Estado como imposto. O aluguel cobrado e o imposto arrecadado dependiam do
potencial agrícola da terra, de acordo com sua proximidade de poços e canais e
do nível que a cheia do Nilo alcançava a cada ano.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os Papéis de Hekanakhte, uma série de
cartas datadas de c.1950 a.C., escritas por um sacerdote para sua família
quando ele estava afastado de sua terra, dão detalhes desse sistema em ação, ao
mesmo tempo em que fornecem um raro vislumbre da vida cotidiana no Antigo Egito.
Ao que parece, Hekanakhte administrava terras pertencentes a um templo, e em
suas cartas ele aconselha a família sobre que áreas cultivar e quanto esperar
que cada uma produzisse, quantas sacas de cevada cobrar ao arrendar terras a
outros agricultores e quantas pagar aos trabalhadores na propriedade. Fica
evidente que os tempos não são bons e que a comida está escassa; Hekanakhte
lembra sua família de que eles estão comendo melhor que a maioria das pessoas.
Há uma desavença por causa de uma criada chamada Senen, e muita indulgência é
demonstrada para com um rapaz mimado chamado Snofru. Dívidas e aluguéis são
cobrados em cevada e trigo, e em alguns casos jarros de óleo são aceitos como
pagamento no lugar deles: um jarro de óleo vale duas sacas de cevada, ou três
de trigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os impostos, como os aluguéis, eram também
pagos na forma de alimento. Os cobradores de impostos levavam os víveres para
os centros administrativos regionais, onde eram redistribuídos como pagamento a
funcionários do governo, artesãos e agricultores recrutados para trabalhar para
o Estado em regime de corveia. Esses trabalhadores instalavam e mantinham
sistemas de irrigação, construíam túmulos e pirâmides, trabalhavam em minas e executavam
serviço militar. Durante um período de trabalho em regime de corveia, que podia
durar vários meses, os trabalhadores eram alimentados, abrigados e vestidos
pelo Estado. Foram trabalhadores sob esse regime que construíram as pirâmides;
listas de provisões mostram que eles recebiam diariamente porções de pão e
cerveja, complementadas com cebola e peixe. Um esquema semelhante prevalecia na
Mesopotâmia, onde a terra pertencia a famílias ricas, templos, conselhos
municipais ou ao palácio. Os agricultores entregavam uma fração de sua colheita
para arrendar a terra, e o rei arrecadava impostos sobre os campos não pertencentes
ao palácio. Desse modo, a maior parte do excedente ia para o rei, para os templos
erguidos a vários deuses e para os proprietários de terras. Como no Egito, o
trabalho em regime de corveia era usado em grandes projetos de construção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em algumas culturas, no entanto, os
impostos eram pagos unicamente na forma de trabalho. Na China, sob a dinastia
Shang, clãs rurais cultivavam seus próprios campos de propriedade comunal, mas
também trabalhavam em campos especiais cuja produção ia para o rei, governadores
rurais ou outras autoridades. De maneira semelhante, famílias de agricultores incas
cultivavam seus próprios campos e aqueles pertencentes a seu clã, ou <i>ayllu</i>. A produção dos campos dos <i>ayllu</i> sustentava o chefe local e o culto
ao deus local. Agricultores também passavam parte de seu tempo trabalhando em
campos do Estado ou de templos dedicados aos deuses mais importantes. Esse
esquema surgiu de um acordo firmado quando os <i>ayllu</i>, que eram anteriormente comunidades autônomas, foram incorporados
ao reino inca: foi permitido aos clãs conservar sua própria terra e sua
produção, contanto que, em troca, fornecessem mão de obra para cultivar campos
do Estado. Isso significava que o rei inca não recebia de seus súditos nenhum
alimento como imposto, o que o colocaria em débito para com eles; em vez disso,
os súditos trabalhavam na suas terras e ele ficava com a produção, que era
transportada para depósitos regionais. Os agricultores incas tinham também de
trabalhar ocasionalmente em regime de corveia em áreas como construção,
mineração ou serviço militar. Tudo isso era registrado mediante um sistema de
cordões coloridos com nós chamados de quipos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A sociedade asteca era dividida em grupos
proprietários de terras chamados <i>calpullis</i>.
Diferentemente dos ayllu incas, cujos membros eram todos iguais sob o chefe, os
<i>calpullis</i> eram supervisionados por
algumas famílias de alta posição social pertencentes à nobreza asteca. Cada
família cultivava tanto seus próprios campos quanto campos partilhados, cuja produção
sustentava os nobres, os templos, os professores e os soldados do <i>calpulli</i>. Os <i>calpullis</i> tinham também de pagar certa quantidade de impostos e
trabalho, em regime de corveia, para o Estado. Além disso, o rei, instituições
estatais, nobres e guerreiros importantes possuíam suas próprias terras, que
eram cultivadas por agricultores sem terras que, em troca, recebiam apenas
comida suficiente para sobreviver. O resto da produção dessas terras ia
diretamente para seus proprietários.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O alimento também advinha de Estados
súditos, na forma de tributos extorquidos por Estados e cidades-Estado
dominantes dos vizinhos mais fracos, sob ameaça de uso de força militar,
geralmente após uma vitória bélica. Após a derrota de uma cidade-Estado por
outra, na Mesopotâmia por exemplo, a cidade perdedora seria saqueada e teria
também de pagar tributos regulares à cidade vencedora. Sargão da Acádia, que
conquistou as cidades-Estado da Mesopotâmia por volta de 2300 a.C. e as
unificou num império, exigiu vastas quantidades de tributos de cada cidade:
inscrições falam de armazéns inteiros de grãos sendo dados em pagamento. Além
de enfatizar sua superioridade, isso mantinha as cidades súditas fracas e a capital
de Sargão forte, permitindo-lhe também sustentar uma enorme equipe de
empregados: ele se gabava de alimentar 5.400 homens todos os dias. Ao redistribuir
tributos entre seus seguidores, os soberanos podiam reforçar sua liderança e
conservar apoio para outras campanhas militares.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Talvez o melhor exemplo de cobrança de
tributos seja o da “tríplice aliança” asteca entre Tenochtitlan, Texcoco e
Tlacopan. Essas três cidades-Estado cobravam tributos de todo o México central.
Estados súditos próximos, dentro e em torno do vale do México, tinham de fornecer
enormes quantidades de comida: todos os dias o chefe de Texcoco recebia milho, feijões,
abóboras, pimentas, tomates e sal para alimentar mais de 2 mil pessoas. Estados
mais distantes forneciam algodão, tecidos, metais preciosos, aves exóticas e
objeto manufaturados. O montante de imposto pago dependia da distância que
separava cada Estado das três capitais (como o controle que a aliança exercia
sobre aqueles mais distantes era mais fraco, ela exigia menos tributos deles) e
do fato de o Estado ter resistido ou não antes de se submeter ao domínio da
aliança (Estados que cediam sem lutar pagavam menos). O fluxo constante de alimento
e outros bens para a capital significava que não havia dúvida sobre onde se localizava
o poder. Os governantes astecas usavam esses tributos para pagar funcionários, abastecer
o exército e sustentar obras públicas. Tributos dados à nobreza reforçavam a
posição do soberano e simultaneamente enfraqueciam os chefes de Estados
subordinados, que terminavam com menos para distribuir entre seus próprios
seguidores: menos alimento significava menos poder.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Alimentando os deuses<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
À medida que os sistemas de
organização social tornaram-se mais complexos, o mesmo ocorreu com as práticas
religiosas que davam o respaldo cosmológico ao direito da elite de arrecadar
todos esses impostos. Entre as primeiras civilizações do mundo, as crenças e as
práticas religiosas variavam amplamente, mas em muitos casos havia uma clara
congruência entre o pagamento de impostos pelas massas à elite e o “pagamento”
de sacrifícios e oferendas pela elite aos deuses. Acreditava-se que essas
oferendas faziam a energia retornar à sua fonte divina, de modo que esta
pudesse continuar estimulando a natureza a fornecer alimentos aos seres
humanos. Em vez de serem tão poderosos que pudessem existir sem o apoio da
humanidade, os deuses eram concebidos como dependentes dos seres humanos, os quais
eram por sua vez dependentes dos deuses. Um texto egípcio de c.2070 a.C., por exemplo,
refere-se aos seres humanos como o “gado” do deus criador, sugerindo que o deus
ao mesmo tempo cuidava dos seres humanos e dependia deles para seu sustento. De
maneira semelhante, muitas culturas acreditavam que os deuses haviam criado a
humanidade para lhes fornecer alimento espiritual na forma de sacrifícios e
preces; em troca, os deuses forneciam alimento físico aos homens fazendo as
plantas e os animais crescerem. Sacrifícios eram considerados um meio essencial
de manter esse ciclo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Algumas culturas mesoamericanas
acreditavam que, de tempos em tempos, os deuses sacrificavam a si mesmos, ou
uns aos outros, para assegurar a continuidade do universo e a sobrevivência da
humanidade. Os maias, por exemplo, acreditavam que o milho era a carne dos
deuses, contendo poder divino, e no tempo da colheita os deuses estavam, na verdade,
sacrificando-se para sustentar a humanidade. O poder divino transferia-se para
os seres humanos quando eles comiam o milho e ficava particularmente
concentrado em seu sangue. Sacrifícios humanos com derramamento de sangue eram
uma maneira de saldar essa dívida e devolver o poder divino aos deuses. Comida
e incenso também eram fornecidos como oferendas, mas os sacrifícios humanos
eram considerados os mais importantes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os astecas também consideravam os
sacrifícios humanos uma maneira de restituir a energia devida aos deuses. A Mãe
Terra, como acreditavam, era alimentada por sangue humano, e as plantas só
cresceriam se ela o recebesse em quantidade suficiente. Embora fosse
supostamente uma honra ser sacrificado, parece que as vítimas não pertenciam à
elite dominante, sendo em geral criminosos, prisioneiros de guerra e crianças.
Como se acreditava que a carne e o sangue humanos eram feitos de milho, esses
sacrifícios sustentavam o ciclo cósmico: o milho tornava-se sangue, e o sangue
era depois transformado de volta em milho. Vítimas dos sacrifícios eram
chamadas de “<i>tortillas</i> para os
deuses”. Os incas também pensavam que os sacrifícios eram necessários para
alimentar os deuses. Ofereciam lhamas, porquinhos-da-índia, aves, hortaliças
cozidas, bebidas fermentadas, chocolate, ouro, prata e requintados tecidos, que
eram queimados para liberar a energia gasta para tecê-los. Comidas e bebidas alcoólicas
feitas de milho eram tidas como particularmente apreciadas pelos deuses. Mas os
sacrifícios mais valiosos eram os humanos. Depois de subjugar uma nova região,
os incas sacrificavam seus mais belos habitantes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em templos egípcios, animais eram mortos e
sua carne era oferecida às imagens dos deuses. Acreditava-se que os deuses
incorporavam-se nas imagens três vezes por dia, para absorver a força vital das
oferendas, da qual necessitavam para reabastecer a energia gasta para manter o universo
em funcionamento. Oferendas de alimentos eram necessárias também para manter a força
vital de seres humanos mortos que haviam se tornado deuses. Assim, eram
frequentes as oferendas a faraós mortos; enchiam-se os túmulos com vasos de
comida para sustentá-los na vida após a morte. De maneira semelhante, na China,
sob a dinastia Shang, cereais, cerveja de milhete, animais (cães, porcos,
javalis, ovelhas e bois) e sacrifícios humanos, em geral de prisioneiros de
guerra, eram oferecidos tanto aos deuses quanto aos ancestrais dos reis. Pensava-se
que os deuses bebiam o sangue das vítimas abatidas. As oferendas mais elaboradas,
no entanto, eram feitas aos ancestrais dos reis Shang, que se alimentavam
desses sacrifícios. Se não fossem suficientemente bem alimentados, acreditavam
os reis Shang, os ancestrais puniriam seus descendentes com más colheitas,
derrotas militares e pragas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os mesopotâmicos acreditavam que os seres
humanos tinham o dever de prover alimentos e residências terrenas para os
deuses, que recebiam duas refeições por dia em seus templos. Eles dependeriam
desse alimento dado pelos humanos: na versão mesopotâmica da história do dilúvio,
os deuses destroem a humanidade e depois se arrependem, pois ficam famintos por
causa da falta de oferendas. Um deles, porém, Enki, avisa Utnapishtim (o equivalente
mesopotâmico do Noé bíblico) do dilúvio que se aproxima e lhe diz para
construir uma arca. Quando Utnapishtim emerge do barco e queima algo como um
sacrifício, os deuses se aglomeram em torno da fumaça “como moscas”, porque é o
primeiro alimento que recebem em dias. Em seguida, perdoam Enki por ter
permitido a alguns seres humanos sobreviver. Os mesopotâmicos acreditavam que
os deuses poderiam sobreviver sozinhos se produzissem seu próprio alimento, mas
eles criaram os humanos e lhes ensinaram agricultura para que o fizessem em seu
lugar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em todos esses casos, sacrifícios e
oferendas canalizam energia de volta para o reino espiritual na forma de
alimento para deuses e ancestrais, e asseguram que eles, por sua vez, continuem
a alimentar a humanidade, mantendo o ciclo agrícola em funcionamento. O oferecimento
de sacrifícios deu à elite um papel decisivo como intermediária entre os deuses
e as massas agricultoras. Ao pagar impostos, os agricultores trocavam alimento
por ordem e estabilidade terrenas, enquanto a elite administrava os sistemas de
irrigação, organizava defesas militares e assim por diante. Ao oferecer
sacrifícios aos deuses, a elite trocava alimento espiritual por ordem cósmica,
enquanto eles mantinham o equilíbrio do universo e a fertilidade do solo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Certamente não foi por coincidência que
ideologias religiosas tão semelhantes surgiram nas civilizações primitivas,
distanciadas como estavam no tempo e no espaço. A noção de que os deuses
dependiam de oferendas da humanidade para sua sobrevivência foi peculiar a
essas culturas, sem dúvida por ser muito conveniente para os membros das elites
dominantes. Isso legitimava a distribuição desigual de riqueza e poder, e
fornecia uma advertência implícita de que, sem as atividades administrativas da
elite, o mundo acabaria. Os agricultores, seus governantes e os deuses
dependiam todos uns dos outros para assegurar sua sobrevivência; haveria uma
catástrofe se qualquer um deles se desviasse dos papéis que lhes eram designados.
Mas, assim como os agricultores tinham o imperativo moral de fornecer comida para
a elite, esta, por sua vez, tinha o dever de cuidar do povo e mantê-lo saudável
e em segurança. Havia, em suma, um pacto social entre os agricultores e seus
governantes (e, por extensão, os deuses): se nós provemos a sua subsistência,
vocês devem prover a nossa. O resultado era que impostos pagos em alimentos
terrenos e sacrifícios de alimento espiritual, todos justificados por ideologia
religiosa, reforçavam a ordem social e cultural.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">As origens agrícolas da
desigualdade<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No mundo moderno, a equação
direta de alimento com riqueza e poder não mais prevalece. Para as pessoas em
sociedades agrícolas, o alimento ainda funciona como uma provisão de valor, uma
moeda e um indicador de riqueza; é o que as pessoas labutam o dia todo para produzir.
Nas sociedades urbanas modernas, porém, é o dinheiro que desempenha esses papéis.
O dinheiro é uma forma mais flexível de riqueza, facilmente guardada e
transferida, e pode ser prontamente convertido em alimento num supermercado, na
quitanda, na cafeteria ou no restaurante. A comida só é equivalente a riqueza e
poder quando é escassa ou cara, como ocorreu na maior parte da história. Para
os padrões históricos, a comida hoje é relativamente abundante e barata, pelo
menos no mundo desenvolvido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A comida, entretanto, não perdeu por
completo sua relação com a riqueza; seria estranho que isso tivesse acontecido,
sendo a conexão tão antiga. Mesmo em sociedades modernas há numerosos ecos do
papel econômico outrora central da comida, tanto nas palavras quanto nos costumes.
Chamamos de “ganha-pão” o trabalho que garante a subsistência do trabalhador. Em
inglês, dinheiro pode ser chamado de <i>bread
</i>ou <i>dough</i>. Refeições partilhadas
continuam sendo uma forma importante de moeda social. Um jantar requintado deve
ser retribuído com uma refeição igualmente suntuosa. Banquetes são uma maneira
usual de demonstrar riqueza e status e, no mundo dos negócios, de lembrar às
pessoas quem é o chefe. Em muitos países a linha da pobreza é definida em
relação à renda necessária para comprar um mínimo básico de gêneros alimentícios.
Pobreza é falta de acesso aos alimentos; portanto, riqueza significa não ter de
se preocupar em saber de onde virá a próxima refeição.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma característica comum a sociedades
ricas, contudo, é um sentimento de que a antiga conexão com a terra foi
perdida, assim como o desejo de restabelecê-la. Para os mais abastados nobres
romanos, o conhecimento de agricultura e a posse de grandes áreas de terra eram
uma maneira de demonstrar que não haviam se esquecido das origens de humildes agricultores
de seu povo. De maneira semelhante, muitos séculos depois, na França pré- revolucionária,
a rainha Maria Antonieta mandou construir uma fazenda planejada no terreno do
palácio de Versalhes, onde ela e suas damas de companhia, vestidas como
pastoras e ordenhadoras, ordenhavam vacas que haviam sido meticulosamente
limpas. Hoje, pessoas em muitas partes ricas do mundo gostam de cultivar seus
próprios alimentos, em hortas ou terrenos alugados da municipalidade. Em muitos
casos, elas poderiam facilmente dar-se ao luxo de, em vez disso, comprar as
frutas e hortaliças, mas o cultivo de seu próprio alimento proporciona uma
ligação com a terra, uma forma suave de exercício, uma provisão de produtos
frescos e uma fuga do mundo moderno. (O cultivo de alimentos sem uso de substâncias
químicas costuma ser muito valorizado nesses círculos.) Na Califórnia, a parte mais
rica do país mais rico do mundo, a comida simples dos camponeses italianos é
mais venerada. Na Índia, chegou a ser inaugurada uma aldeia turística, perto do
vibrante centro tecnológico de Bangalore, onde a classe média recém-enriquecida
experimenta uma versão romantizada da existência de seus antepassados, agricultores
de subsistência. Um dos privilégios da riqueza é a opção de imitar os estilos
de vida dos pobres camponeses.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A riqueza tende a afastar as pessoas do
cultivo da terra; de fato, não ter necessidade de trabalhar como agricultor é
uma outra maneira de definir riqueza. Hoje, as sociedades mais ricas são
aquelas em que a proporção da renda gasta com alimentos e a fração da força de trabalho
envolvida na sua produção são mais baixas. Os agricultores representam apenas cerca
de 1% da população em países ricos como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Em países
pobres como Ruanda, o percentual da população dedicado à agricultura ainda é de
mais de 80% – como em Uruk 5.500 anos atrás. No mundo desenvolvido, a maioria
das pessoas tem trabalhos especializados sem relação com a agricultura, e teria
dificuldade em sobreviver caso se visse, de repente, obrigada a produzir sua
própria comida. O processo de separação em diferentes papéis, que teve início
quando as pessoas começaram a se dedicar à agricultura e abandonaram o estilo
de vida igualitário dos caçadores-coletores, chegou à sua conclusão lógica.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O fato de as pessoas no mundo desenvolvido
de hoje terem geralmente um trabalho específico – advogado, mecânico, médico ou
motorista de ônibus – é uma consequência direta dos excedentes alimentares que
resultam de um contínuo aumento de produtividade da agricultura, durante os
últimos milhares de anos. Outro corolário desses excedentes alimentares cada
vez maiores foi a divisão em ricos e pobres, poderosos e fracos. Nenhuma dessas
distinções pode ser encontrada num bando de caçadores-coletores, a estrutura
social que definiu a humanidade durante a maior parte de sua existência. Os
caçadores-coletores têm poucas posses, ou nenhuma, mas isso não significa que
sejam pobres. Sua “pobreza” só se torna visível quando eles são comparados com
membros das sociedades agrícolas, estabelecidas, que têm condições de acumular
bens. Riqueza e pobreza, em outras palavras, parecem ser consequências
inevitáveis da agricultura e de seu produto, a civilização.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: medium;">Tom Standage</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Uma história comestível da humanidade</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;">Tradução:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;">Maria Luiza X. de A. Borges</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;">Uma edição:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;">Zahar Editores</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium; line-height: 25.2000007629395px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium; line-height: 25.2000007629395px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium; line-height: 25.2000007629395px;">Disponibiliado por:</span></div>
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<span style="font-size: medium; line-height: 25.2000007629395px;">Le Livros</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: medium; line-height: 25.2000007629395px;"><br /></span></div>
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<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;">DADOS DE COPYRIGHT<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b>Sobre a obra:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b>Sobre nós:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
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<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b>"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."</b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="line-height: 13.6620006561279px;"><span style="font-size: large;"><br /></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="line-height: 13.6620006561279px;"><span style="font-size: large;">Sumário</span><span style="font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"><br /></span></b><b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">INTRODUÇÃO</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Ingredientes do passado<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE I</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Os fundamentos comestíveis da civilização<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 1. A invenção da agricultura<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 2. As raízes da modernidade<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE II</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Comida e estrutura social<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 3. Alimento, riqueza e poder<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 4. Seguir o alimento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE III</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Os caminhos dos alimentos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 5. Estilhaços do paraíso<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 6. Sementes de impérios<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE IV</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Comida, energia e industrialização<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 7. Novo Mundo, novos alimentos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 8. A máquina a vapor e a batata<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE V</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Comida é arma<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 9. O combustível da guerra<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 10. Luta por comida<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">PARTE VI</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Comida, população e desenvolvimento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 11. Alimentar o mundo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> 12. Paradoxos da abundância<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;">EPÍLOGO</span></b><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Ingredientes do futuro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"><i> Notas</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<i><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Bibliografia<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<i><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Agradecimentos<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<i><span style="font-size: 10pt; line-height: 15.3333320617676px;"> Índice remissivo</span></i></div>
</div>
</div>
</div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-33023361310917040422015-08-24T19:10:00.000-03:002015-08-26T14:36:01.723-03:00Uma história comestível da humanidade - Os fundamentos comestíveis da civilização<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 24.5333347320557px;"><b><span style="font-size: large;">PARTE I</span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">1. A invenção da
agricultura<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 115%;">“Vi textos de horticultura expressando grande surpresa diante
da maravilhosa habilidade dos jardineiros em produzir tão esplêndidos
resultados a partir de materiais tão deficientes; mas a arte foi simples e, no
que diz respeito ao resultado final, foi seguida de maneira quase inconsciente.
Ela consistiu em sempre cultivar a melhor variedade conhecida, semeando essas
sementes, e, quando uma variedade ligeiramente melhor por acaso aparecia,
selecioná-la, e assim por diante.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-size: x-small;">CHARLES DARWIN, <i>A
origem das espécies</i></span><span style="font-size: 9pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Alimentos como
tecnologias<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O que representa melhor a
generosidade da natureza que uma espiga de milho? Com uma torção do punho ela é
facilmente arrancada do caule, sem desperdício ou trabalho excessivo. É repleta
de grãos saborosos e nutritivos, maiores e mais numerosos que os de outros
cereais. E é envolvida por uma palha que a protege de pragas e da umidade. O
milho parece um presente da natureza; já vem até embrulhado. Mas as aparências
podem enganar. Um campo cultivado de milho, ou de qualquer outro produto
agrícola, é tão manufaturado ou fabricado pelo homem quanto um microchip, uma
revista ou um míssil. Por mais que gostemos de pensar na agricultura como uma
atividade natural, há 10 mil anos ela era uma estranha inovação. Para
caçadores-coletores da Idade da Pedra, campos cuidadosamente cultivados que se
estendiam até o horizonte seriam uma visão inusitada. O cultivo de terras é um
projeto tão tecnológico quanto biológico. E no grande plano da existência
humana, as tecnologias em questão – as plantações agrícolas – são invenções
muito recentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os ancestrais dos seres humanos modernos
distanciaram-se dos macacos cerca de meio milhão de anos atrás, e seres humanos
“anatomicamente modernos” surgiram há cerca de 150 mil anos. Os seres humanos
primitivos eram caçadores-coletores que subsistiam com plantas coletadas e
animais caçados na natureza. Foi somente nos últimos 11 mil anos, aproximadamente,
que se começou a cultivar alimentos. A agricultura emergiu independentemente em
momentos e lugares diferentes: já estava estabelecida no Oriente Próximo por
volta de 8500 a.C., na China por volta de 7500 a.C. e nas Américas Central e do
Sul por volta de 3500 a.C. Desses três pontos de partida principais, a
tecnologia da agricultura espalhou-se por todo o mundo, para se tornar o mais
importante meio de produção de alimentos da humanidade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa foi uma mudança extraordinária para
uma espécie que dispunha de um estilo de vida nômade, baseado na caça e na
coleta, ao longo de toda a sua existência anterior. Se os 150 mil anos de
existência dos seres humanos modernos fossem transformados em uma hora, somente
nos últimos quatro minutos e meio eles teriam começado a adotar a agricultura,
e ela só teria se tornado o meio dominante de subsistência no último minuto e
meio. A troca operada pela humanidade entre a procura de alimentos e a lavoura,
de um meio natural para um meio tecnológico de produção de alimentos, foi
recente e repentina.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embora muitos animais coletem e armazenem
sementes e outros gêneros alimentícios, os seres humanos são os únicos a
cultivar deliberadamente produtos agrícolas específicos e a selecionar e
propagar determinadas características desejadas. Como um tecelão, um carpinteiro
ou um ferreiro, um agricultor cria coisas úteis que não estão na natureza. Isso
é feito mediante o uso de plantas e animais modificados ou domesticados para
melhor atender aos objetivos humanos. São criações humanas, ferramentas
cuidadosamente manufaturadas para produzir comida de novas formas e em
quantidades muito maiores do que ocorreria naturalmente. Não é possível
exagerar a importância de seu desenvolvimento, pois eles literalmente tornaram
o mundo moderno possível. Três plantas domesticadas, em particular, provaram-se
extremamente importantes: trigo, arroz e milho. Elas lançaram os alicerces para
a civilização e continuam a sustentar a sociedade humana até hoje.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O milho fornece a melhor demonstração de
que colheitas domesticadas são inquestionavelmente criações humanas. A
distinção entre plantas silvestres e domesticadas não é rígida. De fato, as
plantas se distribuem num <i>continuum</i>:
de inteiramente silvestres, passando por plantas que tiveram algumas
características modificadas para convir aos seres humanos, até aquelas
inteiramente domesticadas, que só podem se reproduzir com ajuda humana. O milho
encaixa-se na última categoria. Ele é o resultado da propagação, pelos seres
humanos, de uma série de mutações genéticas aleatórias que o transformaram de
uma simples erva num estranho e gigantesco mutante que não pode mais sobreviver
na natureza. O milho é descendente do teosinto, um capim silvestre nativo do
que hoje é o México. As duas plantas parecem muito diferentes. De fato, porém,
apenas algumas mutações genéticas foram suficientes para transformar uma na
outra. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma diferença óbvia entre o teosinto e o
milho é que as espigas do primeiro consistem de duas fileiras de grãos contidas
em invólucros duros, ou glumas, que protegem a parte comestível no interior. Um
único gene, chamado pelos geneticistas modernos de tga1, controla o tamanho
dessas glumas; uma mutação nesse gene resulta nos grãos expostos. Isso
significa que os grãos têm menor probabilidade de sobreviver à viagem através
do trato digestivo de um animal, pondo as plantas mutantes em desvantagem
reprodutiva em relação às não mutantes, pelo menos na ordem normal das coisas.
Mas os grãos expostos teriam também tornado o teosinto muito mais atraente para
seres humanos coletores, uma vez que não seria necessário remover as glumas
antes do consumo. Ao coletar apenas as plantas mutantes, com grãos expostos, e
depois usar esses grãos como sementes, protoagricultores puderam aumentar a
proporção de plantas com grãos expostos. A mutação do tga1, em suma, tornou
menos provável a sobrevivência do teosinto na natureza, mas tornou-o também
mais atraente para os seres humanos, que propagaram a mutação. (No milho, as
glumas são tão reduzidas que só as notamos quando ficam presas entre nossos
dentes. Elas são o filme sedoso e transparente que envolve cada grão.)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSGjZkNG-CWlyIzBC5oonDvEoO8yuf28f1GzgQieI4faKZSCy4dmwLDZI8bMxIZj-enTvXDtDNBweCR_nQZyI6OQvVM_DAzNcRvcIp-n2IatPq9JdSupMYlWmdWf1qoyBHw-Eb1anyjQuN/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSGjZkNG-CWlyIzBC5oonDvEoO8yuf28f1GzgQieI4faKZSCy4dmwLDZI8bMxIZj-enTvXDtDNBweCR_nQZyI6OQvVM_DAzNcRvcIp-n2IatPq9JdSupMYlWmdWf1qoyBHw-Eb1anyjQuN/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_4.jpg" width="454" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A evolução do teosinto ao protomilho e à espiga moderna.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outra diferença óbvia entre o teosinto e o
milho está na estrutura, na arquitetura das duas plantas, que determina a
posição e o número das partes reprodutivas masculina e feminina, as
inflorescências. O teosinto tem uma arquitetura altamente ramificada com
múltiplos caules, cada um com uma inflorescência masculina (o pendão) e várias
inflorescências femininas (os grãos). O milho, no entanto, tem um único caule e
nenhum ramo, um único pendão no topo e espigas muito menos numerosas, mas muito
maiores, a meio caminho do caule, encerradas numa palha folhosa. Em geral, há
apenas uma espiga, mas em algumas variedades pode haver duas ou três. Essa
mudança na estrutura do pé de milho parece ser o resultado de uma mutação num
gene conhecido como tb1. Do ponto de vista da planta, essa mutação é negativa:
torna mais difícil a fertilização, na qual o pólen do tendão deve descer até a
espiga. Do ponto devista dos seres humanos, porém, ela é bastante útil, uma vez
que é muito mais fácil colher um pequeno número de espigas grandes que um
grande número de espigas pequenas. Consequentemente, protoagricultores estavam
mais propensos a colher espigas de plantas com essa mutação. Ao semear esses
grãos, propagaram outra mutação que resultou numa planta inferior, mas num alimento
superior. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As espigas, estando mais perto do solo,
ficam mais próximas da provisão de nutrientes e podem potencialmente ficar
muito maiores. Mais uma vez, a seleção humana guiou esse processo. Quando
colhiam espigas de protomilho, os protoagricultores teriam dado preferência a
plantas com espigas maiores, e grãos dessas plantas teriam sido usados depois como
sementes. Dessa maneira, mutações que resultaram em espigas maiores e com mais grãos
se propagaram, de modo que as espigas cresceram de geração em geração e transformaram-se
em sabugos de milho. Isso pode ser visto claramente em registros arqueológicos:
numa caverna no México foi encontrada uma sequência de sabugos cujo comprimento
variava de 1,20 centímetro a 20 centímetros. Mais uma vez, o mesmo traço que tornou
o milho atraente para seres humanos o tornou menos viável na natureza. Uma
planta com espiga tão grande não pode se propagar de um ano para outro, porque
quando a espiga cai na terra e os grãos germinam, a grande proximidade entre
tantos grãos competindo pelos nutrientes do solo impede que qualquer um deles
se desenvolva. Para que o pé de milho cresça, os grãos devem ser manualmente
separados do sabugo e plantados a uma distância suficiente uns dos outros –
algo que somente seres humanos podem fazer. Em suma, à medida que os grãos de
milho ficaram maiores, a planta foi se tornando inteiramente dependente de seres
humanos para sua sobrevivência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O que começou como um processo
involuntário de seleção tornou-se finalmente deliberado quando agricultores
primitivos começaram a propagar características desejáveis de propósito. Transferindo
pólen do pendão de uma planta para o cabelo de outra, era possível criar novas variedades
que combinavam os atributos dos antecessores. Era preciso manter as novas variedades
separadas de outras para evitar a perda dos aspectos desejáveis. Análises genéticas
sugerem que um tipo particular de teosinto, chamado teosinto Balsas, tem maior probabilidade
de ter sido o progenitor do milho. Análises adicionais de variedades regionais do
teosinto Balsas sugerem que o milho foi originalmente cultivado no México
central, onde estão hoje os estados de Guerrero, México e Michoacán. A partir
dali, ele se espalhou e se tornou um alimento de primeira necessidade para
povos em todas as Américas: os astecas e os maias do México, os incas do Peru,
e muitas outras tribos e culturas em todas as partes das Américas do Norte, do
Sul e Central.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, o milho só pôde se tornar um
esteio alimentar com a ajuda de mais uma reviravolta tecnológica, uma vez que é
deficiente dos aminoácidos lisina e triptofano e da vitamina niacina, elementos
essenciais da dieta humana saudável. Quando o milho era apenas mais um gênero
alimentício entre muitos, essas deficiências nutricionais não tinham importância
porque outros alimentos, como vagens e abóbora, as compensavam. Mas uma dieta
com excesso de milho resulta em pelagra, uma doença nutricional caracterizada
por náusea, pele áspera, sensibilidade à luz e demência. (Acredita-se que essa
sensibilidade à luz explica a origem de mitos europeus sobre vampiros, após a
introdução do milho na dieta europeia, no século XVIII.) Felizmente, o milho
pode se tornar seguro se for tratado com hidróxido de cálcio, na forma de cinza
de madeira ou de conchas moídas, acrescentado diretamente à panela de cozimento
ou misturado com água para criar uma solução alcalina em que se deixa o milho
imerso da noite para o dia. Isso tem o efeito de amaciar os grãos e tornar seu
preparo mais fácil, o que provavelmente explica a origem da prática. Esse
processo tem um efeito mais importante, mas menos visível, porque também libera
os aminoácidos e a niacina, que existem no milho numa forma inacessível ou
“presa”, chamada niacitina. Como os grãos assim processados eram chamados de <i>nixtamal</i>
pelos astecas, o processo é conhecido como nixtamalização. Essa prática parece
ter sido desenvolvida muito cedo, já em 1500 a.C.; sem ela, as grandes culturas
das Américas com dietas baseadas no milho nunca poderiam ter se estabelecido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo isto demonstra que o milho não é, em
absoluto, um alimento que brota naturalmente. Seu desenvolvimento foi
qualificado por um cientista moderno como um dos mais impressionantes feitos de
modificação genética já empreendidos. Trata-se de uma tecnologia complexa, desenvolvida
por seres humanos ao longo de gerações, a tal ponto que o milho se tornou
incapaz de sobreviver por si mesmo, mas pôde fornecer alimento suficiente para
sustentar civilizações inteiras.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A inovação dos cereais<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O milho é apenas um dos exemplos
mais extremos. Os dois outros principais alimentos básicos do mundo, que vieram
a sustentar a civilização no Oriente Próximo e na Ásia Oriental são,
respectivamente, o trigo e o arroz. Eles também são resultado de processos
seletivos humanos que propagaram mutações desejáveis para criar gêneros
alimentícios mais convenientes e abundantes. Como o milho, o trigo e o arroz
são cereais, e a diferença fundamental entre suas formas silvestres e
cultivadas é que as variedades domesticadas são “inquebráveis”. Os grãos estão
presos a um eixo central conhecido como raque. À medida que os grãos silvestres
amadurecem, a raque torna-se frágil, de modo que se quebra, se despedaça ao ser
tocada ou soprada pelo vento, espalhando os grãos como sementes. Isso faz
sentido da perspectiva da planta, já que assegura que os grãos só se espalhem
depois de maduros, mas é muito inconveniente do ponto de vista de seres humanos
que desejam colhê-los.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Num pequeno número de plantas, no entanto,
uma única mutação genética garante que a raque não se torne quebradiça, nem
mesmo quando as sementes amadurecem. Isso é chamado de “raque dura”. Essa
mutação é indesejável para as plantas em questão, uma vez que elas são
incapazes de dispersar suas sementes, mas foi muito útil para seres humanos coletores
de grãos silvestres, que, em consequência, provavelmente colheram um número
desproporcional de grãos mutantes de raque dura. Se alguns dos grãos tiverem
sido depois plantados para produzir uma safra no ano seguinte, a mutação terá
se propagado, aumentando a cada ano a proporção de mutantes de raque dura.
Arqueólogos demonstraram em experimentos de campo que foi exatamente isso o que
aconteceu com o trigo. Eles estimam que plantas com raques duras, inquebráveis,
tornaram-se predominantes em cerca de 200 anos – aproximadamente o tempo que
levou a domesticação do trigo, segundo os registros arqueológicos. (No milho, o
sabugo é de fato uma gigantesca raque inquebrável.)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim como com o milho, protoagricultores
selecionaram pés para obter traços desejáveis no trigo, no arroz e em outros
cereais durante o processo de domesticação. Uma mutação no trigo faz as glumas
que cobrem cada grão se soltarem mais facilmente, resultando em variedades que
se “autodebulham”. Em consequência, os grãos individuais ficam menos
protegidos, de modo que essa mutação é um mau negócio na natureza, mas muito
útil para agricultores, já que torna mais fácil debulhar os grãos comestíveis
apenas batendo feixes de trigo cortados sobre uma eira. Quando os grãos eram
colhidos do chão, grãos pequenos e aqueles com glumas ainda presas teriam sido
desprezados em favor de grãos maiores e sem glumas, o que ajudou a propagar
essas mutações úteis.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outro traço comum a muitas plantas
domesticadas é a perda da dormência da semente, o mecanismo temporal natural
que determina quando uma semente germina. Muitas sementes requerem estímulos
específicos, como frio ou luz, antes de começar a germinar, para assegurar que
só o farão em circunstâncias favoráveis. Sementes que permanecem dormentes até
que um período de frio se encerre, por exemplo, não germinarão no outono e
esperarão até que o inverno tenha passado. Agricultores, no entanto, gostariam
que as sementes começassem a germinar assim que fossem plantadas. Dada uma
coleção de sementes, algumas das quais exibem dormência e outras não, é claro
que aquelas que começam a brotar imediatamente têm mais chance de ser colhidas
e assim de formar a base da próxima safra. Portanto, quaisquer mutações que
suprimem a dormência das sementes tenderão a ser propagadas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De maneira semelhante, cereais silvestres
germinam e amadurecem em momentos diferentes. Isso assegura que, seja qual for
a frequência de chuvas, pelo menos alguns dos grãos vão amadurecer para
fornecer sementes para o ano seguinte. A colheita de todo um campo de grãos no
mesmo dia, contudo, favorece grãos que amadureceram até aquele momento. Grãos
excessivamente ou insuficientemente maduros serão menos viáveis se semeados no
ano seguinte. A intenção é reduzir a variação no tempo de amadurecimento de um ano
para outro, de modo que, finalmente, o campo inteiro amadureça ao mesmo tempo.
Isso não é ideal do ponto de vista da planta, pois significa que, potencialmente,
a safra inteira pode malograr, mas é muito conveniente para os agricultores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No caso do arroz, a intervenção humana
ajudou a propagar propriedades desejáveis, como pés mais altos e maiores, para
facilitar a colheita, e mais ramos secundários, com grãos maiores, para
aumentar a produção. Por outro lado, a domesticação também tornou o trigo e o arroz
mais dependentes da intervenção humana. O arroz perdeu sua capacidade natural
de sobreviver em áreas alagadas, à medida que foi mimado por agricultores. E
tanto o trigo quanto o arroz tornaram-se menos capazes de se autorreproduzir
por causa das raques inquebráveis selecionadas pelos seres humanos. A
domesticação do trigo, do arroz e do milho, os três principais cereais, e de
seus irmãos menos importantes, a cevada, o centeio, a aveia e o milhete,
encerrou variações em torno do mesmo tema genético conhecido: alimento mais conveniente,
planta menos resistente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um processo semelhante ocorreu à medida
que os seres humanos domesticaram animais para fins alimentícios, a começar com
ovelhas e cabras no Oriente Próximo, por volta de 8000 a.C., seguidos por gado
vacum e porcos. (Os porcos foram domesticados de maneira independente na China
mais ou menos ao mesmo tempo, e os frangos foram domesticados no sudeste da
Ásia por volta de 6000 a.C.) A maioria dos animais domesticados tem cérebros menores,
visão e audição menos aguçadas que seus ancestrais silvestres. Isso reduz sua capacidade
de sobreviver na natureza, mas os torna mais dóceis, o que convém aos
agricultores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os seres humanos tornaram-se dependentes
de suas novas criações, e vice-versa. Ao fornecer uma provisão de alimentos
mais confiável e abundante, a agricultura tornou-se a base para novos estilos
de vida e sociedades muito mais complexas. Essas culturas basearam-se numa
série de alimentos, mas os mais importantes foram os cereais: trigo e cevada no
Oriente Próximo, arroz e milhete na Ásia, milho nas Américas. As civilizações
que surgiram posteriormente fundadas nessas bases alimentares, inclusive a
nossa, devem sua existência a esses antigos produtos de engenharia genética.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhy8ypbSRO-BuGNrfa08fth0SdWCw_OkxslD_tOuM-z-ZnlxROmnV5LQrrgDZ6B4pUAyFxhgGVdmKzwIEX6ApMnRUE-3jqF9Uvy0XnMVd3Os3zm0EHy2IkC2wqOJYQvJ0912bHhvWDiWg5u/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="366" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhy8ypbSRO-BuGNrfa08fth0SdWCw_OkxslD_tOuM-z-ZnlxROmnV5LQrrgDZ6B4pUAyFxhgGVdmKzwIEX6ApMnRUE-3jqF9Uvy0XnMVd3Os3zm0EHy2IkC2wqOJYQvJ0912bHhvWDiWg5u/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_5.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Os centros de origem do milho, do trigo e do arroz domesticados.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Presente na criação<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa dívida com o passado é
reconhecida em muitos mitos e lendas, nos quais a criação do mundo e o
nascimento da civilização após um longo período de barbárie estão estreitamente
relacionados com essas culturas vitais. Os astecas do México, por exemplo,
acreditavam que os homens foram criados cinco vezes, cada geração sendo um
melhoramento da anterior. Dizia-se que o teosinto havia sido o principal
alimento do homem na terceira e na quarta criações, até que, finalmente, na
quinta criação, o homem se alimentou com milho. Somente então prosperou, e seus
descendentes povoaram o mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A história da criação dos maias, no sul do
México, narrada no Popul Vuh (ou “livro sagrado”) também envolve repetidas
tentativas de criar a humanidade. A princípio, os deuses moldaram os homens com
barro, mas as criaturas resultantes mal conseguiam enxergar, não podiam se
mover e logo foram dissolvidas pela água. Por isso os deuses tentaram de novo, dessa
vez fazendo os homens com madeira. Essas criaturas podiam andar de quatro e
falar, mas faltavam-lhes sangue e alma, e não honravam os deuses. Os deuses
destruíram esses homens também, de modo que tudo que restou foram alguns
macacos que habitavam em árvores. Finalmente, após muita discussão sobre a
escolha apropriada de ingredientes, os deuses fizeram uma terceira geração de
homens com espigas de milho brancas e amarelas. “Do milho amarelo e do milho
branco eles fizeram sua carne; de pasta de fubá fizeram os braços e as pernas
do homem. Somente pasta de fubá foi usada na carne de nossos primeiros pais, os
quatro homens, que foram criados.” Os maias acreditavam ser descendentes desses
quatro homens e de suas mulheres, criadas logo depois.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O milho figura também na história contada
pelos incas da América do Sul para explicar suas origens: em tempos antigos, as
pessoas em volta do lago Titicaca viviam como animais selvagens. O deus Sol,
Inti, apiedou-se delas e enviou seu filho Manco Capac e sua filha Mama Ocllo,
que eram também marido e mulher, para civilizá-las. Inti deu a Manco Capac um
bastão de ouro com o qual verificaria a fertilidade do solo e sua adequação
para o cultivo do milho. Tendo encontrado um lugar adequado, eles deveriam
fundar um Estado e instruir as pessoas no culto apropriado do deus Sol. As
viagens do casal finalmente os levaram ao vale Cuzco, onde o bastão de ouro
desapareceu na terra. Manco Capac ensinou às pessoas agricultura e irrigação,
Mama Ocllo ensinou-lhes fiação e tecelagem, e o vale tornou-se o centro da
civilização inca. O milho era considerado uma planta sagrada pelos incas,
embora a batata também formasse grande parte de sua dieta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O arroz também aparece em inúmeros mitos
nos países onde é cultivado. Em mitos chineses, ele aparece para salvar a
humanidade quando ela está à beira da inanição. Segundo uma história, a deusa
Guan Yin apiedou-se dos seres humanos famintos e espremeu seus seios para
produzir leite, que escorreu para as espigas antes vazias dos pés de arroz e se
transformou em grãos. Depois ela apertou com mais força, fazendo uma mistura de
sangue e leite escorrer para alguns pés. Diz-se que isso explica por que existe
arroz nas variedades branca e vermelha. Outro conto chinês fala de um grande
dilúvio, após o qual restaram muito poucos animais para serem caçados. Quando
procuravam comida, as pessoas viram um cão indo em direção a elas com feixes de
sementes compridas e amarelas penduradas na cauda. Elas plantaram as sementes,
que se transformaram em arroz, e saciaram sua fome para sempre. Numa série de
mitos contados na Indonésia e em todas as ilhas da Indochina, o arroz aparece
como uma donzela delicada e virtuosa. A deusa indonésia do arroz, Sri, é a
deusa da terra que protege as pessoas contra a fome. Uma história conta como
Sri foi morta pelos outros deuses para protegê-la do assédio do rei dos deuses,
Batara Guru. Quando seu corpo foi enterrado, brotou arroz de seus olhos e um
arroz grudento cresceu de seu peito. Cheio de remorso, Batara Guru deu essas
plantas para a humanidade cultivar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O mito da criação do mundo e do surgimento
da civilização contado pelos sumérios, os antigos habitantes do que é hoje o
sul do Iraque, refere-se a um momento, após a criação do mundo por Anu, em que
existiam pessoas, mas a agricultura era desconhecida. Ashnan, a deusa dos
grãos, e Lahar, a deusa das ovelhas, ainda não tinham aparecido; Tagtug, o
patrono dos artesãos, ainda não tinha nascido; e Mirsu, o deus da irrigação, e
Sumugan, o deus do gado, ainda não tinham chegado para ajudar a humanidade. Em
consequência, “os grãos ... e os grãos de cevada para as diletas multidões
ainda não eram conhecidos”. Em vez deles, as pessoas comiam capim e tomavam
água. As deusas dos grãos e dos rebanhos foram então criadas para fornecer
alimento para os deuses, mas por mais que eles comessem, nunca estavam
saciados. Somente com o surgimento de homens civilizados, que lhes faziam
oferendas regulares de alimentos, seus apetites foram finalmente satisfeitos.
Assim, plantas e animais domesticados foram um presente para o homem, mediante
a obrigação de fazer oferendas regulares para os deuses. Esse conto preserva
uma lembrança popular de um tempo anterior à adoção da agricultura, quando os
seres humanos ainda eram caçadores e coletores. De maneira semelhante, um hino
sumério à deusa dos grãos descreve uma era bárbara antes das cidades, campos, currais
de ovelhas e estábulos para o gado bovino – uma era que chegou ao fim quando a
deusa dos grãos inaugurou um novo tempo de civilização.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Explicações contemporâneas sobre a base
genética da domesticação de plantas e animais são, na realidade, apenas a versão
moderna, científica, desses mitos antigos e impressionantemente semelhantes da
criação pelo mundo todo. Hoje, diríamos que o abandono da caça e da coleta, a
domesticação de plantas e animais e a adoção de um estilo de vida sedentário
baseado na agricultura puseram a humanidade no caminho para o mundo moderno, e
que esses primeiros agricultores foram os primeiros seres humanos modernos,
“civilizados”. Reconhecidamente, esta é uma narrativa muito menos pitoresca que
aquelas fornecidas pelos vários mitos da criação, mas, uma vez que a
domesticação de certos cereais fundamentais foi um passo essencial rumo ao
nascimento da civilização, não há dúvida de que esses contos antigos contêm
muito mais que apenas um grão de verdade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 16.0pt; line-height: 115%;">2. As raízes da
modernidade<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small; line-height: 115%;">“Maldita é a terra por tua causa; com sofrimento tu te
alimentarás dela todos os dias da tua vida.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: x-small; line-height: 115%;">Gênesis</span></i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-size: x-small;"> 3:17</span><span style="font-size: 9pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Um mistério agrícola<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O mecanismo pelo qual plantas e
animais foram domesticados pode ser compreendido, mas isso pouco contribui para
explicar as motivações das pessoas que o fizeram. Por que os seres humanos
trocaram a caça e a coleta pela agricultura é uma das mais antigas, mais
complexas e mais importantes questões na história humana. Isso é curioso porque
a troca deixou as pessoas em condições significativamente piores, de uma
perspectiva nutricional e também em muitos outros aspectos. De fato, um
antropólogo descreveu a adoção da agricultura como “o pior erro na história da
raça humana”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ser um caçador-coletor era muito mais
divertido que cultivar a terra. Antropólogos que conviveram com grupos
sobreviventes de caçadores-coletores relatam que, mesmo nas áreas marginais em
que eles são obrigados a viver atualmente, a coleta de alimentos só ocupa uma pequena
parte de seu tempo – muito menos do que seria requerido para produzir a mesma quantidade
de comida por meio da agricultura. Os boxímanes !kung do Kalahari, por exemplo,
gastam normalmente de 12 a 19 horas por semana coletando comida, e os nômades
hazda da Tanzânia gastam menos de 14 horas. Isso deixa muito tempo livre para
atividades de lazer, participação em atividades sociais etc. Quando perguntado
por um antropólogo por que seu povo não havia adotado a agricultura, um
boxímane respondeu: “Por que deveríamos plantar, quando há tantas nozes de
mongongo no mundo?” (Frutos e nozes de mongongo, que constituem cerca da metade
da dieta dos !kung, são colhidos de árvores silvestres e são abundantes mesmo
quando não se faz nenhum esforço para propagá-los.) Na verdade, os caçadores-coletores
trabalham dois dias por semana e têm fins de semana de cinco dias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O estilo de vida dos caçadores-coletores
nos tempos pré-agrícolas, em ambientes menos marginais, provavelmente era ainda
mais agradável. Costumava-se pensar que a mudança para a agricultura dera às pessoas
mais tempo para se dedicarem a atividades artísticas e ao desenvolvimento de
novos ofícios e tecnologias. A agricultura, nessa visão, teria sido uma libertação
da existência ansiosa e incerta do caçador-coletor. No entanto, o contrário é
que é verdadeiro. A agricultura é mais produtiva no sentido de que produz mais
alimentos por área: um grupo de 25 pessoas pode subsistir por meio da agricultura
em apenas dez hectares, uma área muito menor que os milhares de hectares de que
precisariam para subsistir caçando e coletando. A agricultura é, entretanto,
menos produtiva quando medida pela quantidade de comida produzida por hora de
trabalho; em outras palavras, é um trabalho muito mais árduo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Certamente esse esforço valeria a pena se
significasse que as pessoas não precisavam mais se preocupar com desnutrição ou
inanição, não é? É o que se poderia pensar. No entanto, os caçadores-coletores
parecem ter sido muito mais saudáveis que os primeiros agricultores. Segundo
evidências arqueológicas, os agricultores tinham maior probabilidade que os caçadores-coletores
de sofrer hipoplasia do esmalte dentário – que causa linhas horizontais características
nos dentes e indica deficiência nutricional. A agricultura proporciona uma
dieta menos variada e menos equilibrada que a caça e a coleta. Os boxímanes
comem cerca de 75 diferentes tipos de plantas silvestres, em vez de depender de
algumas culturas básicas. Os cereais fornecem as calorias necessárias, mas não
contêm a série completa de nutrientes essenciais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por isso os agricultores eram mais baixos
que os caçadores-coletores. Isso pode ser determinado a partir de restos
esqueletais, mediante a comparação da idade “dentária” com a idade “esqueletal”
indicada pelo comprimento dos ossos longos. Uma idade esqueletal inferior à
idade dentária é evidência de crescimento tolhido pela desnutrição. Evidências esqueletais
da Grécia e da Turquia sugerem que, no fim da última Era do Gelo, cerca de 14 mil
anos atrás, a altura média dos caçadores-coletores era 1,75 metro para os homens
e 1,65 metro para as mulheres. Em 3000 a.C., após a adoção da agricultura,
essas médias tinham caído para 1,60 metro para os homens e 1,52 metro para as
mulheres. Foi só nos tempos modernos que os seres humanos recuperaram a
estatura dos antigos caçadores-coletores, e somente nas partes mais ricas do
mundo. Os gregos e os turcos modernos ainda são mais baixos que seus ancestrais
da Idade da Pedra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Além disso, muitas doenças danificam os
ossos de maneiras características, e estudos de esqueletos revelam que
agricultores sofriam de várias doenças por desnutrição, raras ou ausentes entre
caçadores-coletores. Entre elas estão o raquitismo (deficiência de vitamina D),
o escorbuto (deficiência de vitamina C) e a anemia (deficiência de ferro). Os
agricultores eram também mais suscetíveis a doenças infecciosas como lepra,
tuberculose e malária, em decorrência do estilo de vida sedentário. A
dependência de cereais teve outras consequências específicas: os esqueletos
femininos frequentemente exibem evidências de articulações artríticas com
deformidades nos dedos dos pés, joelhos e na parte inferior das costas, todas elas
associadas ao uso diário de um almofariz-pedestal para moer grãos. Restos
dentários mostram que agricultores sofriam de cáries, desconhecidas entre caçadores-coletores,
porque os carboidratos das dietas saturadas de cereais eram metabolizados em
açúcares por enzimas da saliva na mastigação. A expectativa de vida, que pode
igualmente ser determinada a partir de esqueletos, também caiu: evidências do
vale do rio Illinois mostram que a expectativa de vida média caiu de 26 anos
entre caçadores-coletores para 19 entre agricultores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em alguns sítios arqueológicos é possível
acompanhar o desenvolvimento da saúde dos caçadores-coletores, que se tornavam
mais sedentários até, por fim, adotarem a agricultura. À medida que os grupos
de agricultores se estabelecem e crescem, a incidência de desnutrição, doenças
parasíticas e doenças infecciosas se eleva. Em outros sítios, é possível
comparar a condição de caçadores-coletores e agricultores vivendo lado a lado.
Os agricultores, sedentários, são invariavelmente menos saudáveis que seus
vizinhos que vagam livremente. Os agricultores tinham de trabalhar muito mais
tempo e mais arduamente para produzir uma dieta menos variada e menos
nutritiva, e eram muitos mais propensos a doenças. Diante de todas essas
desvantagens, por que cargas-d’água as pessoas adotaram a agricultura?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">As origens da
agricultura<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A resposta imediata é que elas
não compreenderam o que estava acontecendo até ser tarde demais. A mudança da
caça e da coleta para a agricultura foi gradual da perspectiva de agricultores
individuais, embora tenha sido muito rápida no contexto da história humana.
Pois, assim como as plantas formam um <i>continuum</i>
de silvestres a domesticadas, há uma gradação entre ser exclusivamente caçador
e coletor e depender inteiramente de produtos cultivados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Caçadores-coletores por vezes manipulam
ecossistemas para aumentar a disponibilidade de alimentos, embora tal
comportamento fique muito longe do cultivo deliberado em grande escala que
chamamos de agricultura. O uso do fogo para limpar terras e estimular novo crescimento,
por exemplo, é uma prática que remonta a pelo menos 35 mil anos atrás. Os aborígines
australianos, um dos poucos grupos de caçadores-coletores que sobreviveram aos tempos
modernos, ocasionalmente plantam sementes para aumentar a disponibilidade de alimentos
quando voltam a uma região particular alguns meses depois. Seria um exagero chamar
isso de agricultura, já que esse alimento constitui apenas uma pequena fração
de sua dieta, mas a manipulação deliberada dos ecossistemas significa que eles
tampouco são exclusivamente caçadores-coletores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A adoção da agricultura parece ter
acontecido à medida que as pessoas se moveram gradualmente ao longo do espectro
entre ser puros caçadores-coletores, passando a recorrer cada vez mais a
alimentos cultivados, até finalmente depender deles. Teorias para explicar essa
mudança são muitas, mas provavelmente não houve uma causa única. Em vez disso, houve
provavelmente uma combinação de fatores, cada um dos quais desempenhou um papel
maior ou menor nos vários territórios em que a agricultura surgiu de maneira
diversa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um dos fatores mais importantes parece ter
sido a mudança climática. Estudos do clima antigo, baseados em análise de
núcleos de gelo, amostras de solo de mares profundos e perfis de pólen,
descobriram que entre 18000 a.C. e 9500 a.C. o clima era frio, seco e
extremamente variável, de modo que qualquer tentativa de cultivar ou domesticar
plantas teria fracassado. De modo intrigante, há evidências de pelo menos uma
tentativa de fazê-lo, numa localidade chamada Abu Hureyra, no norte da Síria.
Por volta de 10700 a.C., os habitantes do local parecem ter começado a
domesticar centeio, mas a tentativa malogrou por força de um repentino período
frio conhecido como o Dryas recente, que começou por volta de 10700 a.C. e
durou cerca de 1.200 anos. Depois, por volta de 9500 a.C., o clima tornou-se
subitamente mais quente, mais úmido e mais estável, proporcionando uma condição
necessária, mas não suficiente, para a agricultura. Afinal, se o clima
recentemente estabilizado tivesse sido o único fator a propiciar a adoção da
agricultura, as pessoas a teriam adotado simultaneamente no mundo todo; como
elas não o fizeram, deve ter havido outras forças em ação.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um desses fatores foi um maior
sedentarismo, à medida que caçadores-coletores em algumas partes do mundo
tornaram-se menos inquietos e começaram a passar a maior parte do ano num único
acampamento, até mesmo se estabelecendo em residências permanentes. Há muitos
exemplos de comunidades aldeãs sedentárias anteriores à agricultura, como
aquelas da cultura natufiana do Oriente Próximo, que floresceu no milênio
anterior ao Dryas recente, e outras no litoral norte do Peru e no noroeste da
América do Norte, na costa do Pacífico. Em todos os casos, essas pequenas
comunidades tornaram-se viáveis graças aos alimentos silvestres locais
abundantes, muitas vezes na forma de peixes ou mariscos. Normalmente, caçadores-coletores
deslocam seus acampamentos para evitar que a oferta de alimentos numa área
específica se esgote, ou para tirar proveito da disponibilidade sazonal de
diferentes alimentos. Mas não há necessidade de se mudar de um lugar para outro
quando o grupo se estabelece perto de um rio e o alimento vem até ele. O
aprimoramento de técnicas de coleta de alimentos no final da Idade da Pedra,
com flechas, redes e anzóis melhores, pode também ter promovido o sedentarismo.
Podendo extrair mais alimentos (como peixes, pequenos roedores ou mariscos) de
seus arredores, um bando de caçadores-coletores não precisava se deslocar
tanto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O sedentarismo nem sempre levou à
agricultura, e alguns grupos de caçadores-coletores estabelecidos sobreviveram
até os tempos modernos sem jamais adotá-la. É certo, porém, que ele tornou a
mudança para a agricultura mais provável. Caçadores-coletores estabelecidos que
coletavam grãos silvestres, por exemplo, podem ter começado a plantar algumas
sementes para manter a oferta. O plantio poderia também ter se tornado uma
segurança contra variações na oferta de outros alimentos. E, como os grãos são
processados com o uso de moendas cujo transporte de um acampamento para outro
era inconveniente, um maior sedentarismo teria tornado os grãos um gênero
alimentício mais atraente. O fato de os grãos serem ricos em energia e de
poderem ser secados e armazenados por longos períodos também contava a seu
favor. Não eram um gênero alimentício extremamente empolgante, mas podia-se
contar com eles em circunstâncias extremas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não é difícil imaginar como
caçadores-coletores sedentários podem ter começado a depender mais intensamente
de cereais em sua dieta. O que no início era um alimento relativamente pouco
importante ganhou espaço pela simples razão de que protoagricultores podiam
assegurar sua disponibilidade (pelo plantio e armazenagem) como não podiam
fazer com outras comidas. Evidências arqueológicas do Oriente Próximo sugerem
que, inicialmente, protoagricultores cultivavam quaisquer cereais silvestres
que estivessem à mão, como trigo einkorn. Mas, à medida que se tornaram mais
dependentes deles, mudaram para itens mais produtivos, como trigo emmer, que
proporciona mais alimento com a mesma quantidade de trabalho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O crescimento populacional resultante do
sedentarismo também foi sugerido como fator contribuinte para a adoção da
agricultura. Caçadores-coletores nômades têm de carregar tudo consigo quando
deslocam seu acampamento, inclusive bebês. Só quando uma criança começa a andar
sem ajuda, aos três ou quatro anos, sua mãe pode pensar em ter outro filho. Em
comunidades estabelecidas, no entanto, as mulheres não enfrentam esse problema,
e podem portanto ter mais filhos. Com isso, a demanda por alimentos nas
proximidades teria aumentado e poderia ter estimulado o plantio suplementar e,
finalmente, a agricultura. Um problema dessa linha de argumentação, porém, é
que em algumas partes do mundo a densidade populacional parece só ter crescido
de maneira significativa depois da adoção da agricultura, e não antes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Há muitas outras teorias. Em certos
locais, caçadores-coletores podem ter se voltado para a agricultura quando as
espécies de caça de grande porte que eram suas presas preferidas escassearam. A
agricultura pode ter sido estimulada pela competição social, quando grupos rivais
competiam para promover os banquetes mais suntuosos; isso poderia explicar por
que, em algumas partes do mundo, alimentos de luxo parecem ter sido
domesticados antes de alimentos de primeira necessidade. Ou talvez a inspiração
fosse religiosa, e as pessoas plantassem sementes como um rito de fertilidade
ou para apaziguar os deuses depois de colher grãos silvestres. Já foi sugerido
que a fermentação acidental de cereais e a resultante descoberta da cerveja incentivaram a adoção
da agricultura, no intuito de garantir uma provisão regular.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O importante é que em nenhum momento
alguém tomou uma decisão consciente de adotar um estilo de vida inteiramente
novo. Em cada passo ao longo do caminho, as pessoas simplesmente decidiram pelo
que fazia mais sentido na ocasião: por que ser um nômade quando era possível se
estabelecer junto de uma boa provisão de peixes? Se não fosse possível contar
com fontes de alimentos silvestres, por que não plantar algumas sementes para aumentar
a oferta? A lenta e crescente dependência de alimentos cultivados em que se
viram os protoagricultores tomou a forma de uma mudança gradual, não de uma
reviravolta repentina. Em algum momento, porém, uma fronteira imperceptível foi
atravessada e as pessoas começaram a ficar dependentes da agricultura. A linha
é cruzada quando os recursos alimentares silvestres na área circundante,
plenamente explorados, já não são suficientes para sustentar a população. A
produção deliberada de alimento suplementar por meio da agricultura deixa então
de ser opcional e torna-se compulsória. Nesse ponto, não pode haver retorno a
um estilo de vida nômade, caçador-coletor – pelo menos sem uma perda
significativa de vidas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Espalharam-se os
agricultores ou espalhou-se a agricultura?<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seguida, a agricultura propõe
um segundo enigma. Depois que ganhou raízes em algumas partes do mundo, a
questão passa a ser: por que ela se disseminou por praticamente toda parte? Uma
possibilidade é que agricultores tenham se espalhado, deslocando ou exterminando
caçadores-coletores à medida que avançavam. Outra opção é que caçadores coletores
nas margens de áreas agrícolas podem ter decidido seguir o exemplo e tornar-se
eles mesmos agricultores, adotando os métodos, as plantas e os animais
domesticados de seus vizinhos. Essas duas possibilidades são conhecidas como
“difusão dêmica” e “difusão cultural”, respectivamente. Desse modo, foram os
próprios agricultores que se difundiram ou foi apenas a ideia de agricultura
que se difundiu?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A ideia de que os fazendeiros se
espalharam a partir de seus territórios natais cultivados, levando consigo
plantas domesticadas e conhecimento de técnicas agrícolas, é sustentada por evidências
de muitas partes do mundo. À medida que agricultores passaram a estabelecer novas
comunidades em terras não cultivadas, o resultado foi uma “onda de avanço”
centrada nas áreas onde a domesticação ocorreu primeiro. A Grécia, por exemplo,
parece ter sido colonizada por agricultores que chegaram por mar do Oriente
Próximo, entre 7000 a.C. e 6500 a.C. Arqueólogos encontraram no país muito
poucos sítios de caçadores-coletores, mas centenas de sítios agrícolas
primitivos. De maneira semelhante, agricultores que chegaram da China através
da península coreana parecem ter introduzido o cultivo do arroz no Japão a partir
de cerca de 300 a.C. Evidências linguísticas também sustentam a ideia de uma
migração a partir de territórios natais agrícolas, em que tanto línguas quanto
práticas agrícolas se dispersaram. A distribuição de famílias linguísticas na
Europa, no leste da Ásia e na Austronésia é amplamente compatível com
evidências arqueológicas sobre a difusão da agricultura. Hoje, quase 90% da
população do mundo fala algum idioma pertencente a uma das sete famílias de
línguas que tiveram suas origens em dois desses territórios: o Crescente Fértil
e partes da China. As línguas que falamos hoje, e as comidas que comemos,
descendem daquelas usadas pelos primeiros agricultores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, existem também evidências que
sugerem que caçadores-coletores nem sempre foram expulsos ou exterminados por
agricultores forasteiros, mas ao contrário, que viviam ao lado deles e em
alguns casos tornaram-se também agricultores. O exemplo mais claro é encontrado
no sul da África, onde caçadores-coletores khoisan adotaram o gado bovino eurasiano
do norte e tornaram-se pastores desses rebanhos. Vários sítios arqueológicos
europeus fornecem evidências de agricultores e caçadores-coletores vivendo lado
a lado e trocando produtos. Como os dois tipos de comunidade tinham ideias
muito diferentes sobre os tipos de ambiente em que era desejável se
estabelecer, não há razão para que não pudessem coexistir, desde que restassem
nichos ecológicos adequados para os caçadores-coletores. As coisas, entretanto,
teriam ficado progressivamente mais difíceis para os caçadores-coletores que
viviam perto de agricultores. Estes não se preocupavam tanto em preservar
recursos alimentares silvestres perto de suas comunidades, uma vez que tinham
alimentos cultivados a que recorrer. Dessa forma, os caçadores-coletores ou se
juntavam às comunidades agrárias, ou adotavam eles mesmos a agricultura, ou
eram obrigados a se mudar para novas áreas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sendo assim, que mecanismos predominaram?
Na Europa, onde o advento da agricultura foi mais intensamente estudado, pesquisadores
usaram a análise genética para determinar se os ancestrais dos europeus
modernos eram predominantemente caçadores-coletores que adotaram a agricultura
ou agricultores imigrantes provenientes do Oriente Próximo. Nesses estudos, pessoas
da península anatoliana (oeste da Turquia), que se situa dentro do Crescente
Fértil, são consideradas geneticamente representativas dos primeiros
agricultores. De maneira semelhante, supõe-se que os bascos são os descendentes
mais diretos dos caçadores-coletores, por duas razões. Primeiro, a língua basca
não tem nenhuma semelhança com línguas europeias descendentes do
proto-indo-europeu, a família linguística introduzida na Europa juntamente com
a agricultura, parecendo antes remontar à Idade da Pedra. (Várias palavras bascas
para ferramentas começam com “aitz”, o termo usado para pedra, o que sugere que
datam de um tempo em que ferramentas de pedra estavam em uso.) Segundo, há
diversas variações genéticas específicas dos bascos que não são encontradas em
outros europeus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Num estudo recente, amostras genéticas
foram colhidas desses dois grupos e depois comparadas com amostras de
populações de diferentes partes da Europa. Os pesquisadores descobriram que as
contribuições genéticas dos bascos e dos anatolianos variavam significativamente
através do continente: a contribuição anatoliana (isto é, do agricultor do Oriente
Próximo) era de 79% nos Bálcãs, 45% no norte da Itália, 63% no sul da Itália,
35% no sul da Espanha e 21% na Inglaterra. Em suma, a contribuição de
agricultores era mais elevada no leste e mais baixa no oeste. Isso fornece a
resposta para o enigma e sugere que a agricultura se difundiu como resultado de
um processo híbrido em que uma população agricultora migrante se espalhou pela
Europa a partir do leste e foi gradualmente diluída por meio de casamentos com
membros do grupo dos caçadores-coletores, de modo que a população resultante
terminou sendo descendente de ambos os grupos. Provavelmente, a mesma coisa
aconteceu também em outras partes do mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A difusão da agricultura a partir de
territórios agrícolas natais, seguida pelo crescimento populacional das
comunidades agrárias, significou que os fazendeiros tornaram-se mais numerosos
que os caçadores-coletores dentro de poucos milhares de anos. Por volta de 2000
a.C., a maior parte da humanidade havia adotado a agricultura. Foi uma mudança
tão fundamental que até hoje, muitos milhares de anos depois, a distribuição
das línguas e dos genes humanos continua a refletir o advento da agricultura. Durante
a domesticação, plantas foram geneticamente reconfiguradas por seres humanos,
e, à medida que a agricultura foi adotada, seres humanos foram geneticamente
reconfigurados por plantas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O homem, um animal
agrícola<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os agricultores e suas plantas e
animais domesticados selaram um grande pacto e seus destinos se entrelaçaram,
embora os agricultores não se dessem conta disso na época. Vejamos o milho. A
domesticação o tornou dependente do homem, mas sua aliança com os seres humanos
também o levou muito além de suas origens como uma obscura erva mexicana, e
hoje ele é um dos produtos mais amplamente cultivados na Terra. Do ponto de
vista da humanidade, por outro lado, a domesticação do milho tornou disponível
uma nova e abundante fonte de alimento, ao mesmo tempo que seu cultivo (como o
de outras plantas) incitou as pessoas a adotar um novo estilo de vida,
sedentário, baseado na agricultura. É o homem que está explorando o milho para
sua satisfação, ou é o milho que está explorando o homem? A domesticação, ao
que parece, é uma via de mão dupla.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Até hoje, milhares de anos depois que os
primeiros agricultores iniciaram o processo de domesticação das plantas e
animais, a humanidade continua sendo uma espécie agrícola, e a produção de
alimento continua sendo sua principal ocupação. A agricultura emprega 41% da
população mundial, mais que qualquer outra atividade, e ocupa 40% da área de
terras do globo. (Cerca de um terço dessa terra é usada para a produção de
plantas, e aproximadamente dois terços fornecem pastos para gado.) Os mesmos
três alimentos que sustentaram as primeiras civilizações continuam sendo os
fundamentos da existência humana: trigo, arroz e milho ainda fornecem a maior
parte das calorias consumidas pela raça humana. Somente uma pequena parcela da
comida consumida pelos seres humanos hoje vem de fontes silvestres: peixes,
mariscos e uma pequena quantidade de bagas, castanhas, cogumelos etc.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em consequência, praticamente nenhum dos
alimentos que comemos hoje pode ser, de fato, qualificado como natural. A quase
totalidade deles é resultado de reprodução seletiva – inadvertida de início,
mas depois mais deliberada e cuidadosa, à medida que os agricultores propagaram
as características mais valiosas presentes na natureza para criar mutantes
novos e domesticados, mais adequados às necessidades humanas. Grãos, vacas e
frangos, tal como o conhecemos, não existem na natureza, e não existiriam hoje
sem a intervenção humana. Até as cenouras alaranjadas são criação humana.
Originalmente, elas eram brancas e roxas; a variedade alaranjada, mais doce,
foi criada por horticultores holandeses no século XVI como um tributo a
Guilherme I, príncipe de Orange. A tentativa de um supermercado britânico de
reintroduzir a variedade roxa tradicional em 2002 fracassou porque os fregueses
preferiram o tipo alaranjado seletivamente reproduzido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Todas as plantas e animais domésticos são
tecnologias criadas pelo homem. Mais ainda, quase todas as plantas e animais
que conhecemos hoje remontam aos tempos antigos. A maioria foi domesticada
antes de 2000 a.C., e muito poucos foram criados desde então. Dos 14 animais de
grande porte domesticados, somente um, a rena, foi domesticada nos últimos
milênios, e tem valor marginal (embora sua carne seja muito saborosa). O mesmo
pode ser dito das plantas: mirtilos, morangos, oxicocos, kiwis, macadâmias,
pecãs e cajus foram todos domesticados há relativamente pouco tempo, mas nenhum
é um gênero alimentício importante.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Somente espécies aquáticas foram
domesticadas em quantidades significativas no século passado. Em suma, os
primeiros agricultores conseguiram domesticar a maioria das plantas e dos
animais que valiam a pena muitos milhares de anos atrás. Isso pode explicar por
que há uma suposição tão generalizada de que plantas e animais domesticados são
naturais, e por que esforços contemporâneos para refiná-los ainda mais, usando
técnicas modernas de engenharia genética, atraem tantas críticas e provocam
tanto medo. No entanto, pode-se alegar que a engenharia genética é apenas um
recente desdobramento num campo de tecnologia que remonta a mais de 10 mil anos
atrás. Milho tolerante a herbicidas não existe na natureza, é verdade – mas o
mesmo pode ser dito de qualquer outro tipo de milho. <o:p></o:p><br />
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;"> </span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; line-height: 115%;"> A simples verdade é que a agricultura é profundamente antinatural. Ela
fez mais para mudar o mundo, e teve mais impacto sobre o ambiente, que qualquer
outra atividade humana. Levou ao desmatamento generalizado, à destruição
ambiental, ao deslocamento de vida silvestre “natural” e à realocação de
plantas e animais milhares de quilômetros distantes de seus habitats naturais.
Envolve a modificação genética de plantas e animais para criar mutantes monstruosos
que não existem na natureza e que, com frequência, não podem sobreviver sem a intervenção
humana. Subverteu o modo de vida do caçador-coletor que definira a existência humana
por dezenas de milhares de anos, incitando os seres humanos a trocar uma
existência variada e sossegada de caça e coleta por vidas de trabalho árduo e
enfadonho. A agricultura certamente não seria tolerada se tivesse sido
inventada hoje. Apesar disso, a despeito de todos os seus defeitos, ela é a
base da civilização tal como a conhecemos. Plantas e animais domesticados são
os próprios fundamentos do mundo moderno.</span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Tom Standage</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-large;">Uma história comestível da humanidade</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-large;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigXAMBOtNuhDMcckyIYwx5g75sifYVEy76W4TIo2n7icwWpMGITEGIhxjCPTVW_-O6FZZ78iW7vydaJr3BLu5OfWu2O0sPN9B7QaHKCjSMqDNaCOM3dGvRp4N5i8lUUhqvF5Ds8L-r6U5d/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigXAMBOtNuhDMcckyIYwx5g75sifYVEy76W4TIo2n7icwWpMGITEGIhxjCPTVW_-O6FZZ78iW7vydaJr3BLu5OfWu2O0sPN9B7QaHKCjSMqDNaCOM3dGvRp4N5i8lUUhqvF5Ds8L-r6U5d/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_1.jpg" width="446" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Tradução:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Maria Luiza X. de A. Borges</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Uma edição:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Zahar Editores</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2G4HGEEY-vlS99Rd6JaOy8VtBvhwtHfYCubm9OKR43PmmzrQzJJh0OWeBmM2UqyDrTw-doEj3JOv0kDqLbToJ2RObnG2A3889Lm5E8VAWeNvAQCDKdY1vfoghdl2TeXBQoVeVpa1o7GFU/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="204" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2G4HGEEY-vlS99Rd6JaOy8VtBvhwtHfYCubm9OKR43PmmzrQzJJh0OWeBmM2UqyDrTw-doEj3JOv0kDqLbToJ2RObnG2A3889Lm5E8VAWeNvAQCDKdY1vfoghdl2TeXBQoVeVpa1o7GFU/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_3.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Disponibiliado por:<br />Le Livros</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-HImzr7vvP_RJtnkMGSF6PNrkPMmAIajVPPDlUnaY8lLGOWz97lQKmcAFomDHyjDVIvbQ2vJrIxNnJ0jexhUJp9OnBXuHFt1kLItge-oPjzQ1ZC9ZhrL8IpxoQQT7fz6aCvKHQOgFMsGT/s1600/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="151" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-HImzr7vvP_RJtnkMGSF6PNrkPMmAIajVPPDlUnaY8lLGOWz97lQKmcAFomDHyjDVIvbQ2vJrIxNnJ0jexhUJp9OnBXuHFt1kLItge-oPjzQ1ZC9ZhrL8IpxoQQT7fz6aCvKHQOgFMsGT/s640/Uma+historia+comestivel+da+huma+-+Tom+Standage_2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 20.0pt; line-height: 115%;">DADOS DE COPYRIGHT<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Sobre a obra:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A presente obra é disponibilizada
pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples
teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É expressamente proibida e
totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente
conteúdo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Sobre nós:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Le Livros e seus parceiros
disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma
totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser
acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em
nosso<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
site: LeLivros.link ou em
qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um
novo nível."<o:p></o:p></b><br />
<b><br /></b>
<b><br /></b>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b><span style="line-height: 115%;"><span style="font-size: x-large;">Sumário</span><span style="font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></b>
<b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">INTRODUÇÃO</span></b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Ingredientes do passado<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">PARTE I</span></b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Os
fundamentos comestíveis da civilização<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 1. A invenção da agricultura<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 2. As raízes da modernidade<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">PARTE II</span></b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Comida
e estrutura social<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 3. Alimento, riqueza e poder<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 4. Seguir o alimento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">PARTE III</span></b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Os
caminhos dos alimentos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 5. Estilhaços do paraíso<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 6. Sementes de impérios<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">PARTE IV</span></b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Comida,
energia e industrialização<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 7. Novo Mundo, novos alimentos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 8. A máquina a vapor e a batata<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">PARTE V</span></b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Comida
é arma<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 9. O combustível da guerra<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 10. Luta por comida<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">PARTE VI</span></b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Comida,
população e desenvolvimento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 11. Alimentar o mundo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> 12. Paradoxos da abundância<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">EPÍLOGO</span></b><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Ingredientes
do futuro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 115%;"> </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 10pt; line-height: 115%;"><i> Notas</i></span></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Bibliografia<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Agradecimentos<o:p></o:p></span></i></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: 10.0pt; line-height: 115%;"> Índice remissivo<o:p></o:p></span></i></div>
</div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-70250607380824159182015-08-23T17:00:00.000-03:002015-08-23T17:06:33.419-03:00COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI - SOM<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px; text-align: center;">Nota do Blog: as inter-relações entre tempo e fatos estabelecidas pelo autor e a sua ideia propriamente dita da obrigatória simbiose entre as coisas, poderá ser melhor compreendida se a introdução do livro for lida, o que poderá ser feito em: </span></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px;">http://adautogmjunior.blogspot.com.br/2015/08/como-chegamos-ate-aqui-introducao.html</span></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"> 3º CAPÍTULO - SOM</span> </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
CERCA DE 1 MILHÃO de anos atrás, os mares
retiraram-se da bacia que hoje circunda Paris, deixando um anel de depósitos
calcários que outrora haviam sido recifes de coral ativos. Com o tempo, o rio
Cure, na Borgonha, escavou lentamente um caminho através de alguns desses
blocos de calcário, criando uma rede de cavernas e túneis enfeitados de
estalactites e estalagmites formadas pela água da chuva e pelo dióxido de
carbono. Descobertas arqueológicas sugerem que os neandertalenses e os
primeiros homens modernos usaram as cavernas para abrigo e cerimônia por
dezenas de milhares de anos. No início de 1990, uma imensa coleção de antigas
pinturas foi descoberta nas paredes do complexo de cavernas em Arcy-sur-Cure:
mais de uma centena de imagens de bisões, mamutes, aves, peixes e até (e mais
assustadora) a marca da mão de uma criança. A datação radiométrica determinou
que as imagens tinham 30 mil anos. Acredita-se que somente as pinturas em
Chauvet, no sul da França, são mais antigas que essas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por razões compreensíveis, pinturas
rupestres costumam ser citadas como evidência de um desejo primordial de
representar o mundo em imagens. Eras antes da invenção do cinema, nossos
antepassados colecionavam e admiravam imagens tremeluzentes nas paredes de cavernas
iluminadas pelo fogo. No entanto, nos últimos anos, uma nova teoria surgiu
sobre o ritual primitivo das cavernas da Borgonha, centrada não apenas nas
passagens subterrâneas, mas também nos <i>sons</i>.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alguns anos depois de as pinturas em Arcy-sur-Cure
serem descobertas, um etnomusicólogo da Universidade de Paris chamado Iegor
Reznikoff começou a estudar as grutas da mesma forma que um morcego o faria,
ouvindo ecos e reverberações criados em diferentes partes do complexo. Há muito
tempo era evidente que as imagens neandertalenses tinham sido agrupadas em
partes específicas da caverna, algumas mais ornamentadas e densas apareciam a
mais de um quilômetro de profundidade. Reznikoff concluiu que as pinturas foram
colocadas, de modo coerente, nas partes acusticamente mais interessantes das
cavernas, nos locais onde a reverberação era mais profunda. Se você gritar
diante das imagens dos animais do período Paleolítico na extremidade das
cavernas de Arcy-sur-Cure, vai ouvir sete ecos distintos de sua voz. Do ponto
de vista acústico, a reverberação leva quase cinco segundos para cessar após
suas cordas vocais pararem de vibrar. O efeito não é diferente da famosa técnica
da “parede de som” usada por Phil Spector nas gravações de 1960, que ele
produziu para artistas como The Ronettes, Ike e Tina Turner. No sistema de
Spector, afunilou-se o som gravado por um porão repleto de alto-falantes e
microfones, criando um enorme eco artificial. Em Arcy-sur-Cure, o efeito é
cortesia do ambiente natural da própria caverna.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A teoria de Reznikoff é que as comunidades
neandertalenses se reuniam ao lado das imagens que pintavam e entoavam algum
tipo de ritual xamanístico usando as reverberações da caverna para prolongar
magicamente o som de suas vozes. (Reznikoff também descobriu pequenos pontos
vermelhos pintados em outras partes ricas em sons da caverna.) Nossos antepassados
não podiam gravar os sons que ouviam da mesma forma como registraram sua
experiência visual do mundo em pinturas. Mas se Reznikoff estiver correto, os
primeiros seres humanos estavam ensaiando uma forma primitiva de engenharia do
som, amplificando e reforçando o mais inebriante dos sons: a voz humana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com o tempo, a motivação de amplificar –
e, em última análise, reproduzir – a voz humana abriu caminho para uma série de
avanços sociais e tecnológicos nas comunicações, na computação, na política e
nas artes. Nós aceitamos prontamente a ideia de que a ciência e a tecnologia
têm melhorado a nossa visão de forma notável, dos óculos aos telescópios Keck.
Mas nossas cordas vocais, vibrando no discurso e na música, também foram
intensamente valorizadas por significados artificiais. Nossas vozes ficaram
mais altas; começaram a viajar por fios depositados no fundo do oceano;
escaparam dos limites da Terra e começaram a repercutir em satélites. As
revoluções essenciais na visão em grande parte desenvolveram-se entre o
Renascimento e o Iluminismo: óculos, microscópios, telescópios; para ver com
mais clareza, ver mais longe, ver mais de perto. As tecnologias da voz só
chegaram com força total no final do século XIX. Quando chegaram, mudaram quase
tudo. Mas não começaram com a amplificação. O primeiro grande avanço na nossa
obsessão pela voz humana chegou com o simples ato de escrevê-la.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
MILHARES DE ANOS DEPOIS daqueles cantores
neandertalenses reunidos nas seções reverberantes das cavernas da Borgonha, a
ideia da gravação de som era tão fantasiosa quanto um conto de fadas. Sim, ao
longo desse período nós aprimoramos a arte de projetar espaços acústicos para
amplificar vozes e instrumentos. O desenho das catedrais da Idade Média, afinal,
coadunava-se tanto à engenharia do som quanto a épicas experiências visuais. No
entanto, ninguém se preocupou em imaginar como captar o som diretamente. O som
era etéreo, não tangível. O melhor que se podia fazer era imitar o som com a
própria voz e os instrumentos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O sonho de gravar a voz humana só se
apresentaria como possibilidade viável depois de duas descobertas fundamentais,
uma da física, outra da anatomia. Mais ou menos a partir de 1500, os cientistas
começaram a trabalhar com o pressuposto de que o som viajava através do ar em
ondas invisíveis. (Pouco tempo depois eles descobriram que essas ondas viajavam
quatro vezes mais depressa na água, fato curioso, mas que não seria útil por
outros quatro séculos.) No Iluminismo, livros detalhados de anatomia tinham
mapeado a estrutura básica do ouvido humano, documentando a maneira como as
ondas sonoras eram transmitidas através do canal auditivo, provocando vibrações
no tímpano. Nos anos 1850, um gráfico parisiense chamado Édouard-Léon Scott de
Martinville topou com um desses livros de anatomia, que despertou nele o
interesse pelo hobby da biologia e da física do som.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7u8OZwCinqmgpzO5tzexYaPcNhguDJZLZ4_xiJtIl65vCU70zxRRZKH5VsgDmA_H8ojbQwJA7smo9EvbpW1NtgtIDM6dL7lf7o51oZL9CQ3QhE35aayUY_NCUkyg08CbdjYzv2WX1t9BJ/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_23.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="568" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7u8OZwCinqmgpzO5tzexYaPcNhguDJZLZ4_xiJtIl65vCU70zxRRZKH5VsgDmA_H8ojbQwJA7smo9EvbpW1NtgtIDM6dL7lf7o51oZL9CQ3QhE35aayUY_NCUkyg08CbdjYzv2WX1t9BJ/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_23.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O ouvido humano</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Scott também estudou taquigrafia e já
tinha publicado um livro sobre a história da estenografia alguns anos antes de
começar a pensar sobre o som. Na época, a estenografia era a forma mais
avançada de tecnologia de gravação de voz; nenhum sistema podia captar a palavra
falada com a precisão e a velocidade de um estenógrafo treinado. Mas, ao
observar aquelas detalhadas ilustrações do ouvido interno, um novo conceito
começou a tomar forma no pensamento de Scott: talvez o processo de transcrição
da voz humana pudesse ser automatizado. No lugar de um ser humano escrevendo as
palavras, uma máquina poderia gravar as ondas sonoras.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em março de 1857, duas décadas antes de
Thomas Edison inventar o fonógrafo, o instituto de patentes da França concedeu
a Scott a patente para uma máquina que gravava o som. A geringonça canalizava
ondas sonoras através de um dispositivo semelhante a uma cornucópia que
terminava com uma membrana de pergaminho. As ondas sonoras provocavam no pergaminho
vibrações que eram transmitidas para uma agulha feita com cerda de porco. A agulha
gravava as ondas em uma página escurecida com fuligem de carvão. Ele chamou sua
invenção de “fonoautógrafo”, a autoescrita do som.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nunca
nos anais da invenção aconteceu uma combinação tão curiosa de presbiopia e miopia
como na história do fonoautógrafo. Por um lado, Scott conseguiu fazer uma
súbita transição de um conceito crucial – que as ondas sonoras podiam ser
retiradas do ar e registradas num instrumento de gravação – mais de uma década
antes que outros inventores e cientistas se dedicassem ao tema. (Quando você
está duas décadas adiante de Edison, pode ter certeza de que está indo muito
bem.) No entanto, a invenção de Scott foi paralisada por uma fundamental – e
até mesmo cômica – limitação. Ele inventou o primeiro dispositivo de gravação
de som na história. Esqueceu, contudo, de incluir a <i>reprodução</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na verdade, “esqueceu” é uma palavra muito
forte. Parece óbvio para nós, agora, que um dispositivo de gravação de som
também deve incluir um recurso que permita ouvir a gravação. Inventar o
fonoautógrafo sem incluir a reprodução parece inventar o automóvel e esquecer
de incluir a parte em que as rodas giram. Mas isso porque estamos julgando o
trabalho de Scott do outro lado da divisa. A ideia de que uma máquina pudesse
transmitir ondas sonoras originadas em outro local não era uma coisa intuitiva.
Só quando Alexander Graham Bell começou a reproduzir ondas de som no terminal
do telefone é que a reprodução tornou-se um avanço óbvio. Em certo sentido,
Scott teve de olhar em torno de dois pontos cegos significativos: a ideia de
que o som podia ser registrado e que essas gravações podiam ser reconvertidas
em ondas sonoras. Ele conseguiu compreender o primeiro passo, mas não chegou ao
segundo. Não tanto por ter esquecido ou falhado em fazer a reprodução
funcionar, mas porque a ideia não lhe ocorrera.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se a reprodução nunca fez parte dos planos
de Scott, é justo perguntar por que exatamente ele quis construir o
fonoautógrafo. Para que serve um gravador que não reproduz gravações? Aqui nos
confrontamos com uma faca de dois gumes: confiar em metáforas dominantes ou tomar
emprestadas ideias de outros campos e aplicá-las em novo contexto. Scott teve a
ideia da gravação de áudio inspirado numa metáfora da estenografia: transcrever
ondas, em vez de palavras. Essa estruturação metafórica permitiu que ele desse
o primeiro passo anos antes de seus pares, mas também pode tê-lo impedido de
realizar o segundo. Quando palavras são convertidas em código de taquigrafia, a
informação captada é decodificada por um leitor que compreende o código. Scott
achou que o mesmo aconteceria com o fonoautógrafo. O dispositivo gravaria ondas
sonoras na fuligem, cada traço do estilete correspondendo a um fonema emitido
pela voz humana. As pessoas aprenderiam a “ler” esses rabiscos do mesmo jeito
que tinham aprendido a ler os rabiscos da taquigrafia. Em certo sentido, Scott
não tentava de fato inventar um dispositivo de gravação de áudio. Ele buscava
inventar o mais perfeito serviço de transcrição, só que teríamos de aprender
toda uma nova linguagem para lê-la.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLvcW-5zdpQIVz3sUy7_h60FKCQwwStYFgu4z4Z0kz1ukcbIkom1Cv0ngSRVznTlQarQZz9E9bQa9z_PXpeqC1tllUPvz_is1YJadGHzh06isdMlti4fGwSFD1BcUA5nnCJiW0IO4dYbmF/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_24.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLvcW-5zdpQIVz3sUy7_h60FKCQwwStYFgu4z4Z0kz1ukcbIkom1Cv0ngSRVznTlQarQZz9E9bQa9z_PXpeqC1tllUPvz_is1YJadGHzh06isdMlti4fGwSFD1BcUA5nnCJiW0IO4dYbmF/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_24.jpg" width="460" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Édouard-Léon Scott de Martinville, escritor francês e inventor do fonoautógrafo.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCSP3j7a6S6zwY0XlnbgsAnrCOCymxutOpz8HyXvQfUABRBKePtu-AJZ597-OYZ8KFuB-Q-eK3duaHhEKb1NHz3UjPKyXCJ7LiN389rAOOFowTe70BG5RuXFRdgyg4_UFOZL-d6D5pHTKC/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_25.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="528" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCSP3j7a6S6zwY0XlnbgsAnrCOCymxutOpz8HyXvQfUABRBKePtu-AJZ597-OYZ8KFuB-Q-eK3duaHhEKb1NHz3UjPKyXCJ7LiN389rAOOFowTe70BG5RuXFRdgyg4_UFOZL-d6D5pHTKC/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_25.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fonoautógrafo, cerca de 1857.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não era uma ideia louca, quando vista em
perspectiva. Os seres humanos já tinham provado que eram muito bons em aprender
a reconhecer padrões visuais. Internalizamos nosso alfabeto tão bem que nem
sequer precisamos pensar na leitura depois que aprendemos a ler. Por que as
ondas sonoras seriam diferentes quando estivessem dispostas numa página?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Infelizmente, o kit neural de ferramentas
dos seres humanos não parece incluir a capacidade de ler ondas sonoras com os
olhos. Cento e cinquenta anos se passaram desde a invenção de Scott, e hoje
dominamos a arte e a ciência do som num grau que o teria deixado atônito. Contudo,
nenhum de nós aprendeu a analisar visualmente as palavras faladas embutidas nas
ondas sonoras impressas. Aquela foi uma aposta brilhante, mas se revelou
perdedora. Já que íamos decodificar o áudio gravado, precisávamos reconvertê-lo
em som para decodificá-lo via tímpano, e não pela retina.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Podemos não saber ler formas sonoras, mas
também não somos tão indolentes. Durante o século e meio que se seguiu à
invenção de Scott, conseguimos inventar uma máquina que podia “ler” a imagem
visual de uma forma de onda e convertê-la de novo em som: os computadores. Apenas
alguns anos atrás, uma equipe de historiadores do som formada por David Giovannoni,
Patrick Feaster, Meagan Hennessey e Richard Martin descobriu um baú de fonoautógrafos
de Scott na Academia de Ciências de Paris, inclusive um exemplar fabricado em
abril de 1860, admiravelmente preservado. Giovannoni e seus colegas examinaram
as linhas fracas e irregulares rabiscadas na fuligem quando Lincoln ainda
estava vivo. Eles converteram a imagem numa forma de onda digital e reproduziram-na
pelos alto-falantes de um computador.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Primeiro eles acharam que estavam ouvindo
uma voz de mulher cantando a folclórica canção francesa “Au clair de la lune”;
depois perceberam que estavam tocando o áudio em velocidade dupla. Quando
baixaram para o ritmo certo, a voz de um homem surgiu entre estalidos e
chiados. Era Édouard-Léon Scott de Martinville ecoando do túmulo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De modo compreensível, a gravação não era
da mais alta qualidade, mesmo tocada na velocidade correta. Durante a maior
parte do tempo, o ruído aleatório do aparelho de gravação abafava a voz de
Scott. Mas mesmo esse aparente fracasso ressalta a importância histórica da
gravação. Os estranhos assobios e a deterioração dos sinais de áudio se
tornariam comuns para os ouvidos do século XX. Todavia, esses não são os sons
que ocorrem na natureza. As ondas sonoras se abafam, ecoam e se condensam em
ambientes naturais, porém não se decompõem nos caóticos ruídos mecânicos. O som
da estática é um som moderno. Scott captou-o pela primeira vez, mesmo que ele
tenha levado um século e meio para ser ouvido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O ponto cego de Scott não ficaria
completamente sem saída. Quinze anos depois de sua patente, outro inventor
começava a fazer experiências com o fonoautógrafo, modificando o projeto
original de Scott e incluindo a orelha real de um cadáver, a fim de compreender
melhor a acústica. Com essa nova configuração, ele chegou a um método de captar
e transmitir o som. O nome desse homem era Alexander Graham Bell.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
POR ALGUM MOTIVO, a tecnologia do som
parece induzir um estranho tipo de surdez entre seus pioneiros mais avançados.
Quando surge uma nova ferramenta para compartilhar ou transmitir o som de outra
maneira, seu inventor tem dificuldades para imaginar como a ferramenta pode ser
utilizada. Quando completou o projeto original de Scott e inventou o fonógrafo,
em 1877, Thomas Edison imaginou que o dispositivo seria usado para enviar
cartas faladas pelo sistema postal. Os indivíduos iriam gravar suas missivas
nos rolos de cera do fonógrafo e postá-los no correio para serem reproduzidos
dias depois. Ao inventar o telefone, Bell cometeu um erro de inversão de
imagem: ele imaginou que um dos principais usos para o telefone seria o de transmitir
música ao vivo. Uma orquestra ou cantor se postaria numa das extremidades da linha,
enquanto os ouvintes apreciariam o som saindo do telefone do outro lado. Assim,
esses dois inventores lendários entenderam tudo ao contrário. As pessoas
acabaram usando o fonógrafo para ouvir música e o telefone para se comunicar
com os amigos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como forma de mídia, o telefone se
assemelhava mais às redes de pessoa a pessoa do serviço postal. Na era da mídia
de massa que viria a seguir, novas plataformas de comunicação iriam
naturalmente se inclinar em direção ao modelo dos criadores da grande mídia
para uma audiência passiva de consumidores. O sistema de telefonia seria um
modelo para comunicações mais íntimas – de um para um, e não de um para muitos
–, até o advento do e-mail, cem anos depois. As consequências do telefone foram
imensas e variadas. Ligações internacionais tornaram o mundo menor e mais próximo,
embora as linhas de conexão continuassem tênues até pouco tempo atrás.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A primeira linha transatlântica que permitiu
que cidadãos comuns realizassem chamadas entre os Estados Unidos e a Europa só
foi lançada em 1956. Na primeira configuração, o sistema permitia 24 chamadas
simultâneas. Esse era o total da largura de banda para uma conversa de voz
entre os dois continentes até cinquenta anos atrás – entre centenas de milhões de
vozes, apenas duas dúzias de conversas de cada vez. Curiosamente, o telefone
mais famoso do mundo – o “telefone vermelho”, que mantinha uma linha direta
entre a Casa Branca e o Kremlin – não era um telefone em sua concepção original.
Criado após o fiasco das comunicações que quase nos levou a uma guerra nuclear,
na crise dos mísseis de Cuba, a linha vermelha na verdade era um teletipo que
permitia o envio de mensagens rápidas e seguras entre as duas potências. As
chamadas de voz eram consideradas muito arriscadas, dadas as dificuldades de
tradução em tempo real.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizPBvvwHYLesFwYT33CLqhwwqXgvILgDJ8EPcw5uavyL4LN3ImqnJSeWQSCOP2AxVFIyQnyvpYzkJkxmsL4DBxtWzAM9Y7b9xxlL87vRnl1CAnVH0uFBZtziqcpQvJ1PwmBhv4bx-P5mTy/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_26.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="468" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizPBvvwHYLesFwYT33CLqhwwqXgvILgDJ8EPcw5uavyL4LN3ImqnJSeWQSCOP2AxVFIyQnyvpYzkJkxmsL4DBxtWzAM9Y7b9xxlL87vRnl1CAnVH0uFBZtziqcpQvJ1PwmBhv4bx-P5mTy/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_26.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Laboratório do inventor Alexander Graham Bell, onde ele fez experiências com a transmissão do som por eletricidade, 1886.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O telefone também possibilitou
transformações menos óbvias. Popularizou o sentido moderno da palavra alô (<i>hello</i>) – como uma saudação que começa
uma conversa –, transformando-a numa das palavras mais reconhecidas em qualquer
lugar do planeta. As centrais telefônicas tornaram-se uma das primeiras rotas de
entrada para as mulheres numa classe “profissional”. (Só a AT&T empregava
250 mil mulheres em meados da década de 1940.) Em 1908, um executivo da
AT&T chamado John J. Carty argumentou que o telefone teve impacto tão
grande quanto o elevador na construção dos arranha-céus:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMSgYUWnm_qoGw4I9hmMuCl_-jOkcE6sGBXTUUkw8N-eUAen69zIIfdbZOUv6h881HDVI8ziPZ_QXop_8F8RMoMII2V-lOTFN0h-dmypKfHJUqRWPor17Z-sV-XsZL-9Svh3rP6GyT7JFn/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_27.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="468" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMSgYUWnm_qoGw4I9hmMuCl_-jOkcE6sGBXTUUkw8N-eUAen69zIIfdbZOUv6h881HDVI8ziPZ_QXop_8F8RMoMII2V-lOTFN0h-dmypKfHJUqRWPor17Z-sV-XsZL-9Svh3rP6GyT7JFn/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_27.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Funcionários instalam na Casa Branca o "telefone vermelho", a lendária linha de emergência que ligava a Casa Branca ao Kremlin durante a Guerra Fria, em 30 de agosto de 1963, em Washington.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">Pode parecer ridículo dizer que
Bell e seus sucessores foram os pais da moderna arquitetura comercial do
arranha-céu. Mas espere um minuto. Pegue o Singer Building, o Flatiron
Building, o Broad Exchange, o Trinity ou qualquer outro gigantesco edifício de
escritórios. Quanta mensagens você acha que entram e saem desses prédios todos
os dias? Suponha não houvesse telefone, e que cada mensagem tivesse de ser
levada pessoalmente por mensageiros. Que espaço você acha que os elevadores
deixariam para os escritórios? Essas estruturas seriam uma impossibilidade
econômica.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Talvez o legado mais importante do
telefone, contudo, esteja em uma estranha e maravilhosa organização que cresceu
fora dele, a Bell Labs, empresa que iria desempenhar papel fundamental na
criação de quase todas as principais tecnologias do século XX. Rádios, tubos de
vácuo, transistores, televisões, células solares, cabos coaxiais, raios laser,
microprocessadores, computadores, telefones celulares, fibras óticas – todas
essas ferramentas fundamentais da vida moderna descendem de ideias
originalmente geradas na Bell Labs. Não é à toa que a empresa ficou conhecida
como “fábrica de ideias”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A questão interessante sobre a Bell Labs
não é <i>o que</i> a empresa inventou. (A
resposta para isso é simples: quase tudo.) A verdadeira questão é <i>por que</i> a Bell Labs foi capaz de criar
tanto do século XX. A história definitiva da Bell Labs, <i>The Idea Factory</i>, de Jon Gertner, revela o segredo para o sucesso
incomparável do laboratório. Não se tratava apenas de diversidade de talentos,
de tolerância ao erro e de vontade de fazer grandes apostas – todos esses
traços da Bell Labs também estavam presentes no famoso laboratório de Edison em
Menlo Park, bem como em outros centros de pesquisa ao redor do mundo. O que fez
a Bell Labs tão diferente teve a ver com a lei antitruste e com os gênios que
ela atraiu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Já em 1913, a AT&T estava lutando
contra o governo dos Estados Unidos por causa do controle monopolista que a
empresa exercia sobre o serviço de telefonia do país. O monopólio era inegável.
Se você fizesse uma chamada telefônica nos Estados Unidos em algum momento
entre 1930 e 1984, estaria, quase sem exceção, usando a rede da AT&T. Esse
poder monopolista tornou a empresa imensamente lucrativa, uma vez que não
enfrentava nenhuma concorrência de porte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A AT&T conseguiu manter os reguladores
nacionais a distância por setenta anos, convencendo-os de que a rede de
telefonia era um “monopólio natural” e necessário. Circuitos de telefone
analógicos eram complicados demais para serem administrados por uma miscelânea
de empresas concorrentes. Se os americanos quisessem um telefone em rede confiável,
o sistema precisava ser gerenciado por uma única empresa. No fim, os advogados do
Departamento de Justiça contrários ao monopólio elaboraram um acordo intrigante,
estabelecido oficialmente em 1956. A AT&T teria permissão para manter seu
monopólio sobre o serviço de telefonia, mas qualquer invenção patenteada que
tivesse origem na Bell Labs devia ser livremente licenciada para qualquer empresa
americana que a considerasse útil, e todas as novas patentes teriam de ser
licenciadas por taxa módica. Efetivamente, o governo disse à AT&T que podia
manter seus lucros, mas, em troca, teria de doar suas ideias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aquele foi um arranjo único, do tipo que
não gostaríamos de ver de novo. O poder de monopólio deu à empresa um fundo
para pesquisa quase infinito, porém, cada ideia interessante surgida das
pesquisas poderia ser logo adotada por outras empresas. Assim, grande parte do
sucesso americano em eletrônica no pós-guerra – dos transistores aos computadores
e telefones celulares – remonta, em última análise, ao acordo de 1956. Graças à
resolução antitruste, a Bell Labs tornou-se um dos híbridos mais estranhos da
história do capitalismo: a grande máquina lucrativa gerando novas ideias que,
para todos os efeitos práticos, eram socializadas. Os americanos tinham de pagar
um dízimo para a AT&T por seu serviço telefônico, mas as inovações geradas
pela companhia pertenciam a todos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
UM DOS AVANÇOS mais inovadores na história
da Bell Labs surgiu nos anos que antecederam o acordo de 1956. Por razões
compreensíveis, ele quase não recebeu atenção no momento. A revolução
resultante desse invento ainda precisaria de meio século para eclodir, e sua existência
era um segredo de Estado, quase tão bem guardado quanto o Projeto Manhattan. Contudo,
ele foi um marco, e mais uma vez começou com o som da voz humana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A inovação que a Bell Labs criou de início
– o telefone Bell – nos levou a um limite crucial na história da tecnologia.
Pela primeira vez um componente do mundo físico era representado em termos de
energia elétrica de forma direta. (O telégrafo convertia símbolos feitos pelo
homem em eletricidade, mas o som pertencia ao mesmo tempo à natureza e à cultura.)
Alguém falava num receptor, gerando ondas sonoras que se tornavam pulsos de eletricidade,
que se transformavam novamente em ondas sonoras na outra extremidade. O som, de
certa forma, foi o primeiro de nossos sentidos a ser eletrificado. (No mesmo
período, a eletricidade nos ajudou a <i>ver</i>
o mundo de forma mais clara graças à lâmpada, mas só décadas depois iria gravar
e transmitir o que víamos.) Quando essas ondas sonoras tornaram-se elétricas,
elas puderam viajar grandes distâncias em velocidades surpreendentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, por mais que esses sinais
elétricos fossem mágicos, eles não eram infalíveis. Viajando de cidade em
cidade através de fios de cobre, eram vulneráveis à deterioração, à perda de
sinal e ao ruído. Os amplificadores, como veremos, ajudaram a resolver o
problema, reforçando os sinais à medida que eram transmitidos pela linha. Mas o
objetivo final era um sinal puro, uma espécie de representação perfeita da voz
que não se degradasse ao passar pela rede telefônica. Curiosamente, o caminho
que levou a esse objetivo começou com uma meta diferente, não a de manter
nossas vozes puras, mas de conservá-las em<i>
segredo</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante a Segunda Guerra Mundial, o
lendário matemático Alan Turing trabalhou em colaboração com A.B. Clark, da
Bell Labs, no desenvolvimento de uma linha segura de comunicações, sob o
codinome Sigsaly, que convertia as ondas sonoras da fala humana em expressões
matemáticas. O Sigsaly gravava uma onda sonora 20 mil vezes por segundo, captando
a amplitude e a frequência de onda naquele momento. Mas a gravação não era
feita convertendo a onda em sinal elétrico ou em sulco num cilindro de cera. Em
vez disso, transformava a informação em números codificados na linguagem
binária de 0 e 1. “Gravação”, na verdade, era a palavra errada para isso. Usando
um termo que se tornaria linguagem comum no hip-hop e entre adeptos da música
eletrônica cinquenta anos mais tarde, eles chamaram esse processo de <i>sampling</i> (“amostragem”). De fato, eles
estavam tirando fotos da onda sonora 20 mil vezes por segundo, mas os instantâneos
eram escritos em 0 e 1, de forma digital, não analógica.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O trabalho com amostras digitais tornou
mais fácil transmiti-las de maneira segura. Alguém procurando um sinal
analógico tradicional ouviria apenas uma rajada de ruído digital. (O Sigsaly
recebeu o nome de código Green Hornet porque a informação crua soava como o zumbido
de um inseto.) Os sinais digitais também podiam ser matematicamente
criptografados de forma muito mais eficaz que os analógicos. Apesar de terem
interceptado e gravado muitas horas de transmissões do Sigsaly, os alemães
jamais conseguiram interpretá-las.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desenvolvido por uma divisão especial do
Army Signal Corps e supervisionado por pesquisadores da Bell Labs, o Sigsaly
entrou em operação em 15 de julho de 1943, com um histórico telefonema
transatlântico entre o Pentágono e Londres. No início da chamada, antes da
conversa se voltar para questões mais prementes de estratégia militar, o
presidente da Bell Labs, dr. O.E. Buckley, fez algumas observações
introdutórias sobre o avanço tecnológico que o Sigsaly representava:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">Estamos reunidos hoje em Washington
e Londres para inaugurar um novo serviço, a telefonia secreta. Este é um evento
de destaque na condução da guerra e que outros aqui podem avaliar melhor que
eu. Como façanha técnica, gostaria de salientar que deve ser incluído entre os
principais avanços da arte da telefonia. Ele não só representa a realização de
um objetivo há muito procurado – o completo sigilo em transmissão radiofônica
–, como significa a primeira aplicação prática de novos métodos de transmissão
telefônica que prometem ter efeitos de longo alcance.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se Buckley subestimou qualquer coisa foi a
importância desses “novos métodos”. O Sigsaly não foi apenas um marco na
telefonia. Foi um divisor de águas na história da mídia e das comunicações em
geral. Pela primeira vez, nossas experiências foram digitalizadas. A tecnologia
por trás do Sigsaly continuaria útil no fornecimento de linhas de comunicação seguras.
Mas a força verdadeiramente perturbadora que desencadeou viria de outra
estranha e magnífica propriedade que ele possuía: cópias digitais podiam ser
cópias perfeitas. Com o equipamento certo, amostras digitais de som podiam ser
transmitidas e copiadas com fidelidade absoluta. Assim, grande parte da
turbulência da paisagem da mídia moderna – a reinvenção da indústria musical,
que começou com serviços de compartilhamento de arquivos como o Napster, o
surgimento de <i>streaming</i> de mídia, bem
como o colapso das tradicionais redes de televisão – remonta ao zumbido digital
do Green Hornet. Se os robôs historiadores do futuro tivessem de marcar um
momento em que a “era digital” começou – o equivalente computacional ao 4 de
Julho ou ao dia da Queda da Bastilha –, o telefonema transatlântico de julho de
1943 certamente estaria no topo da lista. Mais uma vez, nosso desejo de
reproduzir o som da voz humana expandiu-se para a possibilidade adjacente. Pela
primeira vez nossa experiência do mundo estava se tornando digital.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
AS AMOSTRAS DIGITAIS do Sigsaly viajaram
através do Atlântico como cortesia de outro avanço nas comunicações que a Bell
Labs ajudou a criar: o rádio. Curiosamente, apesar de ter se tornado afinal uma
mídia saturada pelo som de pessoas falando ou cantando, o rádio não começou
assim. As primeiras transmissões funcionais do rádio – criado por Guglielmo Marconi
e por uma série de outros brilhantes inventores esporádicos nas últimas décadas
do século XIX – foram quase exclusivamente dedicadas ao envio de mensagens em
código Morse. (Marconi chamou sua invenção de “telegrafia sem fio”.) No
entanto, quando a informação começou a fluir pelas ondas de rádio, não demorou
muito para que amadores e laboratórios de pesquisa começassem a pensar em como
transformar palavras faladas e música em componentes dessa mistura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um desses diletantes foi Lee De Forest, um
dos mais brilhantes e erráticos inventores do século XX. Trabalhando no seu
laboratório caseiro em Chicago, De Forest sonhava em combinar o telégrafo sem
fio de Marconi com o telefone de Bell. 9 Ele começou uma série de experiências
com um transmissor de centelha, dispositivo que criava um brilhante e monótono pulso
de energia eletromagnética que podia ser detectado por antenas a quilômetros de
distância, perfeito para enviar o código Morse. Uma noite, enquanto acionava
uma série de pulsos, De Forest notou algo estranho acontecendo em toda a sala:
sempre que criava uma centelha, a chama de seu lampião a gás ficava branca e aumentava
de tamanho. De alguma forma, De Forest pensou, a pulsação eletromagnética
intensificava a chama. Essa bruxuleante luz do gás piscando plantou uma semente
em sua cabeça: talvez o gás pudesse ser usado para amplificar a fraca recepção
de rádio, tornando-a forte o bastante para transportar o sinal mais rico em
informação das palavras faladas, e não apenas o staccato dos pulsos do código Morse.
Mais tarde ele escreveria, com típica grandiosidade: “Eu descobri um Império do
Ar Invisível, intangível, mas sólido como granito.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de alguns anos de tentativa e erro,
De Forest desenvolveu um bulbo preenchido com gás contendo três eletrodos
precisamente configurados, projetados para amplificar sinais de entrada sem
fio. Ele chamou o aparelho de Audion. Como dispositivo de transmissão para a
palavra falada, o Audion só tinha potência para transmitir sinais inteligíveis.
Em 1910, De Forest usou um dispositivo de rádio equipado com o Audion para
fazer, pela primeira vez na história, a transmissão da voz humana de um navio
para a costa. Mas ele tinha planos muito mais ambiciosos para seu dispositivo.
Imaginara um mundo em que sua tecnologia sem fio fosse utilizada não apenas em comunicações
militares e comerciais, mas também para o divertimento de massa, em particular
para tornar sua grande paixão, a ópera, disponível para todos. “Estou ansioso
pelo dia em que a ópera estará em cada casa”, declarou ao <i>New York Times</i>, acrescentando, um pouco menos romanticamente:
“Algum dia a publicidade ainda será<i> </i>enviada
ao longo do dispositivo sem fio.”<i><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 13 de janeiro de 1910, durante uma
apresentação da <i>Tosca</i> no Metropolitan
Opera de<i> </i>Nova York, De Forest ligou
um microfone de telefone no corredor a um transmissor montado<i> </i>no telhado a fim de criar a primeira
transmissão ao vivo de uma rádio pública. Provavelmente<i> </i>o mais poético dos modernos inventores, De Forest viria a definir
sua transmissão: “As ondas do éter passam por cima das torres mais altas, e os
que estão entre elas continuam inconscientes das vozes silenciosas que passam
por eles, de todos os lados. ... E quando falam com eles, as notas de alguma
adorada melodia terrestre, sua admiração aumenta.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na verdade, essa primeira transmissão provocou
mais escárnio que admiração. De Forest convidou hordas de repórteres e
celebridades para ouvir a transmissão em seus receptores de rádio espalhados
pela cidade. A intensidade do sinal era terrível, e os ouvintes escutaram algo mais
parecido com o zumbido ininteligível de um besouro-verde que as notas de uma
adorada melodia terrestre. O <i>Times</i>
descreveu toda a aventura como “um desastre”. De Forest foi até processado pelo
procurador-geral dos Estados Unidos por fraude, acusado de exagerar o valor da tecnologia
sem fio do Audion e encarcerado por alguns minutos. Como precisava de dinheiro
para pagar os proventos de seus advogados, De Forest vendeu a patente do Audion
para a AT&T a preço de banana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando os pesquisadores da Bell Labs
começaram a investigar o Audion, descobriram algo extraordinário: desde o
início, Lee De Forest estivera totalmente enganado sobre quase tudo que
inventara. O aumento da chama de gás nada tinha a ver com radiação eletromagnética:
fora provocado pelas ondas sonoras do ruído da centelha. O gás não detectou e
amplificou o sinal de rádio, apenas tinha tornado o dispositivo menos eficaz.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De alguma forma, porém, por trás do
acúmulo de erros de De Forest, uma bela ideia estava pronta para surgir. Durante
a década seguinte, os engenheiros da Bell Labs e de outras instituições
modificaram sua criação básica de três eletrodos, removendo o gás do bulbo de modo
a vedá-lo num perfeito recipiente a vácuo, transformando-o num transmissor e
num receptor. O resultado foi o tubo de vácuo, o primeiro grande avanço da
revolução eletrônica, um dispositivo que podia amplificar o sinal elétrico de
quase qualquer tecnologia que dele necessitasse. Televisão, radar, gravação de
som, amplificadores de guitarra, raios X, fornos de micro-ondas, a “telefonia
secreta” do Sigsaly, os primeiros computadores digitais, tudo dependeria dos
tubos de vácuo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas a primeira grande corrente tecnológica
a levar o tubo de vácuo para as residências foi o rádio. De certa forma, essa
foi a realização do sonho de De Forest: um império do ar transmitindo belas
melodias para salas de estar em todos os lugares. No entanto, mais uma vez, a
visão de De Forest seria frustrada por eventos concretos. As melodias que
começaram a tocar nesses dispositivos mágicos foram apreciadas por quase todos,
exceto pelo próprio De Forest.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXNdnY7vTzequztlbAM8MHOOrO_Lik1nv1RywMtRogYCFOZWHb33-eKw4QgZKYoKG8blQwMUFhyphenhypheneBr6Gt-0c2Mklm04SdrQTnmy8GmvSM6KJyZd1bEGiyVfzvXmv0olOnFqTjwNmVuAb0s/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_28.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXNdnY7vTzequztlbAM8MHOOrO_Lik1nv1RywMtRogYCFOZWHb33-eKw4QgZKYoKG8blQwMUFhyphenhypheneBr6Gt-0c2Mklm04SdrQTnmy8GmvSM6KJyZd1bEGiyVfzvXmv0olOnFqTjwNmVuAb0s/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_28.jpg" width="524" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Lee De Forest, inventor americano, no final dos anos 1920.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O RÁDIO COMEÇOU sua vida como uma
transmissão de duas vias, prática que continua até hoje com o radioamadorismo:
entusiastas amadores conversando entre si através das ondas, às vezes escutando
outras conversas. Mas, no início dos anos 1920, o modelo de transmissão que viria
a dominar essa tecnologia evoluiu. Estações profissionais começaram a
distribuir programas de notícia e entretenimento para consumidores que os
ouviam em receptores de rádio em suas casas. Quase de imediato, algo totalmente
inesperado aconteceu: o advento de uma mídia de massa para o som divulgou um
novo tipo de música nos Estados Unidos, uma música que até então pertencia
quase exclusivamente a Nova Orleans, às cidades fluviais do Sul dos Estados
Unidos e aos bairros afro-americanos de Nova York e Chicago. De súbito, o rádio
fez do jazz um fenômeno nacional. Músicos como Duke Ellington e Louis Armstrong
tornaram-se nomes conhecidos. No final dos anos 1920, a banda de Duke Ellington
realizava transmissões nacionais toda semana no Cotton Club, no Harlem; pouco
tempo depois, Louis Armstrong tornou-se o primeiro afro-americano a ter seu
próprio programa de rádio nacional.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo isso deixou Lee De Forest tão
horrorizado que escreveu uma denúncia tipicamente barroca à National
Association of Broadcasters: “O que você fez com meu filho, o programa de
rádio? Você rebaixou essa criança, vestiu-a com os trapos do ragtime, do <i>jive</i> e do boogie- woogie.” Na verdade, a
tecnologia que De Forest ajudou a inventar era intrinsecamente mais adequada ao
jazz que às performances clássicas. O jazz sobressaía no débil e compactado som
dos primeiros rádios AM; grande parte da vasta amplitude dinâmica de uma
sinfonia se perdia. O trompete explosivo de Satchmo soava melhor no rádio que
as sutilezas de Schubert.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na verdade, a colisão do jazz com o rádio
criou o primeiro surto de uma série de ondas culturais que rolaram pela
sociedade no século XX. Um novo som que aos poucos vinha sendo incubado numa
pequena parte do mundo – Nova Orleans, no caso do jazz – abre seu caminho para
a mídia de massa do rádio, ofendendo os adultos e eletrizando os jovens. O
canal escavado pelo jazz seria depois preenchido pelo rock’n’ roll de Memphis,
pelo pop britânico de Liverpool, pelo rap e o hip-hop do Centro-Sul e do
Brooklyn. Alguma coisa no rádio e na música parece ter incentivado esse padrão
de uma forma que a televisão e o cinema não conseguiram. Quase imediatamente
depois de uma mídia nacional ter surgido para compartilhar a música, subculturas
de som começaram a florescer nesse meio de comunicação. Já existiam artistas
“underground” antes do rádio – poetas e pintores empobrecidos –, mas o rádio
ajudou a criar um modelo que se tornaria lugar-comum: artistas do metrô que se
tornam celebridade da noite para o dia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGz2M7xWClZPgC_SY0pqfk9q1HmcSvWA9sk_I39hamgP2Nqo1mN3_V-D1xfqu9cD9wPuE1NgYawXElwTMtJWZcoyC45A2K5QUmSGgUU7kgQAnE_PjuiiHpluwdBsexPECFKPrygecdTu0m/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_29.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGz2M7xWClZPgC_SY0pqfk9q1HmcSvWA9sk_I39hamgP2Nqo1mN3_V-D1xfqu9cD9wPuE1NgYawXElwTMtJWZcoyC45A2K5QUmSGgUU7kgQAnE_PjuiiHpluwdBsexPECFKPrygecdTu0m/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_29.jpg" width="544" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O compositor Duke Ellington apresenta-se no palco, por volta de 1935.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com o jazz, claro, havia um elemento
adicional importante. As celebridades instantâneas eram quase todas
afro-americanas: Duke Ellington, Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Billie
Holiday. Aquele foi um grande avanço. Pela primeira vez os Estados Unidos
brancos davam as boas-vindas à cultura afro-americana em sua sala de estar,
ainda que através dos alto-falantes de uma emissora AM. As estrelas do jazz
forneceram aos Estados Unidos brancos um exemplo de afro-americanos famosos,
ricos e admirados por seu talento artístico, e não como militantes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Óbvio que muitos desses músicos também se
tornaram fortes militantes, em músicas como “Strange fruit”, de Billie Holiday,
com a chocante narrativa de um linchamento no Sul. Os sinais de rádio tinham
uma espécie de liberdade intrínseca que se revelou libertadora no mundo real.
Aquelas ondas de rádio ignoraram a forma como a sociedade estava segmentada na
época, entre o mundo negro e o branco, entre diferentes classes econômicas. Os
sinais de rádio eram daltônicos. Assim como a internet, eles não romperam
tantas barreiras, mas viveram num mundo separado por elas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O despontar do Movimento pelos Direitos
Civis esteve intimamente ligado à disseminação do jazz nos Estados Unidos. Para
muitos americanos, ele foi o primeiro ponto de contato cultural entre o país
negro e o branco, criado em grande parte pelos afro-americanos. Por si só, foi
um grande golpe contra a segregação. Martin Luther King explicitou essa relação
em declarações durante o Festival de Jazz de Berlim, em 1964:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">Não é de estranhar que a busca de
identidade dos negros norte-americanos tenha sido tão defendida por músicos de
jazz. Muito antes de ensaístas e estudiosos modernos escreverem sobre “a
identidade racial” como problema para um mundo multirracial, os músicos já
retornavam às suas raízes para afirmar o que se agitava em suas almas. Muito do
poder do nosso Movimento pela Liberdade nos Estados Unidos tem vindo dessa
música. Ela vem nos fortalecendo com os seus doces ritmos quando a coragem
começa a falhar. Tem nos acalmado com suas ricas harmonias quando os espíritos
estão deprimidos. E agora o jazz é exportado para o mundo.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
COMO MUITAS FIGURAS políticas do século
XX, Luther King estava em débito com o tubo de vácuo por outra razão. Pouco
depois que De Forest e a Bell Labs começaram a usar tubos de vácuo nas
transmissões do rádio, a tecnologia foi convocada para amplificar a voz humana
em contextos mais imediatos: poderosos amplificadores ligados a microfones
permitiam às pessoas falar ou cantar para grandes multidões pela primeira vez
na história. Os amplificadores a válvula finalmente transcenderam a engenharia
de som que prevalecia desde o Neolítico. Não éramos mais dependentes das
reverberações de cavernas, catedrais ou casas de ópera para fazer nossas vozes
soarem mais alto. Agora a eletricidade podia fazer o trabalho dos ecos, mas de
maneira mil vezes mais poderosa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A amplificação criou um novo tipo de
evento político: manifestações de massa reunidas em torno de locutores. As
multidões já vinham desempenhando papel dominante nas agitações políticas do
século e meio anterior. Se há uma imagem icônica de revolução antes do século XX,
é o enxame de pessoas tomando as ruas das cidades em 1789 ou em 1848. Mas a amplificação
forneceu àquelas multidões fervilhantes um ponto focal: a voz do líder reverberando
na praça, no estádio ou no parque. Antes dos amplificadores, os limites de nossas
cordas vocais tornavam difícil falar para mais de mil pessoas ao mesmo tempo.
(Os elaborados estilos vocais do canto lírico em muitos aspectos eram treinados
para obter a projeção máxima, ultrapassando as limitações biológicas.) Contudo,
um microfone conectado a vários alto-falantes ampliou a gama do alcance da voz
em várias ordens de magnitude.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ninguém reconheceu – ou explorou – esse
novo poder mais depressa que Adolf Hitler, cujos comícios em Nuremberg
dirigiam-se para mais de 100 mil seguidores, todos obcecados pelo som
amplificado da voz do Führer. Se retirarmos o microfone e o amplificador da
caixa de ferramentas da tecnologia do século XX, estaremos removendo uma das
formas que mais definiram a organização política desse século, de Nuremberg a
“Eu tenho um sonho”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A amplificação a válvula também deu lugar
a um equivalente musical dos comícios políticos: os Beatles no Shea Stadium, o
festival de Woodstock, o Live Aid. Mas as idiossincrasias da técnica do tubo de
vácuo também tiveram um efeito mais sutil na música do século XX, tornando-a
mais alta e também mais barulhenta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É difícil para os que vivem a vida toda
nesse nosso mundo pós-industrial entender quanto o som da industrialização foi
chocante para os ouvidos humanos um ou dois séculos atrás. Uma sinfonia de
discórdia inteiramente nova entrou de repente nos domínios da vida cotidiana,
em especial nas grandes cidades: o estrondo, o clangor de metal contra metal, a
rajada, a estridência ruidosa da máquina a vapor. Em muitos aspectos, o barulho
foi tão chocante quanto as multidões e os odores das grandes cidades. Nos anos
1920, já com sons eletricamente amplificados, começaram a rugir, ao lado do
resto do tumulto urbano, organizações como a Manhattan’s Noise Abatement
Society, defendendo uma metrópole mais tranquila.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Simpático à missão da entidade, um
engenheiro da Bell Labs chamado Harvey Fletcher criou um caminhão com
equipamentos supermodernos de som, e engenheiros da Bell rodavam lentamente por
Nova York medindo o som nos pontos mais barulhentos. (A unidade para medir o
volume do som – o decibel – se originou na pesquisa de Fletcher.) Fletcher e
sua equipe descobriram que alguns sons da cidade – a rebitagem e as perfurações
nas construções, o rugido do metrô – estavam no limiar de decibéis da dor
acústica. Na Cortlandt Street, conhecida como “Radio Row”, o ruído das vitrines
apresentando os últimos modelos de rádio era tão alto que chegava a abafar o do
metrô elevado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas enquanto grupos favoráveis à redução
de ruídos lutavam contra o barulho moderno com regulamentações e campanhas
públicas, surgiu outra resposta. Em vez de repelir o som, nossos ouvidos começaram
a encontrar algo bonito nele. Desde o início do século XIX, as experiências
rotineiras da vida diária vinham sendo na verdade uma sessão de treinamento
para a estética do ruído. No entanto, foi o tubo de vácuo que afinal levou o
ruído às massas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A partir dos anos 1950, guitarristas que
tocavam com amplificadores a válvula perceberam que poderiam fazer um novo e
intrigante tipo de som saturando o amplificador: uma camada rascante de ruído
na parte superior das notas gerada pelo próprio dedilhar das cordas da guitarra.
Tecnicamente falando, era o som do amplificador funcionando mal, distorcendo o som
que devia reproduzir. Para a maioria dos ouvidos, aquilo soou como se algo no equipamento
estivesse quebrado, mas um pequeno grupo de músicos começou a achar atraente
esse som.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Algumas das primeiras gravações de
rock’n’roll dos anos 1950 já mostrava uma quantidade modesta de distorção nas
trilhas da guitarra, mas a arte do ruído só iria realmente decolar nos anos
1960. Em julho de 1960, um baixista chamado Grady Martin estava gravando uma
frase melódica para uma música de Marty Robbins chamada “Don’t worry” quando
seu amplificador, com algum defeito, criou um som esquisito que hoje chamamos
de “distorção”. Robbins queria eliminar esse trecho da música, mas o produtor
insistiu em mantê-lo. “Ninguém conseguiu entender, porque soou como um
saxofone”, diria Robbins anos mais tarde. “Parecia um motor a jato decolando.
Era uma mistura de sons diferentes.” Inspirado na estranha e indefinível frase
musical de Martin, uma banda chamada The Ventures propôs a um amigo bolar um
dispositivo que adicionasse intencionalmente um efeito distorcido. Um ano depois,
já havia caixas de distorção no mercado; três anos mais tarde, Keith Richards
saturava a frase de abertura de “Satisfaction” com distorção, e nascia assim a
marca registrada do som dos anos 1960.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Algo semelhante se desenvolveu com um novo
som – desagradável, no começo – que ocorre quando alto-falantes amplificados e
microfones se encontram no mesmo espaço físico: o turbilhão estridente da
microfonia. A distorção era um som que ao menos tinha alguma semelhança
acústica com os sons industriais surgidos no século XVIII. (Daí o tom de “motor
a jato” do trecho do contrabaixista Grady Martin.) Mas a microfonia era uma
criatura completamente nova, que não existia sob nenhuma forma até a invenção
de alto-falantes e microfones, cerca de um século atrás. Engenheiros de som
faziam grandes esforços para eliminá-la de gravações de concertos, posicionando
os microfones de forma a não captarem o sinal dos alto-falantes e evitando o
vaivém infinito do guincho agudo de retorno.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzriixwY5OpAh9P_GanKLOqnXhYVOSOAXPbQkClrVY3Qw_MjUEfsF61gACnnlWXzLyfg4IIgNqe-osSYVa6uK01w8WMo_qSowToTge2mmhqqGMSozMvLTVC5LEb6BUdnvuUYVqVWoqDRZz/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_30.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="448" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzriixwY5OpAh9P_GanKLOqnXhYVOSOAXPbQkClrVY3Qw_MjUEfsF61gACnnlWXzLyfg4IIgNqe-osSYVa6uK01w8WMo_qSowToTge2mmhqqGMSozMvLTVC5LEb6BUdnvuUYVqVWoqDRZz/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_30.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Diagrama da taxonomia do som que ilustrava o livro City Noise.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Contudo, mais uma vez, o que era mau
funcionamento para uns tornou-se música para outros, quando artistas como Jimi
Hendrix e o Led Zeppelin – e, mais tarde, experimentalistas punks como o Sonic
Youth – adotaram esse som em suas gravações e performances. Na verdade, Jimi
Hendrix não estava apenas tocando guitarra naquelas gravações cheias de
microfonia no fim dos anos 1960, ele estava criando um novo som gerado pela vibração
das cordas da guitarra, pelos microfones captadores do som da guitarra e pelos
alto-falantes, elaborando complexas e imprevisíveis interações entre as três
tecnologias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Às vezes, inovações culturais surgem a
partir da utilização de novas tecnologias de modo não imaginado. De Forest e a
Bell Labs não tentaram inventar o comício quando desenharam os primeiros
esboços de um tubo de vácuo, mas acabaram facilitando a organização de
manifestações de massa graças à amplificação de uma voz falando para muitas
pessoas. Outras vezes, no entanto, a inovação vem de uma abordagem mais
improvável, a exploração deliberada de um defeito, transformando barulho e erro
em sinal utilizável. Cada nova tecnologia surge com seus próprios problemas de
funcionamento – e de vez em quando esses problemas abrem uma nova porta para o
possível adjacente. No caso do tubo de vácuo, nossos ouvidos aprenderam a
curtir um som que sem dúvida teria deixado Lee De Forest de cabelo em pé. Às
vezes o defeito de uma nova tecnologia é quase tão interessante quanto seu
funcionamento perfeito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
DOS NEANDERTALENSES CANTANDO nas cavernas
da Borgonha, passando por Édouard-Léon Scott de Martinville gorjeando em seu
fonoautógrafo, até chegar à radiodifusão de Duke Ellington no Cotton Club, a
história da tecnologia do som sempre teve a ver com o aumento do alcance e da
intensidade de nossas vozes e de nossos ouvidos. Contudo, a mais surpreendente guinada
de todas aconteceria apenas um século atrás, quando os homens perceberam que o som
podia ser aproveitado para outra coisa: nos ajudar a enxergar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A utilização da luz para sinalizar a
presença de perigo na costa para os marinheiros é uma prática antiga. O farol
de Alexandria, construído vários séculos antes do nascimento de Cristo, foi uma
das sete maravilhas originais do mundo. Mas os faróis tinham fraco desempenho justamente
quando eram mais necessários: em tempestades, quando a luz que emitem é obscurecida
pela névoa e pela chuva. Muitos faróis empregavam sinos de alerta como complemento,
porém eles podiam ser facilmente abafados pelo rugido do mar. No entanto, as ondas
sonoras apresentam uma intrigante propriedade física: elas viajam quatro vezes
mais depressa sob a água que no ar e se mostram quase imperturbadas pelo caos
sonoro acima do nível do mar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1901, uma empresa sediada em Boston
chamada Submarine Signal Company (SSC) começou a fabricar um sistema de
dispositivos de comunicação que explorava essa propriedade das ondas sonoras
aquáticas: sinos embaixo d’água, que tocavam em intervalos regulares, e
microfones especiais para recepção submarina, chamados “hidrofones”. A SSC montou
mais de cem estações ao redor do mundo, principalmente em portos ou canais traiçoeiros,
onde os sinos submarinos alertavam embarcações equipadas com os hidrofones da empresa,
orientando-as quando estavam muito perto de rochas ou bancos de areia. O
sistema era engenhoso, mas tinha seus limites. Para começar, só funcionava em
locais onde a SSC havia instalado sinos de alerta. E era totalmente inútil na
detecção de perigos menos previsíveis, como outros navios ou icebergs.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A ameaça representada pelos icebergs para
as viagens marítimas ficou muito evidente para o mundo em abril de 1912, quando
o <i>Titanic</i> naufragou no Atlântico
Norte. Poucos dias antes do naufrágio, o inventor canadense Reginald Fessenden
topou com um engenheiro da SSC numa estação de trem, e, depois de um rápido
bate-papo, os dois combinaram que Fessenden iria até o escritório da empresa
para ver as mais recentes tecnologias de sinalização subaquática. Fessenden foi
um pioneiro do rádio sem fio, responsável pela primeira transmissão por rádio
da fala humana e pela primeira transmissão de rádio transatlântica de código
Morse em duas vias. Essa experiência levou a SSC a pedir para sua assessoria projetar
um sistema de hidrofones que filtrasse melhor o ruído de fundo da acústica submarina.
Quando a notícia do naufrágio do Titanic foi divulgada, quatro dias depois de
sua visita à SSC, Fessenden ficou chocado, como o resto do mundo. Mas teve uma
ideia sobre como evitar essas tragédias no futuro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A primeira sugestão de Fessenden,
inspirada por suas experiências com a telegrafia sem fio, foi substituir os
sinos por um tom contínuo, de origem elétrica, que também podia ser usado para
transmissão em código Morse. Todavia, quando ele começou a pesquisar as possibilidades,
percebeu que o sistema poderia ser muito mais ambicioso. Em vez de apenas ouvir
os sons gerados em postos de alerta especialmente instalados e projetados, o
dispositivo de Fessenden iria <i>gerar</i>
seus sons a bordo do navio e ouvir os ecos criados pelo reflexo dos sons em
objetos na água, o mesmo sistema de ecolocalização usado pelos golfinhos em seu
nado pelo oceano. Adotando os mesmos princípios que tinham atraído os cantores
das grutas às seções mais reverberantes das cavernas de Arcy-sur-Cure,
Fessenden sintonizou o dispositivo de modo a ressoar somente num pequeno intervalo
do espectro de frequências, algo em torno de 540hz, ignorando assim todo o
ruído de fundo do ambiente aquático. Depois de chamar seu dispositivo de
“vibrador” por alguns meses, acabou batizando-o de “oscilador de Fessenden”.
Ele era um sistema para enviar e receber telegrafia submarina, e foi o primeiro
dispositivo de sonar funcional do mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mais uma vez, o calendário mundial de
eventos históricos ressaltou a premência da engenhoca de Fessenden. Apenas um
ano depois de ter concluído seu primeiro protótipo funcional, rompeu a Primeira
Guerra Mundial. Os submarinos alemães rondando o Atlântico Norte representam
então uma ameaça ainda maior para as viagens marítimas que o iceberg do <i>Titanic</i>. O perigo tornava-se
particularmente intenso para Fessenden, que, como cidadão canadense, era
fervoroso patriota do Império Britânico. (Parece também que ele se encontrava no
limite do racismo, desenvolvendo mais tarde, em suas memórias, uma teoria sobre
por que “os homens de cabelos loiros de ascendência inglesa” tinham sido tão
fundamentais para a inventiva moderna.)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os Estados Unidos ainda levariam dois anos
para entrar na guerra, e os executivos da SSC não partilhavam a fidelidade de
Fessenden à bandeira inglesa. Diante do risco financeiro do desenvolvimento de <i>duas</i> novas tecnologias revolucionárias,
a empresa decidiu construir e comercializar o oscilador como dispositivo apenas
para o telégrafo sem fio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Afinal, Fessenden pagou do próprio bolso
uma viagem a Portsmouth, na Inglaterra, para tentar convencer a Marinha Real
Britânica a investir em seu oscilador, mas eles também duvidaram daquela
invenção milagrosa. Fessenden escreveria mais tarde: “Eu implorei para nos
deixarem abrir a caixa e mostrar o que era o aparelho.” Suas súplicas foram sumariamente
ignoradas. O sonar só se tornaria componente-padrão da guerra naval durante a Segunda
Guerra Mundial. Até o Armistício, em 1918, mais de 10 mil vidas foram perdidas para
os submarinos. Os britânicos, e depois também os americanos, experimentaram
inúmeras medidas ofensivas e defensivas para combater esses predadores.
Ironicamente, contudo, a mais valiosa arma de defesa teria sido uma simples
onda sonora de 540hz rebatendo no casco do agressor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh6M8s2wcHgTb2x3o-Iw8TVA78ZMm8rnZh5Rgp9lhsA6TKjoCLQqzERaP3asHuQ05MQM8C1zWfn3aqpik2DD-PdBM_70X5tnOxKHg_hauNxmn0am53d5dE7lezTCGYVKhDcJ-0eYNwQApRg/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_31.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="484" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh6M8s2wcHgTb2x3o-Iw8TVA78ZMm8rnZh5Rgp9lhsA6TKjoCLQqzERaP3asHuQ05MQM8C1zWfn3aqpik2DD-PdBM_70X5tnOxKHg_hauNxmn0am53d5dE7lezTCGYVKhDcJ-0eYNwQApRg/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_31.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Um dos criadores do rádio, Reginald Fessenden, testa sua invenção, 1906.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na segunda metade do século XX, os
princípios da ecolocalização seriam empregados para fazer muito mais que
detectar icebergs e submarinos. Embarcações de pesca – e praticantes de pesca
amadora – começaram a usar as variações do oscilador de Fessenden em suas
atividades. Cientistas recorreram ao sonar para explorar os últimos grandes
mistérios de nossos oceanos, revelando paisagens ocultas, recursos naturais e
fissuras geológicas. Oitenta anos após o naufrágio do <i>Titanic</i> ter inspirado Reginald Fessenden a urdir o primeiro sonar, uma
equipe de pesquisadores americanos e franceses usou um desses aparelhos para
descobrir o navio no fundo do oceano Atlântico, 3.650 metros abaixo da
superfície.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A inovação de Fessenden teve seu efeito
mais transformador em terra firme, contudo, onde os aparelhos de ultrassom,
empregando o som para enxergar o interior do útero, revolucionaram o
acompanhamento pré-natal, permitindo que os bebês e suas mães sejam rotineiramente
salvos de complicações que seriam fatais há menos de um século. Fessenden esperava
que sua ideia – o uso do som para enxergar – pudesse salvar vidas. Mesmo sem conseguir
persuadir as autoridades a colocá-lo em uso na detecção de submarinos, o
oscilador acabou salvando milhões de vidas, tanto no mar quanto em um lugar que
Fessenden nunca teria imaginado, o hospital.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Decerto o uso mais conhecido do ultrassom
envolve a identificação do sexo de um bebê durante a gravidez. Agora estamos
acostumados a pensar em termos de informações binárias, 0 ou 1, circuito ligado
ou desligado. Mas, entre todas as experiências da vida, há poucas encruzilhadas
binárias como o sexo de um filho antes de nascer. Vai ser menino ou menina? Quantas
consequências que podem mudar uma vida fluem dessa simples unidade de informação?
Como muitos de nós, eu e minha esposa ficamos sabendo o sexo de nossos filhos usando
o ultrassom. Hoje temos outros meios, mais precisos, de determinar o sexo do
feto, mas o primeiro acesso a esse conhecimento foi conseguido rebatendo ondas
sonoras no corpo de nossos filhos antes de eles nascerem. Assim como ocorria
com os neandertalenses que exploravam as cavernas de Arcy-sur-Cure, os ecos
lideraram o caminho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Há, no entanto, um lado sombrio nessa
inovação. A introdução do ultrassom em países como a China, com forte
preferência cultural por filhos homens, levou a uma prática crescente de
abortos seletivos por sexo. Uma ampla oferta de máquinas de ultrassom foi
difundida em toda a China no início dos anos 1980. Embora o governo tenha logo
proibido oficialmente o uso delas para determinar o sexo do bebê, o emprego clandestino
da tecnologia para a identificação sexual se generalizou. Até o fim da década,
a proporção entre os sexos no nascimento em hospitais de toda a China era de
quase 110 meninos para cada cem meninas, com algumas províncias relatando
índices que chegavam a 118 para cem. Este pode ser um dos mais surpreendentes e
trágicos efeitos beija-flor em toda a tecnologia do século XX: alguém constrói
uma máquina para ouvir ondas sonoras a fim de identificar icebergs e, algumas
gerações adiante, milhões de fetos do sexo feminino são abortados em
decorrência da mesma tecnologia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As distorções na proporção entre os sexos
na China moderna têm muitas lições importantes, sem mencionar a questão do
aborto em si e muito menos a do aborto baseado no gênero. Primeiro, são um
lembrete de que o avanço tecnológico não é puramente positivo em seus efeitos:
para cada navio salvo de um iceberg há inúmeras gestações interrompidas por falta
de um cromossomo Y. A marcha da tecnologia tem sua própria lógica interna, mas
a aplicação moral dessa tecnologia está em nossas mãos. Podemos decidir usar o
ultrassom para salvar ou eliminar vidas. (Ou ainda mais desafiador, podemos usar
o ultrassom para distorcer os limites da própria vida, detectando o batimento
cardíaco de um feto com semanas de gestação.) Na maioria das vezes, as
adjacências do progresso tecnológico e científico ditam o que podemos inventar
em seguida. No entanto, por mais inteligente que alguém fosse, não poderia
inventar uma ultrassonografia antes da descoberta das ondas de som. No entanto,
o que nós decidimos fazer com as invenções? Essa é uma questão mais complicada,
que requer um diferente conjunto de competências para responder.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Há outra lição, mais auspiciosa, na
história do sonar e do ultrassom: a rapidez com que nossa criatividade é capaz
de ultrapassar os limites da influência convencional. Nossos ancestrais notaram
pela primeira vez, dezenas de milhares de anos atrás, que o eco e a reverberação
têm o poder de alterar as propriedades sonoras da voz humana. Durante séculos, temos
utilizado essas propriedades para aumentar o alcance e o poder das nossas
cordas vocais, das catedrais até a Parede de Som de Phil Spector. Mas é difícil
imaginar que alguém estudando a física do som há duzentos anos pudesse prever
que esses ecos seriam usados para rastrear armas submarinas ou determinar o
sexo de uma criança por nascer. O que começou com um som mais emocionante e
intuitivo para os ouvidos humanos – o som de nossas vozes cantando, rindo,
trocando notícias ou fofocando – transformou-se em ferramentas de guerra e paz,
de vida ou morte. Assim como os lamentos distorcidos do amplificador a válvula,
nem sempre este é um som feliz. No entanto, muitas vezes acaba por ter uma
ressonância insuspeita.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">SOM é o terceiro capítulo do livro</span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;"><br /></span></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7ucNBUgOyyL1HPc34PYAZYukSoLzKRzVb0d-OmqG0yyBtPiACbLKm8hIQABWI4F8AObAxEj3krtvv8f1OVYvNkc_g8S8SBF0pQ-RPN16Ow6EhkiQi70hv5ja2-iU1yXtHOAoKEnQ5nEtz/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7ucNBUgOyyL1HPc34PYAZYukSoLzKRzVb0d-OmqG0yyBtPiACbLKm8hIQABWI4F8AObAxEj3krtvv8f1OVYvNkc_g8S8SBF0pQ-RPN16Ow6EhkiQi70hv5ja2-iU1yXtHOAoKEnQ5nEtz/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_1.jpg" width="444" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;"><br /></span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p> </o:p><span style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
"A história das inovações que fizeram a vida moderna possível"</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
de STEVEN JOHNSON</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
editado pela ZAHAR</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDD_GFLuC5gxop5BfrJCqeHPkO8AUKLgJGARxLQJZTEcKIPID7alm-74YZuFsHyO2UQp5FlFNO_AJ-PpjQ5WNdCjpJ-ypyepFF50LUBnnvgbaBZ795Ql1rk6LIvgz-5vc2507ZsexYzlWN/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="209" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDD_GFLuC5gxop5BfrJCqeHPkO8AUKLgJGARxLQJZTEcKIPID7alm-74YZuFsHyO2UQp5FlFNO_AJ-PpjQ5WNdCjpJ-ypyepFF50LUBnnvgbaBZ795Ql1rk6LIvgz-5vc2507ZsexYzlWN/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">com tradução de CLAUDIO CARINA</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
e disponibilizado pela LE LIVROS (http://lelivros.site/)</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNS_Fxt8TfF0HbIzGFmTOWBUah-AsGdjH2u_6W3y6-48HPmGJfPVA29fG9aOL4tpycHQMRAe7tc21m9Zxn36WfN7K3lhnrR1i5m71v3TDy6G1py7kmNlnOtiJ_TySGdLAqyKL6ut2fsyDE/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="151" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNS_Fxt8TfF0HbIzGFmTOWBUah-AsGdjH2u_6W3y6-48HPmGJfPVA29fG9aOL4tpycHQMRAe7tc21m9Zxn36WfN7K3lhnrR1i5m71v3TDy6G1py7kmNlnOtiJ_TySGdLAqyKL6ut2fsyDE/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;">DADOS DE COPYRIGHT</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<b>Sobre a obra:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<b>Sobre nós:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de domínio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
site: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<b>"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."</b></div>
<div>
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-53167407124015842382015-08-16T21:49:00.002-03:002015-08-16T21:54:57.919-03:00COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI - FRIO<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px; text-align: center;">Nota do Blog: as inter-relações entre tempo e fatos estabelecidas pelo autor e a sua ideia propriamente dita da obrigatória simbiose entre as coisas, poderá ser melhor compreendida se a introdução do livro for lida, o que poderá ser feito em: </span></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px;">http://adautogmjunior.blogspot.com.br/2015/08/como-chegamos-ate-aqui-introducao.html</span></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-large;"> </span><span style="font-size: large;">2º CAPÍTULO - FRIO</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
NOS MESES do início do verão de 1834, um
navio de três mastros chamado <i>Madagascar</i>
entrou no porto do Rio de Janeiro trazendo em seu porão uma carga extremamente
implausível: um lago congelado da Nova Inglaterra. O <i>Madagascar</i> e a tripulação estavam a serviço de um empresário
obstinado e empreendedor de Boston chamado Frederic Tudor. Hoje a história o
conhece como “Rei do Gelo”, porém, durante a maior parte do início de sua vida
adulta, ele foi um fracasso total, embora com uma tenacidade notável.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“O gelo é um objeto interessante para
contemplação”, escreveu Thoreau em<i> Walden</i>,
olhando para a congelada extensão “lindamente azul” do lago de Massachusetts.
Tudor cresceu contemplando o mesmo cenário. Era um jovem bem de vida de Boston,
sua família havia muito tempo admirava a água congelada do lago de sua terra
natal, Rockwood – não só pela estética, mas também pela permanente capacidade
de manter as coisas frias. Como muitas famílias abastadas nos climas do norte,
os Tudor armazenavam blocos de água do lago congelado em frigoríficos, cubos de
gelo de noventa quilos que permaneciam maravilhosamente indissolúveis até a
chegada dos meses quentes do verão, e um novo ritual começava: lascar fatias
dos blocos para refrescar bebidas, fazer sorvete, resfriar um banho durante uma
onda de calor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A ideia do bloco de gelo intacto por meses
sem o benefício da refrigeração artificial soa estranha aos ouvidos modernos.
Nós costumamos preservar o gelo graças às diversas tecnologias de congelamento
do mundo atual. Mas o gelo na natureza é outro assunto – com exceção de um
glaciar ocasional, consideramos que um bloco de gelo não pode sobreviver mais
de uma hora no calor do verão, quanto mais meses. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Tudor sabia por experiência pessoal
que um grande bloco de gelo podia durar muito nas temperaturas máximas do verão
caso fosse resguardado do sol – ou pelo menos até o fim da primavera na Nova
Inglaterra. Esse conhecimento plantaria a semente de uma ideia em sua cabeça,
ideia que acabaria custando sua sanidade, sua fortuna e sua liberdade – antes
de torná-lo um homem imensamente rico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando tinha dezessete anos, seu pai o
mandou em viagem ao Caribe, acompanhando o irmão mais velho, John, que sofria
de uma doença no joelho que o deixara praticamente inválido. A ideia era que os
climas quentes melhorariam a saúde de John. Mas na verdade o efeito foi o
oposto. Ao chegarem a Havana, os irmãos Tudor se sentiram oprimidos pelo clima
quente e úmido. Logo navegaram de volta ao continente, parando em Savannah e
Charleston, mas o calor do verão precoce os seguiu, e John ficou doente com o
que parece ter sido uma tuberculose. Seis meses depois, ele morria, aos vinte
anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1uIDIN0XYASUmnL6_1oIBi0cQCwpzWPn3mm3xu2Qiovq8Mv0DKOcW84rjIRvDUQ9vesduln98PKFGdjpBGi4WMLXYsdgtvBB3M98Nip17alVajQ1q3afuScZGS09pevNIQbwxsqJ0W2iI/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_11.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1uIDIN0XYASUmnL6_1oIBi0cQCwpzWPn3mm3xu2Qiovq8Mv0DKOcW84rjIRvDUQ9vesduln98PKFGdjpBGi4WMLXYsdgtvBB3M98Nip17alVajQ1q3afuScZGS09pevNIQbwxsqJ0W2iI/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_11.jpg" width="520" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Frederic Tudor</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como intervenção médica, a aventura do
irmão de Tudor no Caribe foi um completo desastre. Mas o sofrimento provocado
pela inevitável umidade dos trópicos nas regalias de um cavalheiro do século
XIX propiciou uma ideia radical – alguns diriam absurda – para o jovem Frederic
Tudor: se ele conseguisse uma forma de transportar gelo do congelado norte para
o Caribe, haveria um enorme mercado para ele. A história do comércio global já
tinha demonstrado que vastas fortunas podiam ser feitas transportando-se uma
mercadoria onipresente em certo ambiente para um local onde ela fosse escassa.
Para o jovem Tudor, o gelo parecia ajustar-se perfeitamente a essa equação:
quase inútil em Boston, o gelo seria inestimável em Havana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O comércio de gelo não era mais que um
palpite, contudo, por alguma razão, Tudor manteve-o vivo em sua mente durante o
luto, depois da morte do irmão, e ao longo dos anos sem rumo de um jovem de
posses na sociedade de Boston. Em algum momento, dois anos após a morte do
irmão, ele comunicou seu implausível esquema a seu irmão William e ao cunhado,
o também próspero Robert Gardiner. Poucos meses depois do casamento da irmã, Tudor
começou a escrever um diário. No frontispício, ele desenhou um esboço do
edifício Rockwood, que há muito permitia à sua família escapar do calor do
verão. Ele chamou-o de “Ice House diary”. A primeira anotação era: “Plano etc.
para o transporte de gelo para climas tropicais. Boston, 1o de agosto de 1805.
William e eu resolvemos neste dia juntarmos nossos recursos e embarcar no
empreendimento de transportar gelo para o Caribe no próximo inverno.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A anotação era típica do comportamento de
Tudor: alegre, confiante, quase comicamente ambiciosa. (O irmão William parecia
menos convencido da viabilidade do esquema.) A confiança de Tudor em seu
projeto derivava do valor final que o gelo obteria em seu caminho até os
trópicos: “Em um país onde o calor é quase insuportável em algumas estações do
ano”, ele escreveu em anotação posterior, “onde às vezes a necessidade primária
da vida, a água, não pode ser obtida, a não ser em estado tépido, o gelo deve
ser considerado um luxo muito maior que os outros.” O comércio de gelo estava
destinado a dotar os irmãos Tudor de “fortunas tão grandes que nem saberíamos o
que fazer com elas”. Tudor parece ter dado menos atenção aos desafios de
transportar o gelo. Em correspondência do período, Tudor relata histórias de
terceiros – quase certamente apócrifas –, de sorvete enviado intacto da
Inglaterra a Trinidad, como primeira prova de que seu plano iria funcionar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ao ler o “Ice House diary” agora, podemos
ouvir a voz de um jovem acometido pela febre da convicção, fechando suas defesas
cognitivas contra dúvidas e contra-argumentos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por mais iludido que Frederic possa
parecer, ele tinha uma coisa a seu favor: os meios para colocar em movimento a
incrível façanha de seu plano. Tinha dinheiro suficiente para arrendar um navio
e uma infinita fonte de gelo fabricado pela mãe natureza a cada inverno. Assim,
em novembro de 1805, Tudor enviou seu irmão e o primo para a Martinica como guarda
avançada, com instruções para negociar os direitos exclusivos sobre o gelo que seguiria
vários meses depois. Enquanto esperava por notícias de seus emissários, Tudor comprou
um navio chamado <i>Favorite</i> por US$
4.750 e começou a colheita do gelo como preparativo para a viagem. Em
fevereiro, Tudor zarpou do porto de Boston, com o <i>Favorite</i> portando uma carga completa de gelo de Rockwood, com destino
ao Caribe. O esquema de Tudor foi corajoso o suficiente para atrair a atenção
da imprensa, embora o tom tenha deixado algo a desejar. “Não é uma piada”,
informou a <i>Boston Gazette</i>. “A
embarcação com uma carga de oitenta toneladas de gelo zarpou desse porto para a
Martinica. Esperamos que isso não se revele uma especulação escorregadia.” <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O escárnio do jornal se mostraria bem
fundamentado, embora não pelas razões esperáveis. Apesar de inúmeros atrasos
relacionados ao clima, o gelo sobreviveu à jornada em ótima forma. O problema
apareceu num aspecto em que Tudor nunca havia pensado. Os moradores da ilha da
Martinica não se interessaram pelos benefícios daquele exótico gelo. Eles simplesmente
não sabiam o que fazer com aquilo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No mundo moderno, estamos habituados com a
ideia de que um dia normal envolve a exposição a uma ampla variação de
temperaturas. Gostamos de tomar café quente de manhã e sorvete de sobremesa, à
tarde. Aqueles de nós que vivem em climas com verões quentes transitam entre o
ar-condicionado dos escritórios e a mais brutal umidade; onde o inverno impõe
as regras, nos agasalhamos bem, nos aventuramos pelas ruas geladas e aumentamos
o termostato quando voltamos para casa. Mas a esmagadora maioria dos seres
humanos que vivia em climas equatoriais em 1800 literalmente nunca tinha
experimentado alguma coisa fria, nem uma vez. A ideia de água congelada era tão
fantasiosa para os moradores da Martinica quanto um iPhone. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As misteriosas, quase mágicas,
propriedades do gelo acabariam afinal aparecendo em um dos grandes textos de
introdução da literatura do século XX, <i>Cem
anos de solidão</i>, de Gabriel García Márquez: “Muitos anos depois, diante do
pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde
remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.” Buendía lembrou-se de uma
série de feiras itinerantes realizadas por ciganos durante sua infância, cada
qual mostrando uma nova tecnologia extraordinária. Os ciganos exibiam lingotes
magnéticos, telescópios e microscópios; mas nenhuma dessas conquistas da engenharia
impressionou tanto os moradores da imaginária cidade sul-americana de Macondo quanto
um bloco de gelo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas às vezes a simples novidade de um
objeto pode tornar difícil discernir sua utilidade. Esse foi o primeiro
equívoco de Tudor, apostar que a novidade absoluta do gelo seria um ponto a seu
favor. Ele esperava que os blocos de gelo superassem todos os outros luxos. Em
vez disso, eles apenas receberam olhares indiferentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A indiferença diante dos poderes mágicos
do gelo impediu que o irmão de Tudor, William, encontrasse um comprador
exclusivo para a carga. Pior ainda, ele não conseguiu estabelecer um local
adequado para armazenar a carga. Havia percorrido todo o caminho para a
Martinica, mas deparou com a ausência de demanda para um produto que derretia
ao calor tropical em ritmo alarmante. Postou panfletos ao redor da cidade
incluindo instruções específicas sobre como transportar e preservar o gelo, mas
encontrou parcos compradores. Ele conseguiu fazer um pouco de sorvete,
impressionando alguns moradores locais, que acreditavam que a iguaria não
poderia ser criada tão perto do equador. Em última análise, a viagem foi um
completo fracasso. Em seu diário, Tudor estimou que tivesse perdido quase US$ 4
mil em sua desventura tropical.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O TRISTE PADRÃO da viagem à Martinica se
repetiria nos anos seguintes, com resultados cada vez mais catastróficos. Tudor
enviou uma série de navios com gelo para o Caribe, obtendo apenas um ligeiro
aumento na demanda do produto. Enquanto isso, a fortuna da família entrou em
colapso, e os Tudor retiraram-se para a fazenda da família em Rockwood, que,
como a maioria das terras da Nova Inglaterra, tinha perspectivas agrícolas
muito parcas. Colher gelo era a última esperança da família. Contudo, era uma
esperança que quase todos em Boston ridicularizavam abertamente, e uma série de
naufrágios e embargos tornaram essa visão escarnecedora cada vez mais
verdadeira. Em 1813, Tudor foi atirado à prisão dos caloteiros. Alguns dias
depois, ele escreveu a seguinte anotação em seu diário:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Segunda-feira, dia 9, instante em
que fui preso ... e trancado como devedor na prisão de Boston. ... Nesse dia
memorável em minhas pequenas crônicas eu tenho 28 anos, seis meses e cinco dias
de idade. Esse é um evento que eu não poderia ter evitado, mas é um clímax do
qual tinha esperança de ter escapado, pois meus negócios afinal parecem
caminhar bem, depois de uma luta terrível contra circunstâncias adversas,
durante sete anos – porém, aconteceu, e tenho me esforçado para enfrentá-lo
como faria com a tempestade do céu, a qual deve servir para fortalecer, e não
para reduzir o espírito de um verdadeiro homem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O novo empreendimento de Tudor sofreu duas
grandes desvantagens. Ele tinha um problema de demanda, pois a maioria de seus
clientes potenciais não entendia como o produto podia ser útil. E havia a
questão do armazenamento: ele perdia muito do produto para o calor, em
particular quando chegava aos trópicos. Mas sua base na Nova Inglaterra propiciava
uma vantagem crucial, além do próprio gelo. Ao contrário do Sul dos Estados
Unidos, com suas plantações de açúcar e campos de algodão, os estados do
Nordeste em grande parte eram desprovidos de recursos naturais que pudessem ser
vendidos em outro lugar. Isso significava que os navios tendiam a deixar o
porto de Boston vazios, rumando para o Caribe a fim de encher seus porões com
cargas valiosas, antes de regressar aos mercados ricos da Costa Leste. Pagar a
uma tripulação para conduzir um navio sem carga era queimar dinheiro. Qualquer
carga era melhor que nada, o que significava que Tudor poderia negociar tarifas
mais baixas para carregar seu gelo no que seria um navio sem carga, evitando a
necessidade de comprar e manter sua própria frota.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Parte da beleza do gelo, sem dúvida, era
ser basicamente gratuito. Tudor só precisava pagar a trabalhadores para moldar
os blocos retirados dos lagos congelados. A economia da Nova Inglaterra
constava de outro produto igualmente inútil, a serragem, o principal refugo das
serrarias. Após anos experimentando diferentes soluções, Tudor descobriu que a
serragem era um excelente isolante para o gelo. Blocos em camadas, uns em cima
dos outros, separados com serragem, duravam quase o dobro do tempo que o gelo
desprotegido. Essa foi a frugal genialidade de Tudor: ele pegou três coisas que
tinham custo zero – gelo, pó de serra e um navio vazio – e os transformou num
próspero negócio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A catastrófica viagem inicial de Tudor
para a Martinica deixou claro que ele precisava de um armazém nos trópicos que
pudesse controlar; era muito perigoso manter seu produto perecendo em prédios
não especificamente projetados para isolar o gelo do calor do verão. Ele tentou
vários projetos de depósitos de gelo, até finalmente se decidir por uma estrutura
de dupla camada que utilizava o ar entre duas paredes de pedra para manter o
interior fresco. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudor não entendia a base química
molecular dessa decisão, mas tanto a serragem quanto a arquitetura da dupla
camada tinham o mesmo princípio. Para o gelo derreter, era preciso retirar
calor do ambiente circundante, quebrando o elo tetraédrico dos átomos de
hidrogênio que propicia a estrutura cristalina do gelo. (A extração do calor a
partir do ambiente circundante é que confere ao gelo sua capacidade milagrosa
de nos refrescar.) O único lugar em que a troca de calor pode ocorrer é a
superfície do gelo, e é por isso que os grandes blocos sobrevivem por tanto
tempo – todas as ligações do hidrogênio de seu interior estão perfeitamente
isoladas da temperatura exterior. Se você tenta proteger o gelo do calor
externo com algum tipo de substância que conduz o calor de forma eficiente – um
metal, por exemplo –, as ligações do hidrogênio logo se decompõem em água. Mas
se você criar, entre o calor externo e o gelo, um tampão que conduz o calor
precariamente, o gelo preservará seu estado cristalino por muito mais tempo.
Como condutor térmico, o ar é cerca de 2 mil vezes menos eficiente que o metal
e mais de vinte vezes menos eficiente que o vidro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seus depósitos de gelo, a estrutura de
dupla camada de Tudor criou um isolante de ar que mantinha o calor do verão
longe do gelo. Os invólucros de serragem nos navios criavam inúmeros bolsões de
ar entre as aparas de madeira que mantinham o gelo isolado. Isolantes modernos,
como o isopor, contam com a mesma técnica: o cooler que você leva no piquenique
conserva a melancia gelada porque é feito de cadeias de poliestireno
intercaladas com pequenos bolsões de gás.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1815, Tudor tinha afinal montado as
peças-chave do quebra-cabeça do gelo: colheita, isolamento, transporte e
armazenamento. Ainda perseguido por credores, ele começou a fazer embarques
regulares para um depósito de gelo de alta tecnologia que construíra em Havana,
onde o apetite por sorvetes teve lenta maturação. Passados quinze anos desde
seu palpite inicial, o comércio de gelo de Tudor finalmente deu lucro. Na
década de 1820, ele tinha por toda a América do Sul depósitos de gelo lotados
de água congelada da Nova Inglaterra. Na década de 1830, os navios navegavam para
o Rio de Janeiro e Bombaim. (A Índia acabaria por se revelar o mercado mais
lucrativo.) Quando morreu, em 1864, Tudor havia acumulado uma fortuna de mais
de US$ 200 milhões em valor atual.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Três décadas depois de sua fracassada
primeira viagem, Tudor escreveu as seguintes palavras no diário:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Neste mesmo dia eu parti de
Boston trinta anos atrás, no <i>Brig.
Favorite Capt. Pearson</i>, para a Martinica, com a primeira carga de gelo. No
ano passado enviei mais de trinta cargas de gelo, e quarenta mais foram enviadas
por outras pessoas. ... O negócio está estabelecido. Não pode ser abandonado
agora nem depender apenas de uma única vida. A humanidade terá a bênção para
sempre, morra eu logo ou tenha longa vida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O triunfante (embora muito atrasado)
sucesso de Tudor vendendo gelo ao redor do mundo parece implausível para nós
hoje, não só porque é difícil imaginar blocos de gelo sobrevivendo à travessia
de Boston a Bombaim. Há uma curiosidade adicional, quase filosófica, nesse
negócio do gelo. A maior parte do comércio de bens naturais envolve substâncias
que prosperam em ambientes de alta energia. Cana-de-açúcar, café, chá, algodão
– mercadorias em demanda nos séculos XVIII e XIX – eram fruto do calor
escaldante de climas tropicais e subtropicais; os combustíveis fósseis que
agora circulam pelo planeta em petroleiros e oleodutos são simplesmente energia
solar captada e armazenada pelas plantas há milhões de anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1800, era possível ganhar uma fortuna
pegando coisas que só cresciam em ambientes de alta energia e enviando-as para
climas de baixa energia. Mas o comércio de gelo – talvez o único exemplo na
história do comércio global – reverteu esse padrão. O que tornou o gelo valioso
foi precisamente o estado de baixa energia do inverno da Nova Inglaterra,
combinado com a peculiar capacidade do gelo de armazenar essa baixa energia por
longos períodos de tempo. O dinheiro oriundo das colheitas dos trópicos causou
um aumento populacional em climas que podiam ser implacavelmente quentes, o
que, por sua vez, criou um mercado para um produto que lhe permitia mitigar o
calor. Na longa história do comércio humano, a energia sempre esteve
relacionada ao valor: quanto mais calor, mais energia solar, mais você podia crescer.
Contudo, num mundo que se inclinava para o calor produtivo das plantações de
cana de-açúcar e algodão, o frio também podia ter seu valor. Essa foi a grande
sacada de Tudor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
NO INVERNO DE 1846, Henry Thoreau viu
cortadores de gelo empregados por Frederic Tudor talharem blocos do lago Walden
com um arado puxado a cavalo. Parecia uma cena de Brueghel, homens trabalhando
em uma paisagem invernal com ferramentas simples, longe da era industrial que
trovejava em outras paragens. Mas Thoreau sabia que o trabalho deles estava
ligado a uma rede mais ampla. Em seus diários, ele escreveu um alegre devaneio
sobre o alcance global do comércio de gelo:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, parece que os encalorados
habitantes de Charleston e Nova Orleans, de Madras e Bombaim e Calcutá, bebem
da minha fonte. ... A água pura do Walden se mistura com a água sagrada do
Ganges. Com ventos favoráveis, é levada para além das fabulosas ilhas da
Atlântida e as Hespérides, faz o périplo de Hanno e, flutuando ao redor de Ternate
e Tidore e na foz do golfo Pérsico, derrete-se nas tempestades tropicais dos
mares da Índia e é descarregada em portos dos quais Alexandre apenas ouviu
falar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No mínimo, Thoreau subestimou o alcance
dessa rede global – pois o comércio de gelo criado por Tudor foi muito mais que
água congelada. Os olhares estupefatos que observaram o primeiro carregamento
de gelo de Tudor para a Martinica deram lugar, de uma forma lenta, mas
constante, a uma dependência cada vez maior do gelo. Bebidas refrigeradas com
gelo tornaram-se artigo essencial na vida nos estados do Sul. (Até hoje, os
americanos gostam muito mais de suas bebidas com gelo que os europeus, herança
distante da ambição de Tudor.) Em 1850, o sucesso de Tudor inspirou inúmeros
imitadores, e mais de 100 mil toneladas de gelo foram enviadas de Boston para o
mundo em um só ano. Em 1860, duas em cada três casas de Nova York contavam com
entregas diárias de gelo. Um relato da época descreve como o gelo estava
firmemente ligado aos rituais da vida diária:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em oficinas, gráficas, escritórios de
contabilidade, operários, linotipistas, funcionários juntam-se para ter seu
fornecimento diário de gelo. Cada escritório, canto ou recanto iluminado por um
rosto humano é também refrigerado pela presença desse cristal amigo, ... tão
bom como o óleo para a roda. Ele envolve todo o mecanismo humano em agradável
ação, gira as rodas do comércio e impulsiona o motor do ramo energético.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
dependência de gelo natural tornou-se tão grave que cada década ou cada inverno
excepcionalmente quentes provocavam um frenesi nos jornais com especulações
sobre a “falta de gelo”. Já em 1906, o <i>New
York Times</i> publicava manchetes alarmantes: “Gelo acima de US$ 0,40 e
racionamento à vista.” O jornal dava também o contexto histórico: “Em dezesseis
anos, Nova York jamais enfrentou uma perspectiva tão grande de falta de gelo
como este ano. Em 1890, houve muitos problemas, e todo o país teve de correr
atrás de gelo. Desde então, no entanto, as necessidades de gelo têm crescido
muito, e uma carência agora é um problema muito mais sério que era então.” Em
menos de um século, o gelo tinha deixado de ser uma curiosidade para se tornar
um luxo e depois uma necessidade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A refrigeração utilizando gelo alterou o
mapa dos Estados Unidos, e em nenhum outro lugar a transformação foi mais
acentuada que em Chicago. A explosão inicial de crescimento em Chicago se deu
pela ligação de canais e linhas ferroviárias que conectavam a cidade tanto ao
golfo do México quanto às cidades da Costa Leste. Sua localização privilegiada
como centro de distribuição – por sua natureza e por uma das obras de
engenharia mais ambiciosas do século – fazia o trigo fluir das abundantes
planícies para os centros populacionais do Nordeste. Mas a carne não podia
fazer essa viagem sem estragar. A partir de meados do século, Chicago
desenvolveu um grande comércio de carne de porco em conserva, com os primeiros
currais de abate de porcos nos arredores da cidade, antes de enviar a
mercadoria para o Leste em barris. Mas a carne <i>in natura</i> continuou basicamente uma iguaria local.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, à medida que o século
avançava, desenvolveu-se um desequilíbrio de oferta e demanda entre as cidades
famintas do Nordeste e o rebanho do Centro-Oeste. A imigração aumentava a
população de Nova York e Filadélfia, bem como de outros centros urbanos, nos
anos 1840 e 1850, e a oferta de carne local não conseguia atender ao aumento da
demanda das cidades em crescimento. Enquanto isso, a conquista das grandes
planícies permitia aos fazendeiros criar grandes manadas de gado sem uma base
populacional correspondente de seres humanos para alimentar. Era possível enviar
animais vivos de trem para matadouros locais nos estados do Leste, mas o
transporte de vacas inteiras era caro, e os animais costumavam ficar
desnutridos ou se feriam no trajeto. Quase metade estava intragável no momento
em que chegava a Nova York ou Boston.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwUx8p0B83B-jTDGlD2oo7C6OwlvmHDhDMd5Vy5gJBGoeg1gWzwhSkmvTcYFAD29NOIbrF9r6XS3K6ss4mFyhh-l6qO-wT6WB_ZZFTGTCE5KPeUfIUQ08p98aBFp26oxP9E94Y97f3o0BY/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_12.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwUx8p0B83B-jTDGlD2oo7C6OwlvmHDhDMd5Vy5gJBGoeg1gWzwhSkmvTcYFAD29NOIbrF9r6XS3K6ss4mFyhh-l6qO-wT6WB_ZZFTGTCE5KPeUfIUQ08p98aBFp26oxP9E94Y97f3o0BY/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_12.jpg" width="458" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Blocos de gelo cortados de um lago flutuam na água, antes de ser armazenados num depósito, 1950.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi o gelo que afinal forneceu uma maneira
de contornar esse impasse. Em 1868, o magnata da carne de porco, Benjamin
Hutchinson, construiu uma nova fábrica de embalagem, apresentando “salas
refrigeradas com gelo natural que permitiam embalar a carne de porco durante
todo o ano, uma das principais inovações na indústria”, de acordo com Donald
Miller, em sua história de Chicago no século XIX, <i>City of the Century</i>. Este era o início de uma revolução que
transformaria não só Chicago, mas toda a paisagem natural na região central dos
Estados Unidos. Nos anos após o incêndio de 1871, as salas de refrigeração de
Hutchinson inspiraram outros empreendedores a integrar as facilidades do gelo
para a embalagem de alimentos. Aos poucos, iniciou-se o transporte de carne
para o Leste em vagões ao ar livre, durante o inverno, contando com a
temperatura ambiente para manter as carnes refrigeradas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1878, Gustavus Franklin Swift contratou
um engenheiro para construir um avançado carro frigorífico, projetado da estaca
zero para transportar carne para a Costa Leste durante todo o ano. O gelo foi
armazenado em caixas colocadas acima da carne; nas paradas ao longo da viagem,
os funcionários podiam trocar os blocos de gelo de cima por novos blocos, sem
perturbar a carne. “Foi essa aplicação da física elementar”, escreve Miller,
“que transformou o antigo comércio e abate de carne bovina locais em negócio
internacional, com carros refrigerados que resultaram naturalmente em navios
refrigerados, levando a carne de Chicago para os quatro continentes.” O sucesso
desse comércio mundial transformou a paisagem natural das planícies dos Estados
Unidos de modo ainda hoje visível: as vastas pradarias foram substituídas por
confinamentos industriais que, nas palavras de Miller, “criaram um sistema de
produção [de alimentos] que foi a mais poderosa força ambiental na
transformação da paisagem norte-americana desde que as geleiras da Idade do
Gelo começaram sua retirada final”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijCLZpbT4PB39LwLZUGiKnBNhfD8SJ0cFewU_66qcOUm4Ml0FbRs5rZ_784qWufUsd_1Xk2ksc6V-0Xy0JkHwwqAPFlnw39nHaVo8oGqPoyMeAnteEQQ3_DmM5GhjItO-XO805_x0Wi0u4/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_13.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="404" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijCLZpbT4PB39LwLZUGiKnBNhfD8SJ0cFewU_66qcOUm4Ml0FbRs5rZ_784qWufUsd_1Xk2ksc6V-0Xy0JkHwwqAPFlnw39nHaVo8oGqPoyMeAnteEQQ3_DmM5GhjItO-XO805_x0Wi0u4/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_13.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Garotos observam carregadores de gelo fazendo uma entrega no Harlem, 1936.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os currais de Chicago que surgiram nas
últimas duas décadas do século XIX eram, como Upton Sinclair escreveu, “a maior
agregação de trabalho e de capital já reunida num só lugar”. Quatorze milhões
de animais eram abatidos, em média, por ano. De muitas maneiras, o complexo
industrial de alimentos, tão desprezado pelos modernos defensores do “<i>slow food</i>”, começa com os estábulos de
Chicago e a rede de transporte refrigerado que se espalhou a partir dos currais
de engorda e dos matadouros. Progressistas como Upton Sinclair pintaram Chicago
como uma espécie de Inferno de Dante da industrialização, mas, na realidade, a
maior parte da tecnologia empregada nos currais teria sido reconhecida por um
açougueiro medieval. A forma mais avançada de tecnologia na cadeia inteira era
o vagão refrigerado. Theodore Dreiser acertou quando definiu a linha de
montagem dos estábulos como “um plano inclinado direto para a morte, a
dissecação e o refrigerador”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A história convencional diz que Chicago só
se tornou viável graças à invenção da ferrovia e à construção do canal Erie.
Mas isso conta apenas parte da história. O crescimento descontrolado de Chicago
nunca teria sido possível sem as propriedades químicas peculiares da água, sua
capacidade de armazenamento e liberação lenta do frio com um mínimo de
intervenção humana. Se, por alguma razão, as propriedades químicas da água
líquida fossem diferentes, a vida na Terra também teria uma forma radicalmente
diversa (ou, mais provavelmente, nem teria evoluído). Se a água também não
tivesse a peculiar aptidão para se congelar, quase certamente a trajetória da
América do século XIX teria sido diferente. Você poderia enviar especiarias ao
redor do mundo sem as vantagens da refrigeração, mas não poderia enviar carne.
O gelo tornou imaginável um novo tipo de distribuição de alimento. Nós pensamos
em Chicago como uma cidade de ombros largos, de impérios ferroviários e
matadouros. Mas é igualmente verdadeiro dizer que ela foi construída sobre as
ligações tetraédricas do hidrogênio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
SE AMPLIARMOS nossas referências e
olharmos para o comércio de gelo no contexto da história da tecnologia, há algo
intrigante, quase anacrônico, na inovação de Tudor. Afinal, estávamos em meados
do século XIX, uma era de fábricas alimentadas a carvão, com estradas de ferro
e linhas telegráficas conectando as grandes cidades. O setor de ponta da
tecnologia do frio ainda se baseava no corte de pedaços de água congelada de um
lago. Os seres humanos vinham fazendo experiências com a tecnologia do calor
pelo menos há 100 mil anos, desde o domínio do fogo – talvez a primeira
inovação do <i>Homo sapiens</i>. Mas a outra
extremidade do espectro térmico é muito mais desafiadora. Depois de um século
de Revolução Industrial, o frio artificial ainda era uma ficção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A demanda comercial pelo gelo – todos
aqueles milhões de dólares fluindo na direção contrária dos trópicos, para os
barões do gelo da Nova Inglaterra – enviou um sinal pelo mundo de que havia
dinheiro a ser ganho a partir do frio, o que inevitavelmente levou algumas
cabeças inventivas à busca da próxima etapa lógica do frio artificial. Você poderia
pensar que o sucesso de Tudor iria inspirar uma nova geração de mercenários
empresários-inventores a criar a revolução na refrigeração feita pelo homem. No
entanto, por mais que reconheçamos a cultura de empresas tecnológicas no mundo
de hoje, nem sempre as inovações essenciais saem do setor privado. Novas ideias
nem sempre são motivadas, como as de Tudor, por sonhos de “fortunas tão grandes
que nem saberíamos o que fazer com elas”. A arte da invenção humana tem mais de
uma musa. Enquanto o comércio de gelo começou com o sonho de um jovem em busca
de riquezas incalculáveis, a história do frio artificial começou com uma
necessidade mais urgente e humanitária: um médico tentando manter vivos seus
pacientes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa é uma história que começa com
insetos: em Apalachicola, na Flórida, cidade de 10 mil habitantes que vivem ao
lado de um pântano, num clima subtropical, ambiente perfeito para a procriação
de mosquitos. Em 1842, essa abundância de mosquitos significava,
inevitavelmente, risco de malária. No modesto hospital do lugar, um médico
chamado John Gorrie sentia-se impotente diante de dezenas de pacientes ardendo
em febre.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desesperado por uma forma de reduzir a
temperatura dos pacientes, Gorrie tentou suspender blocos de gelo no teto do
hospital. Isso se revelou uma solução eficaz: os blocos de gelo esfriavam o ar;
o ar esfriava os pacientes. Com a febre reduzida, alguns pacientes sobreviveram
à doença. Mas a sagaz experiência de Gorrie, destinada a combater os efeitos
perigosos de climas subtropicais, acabou prejudicada por outro subproduto do
ambiente. A umidade tropical que fazia da Flórida um clima tão hospitaleiro
para os mosquitos também ajudou a criar outra ameaça: os furacões. Uma série de
naufrágios atrasou os embarques de gelo de Tudor, da Nova Inglaterra, deixando
Gorrie sem o suprimento habitual.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E assim o jovem médico começou a remoer
uma solução mais duradoura para o hospital: fazer seu próprio gelo. Felizmente
para Gorrie, por acaso aquele era o momento perfeito para ter essa ideia.
Durante milhares de anos, a ideia de produzir frio artificial foi quase
impensável para a civilização humana. Nós inventamos a agricultura, as cidades,
os aquedutos e a imprensa, mas o frio continuou fora dos limites do possível
por todos aqueles anos. De alguma forma, contudo, o frio artificial tornou-se
imaginável no meio do século XIX. Para usar a maravilhosa frase do teórico da
complexidade Stuart Kauffman, o frio tornou-se parte do “possível adjacente”
desse período.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxnt9JUMiY-RnAO7weCWxH-Trxv1YsDXsba8i1pO5d2s8p8L7DNHFdHLhK94tKOqbwykJ67XKj3sfFOVnFanScbm-MKd__J10X_Q9zvgBRxcsOfovgjlcY2kjMHLMlEWIscawzl1ASyjyV/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_14.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxnt9JUMiY-RnAO7weCWxH-Trxv1YsDXsba8i1pO5d2s8p8L7DNHFdHLhK94tKOqbwykJ67XKj3sfFOVnFanScbm-MKd__J10X_Q9zvgBRxcsOfovgjlcY2kjMHLMlEWIscawzl1ASyjyV/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_14.jpg" width="408" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Dr. John Gorrie</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como explicar essa descoberta? Não se
trata apenas do caso de um gênio solitário que chega com uma invenção brilhante
por ser mais inteligente que os outros. As ideias são fundamentalmente redes de
outras ideias. Tomamos ferramentas, metáforas, conceitos e compreensão
científica do nosso tempo e os recombinamos em algo novo. Mas se você não tem
os blocos de construção certos, não vai chegar a uma ruptura, por mais
brilhante que seja. A mente mais inteligente do mundo não poderia inventar uma
geladeira no meio do século XVII. Ela simplesmente não fazia parte do possível
adjacente naquele momento. Mas em 1850 as peças já tinham se juntado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A primeira coisa que tinha de acontecer
parece hoje quase cômica para nós: tivemos de descobrir que o ar era feito de
alguma coisa, que não era apenas um espaço vazio entre os objetos. Nos anos
1600, cientistas amadores descobriram um fenômeno bizarro, o vácuo, um ar que
na verdade parecia ser composto de nada e que se comportava de forma diferente
do ar normal. Chamas podiam ser extintas no vácuo; uma vedação a vácuo era tão
forte que duas parelhas de cavalos não conseguiam rompê-la. Em 1659, o
cientista inglês Robert Boyle colocou um pássaro numa jarra e sugou o ar com
uma bomba de vácuo. O pássaro morreu, como Boyle desconfiava que aconteceria,
mas, curiosamente, ele também congelou. Se o vácuo era tão diferente do ar
normal a ponto de extinguir a vida, isso significava que devia haver alguma
substância invisível que compunha o ar normal. Isso sugeriu que a alteração do
volume ou da pressão dos gases podia alterar sua temperatura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nosso conhecimento expandiu-se no século
XVIII, quando o motor a vapor obrigou os engenheiros a descobrir exatamente
como o calor se converte em energia inventando toda uma ciência da
termodinâmica. Ferramentas de medição de calor e peso de maior precisão foram
desenvolvidas, juntamente com escalas normatizadas, como as dos graus Celsius e
Fahrenheit. Como acontece com frequência na história da ciência e das
inovações, quando se dá um salto para diante na precisão das medidas, surgem
novas possibilidades.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Todos esses blocos de construção
circulavam na cabeça de Gorrie, como moléculas de um gás pululando, formando
novas conexões. Em seu tempo livre, ele começou a construir uma máquina de
refrigeração utilizando a energia de uma bomba para comprimir o ar. A
compressão aquecia o ar. A máquina refrigerava o ar comprimido, passando-o
pelos canos resfriados com água. Quando o ar é expandido, remove calor do
ambiente; e, assim como as ligações tetraédricas do hidrogênio dissolvem-se na
água líquida, a extração de calor refrigera o ar circundante. Aquilo podia até
ser usado para produzir gelo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por incrível que pareça, a máquina de
Gorrie funcionou. Não mais dependente do gelo enviado de mil quilômetros de
distância, ele reduziu a febre dos pacientes com frio caseiro. Gorrie solicitou
uma patente, prevendo corretamente um futuro em que o frio artificial, como
escreveu, “poderia servir melhor à humanidade. ... Frutas, legumes e carnes
serão preservados em trânsito pelo meu sistema de refrigeração, e assim serão apreciados
por todos!”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, apesar de seu sucesso como
inventor, Gorrie não chegou a lugar nenhum como homem de negócios. Graças ao
êxito de Tudor, o gelo natural era abundante e barato quando as tempestades não
perturbavam o comércio. Para piorar as coisas, Tudor lançou uma campanha de
difamação contra Gorrie, alegando que o gelo produzido por sua máquina era
infectado de bactérias. Esse foi um caso clássico de indústria dominante
sabotando uma nova tecnologia muito mais poderosa, da mesma forma que os
primeiros computadores com interfaces gráficas foram definidos por seus rivais
como “brinquedos”, e não como “máquinas sérias”. John Gorrie morreu pobre, sem
vender uma só máquina.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Todavia, a ideia do frio artificial não
morreu com Gorrie. Depois de milhares de anos de negligência, de repente o
mundo se iluminou com as patentes apresentadas para algumas alternativas de
refrigeração artificial. De repente a ideia estava em todos os lugares, não
porque as pessoas a tivessem roubado de Gorrie, mas porque haviam chegado, de
forma independente, à mesma arquitetura básica. Os blocos de construção
conceituais encontravam se finalmente no lugar, e assim a ideia de criar
artificialmente o ar frio de súbito estava “no ar”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essas patentes que percorrem o planeta são
exemplo de uma das grandes curiosidades da história da inovação, o que os
estudiosos chamam hoje de “invenção múltipla”. Invenções e descobertas
científicas tendem a vir em grupos, quando um punhado de investigadores
geograficamente dispersos tropeça na mesma descoberta de forma independente. Na
verdade, o gênio isolado que surge com uma ideia que ninguém poderia sequer
sonhar é a exceção, não a regra. A maioria das descobertas torna-se imaginável
num momento muito específico da história, e a partir daí várias pessoas começam
a pensar nelas. A bateria elétrica, a telegrafia, a máquina a vapor e a
biblioteca digital de música foram inventadas de forma independente por vários
indivíduos num período de poucos anos. No início dos anos 1920, dois
professores da Universidade Columbia analisaram a história das invenções e
produziram um maravilhoso ensaio chamado “Are inventions inevitable?”. Eles
descobriram 148 casos de invenções simultâneas, a maioria ocorrendo na mesma
década. Outras centenas foram descobertas desde então.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com a refrigeração não foi diferente. O
conhecimento da termodinâmica e da química básica do ar, combinado com as
fortunas iniciadas com o comércio de gelo, tornou o frio artificial maduro para
a invenção. Um desses inventores simultâneos foi o engenheiro francês Ferdinand
Carré, que projetou, de forma independente, uma máquina de refrigeração que
seguia os mesmos princípios básicos utilizados por Gorrie. Ele construiu
protótipos da máquina de refrigeração em Paris, mas sua ideia acabaria por triunfar
devido a eventos que se desdobraram do outro lado do Atlântico: um tipo
diferente de fome de gelo na região Sul dos Estados Unidos. Após a eclosão da
Guerra Civil, em 1861, a União bloqueou os estados do Sul a fim de paralisar a
economia dos Confederados. A Marinha da União interrompeu o fluxo de gelo de
forma mais eficaz que as tempestades que agitavam as águas da corrente do golfo
do México. Tendo estabelecido uma dependência econômica e cultural do comércio
de gelo, os encalorados estados do Sul viram-se de repente diante da
desesperada necessidade de frio artificial.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
À medida que a guerra avançava, embarques
de mercadorias contrabandeadas conseguiam eventualmente furar o bloqueio
durante a noite e aportar em praias ao longo das costas do Atlântico e do
golfo. Mas os traficantes não transportavam apenas cargas de pólvora e de
armas. Às vezes traziam produtos muito mais inusitados: máquinas de fazer gelo
baseadas no projeto de Carré. Esses novos dispositivos utilizavam amoníaco como
refrigerante e podiam cuspir 180 quilos de gelo por hora. Máquinas de Carré
eram transportadas da França para Geórgia, Louisiana e Texas. Uma rede de
inovadores ajustou as máquinas de Carré, melhorando sua eficiência. Abriu-se um
punhado de fábricas de gelo, marcando sua estreia no palco principal da
industrialização. Em 1870, os estados do Sul produziam mais gelo artificial que
qualquer outro lugar do mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nas décadas que se seguiram à Guerra
Civil, a refrigeração artificial eclodiu, e o comércio de gelo natural começou seu
lento declínio rumo à obsolescência. A refrigeração tornou-se uma grande
indústria, medida não apenas pelo dinheiro que mudava de mãos, mas também pelo
tamanho dos engenhos: monstruosas máquinas a vapor pesando centenas de
toneladas, mantidas por um exército de engenheiros em tempo integral. Na virada
do século XX, Tribeca, em Nova York – bairro que agora abriga alguns dos <i>lofts</i> mais caros do mundo –, era
essencialmente um refrigerador gigante, blocos inteiros de edifícios sem
janelas projetados para resfriar o fluxo interminável de produtos do mercado de
alimentos de Washington.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quase tudo na história do frio do século
XIX girava em torno de fazê-lo cada vez maior, mais ambicioso. No entanto, a
próxima revolução no frio artificial seguiria em direção oposta. O frio estava
prestes a ficar pequeno. Aqueles longos blocos de refrigeradores de Tribeca
logo encolheriam para caber em cada cozinha dos Estados Unidos. Ironicamente,
porém, essa miniaturização do frio artificial acabaria desencadeando mudanças
tão grandes na sociedade humana que se tornaram visíveis até do espaço sideral.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
NO INVERNO DE 1916, um excêntrico
naturalista e empresário se mudou com sua jovem família para as remotas
planícies de Labrador. Ele já tinha passado vários invernos ali, sozinho,
criando raposas, iniciando uma empresa de peles e, ocasionalmente,
transportando animais e fornecendo informações para a U.S. Biological Survey.
Cinco semanas após o nascimento do filho, sua esposa e o bebê juntaram-se a
ele. Labrador não era, para dizer o mínimo, o lugar ideal para um
recém-nascido. O clima era implacável, com temperaturas atingindo regularmente
menos 35°, e a região era totalmente desprovida de modernas instalações
médicas. A comida também deixava muito a desejar. O clima sombrio em Labrador
significava que tudo o que se comia no inverno era congelado ou em conserva;
com exceção do peixe, não havia nenhuma fonte de alimentos frescos. Uma
refeição típica seria o que os moradores locais chamavam de<i> brewis</i>: bacalhau salgado com um pão duro como pedra, cozidos e
guarnecidos com <i>scrunchions</i>, pedaços
fritos de gordura de porco salgada. Qualquer carne ou produto que estivesse
congelado virava uma papa sem gosto logo que descongelado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0Nkjp0z3WYPIfPopylB8Klkr9Zrg4cWwgt4opfnlgh4Q3WB7LjR6QYxTVZSLGTXb0hlD89NUPgCn9CjTiOfKvMYYyhrzEUgIbCtLW4v0q5aRR3DkvaEXYFg9MaB2UcysuWcYCTAp5nyoo/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_15.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0Nkjp0z3WYPIfPopylB8Klkr9Zrg4cWwgt4opfnlgh4Q3WB7LjR6QYxTVZSLGTXb0hlD89NUPgCn9CjTiOfKvMYYyhrzEUgIbCtLW4v0q5aRR3DkvaEXYFg9MaB2UcysuWcYCTAp5nyoo/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_15.jpg" width="492" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Anúncio de geladeira e freezer da General Electric, 1949.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o naturalista era um gourmet
aventureiro, fascinado pela culinária de diferentes culturas. (Em seus diários,
ele registrou que comia de tudo, de cascavel a gambá.) Por isso, aprendeu a
pescar no gelo com alguns dos esquimós locais, abrindo buracos em lagos
congelados e lançando uma linha para pescar trutas. Com temperaturas do ar
muito abaixo de zero, um peixe retirado do lago congelava em questão de
segundos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sem querer, o jovem naturalista tinha
topado com um poderoso experimento científico ao se sentar para comer com a
família em Labrador. Ao descongelarem a truta das expedições de pesca no gelo,
eles descobriram que o peixe tinha um sabor muito mais fresco que a comida habitual.
A diferença era tão marcante que ele ficou obcecado para descobrir por que as
trutas congeladas mantinham o sabor de forma tão eficaz. Assim, Clarence
Birdseye iniciou uma investigação que acabaria por estampar seu nome nas
embalagens de ervilhas congeladas e varas de pesca em supermercados pelo mundo
todo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em primeiro lugar, Birdseye concluiu que a
truta preservava o frescor simplesmente porque tinha sido pescada há menos
tempo. Mas, ao continuar estudando o fenômeno, começou a considerar que havia
outro fator em ação. Para começar, trutas pescadas no gelo mantinham o sabor
por meses, ao contrário de outros peixes congelados. Birdseye começou
experimentando legumes congelados, e descobriu que os produtos congelados em
pleno inverno por alguma razão tinham sabor melhor que os congelados no final
do outono ou no início da primavera. Ele analisou a comida com um microscópio e
notou uma diferença marcante nos cristais de gelo formados durante o processo
de congelamento: o produto congelado que perdia seu sabor tinha cristais
significativamente maiores, que pareciam quebrar a estrutura molecular do
próprio alimento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Afinal Birdseye encontrou uma explicação
coerente para a radical diferença de sabor: tudo tinha a ver com a velocidade
do processo de congelamento. Um congelamento lento permitia que as ligações de
hidrogênio do gelo formassem configurações cristalinas maiores. Mas um
congelamento que acontece em segundos – “congelamento-relâmpago”, como chamamos
hoje – gerava cristais muito menores, que causavam menos danos ao alimento. Os
pescadores esquimós não tinham pensado nisso em termos de cristais e moléculas,
mas já vinham saboreando os benefícios do congelamento-relâmpago há séculos,
puxando peixes vivos da água para entrar em choque com o ar frio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
À medida que continuava suas experiências,
uma ideia começou a se formar na cabeça de Birdseye: com a refrigeração
artificial cada vez mais comum, o mercado de alimentos congelados poderia ser
imenso, se o problema da qualidade fosse resolvido. Assim, como Tudor fizera
antes, Birdseye começou a tomar notas sobre suas experiências com o frio. E,
como Tudor, continuou a pensar na ideia por uma década antes que ela se
transformasse em alguma coisa comercialmente viável. Não foi uma epifania
repentina ou um lampejo momentâneo, mas algo muito mais lento, uma ideia que
toma forma, passo a passo, ao longo do tempo. Foi o que gosto de chamar de
“palpite lento” – o contrário do “lampejo instantâneo”, uma ideia que vai
entrando em foco ao longo de décadas, não em segundos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzlp4a_HvVXpX-Rebp2osu6hrnkfhqfBgHeRByWJRZXcjw1pYCLLgK0RwQ1dfmZb59UOZAwEO5J3XOulr8a5pnTB5X6q52NvUUFdZGD0jkWmqvZe-jxArbv74XU9oEQL8VFupHbcLJKMyZ/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_16.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzlp4a_HvVXpX-Rebp2osu6hrnkfhqfBgHeRByWJRZXcjw1pYCLLgK0RwQ1dfmZb59UOZAwEO5J3XOulr8a5pnTB5X6q52NvUUFdZGD0jkWmqvZe-jxArbv74XU9oEQL8VFupHbcLJKMyZ/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_16.jpg" width="458" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Clarence Birdseye em Labrador, Canadá, 1912.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A primeira inspiração para Birdseye tinha
sido o auge do frescor: a truta puxada de um lago congelado. Mas a segunda
seria exatamente o oposto: o casco de um navio de pesca comercial cheio de
bacalhau apodrecendo. Depois da aventura em Labrador, Birdseye voltou para casa
em Nova York e trabalhou com a Associação de Pesca, onde viu em primeira mão as
péssimas condições que caracterizavam a empresa de pesca comercial. Birdseye
escreveria mais tarde:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A ineficiência e a falta de
saneamento na distribuição de peixe fresco me deixaram tão enojado que me
empenhei em desenvolver um método que permitisse a remoção de resíduos não
comestíveis de alimentos perecíveis nos pontos de produção, embalando-os em
recipientes compactos e convenientes e distribuindo-os para as donas de casa
com o seu frescor intrínseco intacto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nas primeiras décadas do século XX, o
negócio de comida congelada ainda era visto como o fundo do poço. Você podia
comprar peixe congelado ou congelar você mesmo, mas ele era considerado
intragável. (Na verdade, a comida congelada era tão terrível que foi banida das
prisões do estado de Nova York por estar abaixo dos padrões culinários dos
presidiários.) Um dos principais problemas era que a comida era congelada a
temperaturas relativamente elevadas, muitas vezes a poucos graus abaixo do
ponto de congelamento. No entanto, os avanços científicos ao longo das décadas
anteriores tornaram possível produzir artificialmente temperaturas iguais às de
Labrador.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No início da década de 1920, Birdseye
tinha desenvolvido um processo de congelamento rápido utilizando caixas
empilhadas de peixe congelado a menos 40°. Inspirado pelo novo Modelo T, da
fábrica de Henry Ford, ele criou um “congelador de correia dupla”, que acompanhava
o processo de congelamento ao longo de uma linha de produção mais eficaz. Utilizando
essas novas técnicas de produção, ele abriu uma empresa chamada General Seafood.
Birdseye descobriu que quase tudo que congelava com esse método – frutas,
carnes, legumes – se mantinha extremamente fresco depois do descongelamento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyUwl29hCHLBC01XMk4qU61dpNPPqz9fa9UTzxLOGq4j166ok60b9ripBJEpDitnioGMmHDrtq4cPBwiRH5HSv4MsEoM6DzFsI_vspC0WrzfspLoO7DbbFHZ_r3EQeWZhsGCyqXLDzVMrJ/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_17.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyUwl29hCHLBC01XMk4qU61dpNPPqz9fa9UTzxLOGq4j166ok60b9ripBJEpDitnioGMmHDrtq4cPBwiRH5HSv4MsEoM6DzFsI_vspC0WrzfspLoO7DbbFHZ_r3EQeWZhsGCyqXLDzVMrJ/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_17.jpg" width="514" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Clarence Birdseye faz experiências com cenouras picadas para determinar os efeitos de várias velocidades de agitação e velocidades do ar no alimento.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Levou mais de uma década para os alimentos
congelados se tornarem um dos principais produtos da dieta americana. (Isso
exigiu uma massa crítica de freezers, em supermercados e nas cozinhas das
casas, só plenamente atendida nos anos do pós-guerra.) Mas as experiências de
Birdseye foram tão promissoras que em 1929, poucos meses antes do crash da bolsa
de valores, a General Seafood foi adquirida pela Postum Cereal Company, que
imediatamente mudou o nome para General Foods. As aventuras de Birdseye com a
pesca no gelo o tornaram multimilionário. Seu nome permanece nas embalagens de
filés de peixe congelados até hoje.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjj9DcNXQt47TbWnGdEYvdMkq7kq_3rN4eIldvVDrT0N6yWnbK9dt1aC90Xl59k0VAOGczUJH5cSUcZNi9ENdw-k2vlQa3CwgM3B-FK5m-5oDf-uwzQDWftqGbsNutUYEJFUECibDV6Yyr/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_18.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="514" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjj9DcNXQt47TbWnGdEYvdMkq7kq_3rN4eIldvVDrT0N6yWnbK9dt1aC90Xl59k0VAOGczUJH5cSUcZNi9ENdw-k2vlQa3CwgM3B-FK5m-5oDf-uwzQDWftqGbsNutUYEJFUECibDV6Yyr/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_18.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Trabalhador de macacão examina caixas de ervilhas congeladas transportadas numa esteira, entre 1922 e 1950.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A inovação dos alimentos congelados de
Birdseye tomou forma como lenta intuição, mas também surgiu como uma espécie de
colisão entre vários e diferentes espaços geográficos e intelectuais. Para
imaginar um mundo de alimentos congelados, Birdseye precisou vivenciar os
desafios de alimentar a família no clima ártico, em meio a um frio brutal;
precisou passar um tempo com os pescadores esquimós; precisou inspecionar os
contêineres imundos dos pesqueiros de bacalhau nos portos de Nova York; precisou
do conhecimento científico de como produzir temperaturas muito abaixo de zero;
precisou do conhecimento industrial de como construir uma linha de produção.
Como toda grande ideia, a inovação de Birdseye não foi um simples insight, mas
uma <i>rede</i> de outras ideias, entrelaçadas
em nova configuração. O que tornou a ideia de Birdseye tão poderosa não foi apenas
seu gênio individual, mas a diversidade de lugares e formas de conhecimento que
conseguiu reunir.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em nossa era de produção de alimentos
artesanais com recursos locais, as refeições prontas congeladas, servidas em
bandejas, surgidas nas décadas seguintes à descoberta de Birdseye caíram em
desuso. Mas, em sua encarnação original, os alimentos congelados tiveram
impacto positivo sobre a saúde, melhorando a qualidade nutritiva da dieta dos americanos.
A comida congelada ampliou o raio de distribuição de alimentos, tanto em termos
de tempo quanto de espaço. Produtos colhidos no verão podiam ser consumidos
meses mais tarde; peixes pescados no Atlântico Norte podiam ser consumidos em
Denver ou Dallas. Era melhor comer ervilhas congeladas em janeiro que esperar
cinco meses pelo produto fresco.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
NA DÉCADA DE 1950, os americanos tinham
adotado um estilo de vida profundamente moldado pelo frio artificial, comprando
comida congelada nos corredores refrigerados do supermercado local e
empilhando-a no congelador de suas novas geladeiras, que representavam o que
havia de mais recente em tecnologia de fabricação de gelo. Nos bastidores, toda
a economia do frio era sustentada por uma vasta frota de caminhões refrigerados
que transportavam as ervilhas congeladas Birds Eye (e suas inúmeras imitações) por
todo o país.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nessa icônica família americana dos anos
1950, o mais novo aparelho produtor de frio não estava armazenando filés de
peixe para o jantar nem fazendo gelo para os martínis. Estava resfriando (e
desumidificando) a casa inteira. O primeiro “aparelho para o tratamento de ar” foi
sonhado por um jovem engenheiro chamado Willis Carrier, em 1902. A história da invenção
de Carrier é um clássico nos anais das descobertas por acaso. Engenheiro de 25 anos,
Carrier foi contratado por uma empresa de impressão no Brooklyn para elaborar
um esquema que os ajudasse a manter a tinta sem manchas nos meses úmidos do
verão. A invenção de Carrier não apenas removeu a umidade da sala de impressão,
como também refrigerou o ar. Ele notou que, de repente, todo mundo queria
almoçar ao lado das prensas, e assim começou a projetar engenhocas que seriam
construídas para regular a temperatura e a umidade nos espaços internos. Em
alguns anos, Carrier havia formado uma empresa – ainda hoje um dos maiores
fabricantes de ar-condicionado no mundo – que se concentrou nos usos industriais
da tecnologia. Mas ele estava convencido de que o ar-condicionado devia também pertencer
às massas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnUEuqrlXWsiRLrHCzQ7QOA8VHFwno-vfqoo4YCHfnjbfy19H70LkbD6E8UU64DEsIZh1R519cWBipfFZfq-qPJq6Nqlk0r8XO_NLjOTWk2iWtmOd5TBqQN32nFj2ZUQQsMEubqpxLOYhe/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_19.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="486" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnUEuqrlXWsiRLrHCzQ7QOA8VHFwno-vfqoo4YCHfnjbfy19H70LkbD6E8UU64DEsIZh1R519cWBipfFZfq-qPJq6Nqlk0r8XO_NLjOTWk2iWtmOd5TBqQN32nFj2ZUQQsMEubqpxLOYhe/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_19.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Laboratório experimental da Carrier Corporation testa seu novo aparelho de ar-condicionado central de US$ 700, com capacidade para seis cômodos, que difunde o ar até o nível do chão; a névoa produzida na sala, chegando à altura de três metros, torna visível o ar mais frio, 1945.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O primeiro grande teste aconteceu no fim
de semana do Memorial Day de 1925, quando Carrier estreou um sistema
experimental de ar-condicionado no cinema Rivoli, o novo carro- chefe da
Paramount Pictures. Teatros eram lugares opressivos para se frequentar durante
os meses de verão. (Aliás, inúmeras casas de espetáculos de Manhattan
experimentaram a refrigeração à base de gelo durante o século XIX, com resultados
previsivelmente úmidos). Antes do ar-condicionado, a ideia de um sucesso de bilheteria
no verão teria parecido absurda. O último lugar em que você gostaria de estar
num dia quente era uma sala lotada com milhares de outros corpos suados. E foi
assim que Carrier convenceu Adolph Zukor, o lendário chefe da Paramount, de que
ele ganharia dinheiro investindo em ar-condicionado central para seus cinemas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihBWgasg67cS9KwcXlV2GjKAc4Xc9MGGJRR5Vp-rSvSf-cPWjf3g_TT4bzWu-iRSpjOyZgGIH03ufFW01UBUylN8yqgSvLUniTcFgxZv86oN5vAv2cnpmgivx_f9L4E8qAqcOv1IzmfgGf/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_20.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="558" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihBWgasg67cS9KwcXlV2GjKAc4Xc9MGGJRR5Vp-rSvSf-cPWjf3g_TT4bzWu-iRSpjOyZgGIH03ufFW01UBUylN8yqgSvLUniTcFgxZv86oN5vAv2cnpmgivx_f9L4E8qAqcOv1IzmfgGf/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_20.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Sistema de ar-condicionado na empresa de impressão Sackett & Wilhelms.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O próprio Zukor compareceu ao teste do fim
de semana do Memorial Day, acomodado discretamente numa das cadeiras do balcão.
Carrier e sua equipe tiveram algumas dificuldades técnicas para levantar o
aparelho e colocá-lo em funcionamento. Antes de o filme começar, a sala estava
repleta de fãs se abanando furiosamente com as mãos. Mais tarde, Carrier relatou
a cena em suas memórias:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Demora algum tempo para baixar a
temperatura de um teatro que se enche depressa de gente num dia de calor, mais
ainda com a casa lotada. De forma gradual, quase imperceptível, os leques foram
pousados no colo quando o efeito do ar condicionado tornou-se evidente. Somente
alguns calorentos crônicos persistiram, mas logo também pararam de se abanar.
... Depois fomos para o saguão e esperamos o sr. Zukor descer. Quando nos viu,
não esperou que pedíssemos sua opinião. Disse, laconicamente: “Sim, as pessoas
vão gostar disso.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
ENTRE 1925 E 1950, a maioria dos
americanos usufruía o ar-condicionado apenas em grandes espaços comerciais como
cinemas, lojas de departamentos, hotéis ou edifícios de escritórios. Carrier
sabia que o ar-condicionado estava se encaminhando para a esfera doméstica, mas
as máquinas eram muito grandes e caras para uma casa de classe média. A Carrier
Corporation ofereceu um vislumbre desse futuro como atração na Feira Mundial de
1939, “O Iglu do Amanhã”. Em uma bizarra estrutura que parecia um sorvete de
baunilha de cinco andares, Carrier apresentou as maravilhas do ar-condicionado
doméstico, acompanhadas por um esquadrão de “coelhinhas da neve”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas a visão de Carrier sobre a
refrigeração doméstica seria adiada pela eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Somente nos anos 1940, depois de quase cinquenta anos de experimentação, o
ar-condicionado afinal chegou às fachadas das casas, com o lançamento, no mercado,
das primeiras unidades encaixáveis nas janelas. Em meia década, os americanos
já instalavam mais de 1 milhão de unidades por ano. Quando refletimos sobre a
miniaturização do século XX, nossos pensamentos naturalmente gravitam em torno
do transistor ou do microchip, mas o marco do encolhimento do ar-condicionado
também merece seu lugar nos anais da inovação: uma máquina que chegou a ser maior
que uma cabine de caminhão e diminuiu até poder ser instalada numa janela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa redução logo desencadeou uma
extraordinária cadeia de eventos, comparando-se em muitos aspectos ao impacto
do automóvel no estabelecimento de padrões nos Estados Unidos. Lugares
intoleravelmente quentes e úmidos – inclusive algumas das cidades onde Frederic
Tudor tinha suado no verão quando jovem – de repente se tornaram suportáveis
para uma fatia muito maior do público em geral. Por volta de 1964, o fluxo histórico
de pessoas do Sul para o Norte, que caracterizou a era pós-Guerra Civil, tinha
sido revertido. A região Sul expandiu-se, com novos imigrantes vindos dos
estados mais frios, que conseguiam tolerar a umidade tropical ou o calor dos
climas desérticos graças ao ar-condicionado doméstico. Tucson disparou de 45
mil habitantes para 210 mil em apenas dez anos; Houston cresceu de 600 mil para
940 mil na mesma década.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhez1e85REoOY_PyEo_cSzpPeVgFMshM5ycvcxJKPuhAi07h-R3Zg_4F-cU3v6si2kCGI6A75oUKY7KXDRgfHwVM02nIUt0wQh5QCMN4rEHdgEk_x5mPHdnj-Awz0dC0wWw0z-udBY_c_HR/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_21.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="468" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhez1e85REoOY_PyEo_cSzpPeVgFMshM5ycvcxJKPuhAi07h-R3Zg_4F-cU3v6si2kCGI6A75oUKY7KXDRgfHwVM02nIUt0wQh5QCMN4rEHdgEk_x5mPHdnj-Awz0dC0wWw0z-udBY_c_HR/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_21.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Irvin Theatre, anos 1920</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na década de 1920, quando Willis Carrier
fez sua primeira demonstração do ar-condicionado para Adolph Zukor no Teatro
Rivoli, a população da Flórida era inferior a 1 milhão. Meio século depois, o
estado caminhava para se tornar um dos quatro mais populosos do país, com 10
milhões de pessoas se abrigando em casas com ar-condicionado nos meses úmidos
de verão. A invenção de Carrier circulou mais que apenas moléculas de oxigênio
e água. Acabou circulando <i>pessoas</i>
também.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Grandes mudanças na demografia têm
inevitáveis efeitos políticos. A migração para a região Sul mudou o mapa
político dos Estados Unidos. De reduto democrata, o Sul foi cercado pela
afluência maciça de aposentados, mais conservadores em sua concepção política.
Como demonstra o historiador Nelson W. Polsby em <i>How Congress Evolves</i>, os republicanos do Norte que se mudaram para
o Sul na era pós-ar-condicionado contribuíram tanto para desmontar a base
democrata do Sul como a rebelião contra o movimento dos direitos civis. No
Congresso, isso teve o paradoxal efeito de desencadear uma onda de reformas
liberais, com os democratas do Congresso não mais divididos entre os
conservadores sulistas e os progressistas no Norte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas é possível que o ar-condicionado tenha
gerado o impacto mais significativo sobre a política presidencial. O inchaço
populacional na Flórida, no Texas e na Califórnia do Sul mudou o colégio
eleitoral para o Cinturão do Sol, com os estados de clima quente ganhando 29
votos no colégio eleitoral entre 1940 e 1980, enquanto os estados mais frios do
Nordeste e do Cinturão Industrial perderam 31. Na primeira metade do século XX,
apenas dois presidentes ou vice-presidentes vieram do Cinturão do Sol. A partir
de 1952, no entanto, todas as candidaturas presidenciais vencedoras contaram
com um candidato do Cinturão do Sol, até Barack Obama e Joe Biden romperem essa
linhagem, em 2008.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgM4xvjGgRhY1iUKk7x2rFWwGRiWnXUPnBeCWKv3VnAZw7mFJHDRrLJnbM4AgG9gKMwqwf7BQn_m6CNu4L9-6WrXWR9rNpWJQrysV-Jxka7zCgzdg5JAZiKCsAr-b4BtxDvnWrsz3j4over/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_22.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="478" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgM4xvjGgRhY1iUKk7x2rFWwGRiWnXUPnBeCWKv3VnAZw7mFJHDRrLJnbM4AgG9gKMwqwf7BQn_m6CNu4L9-6WrXWR9rNpWJQrysV-Jxka7zCgzdg5JAZiKCsAr-b4BtxDvnWrsz3j4over/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_22.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O "Iglu do Amanhã". O dr. Willis H. Carrier segura um termômetro dentro de um iglu de exibição, na demonstração do ar-condicionado na Feira Mundial de St. Louis. O interior do iglu permaneceu com uma temperatura controlada constante de 20º</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa é a história de zoom longo: quase um
século depois de Willis Carrier começar a pensar sobre como evitar as manchas
da tinta no Brooklyn, nossa capacidade de manipular pequenas moléculas de ar e
umidade ajudou a transformar a geografia da política americana. Mas a expansão
do Cinturão do Sol nos Estados Unidos foi apenas um ensaio geral para o que acontece
agora em escala planetária. Em todo o mundo, as megacidades que mais crescem estão
sobretudo em climas tropicais: Chennai, Bangkok, Manila, Jacarta, Karachi,
Lagos, Dubai, Rio de Janeiro. Os demógrafos preveem que essas cidades quentes
terão mais de 1 bilhão de novos habitantes até 2025.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É desnecessário dizer que muitos desses
novos imigrantes não têm ar-condicionado em suas casas, pelo menos ainda não, e
é uma questão em aberto se essas cidades serão sustentáveis a longo prazo, em
particular as situadas em climas desérticos. Mas a capacidade de controlar a
temperatura e a umidade em prédios de escritórios, lojas e casas mais abastadas
permitiu que esses centros urbanos atraíssem uma base econômica que os
catapultou até o status de megalópoles. Não por acaso as maiores cidades do
mundo até a segunda metade do século XX – Londres, Paris, Nova York, Tóquio –
estavam situadas quase exclusivamente em climas temperados. O que estamos vendo
talvez seja a maior migração em massa da história da humanidade, a primeira a
ser acionada por um aparelho doméstico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
OS SONHADORES E INVENTORES que anunciaram
a revolução do frio não tiveram momentos eureca, e suas brilhantes ideias não
transformaram o mundo de imediato. Em quase todos os casos, eles tiveram
palpites, mas foram tenazes o suficiente para manter esses palpites vivos durante
anos, e mesmo décadas, até que as peças se juntassem. Hoje, algumas dessas inovações
podem nos parecer triviais. Toda essa criatividade coletiva concentrada, década
após década, só para tornar o mundo seguro para se comer uma refeição congelada
diante da TV?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O universo congelado que Tudor e Birdseye
ajudaram a criar faria mais que apenas preencher o mundo com varas de pescar.
Iria também povoar o mundo com pessoas, graças ao congelamento instantâneo e a
criopreservação de sêmen humano, óvulos e embriões. Milhões de seres humanos em
todo o mundo devem sua existência às tecnologias do frio artificial. Hoje,
novas técnicas de criopreservação de ovócitos permitem às mulheres armazenar
óvulos saudáveis nos anos de juventude, em muitos casos estendendo sua
fertilidade até os 45 anos. Assim, grande parte da nova liberdade na forma como
temos filhos agora – de casais de lésbicas a mães solteiras que usam bancos de
esperma para conceber até mulheres que ficam duas décadas no mercado de
trabalho antes de pensar em ter filhos – não teria sido possível sem a invenção
do congelamento rápido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando pensamos em ideias inovadoras,
tendemos a nos restringir à escala da invenção original. Quando descobrimos uma
maneira de fazer frio artificial, achamos que isso só tornaria nossos quartos
mais agradáveis, que dormiríamos melhor nas noites quentes, ou que teríamos
fontes confiáveis de cubos de gelo para os nossos refrigerantes. Esse é o
aspecto mais fácil de entender. No entanto, se contarmos a história do frio
somente sob essa ótica, vamos perder seu escopo épico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apenas
dois séculos depois de Frederic Tudor começar a pensar sobre o transporte de
gelo para Savannah, nosso domínio do frio está ajudando a reorganizar os
padrões de assentamento em todo o planeta e a trazer milhões de novos bebês ao
mundo. À primeira vista, o gelo parece um avanço trivial, um item de luxo, não
uma necessidade. Contudo, ao longo dos dois últimos séculos, seu impacto tem
sido impressionante, se analisado de uma perspectiva de zoom longo: da
transformação da paisagem das grandes planícies americanas às novas vidas e estilos
de vida resultantes de embriões congelados, até chegarmos às grandes cidades
que florescem no deserto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">FRIO é o segundo capítulo do livro</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjeHAKLBtaK7swhPmL0ebM7q_nEwKl8vNf7Plzdcb5WH74kS2_0dFqDgeYgn1R7hBCtSZ3i_B-t08glxWB5wZLx1GMBVmOAon-S7yZZHzvN8L_iNbNigiYGB783i1ApYUCRRaXGXAcwu_Pq/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjeHAKLBtaK7swhPmL0ebM7q_nEwKl8vNf7Plzdcb5WH74kS2_0dFqDgeYgn1R7hBCtSZ3i_B-t08glxWB5wZLx1GMBVmOAon-S7yZZHzvN8L_iNbNigiYGB783i1ApYUCRRaXGXAcwu_Pq/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_1.jpg" width="444" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p> </o:p><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
"A história das inovações que fizeram a vida moderna possível"</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
de STEVEN JOHNSON</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
editado pela ZAHAR</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKE70zn9bgJRAC1JVT4HA51Y_WEebgjCbqCWbuqzPc2tOqLdgO2hmQilLYTYed6PPaMDoCRvrh2Wiuv3uLc06u_2ocNOTbenIZzLkGtNncYXET4dQ3APBEBgrIPY3Yps7l5vB8KmIG3Vyg/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="209" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKE70zn9bgJRAC1JVT4HA51Y_WEebgjCbqCWbuqzPc2tOqLdgO2hmQilLYTYed6PPaMDoCRvrh2Wiuv3uLc06u_2ocNOTbenIZzLkGtNncYXET4dQ3APBEBgrIPY3Yps7l5vB8KmIG3Vyg/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p> </o:p><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">com tradução de CLAUDIO CARINA</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
e disponibilizado pela LE LIVROS (http://lelivros.site/)</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiAxs_Mv_jfL6WJnr0WXirZoLmRUH9Hw_UENrSESYw8JZ2Ecw-3zB07m3F33-5RCrDdpi4RdvYuAuhYltBwPWyocbjhscOvbSunqHg-7IhFW3X4EIpkyTO7GLxmoo1swCiw629wtyQXFxM/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="151" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiAxs_Mv_jfL6WJnr0WXirZoLmRUH9Hw_UENrSESYw8JZ2Ecw-3zB07m3F33-5RCrDdpi4RdvYuAuhYltBwPWyocbjhscOvbSunqHg-7IhFW3X4EIpkyTO7GLxmoo1swCiw629wtyQXFxM/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;">DADOS DE COPYRIGHT</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<b>Sobre a obra:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.<o:p></o:p></div>
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É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<b>Sobre nós:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de domínio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
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<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<b>"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-49622687677123699942015-08-15T15:52:00.001-03:002015-08-15T16:06:32.612-03:00COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI - INTRODUÇÃO<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-large;"> INTRODUÇÃO</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
HÁ POUCO MAIS de duas décadas, o artista e
filósofo mexicano-americano Manuel De Landa publicou um livro estranho e
maravilhoso chamado <i>War in the Age of
Intelligent Machines</i>. Estritamente falando, o livro era uma história da
tecnologia militar, mas não tinha nada em comum com o que se espera de algo do
gênero. Em vez de relatos heroicos de engenharia submarina escritos por algum
professor da Academia Naval, o livro de De Landa combinou teoria do caos,
biologia evolucionista e filosofia francesa pós-estruturalista em histórias
sobre a bala conoidal, o radar e outras inovações militares. Eu me recordo de
ter lido o livro quando era estudante de pós-graduação, aos vinte e poucos anos,
e de o ter considerado uma obra completamente sui generis, como se De Landa
tivesse chegado à Terra vindo de algum outro planeta com vida inteligente.
Pareceu-me ao mesmo tempo fascinante e muito desorientador.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De Landa começou o livro com
uma brilhante reviravolta interpretativa. Imagine, sugeriu ele, um trabalho
histórico escrito em algum tempo no futuro por alguma forma de inteligência artificial,
mapeando a história do milênio anterior. “Nós poderíamos imaginar”, argumentou De
Landa, “que o historiador robô escreveria uma história diferente da relatada
por sua contraparte humana.” Eventos que ocupam lugar de vulto na contabilidade
humana – a conquista das Américas pela Europa, a queda do Império Romano, a
Carta Magna – seriam notas de rodapé do ponto de vista do robô. Outros eventos,
que parecem marginais para a história tradicional – como os autômatos de
brinquedo que fingiam jogar xadrez no século XVIII, o tear de Jacquard que
inspirou os perfuradores de cartões no início da computação –, seriam o divisor
de águas para o historiador robô, os pontos críticos que traçam a linha direta até
o presente. Explicava De Landa:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto o historiador humano
tentaria entender como as pessoas montam os mecanismos de um relógio, motores e
engenhocas físicas, o historiador robô provavelmente colocaria forte ênfase na
maneira como essas máquinas afetaram a evolução humana. O robô sublinharia o
fato de que, quando os mecanismos dos relógios representavam a tecnologia
dominante no planeta, as pessoas imaginavam o mundo ao redor como um sistema
parecido de engrenagens e roldanas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A propósito, não há robôs inteligentes
neste livro. As inovações aqui apresentadas pertencem à vida do dia a dia, não
à ficção científica: lâmpadas, registros de som, ar condicionado, um copo de
água potável, um relógio de pulso, uma lente de vidro. Mas tentei contar a
história das inovações de uma forma semelhante à perspectiva do historiador
robô de De Landa. Se uma lâmpada pudesse escrever a história dos últimos trezentos
anos, isso também seria muito diferente. Teríamos de ver quanto do nosso
passado se empenhou na busca da luz artificial, quanta engenhosidade e quanto
esforço foram gastos na batalha contra a escuridão e como as invenções que
engendramos desencadearam mudanças que, à primeira vista, pareciam não ter nada
a ver com lâmpadas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esta é uma história que vale a pena
contar, em parte porque nos permite ver com novos olhos o mundo que
consideramos já tão conhecido. A maioria de nós no mundo desenvolvido não se
detém para pensar o quanto é incrível beber água sem nos preocuparmos em morrer
de cólera 48 horas depois. Graças ao ar-condicionado, muitos vivem
confortavelmente em climas que seriam intoleráveis apenas cinquenta anos atrás.
Nossa vida é cercada e apoiada por toda uma classe de objetos encantados com as
ideias e a criatividade de milhares de pessoas que vieram antes de nós:
inventores, diletantes e reformadores que se dedicaram com paciência a resolver
o problema de criar a luz artificial ou a água limpa que bebemos, de tal forma
que hoje podemos apreciar esses luxos sem pensar a respeito, sem sequer imaginá-los
como um luxo. Como os historiadores robôs sem dúvida nos lembrariam, estamos em
dívida com essas pessoas em razão de cada detalhe, tanto quanto, se não até
mais, devemos a reis, conquistadores e magnatas da história tradicional.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas a outra razão para escrever esse tipo
de história é que essas inovações colocaram em marcha uma matriz muito mais
ampla de mudanças na sociedade do que se poderia esperar. Inovações geralmente
surgem como uma tentativa de resolver um problema específico, mas, uma vez que
entram em circulação, acabam provocando outras mudanças que teriam sido difíceis
de prever. Esse é um padrão de mudança que sempre aparece na história
evolutiva.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pense no ato da polinização. Em algum
momento, durante o Cretáceo, as flores começaram a desenvolver cores e perfumes
que sinalizavam a presença de pólen para os insetos, os quais simultaneamente
desenvolveram um complexo sistema para extrair o pólen e, inadvertidamente,
fertilizar outras flores com pólen. Ao longo do tempo, as flores complementaram
o pólen com a energia mais rica do néctar a fim de seduzir os insetos nos rituais
de polinização. As abelhas e outros insetos desenvolveram as ferramentas
sensoriais para ver e ser atraídos pelas flores, assim como as flores desenvolveram
as propriedades que atraem as abelhas. Esse é um tipo diferente de sobrevivência
do mais apto, não a usual história competitiva de soma zero que costumamos
ouvir em aguadas versões do darwinismo, porém algo mais simbiótico: insetos e
flores tiveram êxito porque, fisicamente, fizeram bem uns aos outros. (O termo
técnico para isso é coevolução.) A importância desse relacionamento não se
perdeu em Charles Darwin, que deu sequência à publicação de <i>A origem das espécies</i> com um livro
inteiro sobre a polinização de orquídeas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essas interações coevolutivas
frequentemente levam a transformações em organismos que parecem não ter uma
ligação imediata com a espécie original. A simbiose entre a floração das plantas
e os insetos, que levou à produção de néctar, acabou criando uma oportunidade
para organismos muito maiores, os beija-flores, que, para extrair o néctar das
plantas, também desenvolveram uma forma extremamente incomum de mecânica de
voo, permitindo-os pairar ao lado da flor de maneira específica. Poucos
pássaros conseguem realizar tal proeza. Insetos podem se estabilizar em voo
médio porque sua anatomia tem a flexibilidade fundamental que falta aos
vertebrados. Apesar das restrições impostas pela estrutura de seu esqueleto, os
beija-flores desenvolveram uma nova forma de rotação das asas, fornecendo
energia para o movimento ascendente bem como para o descendente, e permitindo
que essas aves flutuem no ar ao extrair o néctar de uma flor. Esses são os estranhos
saltos que a evolução faz constantemente. As estratégias de reprodução sexual
das plantas acabaram por moldar o desenho das asas de um beija-flor. Se houve
naturalistas que observaram a evolução da polinização a partir do comportamento
dos insetos em redor das plantas em flor, logicamente eles pensaram que esse
estranho rival novo nada tinha a ver com vida dos pássaros. Contudo, isso
acabou precipitando uma das transformações físicas mais surpreendentes na
história evolutiva das aves.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A história das ideias e inovações se
desenrola da mesma forma. A máquina de impressão inventada por Johannes
Gutenberg aumentou a demanda de óculos, já que a nova prática de leitura fez
com que os europeus, por todo o continente, percebessem cada vez mais que não enxergavam
de perto. A demanda de óculos incentivou um número crescente de pessoas a produzir
e a fazer experiências com lentes, o que conduziu à invenção do microscópio,
que, logo depois, nos permitiu perceber que nossos corpos eram constituídos por
células. Você não diria que a tecnologia de impressão teve algo a ver com a
expansão da nossa visão até a escala celular, assim como não teria pensado que
a evolução do pólen alterou o desenho da asa do beija-flor. Mas é assim que as
mudanças acontecem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
À primeira vista isso pode parecer uma
variação do famoso “efeito borboleta” da teoria do caos, segundo o qual o bater
das asas de uma borboleta na Califórnia acaba provocando um furacão no meio do
Atlântico. Na verdade, são coisas fundamentalmente diferentes. A extraordinária
(e preocupante) propriedade do efeito borboleta é que ele envolve uma cadeia de
causalidade virtualmente incognoscível; não se pode mapear a ligação entre as
moléculas do ar saltando ao redor da borboleta e o sistema de tempestade
formando-se no Atlântico. Os dois podem estar ligados porque tudo está
relacionado em algum nível, mas está além da nossa capacidade analisar essas
conexões ou, até mesmo mais difícil, prevê-las. No entanto, o que sucede com a
flor e o beija-flor é algo muito diferente: embora sejam organismos muito diversos,
com distintas necessidades e aptidões, para não mencionar os sistemas
biológicos básicos, a flor claramente influencia as características do
beija-flor de maneira direta e compreensível.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Parte deste livro trata dessas estranhas
correntes de influência, o “efeito beija-flor”. Uma inovação, ou um conjunto de
inovações em dado campo, acaba provocando mudanças que parecem pertencer a um
domínio completamente diverso. Efeitos beija-flor vêm em uma variedade de
formas. Algumas são bastante intuitivas: aumentos de ordens de grandeza na partilha
de energia ou informações tendem a pôr em marcha uma caótica onda de mudanças que
rompem limites intelectuais e sociais. (Basta olhar para a história da internet
nos últimos trinta anos.) Contudo, outros efeitos beija-flor são mais sutis,
deixam marcas menos evidentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Avanços em nossa capacidade de medir um
fenômeno – tempo, temperatura, massa frequentemente abrem novas oportunidades
que, à primeira vista, parecem independentes. (O relógio de pêndulo ajudou a
equipar cidades fabris na Revolução Industrial.) Às vezes, como na história de
Gutenberg e da lente, uma inovação aponta uma deficiência ou fraqueza em nossa
caixa de ferramentas natural, nos mostrando uma nova direção, gerando novos instrumentos
para corrigir um “problema” que já era em si uma espécie de invenção. Algumas vezes
novas ferramentas reduzem barreiras naturais e limites ao crescimento humano,
como a invenção do ar-condicionado, que tornou possível aos seres humanos
colonizar lugares quentes do planeta em uma escala que teria estarrecido nossos
antepassados de apenas três gerações atrás. Às vezes essas novas ferramentas
nos influenciam metaforicamente, como na ilação do historiador robô entre o
relógio e a visão mecanicista do início da física, o Universo como um “sistema
de engrenagens e roldanas”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Observando os efeitos beija-flor ao longo
da história, fica evidente que transformações sociais nem sempre são resultado
direto da ação humana ou de uma tomada de decisão. Às vezes a mudança acontece
por ação de líderes políticos, de inventores ou de movimentos de protesto, que
geram deliberadamente alguma coisa sobre uma nova realidade por meio de planejamento
consciente. (Temos um sistema nacional integrado de rodovias nos Estados Unidos
em grande parte porque nossos dirigentes políticos aprovaram no passado o
Federal Aid Highway Act, de 1956.) Mas, em outros casos, as ideias e inovações
parecem ter vida própria, engendrando na sociedade mudanças que faziam parte da
visão dos seus “criadores”. Os inventores do ar-condicionado não tentavam
redesenhar o mapa político dos Estados Unidos quando decidiram refrigerar as
salas de estar e os prédios de escritórios, mas, como iremos ver, a tecnologia
libertou o mundo, causando mudanças drásticas no modelo de assentamento
americano, o que por sua vez transformou a natureza dos ocupantes do Congresso
e da Casa Branca.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Resisti à compreensível tentação de
avaliar essas mudanças com algum tipo de juízo de valor. Este livro é uma
celebração à nossa inteligência, porém o fato de uma inovação acontecer não
significa que não haja, no final, consequências conflitivas que se propagam
pela sociedade. A maioria das ideias “selecionadas” pela cultura são melhorias
comprovadas em termos de objetivos locais. Os casos em que escolhemos uma
tecnologia inferior ou um princípio científico em detrimento de outro mais
produtivo ou preciso são as exceções. Isso comprova a regra. Mesmo quando
escolhemos o inferior VHS em lugar do Betamax, logo depois chegamos ao DVD, que
supera as duas opções anteriores. Então, quando se observa o arco da história
sob essa perspectiva, a tendência aponta na direção de melhores ferramentas, melhores
recursos, melhores fontes de energia, melhores formas de transmitir
informações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O problema está no que é externo às
mudanças iniciais e em suas consequências não voluntárias. Quando o Google
lançou sua ferramenta de busca original, em 1999, houve um avanço significativo
em relação a todas as técnicas anteriores de pesquisa no vasto arquivo da internet.
Isso foi motivo de comemoração em quase todos os níveis: o Google tornou a internet
mais útil – e de graça. Mas depois o Google começou a vender publicidade
vinculada às solicitações de pesquisa e, em alguns anos, a eficiência das
enquetes (junto com outros serviços on-line) esvaziou a carteira de publicidade
dos jornais locais nos Estados Unidos. Quase ninguém notou o que estava
acontecendo, nem os fundadores do Google.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Você pode argumentar – eu provavelmente
usaria esse argumento – que essa troca valeu a pena, que o desafio do Google
vai acabar desencadeando melhores formas de jornalismo, elaboradas em torno de
oportunidades únicas que a internet propicia, mas a imprensa, não. Contudo, há
um fator a ser ressaltado: a ascensão da publicidade na internet em geral tem
sido uma evolução negativa na utilidade pública essencial do jornalismo
impresso. O mesmo debate é furiosamente travado sobre quase todos os avanços
tecnológicos: os carros nos conduzem pelo espaço de forma mais eficiente que os
cavalos, mas será que valem o custo para o ambiente ou de vivermos em cidades
onde não se pode caminhar? O ar-condicionado nos permite viver no deserto, mas
quanto isso custa para nosso suprimento de água?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Este livro é decididamente agnóstico sobre
as questões de valor. Conjeturar se achamos que a mudança é melhor para nós a
longo prazo não é o mesmo que imaginar como essa mudança ocorreu no início. Os
dois tipos de especulação são essenciais para dar sentido à história e mapear
nosso caminho para o futuro. Precisamos ser capazes de entender como a inovação
acontece na sociedade; precisamos ser capazes de prever e entender o melhor que
pudermos os efeitos beija-flor que irão afetar outros campos depois que cada inovação
se enraíza; e, ao mesmo tempo, precisamos de um sistema de valor para decidir
quais esforços incentivar e quais benefícios não valem os custos tangenciais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tentei explicar toda a gama de
consequências das inovações pesquisadas neste livro, para o bem e para o mal. O
tubo de vácuo ajudou a levar o jazz para um público de massa e também a
amplificar os julgamentos de Nuremberg. Como se sentir em relação a essas transformações
– afinal, estamos melhores graças à invenção do tubo de vácuo? –, isso vai depender
do sistema de convicções políticas e sociais de cada um.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Gostaria de mencionar mais um elemento
central no livro: o “nós”, no texto e no título, em grande parte é o “nós” de
norte-americanos e europeus. A história de como a China ou o Brasil chegaram
até aqui seria diferente e também interessante. Mas a história da Europa/Estados
Unidos, ainda que finita em seu escopo, continua da maior relevância, porque certas
experiências críticas – o surgimento do método científico, a industrialização –
aconteceram <i>primeiro</i> na Europa e
agora se disseminaram pelo mundo. (<i>Por
que</i> elas aconteceram <i>primeiro</i> na
Europa sem dúvida é uma das mais interessantes perguntas que se pode fazer, mas
este livro não vai tentar respondê-la.)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esses objetos fantásticos do cotidiano –
lâmpadas, lentes e gravações de áudio – agora são parte da vida comum em quase
todos os lugares do planeta. Contar a história dos últimos mil anos a partir
dessa perspectiva deve ser interessante, não importa onde você viva. As inovações
são moldadas pela história geopolítica, concentram-se nas cidades e em centros comerciais.
Mas, a longo prazo, elas não têm muita paciência para fronteiras e identidades nacionais,
ainda mais agora, em nosso mundo conectado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tentei manter esse foco porque, dentro
desses limites, a história que escrevi aqui é tão abrangente quanto possível,
sob outros aspectos. Contar a história de nossa capacidade de captar e
transmitir a voz humana, por exemplo, não é apenas a sucessão de alguns
inventores brilhantes, os Edison e Bell cujos nomes qualquer estudante já
memorizou. É também a história dos desenhos anatômicos do ouvido humano no
século XVIII, do naufrágio do Titanic, do movimento dos direitos civis e das
estranhas propriedades acústicas de um tubo de vácuo quebrado. Trata-se de uma
abordagem que chamei, em outra instância, de história de “zoom longo”: a
tentativa de explicar as mudanças históricas examinando múltiplas escalas de experiência
ao mesmo tempo – desde as vibrações das ondas sonoras na membrana do tímpano
até movimentos políticos de massa. Poderia ser mais intuitivo limitar a
narrativa histórica à escala de indivíduos ou nações, mas, num nível
fundamental, esses limites restringem a exatidão da análise. A história
acontece no plano dos átomos, no plano da mudança climática planetária e em
todos os planos intermediários. Se quisermos ter a história certa, precisamos
de uma abordagem interpretativa que faça justiça a todos esses diferentes níveis.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Certa vez, o físico Richard Feynman
definiu a relação entre estética e ciência com uma veia similar:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">Eu tenho um amigo que é artista e
às vezes adota uma visão com a qual não concordo muito. Ele segura uma flor e
diz “Veja como ela é bonita”, e eu concordo. Então ele diz: “Eu, como artista,
posso ver como ela é bonita, mas você, como cientista, desmonta tudo isso e a
transforma numa coisa maçante”, e aí eu acho que ele é meio biruta. Antes de
qualquer coisa, a beleza que ele vê está disponível para outras pessoas e
também para mim, acredito. Embora talvez eu não seja tão esteticamente requintado
como ele, ... posso apreciar a beleza de uma flor. Ao mesmo tempo, vejo muito
mais na flor do que ele. Eu poderia imaginar suas células, as complicadas ações
em seu interior, o que também tem sua beleza. O que eu quero dizer é que não existe
beleza apenas nessa dimensão, em um centímetro; também existe beleza em
dimensões menores, na estrutura interna, também nos processos. O fato de as
cores da flor terem evoluído a fim de atrair insetos para a polinização é
interessante; significa que os insetos conseguem enxergar as cores. Isso
acrescenta uma pergunta: será que esse sentido estético também existe nas
formas inferiores? Por que é estético? Essas são perguntas interessantes, que
mostram que um conhecimento científico só aumenta a emoção, o mistério e o
respeito a uma flor. É um acréscimo. Não entendo como poderia subtrair.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Existe algo inegavelmente atraente na
história de um grande inventor ou cientista – Galileu e seu telescópio, por
exemplo – abrindo caminho em direção a uma ideia transformadora. Mas há outra
história mais profunda que também pode ser contada: como a capacidade de fazer lentes
dependia de uma propriedade mecânica quântica específica do dióxido de silício
e da queda de Constantinopla. Contar a história a partir dessa perspectiva, de
zoom longo, não diminui a importância tradicional concentrada no gênio de
Galileu, só acrescenta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Condado de Marin, Califórnia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Fevereiro de 2014<o:p></o:p><br />
<br />
<br />
<br />
<b><span style="font-size: x-large;"> Sumário</span></b><br />
<br />
<br />
<span style="font-size: large;"><b>Introdução: Historiadores robôs e a asa do beija-flor</b></span><br />
<br />
<b><span style="font-size: large;">1. Vidro</span></b><br />
<b><span style="font-size: large;"><br /></span></b>
<b><span style="font-size: large;">2. Frio</span></b><br />
<b><span style="font-size: large;"><br /></span></b>
<b><span style="font-size: large;">3. Som</span></b><br />
<b><span style="font-size: large;"><br /></span></b>
<b><span style="font-size: large;">4. Higiene</span></b><br />
<b><span style="font-size: large;"><br /></span></b>
<b><span style="font-size: large;">5. Tempo</span></b><br />
<b><span style="font-size: large;"><br /></span></b>
<b><span style="font-size: large;">6. Luz</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEha07xvXR_0_5gLnEni6-ucxitYnOFk1nju2vcf3xcVdEk_zBN39K1YbpKUZ3Te59VuKD7d1OPSeRhSKQjuhfBud8-c_mzUjbFWouw_MAKPr0fFyDZQyCkne85ABQmoDSo1AfFyHNR74PlL/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEha07xvXR_0_5gLnEni6-ucxitYnOFk1nju2vcf3xcVdEk_zBN39K1YbpKUZ3Te59VuKD7d1OPSeRhSKQjuhfBud8-c_mzUjbFWouw_MAKPr0fFyDZQyCkne85ABQmoDSo1AfFyHNR74PlL/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_1.jpg" width="444" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p> </o:p><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI</span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
"A história das inovações que fizeram a vida moderna possível"</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
de STEVEN JOHNSON</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
editado pela ZAHAR</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqQjkVAaIlHEF4iLm8j_-GDDhUdXyz_5QOE7WSONMlzAqlfwZSNDCU1FM-Nz_5r24YAZKFa1BlC9HHak6BiSxw2GnhLWhNaJxtLsDUTBTeD8dcUegYA_JNG77pWXH9oIzf3xHOjj3XNSmY/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="209" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqQjkVAaIlHEF4iLm8j_-GDDhUdXyz_5QOE7WSONMlzAqlfwZSNDCU1FM-Nz_5r24YAZKFa1BlC9HHak6BiSxw2GnhLWhNaJxtLsDUTBTeD8dcUegYA_JNG77pWXH9oIzf3xHOjj3XNSmY/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<o:p><br /></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
com tradução de CLAUDIO CARINA</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
e disponibilizado pela LE LIVROS (http://lelivros.site/)</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhJ0wUvU3Z3dVdw50wf7fUIn1DGjcICXS0uqou15zBdnwbKaW8IxClsapoyy6bv3mG0wFOVfAHkAjxYEgB78SD3zIzlf4Dhi6PWwZQb8XPrva0JLvAzxYnT8ri-NPUL6iTKJzuDMdlY_9QS/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="151" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhJ0wUvU3Z3dVdw50wf7fUIn1DGjcICXS0uqou15zBdnwbKaW8IxClsapoyy6bv3mG0wFOVfAHkAjxYEgB78SD3zIzlf4Dhi6PWwZQb8XPrva0JLvAzxYnT8ri-NPUL6iTKJzuDMdlY_9QS/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<span style="font-size: 20pt; line-height: 30.6666641235352px;">DADOS DE COPYRIGHT<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b>Sobre a obra:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b>Sobre nós:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de domínio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
site: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b>"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."</b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<b><br /></b></div>
</div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-50666741942654801562015-08-15T14:43:00.002-03:002015-08-15T16:02:59.585-03:00COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI - VIDRO<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px; text-align: center;">Nota do Blog: as inter-relações entre tempo e fatos estabelecidas pelo autor e a sua ideia propriamente dita da obrigatória simbiose entre as coisas, poderá ser melhor compreendida se a introdução do livro for lida, o que poderá ser feito em: </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px;">http://adautogmjunior.blogspot.com.br/2015/08/como-chegamos-ate-aqui-introducao.html</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px;"><br /></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-large;"> 1º CAPITULO - VIDRO</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
MAIS OU MENOS 26 milhões de anos atrás,
alguma coisa aconteceu sobre as areias do deserto da Líbia, a paisagem árida e
incrivelmente seca que marca a margem oriental do deserto do Saara. Não sabemos
exatamente o que foi, mas sabemos que era quente. Grãos de sílica derreteram e
se fundiram sob um calor intenso, de pelo menos 1.000°. Os compostos de dióxido
de silício que formaram têm várias propriedades químicas curiosas. Tal como
H2O, eles formam cristais, em seu estado sólido, e derretem em líquido quando
aquecidos. No entanto, o dióxido de silício tem um ponto de fusão muito mais
elevado que a água; são necessárias temperaturas acima de 260°, em vez de 100°.
Mas a coisa realmente peculiar sobre o dióxido de silício é o que acontece
quando ele resfria. A água líquida recupera tranquilamente a forma de cristais
de gelo se a temperatura baixar de novo. Por alguma razão, contudo, o dióxido
de silício é incapaz de se reorganizar novamente na estrutura ordenada do
cristal. Em vez disso, ele forma uma nova substância que está num estranho
limbo entre o sólido e o líquido, uma substância que tem obcecado os seres
humanos desde os primórdios da civilização. Quando esses grãos de areia
superaquecidos se resfriam abaixo do seu ponto de fusão, uma vasta extensão de
deserto da Líbia fica revestida por uma camada do que nós agora chamamos de
vidro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cerca de 10 mil anos atrás, alguém
viajando pelo deserto deparou com um grande fragmento desse vidro. Não sabemos
mais nada sobre esse fragmento, apenas que deve ter impressionado quase todos
que entraram em contato com ele, porque isso foi divulgado pelos mercados e
redes sociais da civilização primitiva, até acabar como peça central de um
broche esculpido em forma de escaravelho. O besouro ficou ali sem ser perturbado
por 4 mil anos, e os arqueólogos revelaram-no em 1922, enquanto exploravam o
túmulo de um governante egípcio. Contra todas as probabilidades, essa pequena
lasca de dióxido de silício percorreu o caminho desde o deserto da Líbia até a
câmara funerária de Tutancâmon.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O vidro começou a fazer sua transição de
ornamento para tecnologia avançada durante o auge do Império Romano, quando
fabricantes de vidro descobriram maneiras de tornar o material mais resistente
e menos turvo que o vidro forjado naturalmente, como o do escaravelho do faraó
Tutancâmon. Durante esse período, pela primeira vez construíram-se janelas de
vidro, fixando-se as bases para as cintilantes torres envidraçadas que agora
povoam o horizonte das cidades ao redor do mundo. A estética visual de
degustação de vinho surgiu quando as pessoas passaram a tomá-lo em recipientes
semitransparentes de vidro e a armazená-lo em garrafas do mesmo material. De
certa forma, contudo, o início da história do vidro é relativamente previsível:
artesãos descobriram como derreter a sílica na forma de vasilhames de bebida ou
vidraças, o mesmo tipo de utilização que instintivamente associamos hoje ao
material. Só depois do milênio seguinte e da queda de outro grande império o
vidro tornou-se o que é agora: um dos materiais mais versáteis e
transformadores de toda a cultura humana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O SAQUE DE CONSTANTINOPLA, em 1204, foi um
daqueles históricos terremotos que ecoam ondas de influência, repercutindo em
todo o planeta. Caem dinastias, exércitos surgem e se vão embora, o mapa do
mundo é redesenhado. Mas a queda de Constantinopla também desencadeou um evento
em aparência menor, perdido em meio a esse vasto reordenamento da dominação
geopolítica e religiosa e ignorado pela maioria dos historiadores da época. Uma
pequena comunidade de fabricantes de vidro da Turquia navegou para oeste pelo
Mediterrâneo e se estabeleceu em Veneza, onde começou a praticar seu comércio
na próspera cidade nova, expandindo-se a partir dos pântanos às margens do mar
Adriático.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrGEEpoAP6iR3ugj1R2AaFDBeBaolBiKsEwK_gYnMwjXUSaEHc5I_TiGKkyB55KXnsPHDeQ5E39-HGyV1v8O822le-Y9xYUlS1lDkse0ZT0Lbkj7h1pMtf2E-UOQ18qZAOgm6-dnmVQM1B/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="624" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrGEEpoAP6iR3ugj1R2AaFDBeBaolBiKsEwK_gYnMwjXUSaEHc5I_TiGKkyB55KXnsPHDeQ5E39-HGyV1v8O822le-Y9xYUlS1lDkse0ZT0Lbkj7h1pMtf2E-UOQ18qZAOgm6-dnmVQM1B/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_4.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Descobertos por volta de 1900, recipientes de vidro para pomada, da civilização romana, datados dos séculos I e II d.C.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa foi uma entre milhares de migrações
postas em movimento pela queda de Constantinopla; todavia, olhando para trás,
ao longo dos séculos, foi também uma das mais significativas. À medida que se
estabeleciam pelos tortuosos canais e ruas de Veneza, naquela época possivelmente
o centro das transações comerciais do mundo, as novas técnicas de soprar o
vidro logo criaram uma mercadoria de luxo para os comerciantes da cidade, que
começaram a vendê-la ao redor do globo. Contudo, por mais lucrativa que fosse,
a vidraçaria também tinha suas desvantagens. O ponto de fusão do dióxido de
silício exigia fornos a temperaturas acima de 500°, e Veneza era uma cidade
construída quase inteiramente em estruturas de madeira. (A pedra clássica dos
palácios venezianos só seria elaborada alguns séculos depois.) Os fabricantes
de vidro levaram uma nova fonte de riqueza para Veneza, mas também o hábito
menos simpático de incendiar as vizinhanças.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1291, num esforço duplo para aprimorar
as habilidades dos fabricantes de vidro e proteger a segurança pública, a
administração da cidade enviou os fabricantes de vidro de novo para o exílio,
só que agora a jornada foi curta, de 1,5 quilômetro, até o outro lado da lagoa
de Veneza, para a ilha de Murano. Sem saber, os doges venezianos tinham criado
um centro de inovação: concentrando os fabricantes de vidro numa única ilha do
tamanho de um pequeno bairro da cidade, eles desencadearam uma onda de
criatividade, fazendo nascer um ambiente que dispunha do que os economistas
chamam de “spillover” de informações. A demografia de Murano fez com que novas
ideias passassem a fluir depressa entre a população. Os fabricantes de vidro
eram concorrentes, porém suas linhagens familiares estavam fortemente
interligadas. Havia mestres no grupo com mais talento ou habilidade que outros,
contudo, de maneira geral, a criatividade de Murano era um acontecimento
coletivo: algo gerado mais pela troca de informação do que pela pressão
competitiva.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-VnEtyMByp3ztVCNWbsDj4vra_pD4oeGWJozcMIswMx4IzyHAQ5Fyzj9NFNks8BWdp80ziazwN8c55HeHq5DT5k67whBSWxn7XKViBIqA0_-FERHxvQ85x6TfaUM4GX1-UJ4rUMa-_mfI/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="434" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-VnEtyMByp3ztVCNWbsDj4vra_pD4oeGWJozcMIswMx4IzyHAQ5Fyzj9NFNks8BWdp80ziazwN8c55HeHq5DT5k67whBSWxn7XKViBIqA0_-FERHxvQ85x6TfaUM4GX1-UJ4rUMa-_mfI/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_5.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Parte do mapa de Veneza no século XV, mostrando a ilha de Murano.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos primeiros anos do século seguinte,
Murano já era conhecida como Ilha do Vidro, e seus vasos ornamentados e outras
requintadas obras de vidro tornaram-se símbolos de status em toda a Europa
Ocidental. (Os fabricantes de vidro continuam seu comércio até hoje, muitos
deles descendentes diretos das famílias originais que emigraram da Turquia.)
Aquele não era um modelo que pudesse ser replicado diretamente nos tempos
modernos. Os administradores que procurassem atrair a classe criativa para suas
cidades provavelmente não usariam exílio forçado e fronteiras armadas prontas
para aplicar a pena de morte. Mas de alguma forma funcionou. Depois de anos de
tentativa e erro, experimentando com diferentes composições químicas, o
fabricante Angelo Barovier, de Murano, usou alga marinha, rica em óxido de
potássio e manganês, queimou-a para criar cinza e depois adicionou esses
ingredientes ao vidro derretido. Quando a mistura resfriou, ele havia criado um
tipo de vidro extraordinariamente claro. Perplexo pela semelhança com as mais
translúcidas pedras de cristais de quartzo, Barovier chamou-a <i>cristallo</i>. E assim nasceu o vidro
moderno.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
EMBORA VIDREIROS como Barovier tenham sido
brilhantes em produzir vidro transparente, nós só viemos a entender
cientificamente <i>por que</i> o vidro é
transparente no século XX. A maioria dos materiais absorve a energia da luz.
Num nível subatômico, os elétrons que orbitam os átomos fazem o material
“engolir” a energia dos fótons de luz que o penetram, e esses elétrons ganham
energia. Mas os elétrons podem ganhar ou perder energia apenas em etapas
discretas, conhecidas como “quanta”. O tamanho dessas etapas varia de material
para material. Acontece que o dióxido de silício tem etapas muito amplas, e isso
significa que a energia de um fóton de luz não é suficiente para levar os
elétrons a um nível mais elevado de energia. Por essa razão, a luz passa
através do material. (A maioria dos raios ultravioleta, no entanto, tem energia
suficiente para ser absorvida, e é por isso que a gente não consegue se
bronzear atrás de uma janela de vidro.) Mas a luz não apenas passa através do
vidro; ela também pode ser dobrada por ele, distorcida ou até decomposta em
seus comprimentos de onda. O vidro pode ser usado para alterar a visão do
mundo, dobrando a luz de forma precisa. Isso se mostrou ainda mais revolucionário
que a simples transparência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos mosteiros dos séculos XII e XIII, os
monges, curvados sobre manuscritos religiosos em salas iluminadas à luz de
velas, recorriam a pedaços de vidro para auxiliar a leitura. Utilizavam
volumosas lupas sobre a página para ampliar as inscrições em latim. Ninguém tem
certeza exatamente de quando ou onde isso aconteceu, porém, naquela época, em
algum lugar no norte da Itália, fabricantes de vidro chegaram com uma inovação
que mudaria a forma como vemos o mundo, ou pelo menos deixaria tudo mais nítido:
eles moldaram o vidro em pequenos discos com uma curvatura no centro, colocaram
cada disco numa moldura e uniram as molduras na parte superior. Tinham criado
os primeiros óculos do mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os primeiros óculos eram chamados <i>roidi da ogli</i>, ou “discos para os
olhos”. Graças à sua semelhança com a lentilha – lens, em latim –, esses discos
vieram a se chamar “lentes”. Por várias gerações, os novos e engenhosos
dispositivos foram quase exclusivamente da alçada de estudiosos monásticos. A condição
de “presbiopia” – não enxergar de perto – era amplamente comum a toda a
população, mas a maioria das pessoas não percebia que tinha esse problema simplesmente
porque não lia. Para um monge, esforçando-se para traduzir Lucrécio à luz bruxuleante
da vela, a necessidade de óculos ficou muito evidente. Mas a população em geral
– a maioria analfabeta – quase nunca precisava discernir pequenas letras como
as dos nossos formulários em sua rotina diária. As pessoas enxergavam de longe,
não tinham nenhuma razão real para perceber que não enxergavam de perto. Por
isso, aqueles espetaculares objetos permaneceram raros e caríssimos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhblqmMYc42cJXJ666rWGkp6AnIhIqhlJ_nwF2lTD_FEZKGlesjIovimbb9hZ-KII0UZopyaksMUbHbCheHl5gucVVzWbN8J-3Nyi7PdZPNXJzA91Q57PlJBlXC9UQyc8tG_UCwVBWUJj0I/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_6.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="506" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhblqmMYc42cJXJ666rWGkp6AnIhIqhlJ_nwF2lTD_FEZKGlesjIovimbb9hZ-KII0UZopyaksMUbHbCheHl5gucVVzWbN8J-3Nyi7PdZPNXJzA91Q57PlJBlXC9UQyc8tG_UCwVBWUJj0I/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_6.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Óculos do século XV</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O que mudou tudo isso, claro, foi a
invenção da imprensa por Gutenberg nos anos 1440. É possível encher uma pequena
biblioteca com a quantidade de trabalhos acadêmicos publicados para documentar
o impacto da imprensa, a criação do que Marshall McLuhan denominou de “a
galáxia de Gutenberg”. As taxas de alfabetização subiram significativamente; subversivas
teorias científicas e religiosas foram traçadas em torno dos canais oficiais da
crença ortodoxa; divertimentos populares, como o romance e a pornografia
impressos, tornaram-se lugar-comum. Mas a grande descoberta de Gutenberg teve
outro efeito muito menos célebre: fez um número enorme de pessoas tomar
consciência, pela primeira vez, de que era presbíope, e essa revelação aumentou
a procura de óculos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O que se seguiu foi um dos mais
extraordinários casos de efeito beija-flor na história moderna. Gutenberg
possibilitou a impressão de livros relativamente baratos e portáteis, o que
provocou um avanço da alfabetização, expôs uma falha na acuidade visual de
parte considerável da população e criou um novo mercado para a fabricação de
óculos. Passados cem anos da invenção de Gutenberg, milhares de fabricantes de
lentes em toda a Europa prosperavam, e os óculos tornaram-se a primeira peça de
tecnologia avançada – desde a invenção da vestimenta, no Neolítico – que
pessoas comuns usaram de modo regular em seu corpo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas a dança coevolucionária não parou por
aí. Assim como o néctar das plantas promoveu um novo tipo de voo do beija-flor,
o incentivo econômico criado com o surgimento do mercado de óculos engendrou
uma nova área de especialização. A Europa não foi apenas inundada por lentes,
mas também por<i> ideias</i> sobre lentes.
Graças à prensa, de repente o continente foi povoado por pessoas especialistas
na manipulação da luz usando pedaços de vidro ligeiramente convexos. Esses
foram os hackers da primeira revolução ótica. Suas experiências iriam inaugurar
um novo capítulo na história da visão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1590, na pequena cidade de Middleburg,
nos Países Baixos, Hans e Zacharias Janssen, pai e filho fabricantes de óculos,
experimentaram alinhar duas lentes, em vez de colocá-las lado a lado como nos
óculos. Eles observaram que os objetos pareciam ampliados, e assim inventaram o
microscópio. Setenta anos depois, o cientista britânico Robert Hooke publicaria
seu inovador volume ilustrado <i>Micrographia</i>,
com esplêndidos desenhos à mão livre, recriando o que tinha visto através do
microscópio. Hooke analisou pulgas, madeira, folhas e até sua própria urina
congelada. No entanto, sua descoberta mais famosa veio com uma lasca extraída
de um fino feixe de cortiça vista através da lente do microscópio. “Eu podia
perceber claramente todas as perfurações e poros, muito parecidos com um favo
de mel”, escreveu Hooke, “mas vi que esses poros não eram regulares; mesmo
assim, não eram diferentes de um favo de mel nessas particularidades. ... Esses
poros, ou células, não eram muito profundos, consistiam em um grande número de
caixinhas.” Com essa frase, Hooke dava nome a um dos blocos fundamentais da
organização da vida, a célula, abrindo caminho para uma revolução na ciência e
na medicina. Logo o microscópio revelava as invisíveis colônias de bactérias e
vírus que sustentam e ameaçam a vida humana, o que por sua vez levou às
modernas vacinas e aos antibióticos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLw7R44oAV3KegOD-p1FLXerVJzd7kiYMYRSjmH6TWOLDwl-EEB-Ok-jsZuCvBmHc1zdB1QG7qcIc4JUhUZcog6Q-Ajf9NGSV5Vs5VP5fnd47uudEba9eTkappDJ-yeA14JxMqvaRvZx4S/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_7.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="500" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLw7R44oAV3KegOD-p1FLXerVJzd7kiYMYRSjmH6TWOLDwl-EEB-Ok-jsZuCvBmHc1zdB1QG7qcIc4JUhUZcog6Q-Ajf9NGSV5Vs5VP5fnd47uudEba9eTkappDJ-yeA14JxMqvaRvZx4S/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_7.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A pulga (gravura de Micrographia, de Robert Hooke, Londres)</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Demorou quase três gerações para
o microscópio produzir uma ciência verdadeiramente transformadora, porém, por
algum motivo, o telescópio foi mais rápido em gerar suas revoluções. Vinte anos
após a invenção do microscópio, um grupo de fabricantes holandeses de lentes,
incluindo Zacharias Janssen, inventou, mais ou menos ao mesmo tempo, o
telescópio. (Reza a lenda que um deles, Hans Lippershey, tropeçou na ideia
enquanto via os filhos brincando com suas lentes.) Lippershey foi o primeiro a
requisitar uma patente, descrevendo um dispositivo “para ver as coisas
distantes como se elas estivessem perto”. Em um ano, Galileu encontrou a palavra
para o novo dispositivo milagroso e modificou o desenho de Lippershey, chegando
a uma ampliação correspondente a dez vezes a visão normal. Em janeiro de 1610,
apenas dois anos depois de Lippershey ter arquivado sua patente, Galileu usou o
telescópio para observar luas orbitando Júpiter, o primeiro desafio verdadeiro
para o paradigma aristotélico de que todos os corpos celestes giravam ao redor
da Terra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa é a estranha história paralela à
invenção de Gutenberg, por várias razões muitíssimo associada à revolução
científica. Panfletos e tratados de supostos hereges como Galileu fizeram as
ideias circular para além dos limites da censura da Igreja, acabando por minar
sua autoridade. Ao mesmo tempo, o sistema de citação e referência que evoluiu
nas décadas posteriores à Bíblia de Gutenberg tornou-se ferramenta essencial na
aplicação do método científico. Mas a criação de Gutenberg acelerou a marcha da
ciência de outra maneira, menos conhecida: ela expandiu as possibilidades do
desenho de lentes e do próprio vidro. Pela primeira vez, as propriedades
físicas peculiares do dióxido de silício não eram utilizadas apenas para vermos
as coisas que já enxergávamos com os próprios olhos; agora podíamos ver coisas
que transcendiam os limites naturais da visão humana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As lentes continuaram a desempenhar papel
crucial na mídia dos séculos XIX e XX. Primeiro foram utilizadas por
fotógrafos, para focar feixes de luz num papel especialmente tratado que
captava imagens; depois pelos cineastas, para registrar e projetar imagens em movimento
pela primeira vez. No início da década de 1940, começamos a revestir o vidro com
fósforo e nele disparar elétrons, criando as hipnóticas imagens da televisão.
Alguns anos depois, sociólogos e teóricos da mídia declararam que nos tornamos
uma sociedade “da imagem”, a galáxia alfabetizada de Gutenberg, dando lugar à
paixão pelo brilho azul da tela da TV e ao glamour de Hollywood. Essas
transformações emergiram de uma vasta gama de inovações e materiais, mas todas
elas, de uma maneira ou de outra, dependiam da capacidade única do vidro de
transmitir e manipular a luz.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPtLqhQBXNwAeTbOy_eRHht80NFRmUv5WbRvlypQsy-37yc7CU7SeLippOs_Cwmb4uZL9Yk8WiesG0h8WYCsLU34qpcjnTbpWSZRsDDpAjunLv244rog4SUdLdRNLLQIxuFtxP_CxFm_Oe/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_8.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="568" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPtLqhQBXNwAeTbOy_eRHht80NFRmUv5WbRvlypQsy-37yc7CU7SeLippOs_Cwmb4uZL9Yk8WiesG0h8WYCsLU34qpcjnTbpWSZRsDDpAjunLv244rog4SUdLdRNLLQIxuFtxP_CxFm_Oe/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_8.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Primeiro microscópio desenhado por Robert Hooke, 1665.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na verdade, a história da lente moderna e
seu impacto na mídia não é tão surpreendente assim. É possível seguir uma linha
intuitiva desde as lentes dos primeiros óculos até a lente do microscópio e à
lente da câmera. Mas o vidro viria a apresentar outra bizarra propriedade
física, que nem os mestres sopradores de vidro de Murano conseguiram explorar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
COMO PROFESSOR, parece que o físico
Charles Vernon Boys era um fracasso. H.G. Wells, que por breve tempo foi um dos
alunos de Boys no Royal College of Science de Londres, descreveu-o mais tarde
como “um dos piores professores que já viraram as costas para uma audiência
refratária. ... [Ele] mexia no quadro-negro, matraqueava durante uma hora e
voltava depressa para o mecanismo [em que estava trabalhando] em sua sala
particular”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o que faltou a Boys na habilidade em
ensinar foi compensado por sua contribuição para a física experimental, pelo
projeto e construção de instrumentos científicos. Em 1887, como parte de suas
experiências na física, Boys quis criar um caco de vidro muito fino para medir
os efeitos das delicadas forças físicas nos objetos. Ele teve a ideia de usar
uma fina fibra de vidro como braço de balança. Mas primeiro tinha de criar esse
vidro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Efeitos beija-flor algumas vezes acontecem
quando uma inovação em um campo expõe uma falha em alguma outra tecnologia (ou,
no caso do livro impresso, na nossa própria anatomia) que pode ser corrigida
somente por outra disciplina, em conjunto. Mas às vezes esse efeito é alcançado
graças a um tipo diferente de avanço: um radical progresso da nossa capacidade
de medir algo e uma melhoria nas ferramentas que construímos para a medição.
Novas maneiras de medir quase sempre implicam novas formas de produção. Foi
isso que aconteceu com o braço de balança de Boys. Mas o que o tornou uma
figura tão incomum nos anais da inovação foi decididamente a ferramenta pouco
ortodoxa que ele usou em busca desse novo dispositivo de medição. Para criar sua
delgada fibra de vidro, Boys construiu uma balestra especial em seu
laboratório, e criou flechas muito leves (ou parafusos) para a arma. Em cada
parafuso ele fixou com lacre a ponta de uma haste de vidro. Depois, aqueceu o
vidro até amolecer e disparou o parafuso. Quando era arremessado em direção ao
seu destino, o parafuso puxava uma cauda de fibra do vidro fundido ligada à
balestra. Em um dos tiros, Boys produziu uma fibra de vidro de quase 28 metros
de comprimento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“Se eu tivesse feito um pedido a uma fada
para obter alguma coisa que desejasse, teria pedido algo com tantas
propriedades valiosas como essas fibras”, escreveria Boys. Mais espantoso,
porém, era o quanto a fibra era forte: tão resistente, se não mais, que um fio
de aço de tamanho equivalente. Há milhares de anos, os seres humanos vinham
utilizando o vidro por sua beleza e transparência, mas tolerando sua
fragilidade crônica. No entanto, a experiência com a balestra de Boys sugeriu
que havia uma guinada na história desse material surpreendentemente versátil: o
uso do vidro pela sua <i>força</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em meados do século seguinte, as fibras de
vidro, agora associadas a um novo material miraculoso denominado <i>fiberglass</i>, estavam em todos os lugares:
no isolamento de casas, em roupas, pranchas de surfe, grandes iates, capacetes
e nas placas de circuito que conectam os chips dos computadores modernos. A
fuselagem do principal jato da Airbus, o A380 – o maior avião comercial a
cruzar os céus – é construída com um composto de alumínio e fibra de vidro,
tornando-a muito mais resistente à fadiga e aos danos que as carcaças de
alumínio tradicionais. Ironicamente, a maioria dessas aplicações ignorava a
estranha capacidade do dióxido de silício para transmitir ondas de luz: não se
percebia a olho nu que muitos objetos de fibra de vidro eram feitos de vidro.
Durante as primeiras décadas de inovação com a fibra de vidro, a ênfase na não
transparência fazia sentido. Era útil permitir que a luz passasse por uma
vidraça ou por uma lente. Por que era necessário passá-la através de uma fibra
não muito maior que um fio de cabelo humano?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_NgFoIPIIbNnlzBW9iOpA2LXsAouAaMnWkTKb4el1vER1Ma5UXZOKqXsmuRW-A2mVoxAh_IRr8TabZkNpa9K95od0WaRQ15zfPxZWMV1Bm-yQA0sdm4hKji6_pMsJiltbXQPqZwM0sMoJ/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_9.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_NgFoIPIIbNnlzBW9iOpA2LXsAouAaMnWkTKb4el1vER1Ma5UXZOKqXsmuRW-A2mVoxAh_IRr8TabZkNpa9K95od0WaRQ15zfPxZWMV1Bm-yQA0sdm4hKji6_pMsJiltbXQPqZwM0sMoJ/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_9.jpg" width="544" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Charles Vernon Boys no laboratório, 1917.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A transparência das fibras de vidro só se
tornou um recurso quando começamos a pensar na luz como uma forma de codificar
a informação digital. Em 1970, pesquisadores da Corning Glassworks – a Murano
da atualidade – desenvolveram um tipo de vidro tão extraordinariamente claro
que um bloco do comprimento de um ônibus feito com esse vidro seria tão
transparente quanto uma vidraça. (Hoje, depois de novos aprimoramentos, o bloco
pode medir oitocentos metros de comprimento com a mesma transparência). Depois
disso, cientistas da Bell Labs dispararam feixes de laser ao longo dessas
fibras de vidro supertransparentes, fazendo flutuar sinais óticos que
correspondiam aos 0 e 1 do código binário. Esse híbrido de duas invenções que
aparentemente não tinham relação – a luz concentrada e ordenada do laser e a
hipertransparência da fibra de vidro – veio a ser conhecido como fibra ótica.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Usar cabos de fibra ótica era bem mais
eficiente que enviar sinais elétricos por meio de cabos de cobre, em especial
para longas distâncias: a luz permitia maior amplitude de banda, era muito
menos suscetível a ruído e interferências que a energia elétrica. Hoje, a
espinha dorsal da internet global é construída com cabos de fibra ótica.
Aproximadamente dez cabos distintos atravessam o oceano Atlântico,
transportando quase todas as comunicações de voz e dados entre os continentes.
Cada um desses cabos contém uma coleção de fibras separadas, rodeadas por
camadas de aço e isolamento para mantê-las à prova d’água e protegidas de
barcos pesqueiros, âncoras e até tubarões. Cada fibra individual é mais fina
que um pedaço de palha. Parece impossível, mas o fato é que você pode segurar o
conjunto de todas as vozes e tráfego de dados transmitidos entre a América do
Norte e a Europa na palma de uma das mãos. Milhares de inovações uniram-se para
tornar esse milagre possível. Tivemos de inventar a própria ideia de dados
digitais, feixes de laser e computadores nas duas extremidades que pudessem transmitir
e receber esses feixes de informações – para não mencionar os navios que
assentam e reparam os cabos. No entanto, esses estranhos laços do dióxido de
silício, mais uma vez, tornaram-se fundamentais para a história. A world wide
web é tecida por filamentos de vidro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pense nesse ato icônico do início do
século XXI: você tira uma <i>selfie</i> com
seu telefone quando está em férias em algum lugar exótico; em seguida, carrega
a imagem no Instagram ou no Twitter, de onde ela será transmitida para
telefones de outras pessoas e computadores ao redor do mundo. Estamos
acostumados a celebrar as inovações que possibilitaram esse ato quase como se
fossem uma segunda natureza para nós: a miniaturização de computadores digitais
para dispositivos portáteis, a criação da internet e da web, as interfaces de
software de redes sociais. O que raramente fazemos é reconhecer a forma como o
vidro suporta essa rede inteira. Podemos tirar fotos usando lentes de vidro,
armazená-las e manipulá-las em placas de circuito feitas de fibra de vidro,
transmiti-las para o mundo todo através de cabos de vidro e apreciá-las em
telas feitas de vidro. É o dióxido de silício do início ao fim da cadeia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É FÁCIL FAZER PIADA com nossa propensão a
fazer <i>selfies</i>, mas o fato é que
existe uma longa e histórica tradição por trás dessa forma de auto expressão.
Algumas das mais reverenciadas obras de arte do Renascimento e do início do
Modernismo são autorretratos; Leonardo da Vinci e Rembrandt até Van Gogh com
sua orelha enfaixada, os pintores se mostram obcecados em captar imagens
variadas e detalhadas de si mesmos na tela. Rembrandt, por exemplo, pintou
cerca de quarenta autorretratos ao longo de sua vida. Mas uma coisa
interessante sobre o autorretrato é que ele efetivamente não existia como
convenção artística na Europa antes de 1400. As pessoas pintavam paisagens, a
realeza, cenas religiosas e mil outros temas. Mas não pintavam a si mesmas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A explosão do interesse por autorretratos
foi resultado direto de mais um avanço tecnológico da nossa capacidade de
manipular o vidro. Em Murano, os fabricantes de vidro perceberam uma maneira de
combinar seus vidros cristalinos com uma inovação na metalurgia, revestindo a
parte de trás do vidro com um amálgama de estanho e mercúrio a fim de criar uma
superfície brilhante e altamente reflexiva. Pela primeira vez, os espelhos
tornaram-se parte da estrutura da vida cotidiana. Isso foi uma revelação no
mais íntimo dos níveis: antes do advento dos espelhos, as pessoas comuns
passavam a vida sem nunca terem uma representação realmente exata do próprio
rosto, mas apenas imagens fragmentárias e distorcidas refletidas em poças de
água ou metais polidos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os espelhos pareciam tão mágicos que logo
foram integrados a rituais sagrados um tanto bizarros. Durante peregrinações
sagradas, tornou-se prática comum para os peregrinos prósperos levar um espelho
na viagem. Ao visitar as relíquias sagradas, eles posicionavam-se para que
pudessem ver os ossos refletidos nos espelhos. Ao voltar para casa, mostravam
esses espelhos para os amigos e parentes, vangloriando-se de que haviam captado
o reflexo da cena sagrada. Antes de se concentrar na prensa, Gutenberg teve a
ideia de fabricar e vender pequenos espelhos para os peregrinos que partiam em
viagem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, o impacto mais significativo
do espelho seria secular, e não sagrado. Filippo Brunelleschi usou um espelho
para inventar uma perspectiva linear na pintura, desenhando um reflexo do
batistério de Florença, em vez de sua percepção direta do prédio. A arte do
final do Renascimento é muito marcada por espelhos à espreita dentro das
pinturas. A mais famosa é a obra-prima invertida de Diego Velázquez, <i>As meninas</i>, que mostra o artista (e a
família real) no processo da pintura do rei Felipe IV e da rainha Mariana da
Espanha. Toda a imagem é captada do ponto de vista dos dois personagens reais
posando para o retrato; em sentido literal, esse é um quadro sobre o ato de
pintar. O rei e a rainha são visíveis apenas num pequeno fragmento da tela, à
direita do próprio Velázquez: duas imagens pequenas, embaçadas, refletidas num
espelho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como ferramenta, o espelho tornou-se um
trunfo inestimável para pintores que agora podiam captar o mundo ao seu redor
de modo muito mais realista, inclusive as características detalhadas de seus
próprios rostos. Leonardo da Vinci observou o seguinte em seus cadernos (usando
espelhos, naturalmente, para escrever de trás para a frente em seu lendário
manuscrito):<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-size: xx-small;">Quando você quiser ver se o efeito geral de sua pintura
corresponde àquele do objeto representado a partir da natureza, pegue um
espelho e posicione-o para que ele reflita o objeto real, e então compare o
reflexo com sua pintura, e analise cuidadosamente se o objeto das duas imagens
está em conformidade um com o outro, estudando especialmente o espelho. O espelho
deve ser tomado como um guia.</span><span style="font-size: 9pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O historiador Alan Macfarlane escreve
sobre o papel do vidro na formação da visão artística:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-size: xx-small;">É como se todos os seres humanos tivessem algum tipo
sistemático de miopia que tornou impossível ver, e particularmente representar,
o mundo natural com precisão e clareza. Os seres humanos normalmente viam a
natureza simbolicamente, como um conjunto de sinais. ... O vidro, ironicamente,
retirou ou compensou o escuro vidro da visão humana e as distorções da mente,
deixando, portanto, entrar mais luz.</span><span style="font-size: 9pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No exato momento em que a lente de vidro
nos permitiu estender nossa visão até as estrelas ou as células microscópicas,
os espelhos de vidro propiciaram que nós nos víssemos pela primeira vez. O
espelho colocou em movimento uma reorientação mais sutil da sociedade, mas não
menos transformadora que a reorientação do nosso lugar no Universo engendrada pelo
telescópio. “O mais poderoso príncipe do mundo criou um vasto salão de
espelhos, e o espelho se propagou de um quarto para outro nas casas burguesas”,
escreve Lewis Mumford em <i>Technics and
Civilization</i>. “A consciência de si mesmo, a introspecção, a conversa com o espelho
desenvolveram o novo objeto em si.” As convenções sociais, assim como os direitos
de propriedade e outros costumes, começaram a girar em torno do indivíduo, e
não de unidades mais antigas e coletivas: a família, a tribo, a cidade, o
reino.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As pessoas passaram a escrever sobre suas
vidas interiores com muito mais apuro. Hamlet ruminou no palco; o romance
surgiu como forma dominante da narrativa, sondando a vida interior dos
personagens com profundidade incomparável. Entrar em um romance, em particular
o narrado na primeira pessoa, era uma espécie de truque conceitual: deixava o leitor
nadar através da consciência, dos pensamentos e das emoções de outras pessoas
de modo mais eficaz que qualquer forma estética já inventada. O romance
psicológico, em certo sentido, é o tipo de história que você começa a querer ouvir
quando passa algumas horas significativas de sua vida olhando-se no espelho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quanto dessa transformação se deve ao
vidro? Duas coisas são inegáveis: o espelho desempenhou um papel direto nisso,
permitindo que artistas pintassem a si próprios e inventassem a perspectiva
como dispositivo formal. Logo em seguida, uma mudança fundamental ocorreu na
consciência dos europeus, orientando-os em torno de si próprios de uma nova
maneira, mudança que seria difundida por todo o mundo (e continua se
propagando). Sem dúvida, muitas forças convergiram para possibilitar essa
mudança. O mundo autocentrado jogou bem com as primeiras formas do capitalismo
moderno que prosperou em lugares como Veneza e Holanda (casa dos mestres da
pintura introspectiva, Dürer e Rembrandt). Provavelmente essas várias forças
complementavam-se. Espelhos de vidro estiveram entre os primeiros mobiliários
de alta tecnologia para a casa; uma vez que fixamos o olhar nos espelhos,
começamos a nos ver de maneira diferente, de formas que incentivaram os
sistemas de mercado, que alegremente passaram a nos vender mais espelhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não que o espelho tenha causado o
Renascimento, porém ele se emparelhou, em uma retroalimentação positiva, com
outras forças sociais, e sua capacidade incomum de refletir a luz fortaleceu
essas forças. Essa é a perspectiva que o historiador robô nos permite ver: a
tecnologia não é a única causa de uma transformação cultural como o
Renascimento, mas, em muitos aspectos, é tão importante para a história quanto
os homens visionários que convencionalmente homenageamos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Macfarlane tem uma maneira engenhosa de
descrever esse tipo de relacionamento causal. O espelho não “forçou” o
surgimento do Renascimento, mas “permitiu” que ele acontecesse. A elaborada
estratégia reprodutiva dos polinizadores não <i>forçou</i> o beija-flor a desenvolver sua espetacular aerodinâmica. Ela
criou as condições que <i>permitiram</i> ao
beija-flor tirar proveito dos açúcares livres das flores evoluindo esse traço
distintivo. O fato de o beija-flor ser tão único no reino aviário sugere que,
se as flores não tivessem evoluído sua dança simbiótica com os insetos, a
capacidade de pairar do beija-flor jamais teria se desenvolvido. É fácil
imaginar um mundo com flores e sem beija-flores. Muito mais difícil é imaginar
um mundo sem flores e <i>com</i>
beija-flores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O mesmo vale para avanços tecnológicos como
o espelho. Sem a tecnologia que possibilitou ao homem ver um reflexo claro da
realidade, incluindo seu próprio rosto, a constelação específica de ideias na
arte, na filosofia e na política do que chamamos de Renascimento teria tido
mais dificuldades para se agrupar. (A cultura japonesa valorizou muito os
espelhos de aço durante mais ou menos o mesmo período, mas nunca os adotou com
o mesmo uso introspectivo que floresceu na Europa, em parte, talvez, porque o
aço reflete muito menos luz que os espelhos de vidro, além de adicionar uma
coloração artificial à imagem.) Mas o espelho não estava ditando com
exclusividade os termos da revolução europeia em sua sociedade do eu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma cultura diferente, que inventasse o
fino espelho de vidro em um momento diferente do seu desenvolvimento histórico,
poderia não ter experimentado a mesma revolução intelectual, pois o restante da
sua ordem social diferia daquilo que era próprio das cidades montanhosas da
Itália no século XV. O Renascimento também se beneficiou de um sistema de
patrocínio que tornou possível que artistas e cientistas passassem seus dias
brincando com espelhos em lugar de, digamos, procurar nozes e frutas
silvestres. Um Renascimento sem os Médici – não a família em si, claro, mas a
classe econômica que ela representava – é tão difícil de imaginar quanto o
Renascimento sem o espelho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pode-se dizer que as virtudes da sociedade
do eu são totalmente discutíveis. Orientar as leis em torno de indivíduos levou
diretamente a toda uma tradição de direitos humanos e à preeminência da
liberdade individual em códigos legais. Isso deve ser contado como progresso.
Mas pessoas razoáveis discordam para saber se nós, agora, não fomos longe
demais em direção ao individualismo, distanciando-nos das organizações
coletivas: o sindicato, a comunidade, o Estado. Resolver essas divergências
requer um conjunto diferente de argumentos – e valores – do que aqueles de que
precisamos para explicar de onde esses desentendimentos surgiram. O espelho
ajudou a inventar o indivíduo moderno, de uma forma real, porém não
quantificável. Deveríamos concordar com isso. Mas se foi uma coisa boa, esta é,
afinal, uma questão à parte, que talvez jamais seja resolvida de forma
conclusiva.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O VULCÃO INATIVO de Mauna Kea, no
arquipélago do Havaí, eleva-se a mais de 4 mil metros acima do nível do mar,
embora a montanha desça outros 6 mil metros para o fundo do oceano, tornando-se
significativamente maior que o monte Everest em termos de altura da base até o
topo. Ele é um dos poucos lugares no mundo onde você pode subir do nível do mar
para 4 mil metros em questão de horas. No cume, a paisagem é estéril, quase
marciana, em sua extensão rochosa e sem vida. Uma camada de inversão térmica
geralmente mantém as nuvens milhares de metros abaixo do pico do vulcão. O ar é
seco e rarefeito. No ponto mais alto do vulcão, você está tão longe dos
continentes do planeta quanto na base; isso significa que a atmosfera ao redor
do Havaí – não perturbada pela turbulência da energia solar, refletida ou
absorvida por abundantes e variadas massas de terra – é tão estável como em
qualquer outro lugar no planeta. Todas essas propriedades fazem do pico de
Mauna Kea um dos lugares mais sobrenaturais que você pode visitar. Além de ser
também um lugar sublime para contemplar as estrelas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hoje, o pico do Mauna Kea é coroado por
treze observatórios distintos, abóbadas brancas maciças espalhadas pelas rochas
vermelhas como se fossem postos avançados cintilando num planeta distante.
Incluídos nesse grupo estão os telescópios gêmeos do Observatório W.M. Keck, os
mais poderosos telescópios óticos na Terra. Os telescópios Keck parecem descendentes
diretos da criação de Hans Lippershey, só que não dependem de lentes para fazer
sua magia. A fim de captar luz dos cantos distantes do Universo, você precisaria
de lentes do tamanho de uma caminhonete. Nesse tamanho, fisicamente, o vidro
não se sustentaria e causaria distorções inevitáveis para a imagem. Assim, os
cientistas e engenheiros que trabalharam no Keck empregaram outra técnica para
captar traços extremamente tênues de luz: o espelho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cada telescópio tem 36 espelhos hexagonais
que, juntos, formam uma tela reflexiva de seis metros. Essa luz é refletida em
um segundo espelho e enviada para um conjunto de instrumentos, no qual as
imagens podem ser processadas e visualizadas na tela de um computador. (Não há
nenhum ponto de vista no Keck de onde alguém pudesse olhar diretamente por um
telescópio de Galileu ou de outros incontáveis astrônomos desde que ele foi
construído.) Mas, mesmo na rarefeita e ultra estável atmosfera acima de Mauna
Kea, pequenas perturbações podem macular as imagens captadas pelo Keck. Por
isso, os observatórios empregam um engenhoso sistema denominado “ótica
adaptativa” para corrigir a visão dos telescópios.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Lasers são lançados à noite para o céu
acima do Keck, criando efetivamente uma estrela artificial no firmamento. Essa
falsa estrela torna-se uma espécie de ponto de referência. Os cientistas sabem
exatamente como o laser seria visto no céu se não houvesse nenhuma distorção
atmosférica, e assim eles conseguem medir a distorção ao comparar a imagem
“ideal” do laser com o que na verdade os telescópios registram. Guiados por
esse mapa dos ruídos atmosféricos, os computadores instruem os espelhos do
telescópio a se curvarem ligeiramente, baseados nas exatas distorções ocorridas
nos céus de Mauna Kea naquela noite. O efeito é quase o mesmo de colocar óculos
numa pessoa míope: de repente objetos distantes ficam significativamente mais
claros.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3yRGrpSRPIC-i2L3mNwwnKYIRNM4H-hFYSfDjZs40BzgHIwlmJFRBdUCQi_FguSA0CztegGIYX3v06FByxA2BlCr6SJT9n9kEShzBy9mYXTidDtkMw4C8AwCdCmcHFRjh191S5nvN883g/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_10.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="422" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3yRGrpSRPIC-i2L3mNwwnKYIRNM4H-hFYSfDjZs40BzgHIwlmJFRBdUCQi_FguSA0CztegGIYX3v06FByxA2BlCr6SJT9n9kEShzBy9mYXTidDtkMw4C8AwCdCmcHFRjh191S5nvN883g/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_10.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Observatório Keck</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Claro que, para os telescópios Keck, esses
objetos distantes são galáxias e supernovas em alguns casos situados a bilhões
de anos-luz de distância. Quando olhamos através dos espelhos do Keck, estamos
inspecionando minuciosamente um passado distante. Mais uma vez, o vidro ampliou
nossa visão, não só para o invisível mundo de células e micróbios, ou da
conectividade global do telefone com câmera, mas para um caminho de volta aos
primórdios do Universo. O vidro começou como bugigangas e recipientes vazios.
Alguns milhares de anos mais tarde, empoleirado acima das nuvens no topo do
Mauna Kea, tornou-se uma máquina do tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A HISTÓRIA DO VIDRO nos lembra como nossa
engenhosidade está ao mesmo tempo confinada e fortalecida pelas propriedades
físicas dos elementos ao nosso redor. Quando pensamos nos seres que fizeram o
mundo moderno, em geral falamos dos grandes visionários da ciência e da
política, de invenções revolucionárias ou de grandes movimentos coletivos. Mas
há um elemento material na nossa história, não o materialismo dialético
praticado pelo marxismo, em que “material” representava a luta de classes e a
suprema primazia da explicação econômica. Uma história material no sentido de
uma história moldada pelos blocos básicos da estrutura da matéria, que se
conectam a coisas como movimentos sociais ou sistemas econômicos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Imagine que fosse possível reescrever o
big bang (ou brincar de Deus, dependendo de sua metáfora) e criar um Universo
que fosse exatamente como o nosso, apenas com uma pequena mudança: os elétrons
do átomo de silício não se comportariam da mesma maneira. Nesse Universo
alternativo, os elétrons <i>absorvem</i> a
luz, como a maioria dos materiais, em vez de deixar os fótons passarem por
eles. Esse pequeno ajuste poderia não fazer nenhuma diferença para toda a
evolução do <i>Homo sapiens</i> até alguns
milhares de anos atrás. Mas então, surpreendentemente, tudo mudou. Os seres
humanos começaram a explorar o comportamento quântico desses elétrons de
silício de inúmeras formas diferentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em algum nível fundamental, é impossível
imaginar o último milênio sem o vidro transparente. Agora podemos transformar o
carbono (na forma composta definida pelo século XX, o plástico) em materiais
transparentes duráveis que podem funcionar como vidro, mas essa descoberta tem
menos de um século. No entanto, com os elétrons do silício alterados, são
eliminados os últimos mil anos de vitrais, óculos, lentes, lâmpadas, tubos de
ensaio. (Espelhos de alta qualidade poderiam ter sido inventados usando-se
outros materiais reflexivos, embora isso provavelmente demorasse mais alguns
séculos.) Um mundo sem vidro transformaria não apenas os edifícios da
civilização, removendo todos os vitrais das grandes catedrais e as superfícies
lustrosas e reflexivas da paisagem urbana moderna. Um mundo sem vidro atingiria
o cerne do progresso moderno: o aumento da expectativa de vida decorrente do
entendimento da célula, do vírus e da bactéria; o conhecimento genético do que
nos faz humanos; o conhecimento dos astrônomos do nosso lugar no Universo.
Nenhum material na Terra foi mais importante que o vidro para esses avanços
inovadores. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em carta a um amigo sobre o livro de
história natural que jamais conseguiu escrever, René Descartes explicou como
ele gostaria de contar a história do vidro: “Como essas cinzas, pela mera
intensidade (da ação) do calor, transformaram-se em vidro: como essa
transmutação de cinzas em vidro pareceu-me tão maravilhosa como qualquer outra
natureza, tive especial prazer em descrevê-la.” Descartes estava
suficientemente perto da revolução original do vidro para perceber sua magnitude.
Hoje, nós estamos a muitos passos de distância da influência do material
original para apreciar quão importante o vidro foi e continua a ser para a
existência cotidiana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse é um daqueles lugares que
se iluminam por uma abordagem de zoom longo, permitindo-nos ver coisas que
teríamos perdido se permanecêssemos concentrados nos suspeitos habituais da
narrativa histórica. Invocar os elementos físicos para debater as mudanças
históricas não é algo inédito, claro. A maioria de nós aceita a ideia de que o
carbono tem desempenhado papel essencial na atividade humana desde a Revolução
Industrial. Mas, de certa forma, isso não chega a ser novidade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O carbono tem sido essencial para todo
organismo vivo desde a sopa primordial. Mas os homens não tinham encontrado
muita utilidade para o dióxido de silício até que os fabricantes de vidro
começaram a mexer com suas curiosas propriedades, mil anos atrás. Hoje, se você
olhar ao seu redor, no recinto onde está no momento, verá que há centenas de
objetos ao seu alcance que dependem do dióxido de silício para existir, e, mais
ainda, que contêm o próprio silício: a vidraça das janelas ou claraboias, a
lente do telefone celular, a tela do computador, tudo com um microchip ou um
relógio digital. Se você estivesse distribuindo os papéis de protagonistas da
química cotidiana de 10 mil anos atrás, os principais intérpretes seriam os
mesmos de hoje: somos fortes usuários de carbono, hidrogênio e oxigênio. Mas é
provável que o silício não tivesse recebido nenhum crédito. Embora seja
abundante na Terra – mais de 90% da crosta é composta por esse elemento –, o
silício não desempenha quase nenhuma função no metabolismo natural das formas
de vida no planeta. Nossos corpos dependem do carbono, e muitas das nossas
tecnologias (combustíveis fósseis e plásticos) mostram a mesma dependência.
Todavia, a necessidade do silício é um desejo moderno. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A pergunta é: por que demorou tanto tempo?
Por que as extraordinárias propriedades dessa substância foram tão ignoradas
pela natureza, e por que essas propriedades de repente tornaram-se essenciais
para a sociedade humana, começando aproximadamente mil anos atrás? Claro que,
para tentar responder a essas questões, só podemos especular. Mas a resposta
decerto tem a ver com outra tecnologia: a fornalha. Uma das razões de a
evolução não encontrar muito uso para o dióxido de silício é que a maioria das
coisas realmente interessantes sobre a substância só aparece depois de atingir
mais de 500°. A água líquida e o carbono fazem coisas maravilhosas e inventivas
com a temperatura da atmosfera terrestre, mas é difícil ver as possibilidades
do dióxido de silício antes de ele ser derretido, e o ambiente da Terra – pelo
menos na superfície do planeta – simplesmente não é tão quente. Esse foi o
efeito beija-flor desencadeado pela fornalha: ao aprender a gerar calor extremo
em ambiente controlado, desvendamos o potencial molecular do dióxido de
silício, que logo transformou a forma como vemos o mundo e a nós mesmos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De uma maneira estranha, o vidro estava
tentando ampliar nossa visão do Universo desde os primórdios, muito antes de
sermos inteligentes o suficiente para notar. Os fragmentos de vidro do deserto
da Líbia que foram parar na tumba do faraó Tutancâmon intrigaram igualmente
arqueólogos, geólogos e astrofísicos durante décadas. As moléculas semilíquidas
do dióxido de silício indicavam que tinham se formado em temperaturas que só
poderiam ter sido criadas pelo impacto direto de um meteoro, mas não havia
evidência de uma cratera de impacto em qualquer lugar nas proximidades. Então,
de onde vieram essas temperaturas extraordinárias? Um relâmpago pode transmitir
calor suficiente para produzir vidro numa pequena quantidade de silício, mas
não pode abranger hectares de areia num único impacto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A partir daí, os cientistas começaram a
explorar a ideia de que o vidro da Líbia surgiu de um cometa que colidiu com a
atmosfera da Terra e explodiu sobre as areias do deserto. Em 2013, um
geoquímico sul-africano chamado Jan Kramers analisou uma pedra misteriosa do
local e determinou que ela havia se originado do núcleo de um cometa, o
primeiro objeto desse tipo a ser descoberto na Terra. Cientistas e agências
espaciais têm gasto bilhões de dólares à procura de partículas de cometas,
porque elas oferecem uma visão minuciosa sobre a formação de sistemas solares.
O pedregulho do deserto da Líbia agora lhes dá acesso direto à geoquímica dos
cometas. Enquanto isso, o vidro já estava indicando esse caminho.<o:p></o:p></div>
<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
VIDRO é o primeiro capítulo do livro</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEha07xvXR_0_5gLnEni6-ucxitYnOFk1nju2vcf3xcVdEk_zBN39K1YbpKUZ3Te59VuKD7d1OPSeRhSKQjuhfBud8-c_mzUjbFWouw_MAKPr0fFyDZQyCkne85ABQmoDSo1AfFyHNR74PlL/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEha07xvXR_0_5gLnEni6-ucxitYnOFk1nju2vcf3xcVdEk_zBN39K1YbpKUZ3Te59VuKD7d1OPSeRhSKQjuhfBud8-c_mzUjbFWouw_MAKPr0fFyDZQyCkne85ABQmoDSo1AfFyHNR74PlL/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_1.jpg" width="444" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
"A história das inovações que fizeram a vida moderna possível"</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
de STEVEN JOHNSON</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
editado pela ZAHAR</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqQjkVAaIlHEF4iLm8j_-GDDhUdXyz_5QOE7WSONMlzAqlfwZSNDCU1FM-Nz_5r24YAZKFa1BlC9HHak6BiSxw2GnhLWhNaJxtLsDUTBTeD8dcUegYA_JNG77pWXH9oIzf3xHOjj3XNSmY/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="209" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqQjkVAaIlHEF4iLm8j_-GDDhUdXyz_5QOE7WSONMlzAqlfwZSNDCU1FM-Nz_5r24YAZKFa1BlC9HHak6BiSxw2GnhLWhNaJxtLsDUTBTeD8dcUegYA_JNG77pWXH9oIzf3xHOjj3XNSmY/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
com tradução de CLAUDIO CARINA</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
e disponibilizado pela LE LIVROS (http://lelivros.site/)</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhJ0wUvU3Z3dVdw50wf7fUIn1DGjcICXS0uqou15zBdnwbKaW8IxClsapoyy6bv3mG0wFOVfAHkAjxYEgB78SD3zIzlf4Dhi6PWwZQb8XPrva0JLvAzxYnT8ri-NPUL6iTKJzuDMdlY_9QS/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="151" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhJ0wUvU3Z3dVdw50wf7fUIn1DGjcICXS0uqou15zBdnwbKaW8IxClsapoyy6bv3mG0wFOVfAHkAjxYEgB78SD3zIzlf4Dhi6PWwZQb8XPrva0JLvAzxYnT8ri-NPUL6iTKJzuDMdlY_9QS/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; text-align: justify;">
<div style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 20.0pt; line-height: 115%;">DADOS DE COPYRIGHT<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Sobre a obra:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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A presente obra é disponibilizada
pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples
teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É expressamente proibida e
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conteúdo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
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<br /></div>
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<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 11.8800001144409px; line-height: 16.6319999694824px;">
</div>
<div class="MsoNormal">
<b>"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um
novo nível."<o:p></o:p></b></div>
</div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-83077112558367503442015-08-15T09:24:00.001-03:002015-08-15T16:02:14.009-03:00COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI - HIGIENE<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px; text-align: center;">Nota do Blog: as inter-relações entre tempo e fatos estabelecidas pelo autor e a sua ideia propriamente dita da obrigatória simbiose entre as coisas, poderá ser melhor compreendida se a introdução do livro for lida, o que poderá ser feito em: </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px;">http://adautogmjunior.blogspot.com.br/2015/08/como-chegamos-ate-aqui-introducao.html</span></span><br />
<span style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px;"><br /></span></span>
<span style="color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><span style="font-size: xx-small; line-height: 12.6000003814697px;"><br /></span></span>
<span style="font-size: x-large;"> 4º CAPÍTULO - HIGIENE</span><br />
<br />
EM DEZEMBRO DE 1856, um engenheiro de
meia-idade de Chicago chamado Ellis Chesbrough cruzou o Atlântico para apreciar
os monumentos do continente europeu. Paris, Hamburgo, Amsterdam e meia dúzia de
outras cidades – o clássico Grand Tour. Mas Chesbrough não fez essa
peregrinação só para estudar a arquitetura do Louvre ou do Big Ben. Ele foi
analisar as invisíveis realizações da engenharia europeia. Estava lá para
estudar os esgotos.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em meados do século XIX, Chicago era uma
cidade com extrema necessidade de conhecimentos sobre a remoção de resíduos.
Graças a sua importância crescente como centro distribuidor, transportando
trigo e carne de porco preservada das grandes planícies para as cidades
costeiras, transformou-se de aldeia em metrópole em questão de décadas. Mas, ao
contrário de outras cidades que cresceram a taxas prodigiosas durante o mesmo
período (como Nova York e Londres), Chicago sofria de um legado incapacitante,
o rastro deixado por geleiras milhares de anos antes que os primeiros seres
humanos se estabelecessem por ali. A cidade tem uma geografia imperdoavelmente
plana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante o Pleistoceno, um vasto campo de
gelo alastrou-se da parte baixa da Groenlândia e cobriu a atual Chicago de
geleiras de mais de dois quilômetros de altura. À medida que o gelo derreteu, formou-se uma
densa massa de água que os geólogos chamam agora de lago Chicago. Com o tempo,
o lago foi drenado até formar o lago Michigan, achatando os depósitos de argila
deixados pelo glaciar. A maioria das cidades goza de um desnível seguro entre
os rios ou portos ao redor dos quais se desenvolveu. Em comparação a elas,
Chicago é uma tábua de passar roupa – e por isso é a grande cidade da região
das planícies americanas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Construir uma cidade em terreno
perfeitamente plano parece uma boa. Pode-se pensar que terrenos íngremes ou
montanhosos como os de São Francisco, Cidade do Cabo ou Rio de Janeiro
apresentariam mais problemas de engenharia para edificações e transporte. Mas topografias
planas não drenam. Na metade do século XIX, a drenagem pela gravidade era fundamental
para os sistemas de esgotos urbanos. As terras de Chicago também sofreram por não
serem particularmente porosas. Como a água não tinha lugar para ir, as pesadas tempestades
de verão transformavam o solo em região pantanosa em questão de minutos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando William Butler Ogden, que mais
tarde se tornaria o primeiro prefeito de Chicago, chegou à cidade encharcada
pela chuva, percebeu que estava “afundando na lama até os joelhos”. Escreveu ao
cunhado, que tinha comprado terras no limite da cidade, numa aposta audaciosa
em seu futuro: “Você foi culpado de um ato de grande insensatez ao fazer [essa]
compra.” No final dos anos 1840, estradas feitas com pranchas de madeira foram
erguidas sobre a lama. Um contemporâneo observou que de vez em quando uma das
pranchas cedia, e “um lodo verde e preto jorrava entre as rachaduras”. O
primeiro sistema de remoção sanitária constava de porcos soltos nas ruas,
devorando o lixo que os seres humanos deixavam para trás.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com sua rede ferroviária e de
transporte expandindo-se numa velocidade extraordinária, Chicago mais que
triplicou de tamanho durante a década de 1850. Essa taxa de crescimento impôs desafios para os recursos
de habitação e transporte da cidade, mas o maior problema de todos veio de algo
mais escatológico: quando quase 100 mil novos residentes chegam a uma cidade,
eles geram um bocado de excremento. Um editorial local declarou: “Os bueiros
estão com tanta sujeira que até os porcos torcem o nariz com supremo desgosto.”
Nós raramente pensamos sobre isso, mas o crescimento e a vitalidade das cidades
sempre dependeram de nossa capacidade de gerenciar o fluxo dos resíduos humanos
que se intensifica quando as pessoas se aglomeram. Desde os primórdios dos
assentamentos humanos, descobrir onde colocar o excremento tem sido tão
importante quanto descobrir como construir abrigos, praças ou mercados.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O problema é mais grave nas cidades que
passam por um crescimento galopante, como vemos hoje nas favelas e cortiços das
megacidades. A Chicago do século XIX, claro, tinha dejetos humanos e de
animais, pois cavalos e suínos andavam pelas ruas, os bovinos aguardavam o
abate nos currais. (“O rio é realmente vermelho de sangue quando passa sob a
ponte da Rush Street, por baixo da nossa fábrica”, escreveu um empresário. “Que
tipo de pestilência pode resultar disso, eu não sei.”) <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os efeitos de toda essa imundície não eram
apenas ofensivos para os sentidos, eles eram mortais. Epidemias de cólera e
disenteria irrompiam regularmente na década de 1850. Morreram sessenta pessoas
por dia durante o surto de cólera do verão de 1854. As autoridades da época não
entendiam bem a conexão entre os resíduos e a doença. Muitas apoiavam a teoria
do “miasma” então em vigor, alegando que doenças epidêmicas surgiam a partir de
vapores tóxicos, por vezes chamados de “neblinas da morte”, que as pessoas inalavam
em cidades densamente habitadas. A verdadeira rota de transmissão – as
invisíveis bactérias transportadas pela matéria fecal que poluía o suprimento
de água – só se tornaria parte da sabedoria convencional uma década depois.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto a bacteriologia ainda não estava
bem desenvolvida, as autoridades de Chicago tinham razão em estabelecer uma
conexão essencial entre a limpeza da cidade e o combate às doenças. Em 14 de
fevereiro de 1855, foi criado em Chicago um Conselho de Comissários de Esgotos
para estudar o problema. Seu primeiro ato foi anunciar a busca do “mais
competente engenheiro da época que estivesse disponível para o cargo de
engenheiro-chefe”. Em alguns meses eles encontraram esse homem, Ellis
Chesbrough, filho de um funcionário da estrada de ferro, que havia trabalhado
em projetos para o canal e projetos ferroviários, na época engenheiro-chefe do
Sistema Hidráulico de Boston.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf77HwfGiMAkGyU0lwKppfA7AXMdlu9og5O7wrirVm7XdF6h7nbSFLmzxwczAPgFc-n0iOlfNRi9_7shnbsv7XFUQnDH9FutGu7Fy8jf8kM1lRVmq-Y0UvvLkfqkTEkQH5XiUZhljRh0xW/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_32.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf77HwfGiMAkGyU0lwKppfA7AXMdlu9og5O7wrirVm7XdF6h7nbSFLmzxwczAPgFc-n0iOlfNRi9_7shnbsv7XFUQnDH9FutGu7Fy8jf8kM1lRVmq-Y0UvvLkfqkTEkQH5XiUZhljRh0xW/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_32.jpg" width="448" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ellis Chesbrough, Chicago, cerca de 1870
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa foi uma sábia escolha. O conhecimento
de Chesbrough sobre transporte ferroviário e engenharia de canais revelou-se
decisivo na resolução do problema do terreno plano e não poroso de Chicago. A
criação de um patamar artificial e a construção de esgotos no subsolo foram
consideradas saídas muito caras; construir uma galeria muito abaixo da
superfície era um trabalho difícil para os equipamentos do século XIX, e todo o
esquema exigia o bombeamento dos resíduos para a superfície no fim do processo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aqui a história pessoal de Chesbrough o
ajudou a encontrar a alternativa, remetendo-o a uma ferramenta que havia visto
quando era um jovem trabalhador na estrada de ferro: o macaco de rosca,
dispositivo usado para levantar dos trilhos locomotivas que pesavam toneladas.
Se não era possível escavar para criar um ângulo adequado de drenagem, por que não
usar macacos de rosca para levantar a cidade?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Auxiliado pelo jovem George Pullman, que
mais tarde faria fortuna com a construção de vagões, Chesbrough lançou um dos
mais ambiciosos projetos de engenharia do século XIX. Edifício por edifício,
Chicago foi suspendida com macacos de rosca por um exército de homens. Enquanto
os macacos levantavam os edifícios centímetro por centímetro, operários cavavam
buracos sob as fundações dos prédios e instalavam grandes caibros de madeira
para apoio, ao mesmo tempo que os pedreiros construíam uma nova base sob a
estrutura. Tubulações de esgoto foram inseridas sob os edifícios, com as
galerias principais passando por baixo das ruas, que foram depois recobertas
por um aterro retirado do rio Chicago, suspendendo toda a cidade quase três
metros em média.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hoje os turistas que caminham pelos
arredores de Chicago se admiram com a proeza de engenharia exposta no
espetacular horizonte na cidade; o que eles não percebem é que o solo sob seus
pés também é produto de uma engenharia brilhante. (Não admira que, depois de
ter participado de empreendimento tão hercúleo, quando começou a construir a
cidade-modelo fabril de Pullman, em Illinois, algumas décadas mais tarde, o
primeiro passo de George Pullman foi instalar tubulações de água e esgoto antes
de qualquer outra edificação.)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por incrível que pareça, a vida continuou
mais ou menos inalterada enquanto a equipe de Chesbrough suspendia os edifícios
da cidade. Um visitante britânico viu um hotel de 750 toneladas ser erguido e
descreveu a experiência surrealista numa carta: “As pessoas estavam dentro [do
hotel] o tempo todo, indo e voltando, comendo e dormindo – as atividades do
hotel prosseguiam sem interrupção.” À medida que o projeto avançava, Chesbrough
e sua equipe tornavam-se cada vez mais ousados nas estruturas que tentavam
suspender. Em 1860, os engenheiros ergueram metade de um quarteirão da cidade:
quase 4 mil metros quadrados de prédios de cinco andares, pesando cerca de 35
mil toneladas, foram erguidos por mais de 6mil macacos de rosca. Outras
estruturas tiveram de ser erguidas e transportadas a fim de abrir espaço para
os esgotos: “Nenhum dia se passou durante minha estada na cidade sem que eu
visse uma ou mais casas mudando de lugar”, recordou um visitante. “Um dia,
foram nove. Seguindo pela Great Madison Street de carruagem, tivemos de parar
duas vezes para deixar as casas atravessarem.”<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnLGWJogSZ_J_VhebbLSjUNcryCOoFGJYu9z3urUH29lT7G5EKDG1THfCUtZpi3BbQYY0dPMvaRhlXMihx8B691KxBJ7L_yTLAKKUicNPrlIOFyo46-qk8vPTAWzk58DZaNUodDxWelbED/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_33.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="431" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnLGWJogSZ_J_VhebbLSjUNcryCOoFGJYu9z3urUH29lT7G5EKDG1THfCUtZpi3BbQYY0dPMvaRhlXMihx8B691KxBJ7L_yTLAKKUicNPrlIOFyo46-qk8vPTAWzk58DZaNUodDxWelbED/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_33.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Içamento do Briggs House – hotel de tijolos em Chicago –, cerca de 1857</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O resultado foi o primeiro sistema de
esgotos aplicável a qualquer cidade americana. Em três décadas, mais de vinte
cidades em todo o país seguiram o exemplo de Chicago, planejando e instalando
suas próprias redes subterrâneas de esgoto. Esses grandes projetos de
engenharia criaram um padrão que viria a definir a metrópole do século XX: a
ideia da cidade como sistema apoiado por uma rede invisível de serviços
subterrâneos. O primeiro trem a vapor percorreu túneis subterrâneos de Londres
em 1863. O metrô de Paris foi inaugurado em 1900, logo seguido pelo metrô de
Nova York. Passarelas para pedestres, autoestradas, fios elétricos e cabos de
fibra ótica formaram uma rede sob as ruas da cidade. Hoje, há um conjunto de
mundos paralelos no subsolo, fornecendo suporte e energia. Agora pensamos
naturalmente nas cidades em termos de horizontes que procuram alcançar o céu. Mas
a grandeza das catedrais urbanas seria impossível sem o mundo oculto abaixo do
solo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
DE TODAS ESSAS CONQUISTAS, mais do que os
trens do metrô e os cabos de internet de alta velocidade, o mais essencial e
mais facilmente esquecido é o pequeno milagre que os sistemas de esgoto
ajudaram a tornar possível: desfrutar um copo de água potável diretamente da torneira.
Apenas 150 anos atrás, em cidades ao redor do mundo, a água potável era uma roleta-russa.
Quando pensamos nos assassinos que marcaram o urbanismo do século XIX, nos lembramos
naturalmente de Jack o Estripador assombrando as ruas de Londres. Mas os verdadeiros
assassinos da cidade vitoriana eram as doenças geradas pela água contaminada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse foi – literalmente – o furo fatal no
plano de Chesbrough para o esgoto de Chicago. Ele concebeu uma estratégia
brilhante para afastar os resíduos das ruas, das latrinas e das adegas da vida
cotidiana, mas quase todos os tubos de esgoto escoavam para o rio Chicago, que deságua
no lago Michigan, a principal fonte de água potável da cidade. No início dos
anos 1870, o abastecimento de água da cidade tornara-se tão terrível que era
normal uma pia ou banheira se encher de peixes mortos, envenenados pela imundície
humana antes de serem captados pelas tubulações de água. Nos meses de verão, segundo
um observador, os peixes “saíam cozidos, e as banheiras podiam ser cheias com o
que os cidadãos mais melindrosos chamavam de sopa”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O romance <i>The Jungle</i>, de Upton Sinclair, em geral é considerado a obra literária
mais influente na tradição do ativismo político mais radical. Parte da força do
livro vem da crueza explícita de suas palavras, nas imagens da imundície da
Chicago da virada do século em aflitivos detalhes, como em sua descrição do
Bubbly Creek [Ribeirão Ebuliente], um riacho que saía do rio Chicago:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">A graxa e os produtos químicos despejados
no rio passam por todos os tipos de transformações estranhas, que são a causa
do seu nome; a água está em constante movimento, como se enormes peixes
estivessem se alimentando, ou grandes leviatãs se divertissem em suas
profundezas. Bolhas de gás carbônico sobem à superfície e estouram, formando
anéis de quase um metro de largura. Aqui e ali, a graxa e a imundície se
solidificaram, e o riacho parece um leito de lava; galinhas andam sobre ele, ciscando,
e muitas vezes um incauto estrangeiro tenta atravessar a pé, desaparecendo
temporariamente.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A experiência de Chicago foi replicada em
todo o mundo: esgotos removiam dejetos humanos dos porões e quintais das
pessoas, mas na maioria das vezes simplesmente eram jogados nas fontes de
suprimento de água potável, diretamente, como no caso de Chicago, ou indiretamente,
pelas chuvas torrenciais. Fazer projetos para galerias de esgoto e tubulações
de água na escala da cidade não era por si só suficiente para a tarefa de
manter a grande cidade limpa e saudável. Nós também precisávamos entender o que
estava acontecendo na escala dos microrganismos. Precisávamos de uma teoria que
ligasse os germes à doença – e precisávamos impedir que esses germes nos
prejudicassem.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmKVhyphenhyphenf6o6TVoxQu6rFHzi0NeIBAA5_Ra1VFEmHb-nz3LIDCanyZSBsomSsVVHdySVBRatmIto4teo02pqM9w7F_xVTRlzIlYGl4VfJaBDM3wp5bDUGZgGSN61WMVAOiS90VoR4GqWHTdh/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_34.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="465" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmKVhyphenhyphenf6o6TVoxQu6rFHzi0NeIBAA5_Ra1VFEmHb-nz3LIDCanyZSBsomSsVVHdySVBRatmIto4teo02pqM9w7F_xVTRlzIlYGl4VfJaBDM3wp5bDUGZgGSN61WMVAOiS90VoR4GqWHTdh/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_34.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Operários trabalham na Metropolitan Line do metrô, sob as obras da estação King’s Cross, em Londres.
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
QUANDO SE OLHA para trás, para a reação
inicial da comunidade médica à teoria dos germes, a resposta parece mais que
cômica. A questão foi simplesmente ignorada. É bem conhecida a história do
médico húngaro Ignaz Semmelweis, duramente ridicularizado e criticado pelas
autoridades médicas ao propor pela primeira vez, em 1847, que os médicos e
cirurgiões lavassem as mãos antes de atender os pacientes. (Demorou quase meio
século para que comportamentos antissépticos básicos fossem adotados pela
comunidade médica, muito depois de Semmelweis ter perdido o emprego e morrido
em um asilo de loucos.) Bem menos conhecido é o fato de que Semmelweis baseou
seu argumento inicial em estudos sobre a febre puerperal (ou “de parto”), da
qual as novas mães morrem logo após o parto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Trabalhando no Hospital Geral de Viena,
Semmelweis deparou com um experimento natural alarmante: o hospital contava com
duas maternidades, uma para atender bem, com a participação de médicos e
estudantes de medicina, e outra para a classe trabalhadora, que recebia os
cuidados de parteiras. Por alguma razão, as taxas de mortalidade por febre
puerperal eram muito mais baixas na ala da classe trabalhadora. Depois de
investigar os dois ambientes, Semmelweis descobriu que os médicos da elite e
seus alunos alternavam-se entre partos e pesquisas em cadáveres no necrotério.
Estava claro que algum tipo de agente infeccioso era transmitido dos cadáveres
para as mães. Com uma simples aplicação de um desinfetante, como limão com
cloro, o ciclo de infecção poderia ser interrompido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É provável que não haja exemplo mais
surpreendente de quanto as coisas mudaram em nossa compreensão da higiene ao
longo do último século e meio. Semmelweis foi ridicularizado e demitido não só
por se atrever a propor que os médicos lavassem as mãos; ele foi ridicularizado
e demitido por propor que os médicos lavassem as mãos <i>se quisessem fazer partos e dissecar cadáveres na mesma tarde</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse é um caso em que nosso senso comum
básico está muito longe do que parecia razoável para nossos antepassados do
século XIX. De muitas maneiras, eles pareciam ser e agir como pessoas modernas:
tomavam trens, agendavam reuniões e comiam em restaurantes. Mas, em algumas
ocasiões, estranhas lacunas se abrem entre nós e eles, não apenas as óbvias
lacunas da sofisticação tecnológica, mas algumas mais sutis e conceituais. No
mundo de hoje, vemos a higiene de uma forma radicalmente diferente. O conceito
de tomar banho, por exemplo, era estranho para a maioria dos europeus e
americanos do século XIX. Você pode pensar que tomar banho era um conceito
estranho simplesmente porque as pessoas não tinham acesso a água corrente e
canalização nem possuíam chuveiros em casa, como a maioria de nós possui hoje
no mundo desenvolvido. Na verdade, a história é muito mais complicada que isso.
Na Europa, desde a Idade Média e durante quase todo o período até o século XX,
o preceito predominante em termos de higiene era que submergir o corpo na água
era uma coisa insalubre, até perigosa. Supostamente, tapar os poros com sujeira
e óleo era uma proteção contra as doenças. “Banho enche a cabeça de vapores”,
aconselhava um médico francês em 1655. “É um inimigo dos nervos e dos
ligamentos, que o banho afrouxa, de tal forma que muitos homens nunca sofrem de
gota a não ser quando tomam banho.” <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Podemos ver a força desse preconceito com
mais clareza nas crônicas da realeza durante os anos 1600 e 1700 – em outras
palavras, justamente as pessoas que tinham dinheiro para projetar e construir
salas de banho sem pensar duas vezes. Elizabeth I dava-se ao trabalho de tomar
banho uma vez por mês, e era uma verdadeira aberração em termos de higiene, em
comparação com seus pares. Quando criança, Luís XIII tomou o primeiro banho aos
sete anos. Entrar nu numa piscina cheia d’água não era algo que europeus
civilizados fizessem; era uma tradição bárbara dos balneários do Oriente Médio,
e não da aristocracia de Paris ou de Londres.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Devagar, a partir do início do século XIX,
essa atitude começou a mudar, sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Charles Dickens construiu um sofisticado chuveiro de água fria em sua casa em
Londres, e foi um grande defensor das virtudes higiênicas e energéticas de um
banho de chuveiro diário. Um gênero menor de livros de autoajuda e panfletos
ensinava as pessoas a tomar banho, com instruções tão detalhadas que hoje
parecem ensinar alguém a pousar um 747. Na peça<i> Pigmalião</i>, de Bernard Shaw, uma das primeiras atitudes do
professor Higgins na transformação de Eliza Doolittle é colocá-la numa
banheira. (“Você quer que eu entre aí e me molhe toda?”, ela protesta. “Eu não.
Eu não quero morrer.”)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Harriet Beecher Stowe e sua irmã Catharine
Beecher apregoavam uma ablução diária em seu influente manual <i>The American Woman’s Home</i>, publicado em
1869. Reformadores começaram a construir banhos públicos e chuveiros em favelas
urbanas em todo o país. “Nas últimas décadas do século”, escreve a historiadora
Katherine Ashenburg, “a higiene estava
firmemente ligada não só à religiosidade, mas também ao estilo de vida
americano.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As virtudes da higiene pessoal não eram
evidentes por si sós, da forma como as vemos hoje. Tiveram de ser descobertas e
promovidas, principalmente por meio dos veículos de reforma social e do boca a
boca. Curiosamente, fala-se pouco sobre o sabonete no processo de popularização
do banho no século XIX. Já foi muito difícil convencer as pessoas de que a água
não iria matá-las. (Como veremos, quando o sabonete afinal entrou em voga, no
século XX, seria impelido por outra nova convenção: a publicidade.) Mas os
arraigados defensores dos banhos foram apoiados pela convergência de vários avanços
científicos e tecnológicos importantes. Progressos na infraestrutura pública
possibilitaram que mais pessoas tivessem água encanada nas casas para encher as
banheiras; a água era mais limpa do que décadas antes; e, o mais importante, a
teoria dos germes deixou de ser uma ideia marginal para se tornar consenso
científico. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse novo paradigma foi conquistado por
meio de duas linhas paralelas de investigações. Primeiro, houve o trabalho do
detetive epidemiológico John Snow, em Londres, ao mapear as mortes de uma
epidemia no Soho, mostrando pela primeira vez que o cólera era causado por água
contaminada, e não por cheiros miasmáticos. Snow jamais conseguiu ver a
bactéria que provoca o cólera. Era quase impossível ver os organismos com a
tecnologia dos microscópios da época (Snow os chamava de “animálculos”), por
serem muito pequenos. Mas ele conseguiu detectar os organismos indiretamente,
pela distribuição das mortes nas ruas de Londres. A teoria de Snow sobre a
transmissão da doença pela água seria o primeiro golpe decisivo no paradigma do
miasma, apesar de ele não ter vivido para ver o triunfo de sua teoria. Depois
de sua morte prematura, em 1858, The Lancet publicou um obituário conciso, sem
nenhuma referência a seu inovador trabalho epidemiológico. Em 2014, a revista
publicou a “correção” um pouco atrasada de seu obituário, detalhando as contribuições
originais do médico de Londres para a saúde pública.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7_dXCACte3K6CaJ4KASmH7aztRlKUdsI47s_9kK41Klkem-snEqgCPQzsE90lwmBz8oLrl98ek4Y4wsqKJUup1itHAJdIeOT1A4_-v1uXQx-FHtRVGTYvwmI6rqcl_F7dIhmoTGiyrxRT/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_35.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7_dXCACte3K6CaJ4KASmH7aztRlKUdsI47s_9kK41Klkem-snEqgCPQzsE90lwmBz8oLrl98ek4Y4wsqKJUup1itHAJdIeOT1A4_-v1uXQx-FHtRVGTYvwmI6rqcl_F7dIhmoTGiyrxRT/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_35.jpg" width="403" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Cartaz publicado pelo Conselho Central para Educação em Saúde (1927-1969), 1955.
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A síntese moderna que viria substituir a
hipótese do miasma – que doenças como cólera e febre tifoide são causadas não
pelo cheiro, mas por organismos invisíveis que se desenvolvem na água
contaminada – firmou-se afinal, mais uma vez, graças a uma inovação no vidro.
No início dos anos 1870, os artesãos alemães da fábrica de lentes Zeiss
começaram a produzir novos microscópios – dispositivos que, pela primeira vez,
foram construídos a partir de fórmulas matemáticas descrevendo o comportamento
da luz. Essas novas lentes possibilitaram o trabalho microbiológico de
cientistas como Robert Koch, um dos primeiros cientistas a identificar a
bactéria do cólera. (Depois de receber o Prêmio Nobel por seu trabalho, em 1905,
Koch escreveu a Carl Zeiss: “Devo grande parte do meu sucesso a seus excelentes
microscópios.” Como seu grande rival Louis Pasteur, Koch e seus microscópios
ajudaram a desenvolver e a divulgar a teoria dos germes. Do ponto de vista
tecnológico, o grande avanço do século XIX na saúde pública – o conhecimento de
que germes invisíveis podem matar – foi uma espécie de trabalho de equipe envolvendo
mapas e microscópios.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hoje, Koch é merecidamente famoso pelos
inúmeros microrganismos que identificou com essas lentes Zeiss. Mas sua
pesquisa também levou a uma descoberta secundária, também importante, embora
menos amplamente reconhecida. Koch não apenas <i>viu</i> as bactérias, ele também desenvolveu sofisticadas ferramentas
para <i>medir</i> a densidade de bactérias
em certa quantidade de água. Quando misturou água contaminada com gelatina
transparente, observou o crescimento de colônias de bactérias sobre uma placa
de vidro. Koch estabeleceu uma unidade de medida que podia ser aplicada a
qualquer quantidade de água – se tivesse menos de cem colônias por mililitro,
era considerada segura para beber.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Novas formas de medição criam novas
maneiras de fazer. A capacidade de medir o teor de bactérias permitiu um novo
conjunto de abordagens para enfrentar os desafios da saúde pública. Antes da
adoção dessas unidades de medida, era preciso testar as melhorias de um sistema
de água à maneira antiga: construir um novo esgoto, reservatório ou tubulação,
e esperar para ver se menos pessoas morriam. Mas a capacidade de colher uma
amostra de água e determinar empiricamente se ela estava livre de contaminação
significava que os ciclos de experimentação podiam ser muitíssimo acelerados.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7qtYTZ95on2QiI7i5uIGZ4dh2ToSMIdG2fNRKkLwikVP3BxkV7CoI6YaNADPSq48_l49H3BOaNsW2Phyphenhyphen1YTjV9sSnQA2mfX3NPml5e6k57-9Tn4WfNrbFL7n19KIxbjZiUQsr9N91un9P/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_36.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="603" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7qtYTZ95on2QiI7i5uIGZ4dh2ToSMIdG2fNRKkLwikVP3BxkV7CoI6YaNADPSq48_l49H3BOaNsW2Phyphenhyphen1YTjV9sSnQA2mfX3NPml5e6k57-9Tn4WfNrbFL7n19KIxbjZiUQsr9N91un9P/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_36.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Mapa do cólera no Soho, de John Snow</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os microscópios e as mensurações logo abriram
uma nova frente na guerra contra os germes. Em vez de combatê-los
indiretamente, afastando os resíduos da água potável, novos produtos químicos
podiam ser usados para atacar diretamente as bactérias. Um dos importantes soldados
nessa segunda frente de combate foi um médico de Nova Jersey chamado John Leal.
Assim como John Snow, Leal era um médico que tratava de pacientes, mas também tinha
um interesse apaixonado por questões mais amplas de saúde pública, em
particular aquelas relativas à contaminação da água. O seu interesse nascera de
uma tragédia pessoal: seu pai tinha sofrido uma lenta e dolorosa morte ao beber
água infestada de bactérias durante a Guerra Civil. A experiência do pai de
Leal na guerra nos fornece um convincente retrato estatístico da ameaça
representada pela água contaminada e outros riscos à saúde durante o período.
Dezenove homens no 144º Regimento morreram em combate, enquanto 178 morreram de
doença durante a guerra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leal experimentou muitas técnicas para
matar bactérias, mas no início de 1898 um veneno em particular começou a
despertar seu interesse: o hipoclorito de cálcio, produto químico potencialmente
letal, mais conhecido como cloro, também chamado naquele tempo de “cloreto de
cal”. A química já tinha grande circulação como remédio para a saúde pública.
Casas e bairros que sofriam um surto de febre tifoide ou cólera eram rotineiramente
desinfetados com substâncias químicas, intervenção que não fazia nada para combater
as doenças causadas pela água. Mas a ideia de colocar cloro na água ainda não tinha
sido pensada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para os habitantes de todas as cidades dos
Estados Unidos e da Europa, o cheiro forte e acre do cloreto de cal estava
indelevelmente associado a doenças epidêmicas. Decerto não era um cheiro que
alguém gostaria de sentir na água potável. A maioria dos médicos e autoridades
de saúde pública rejeitou o procedimento. Um conhecido químico protestou: “A própria
ideia de desinfecção química é repelente.” No entanto, armado de ferramentas
que lhe permitiam ver os patógenos por trás de doenças como febre tifoide e
disenteria, e medir sua presença global na água, Leal convenceu-se de que o
cloro – na dosagem certa – livraria a água das bactérias de forma mais eficaz
que qualquer outro meio, sem qualquer ameaça para os homens que a bebessem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leal acabou conseguindo um emprego na
companhia de fornecimento de água de Jersey City, onde passou a supervisionar 7
bilhões de galões de água potável retirados da bacia do rio Passaic. Esse novo
trabalho preparou o terreno para uma das intervenções mais bizarras e ousadas
da história da saúde pública. Em 1908, a companhia estava atolada em uma prolongada
batalha legal sobre contratos (no valor de centenas de milhões de dólares em
valor atual) referentes a reservatórios e tubulações de abastecimento de água
então recentemente concluídos. O juiz do caso criticou a empresa por não
fornecer uma água “pura e saudável”, e ordenou a construção de dispendiosas
galerias adicionais de esgoto para manter os patógenos longe da água potável da
cidade. Mas Leal sabia que as galerias de esgoto teriam uma eficácia limitada,
principalmente durante grandes tempestades. Por isso, resolveu submeter seus recentes
experimentos com cloro a um teste final.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em sigilo quase total, sem qualquer
permissão das autoridades governamentais (e sem aviso prévio ao público em
geral), Leal decidiu adicionar cloro aos reservatórios de Jersey City. Com a
ajuda do engenheiro George Warren Fuller, Leal construiu e instalou um “sistema
de alimentação de cloreto de cal” para o reservatório de Boonton, fora de
Jersey City. Aquele foi um risco tremendo, dada a oposição popular à filtragem
química. Mas as decisões do tribunal tinham limitado drasticamente seu
cronograma, e ele sabia que testes de laboratório não fariam sentido para uma
audiência leiga. “Leal não tinha tempo para um estudo-piloto. E sem dúvida não
tinha tempo para construir uma demonstração em escala para testar a nova tecnologia”,
escreveu Michael J. McGuire em seu relato The <i>Chlorine Revolution</i>. “Se o sistema de alimentação do cloreto de cal
perdesse o controle da quantidade do produto químico aplicado, e uma amostra
com alto cloro residual chegasse a Jersey City, Leal saberia que o sucesso do
processo estava comprometido.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa foi a primeira cloração em massa do
abastecimento de água de uma cidade na história. Quando o fato se tornou
público, porém, logo pensaram que Leal era um louco ou uma espécie de
terrorista. Afinal, tomar alguns copos de hipoclorito de cálcio podia ser
letal. No entanto, ele tinha feito muitas experiências, e sabia que quantidades
muito pequenas da mistura eram inofensivas para os seres humanos, ainda que
fatais para muitas formas de bactérias. Três meses depois de sua experiência,
Leal foi chamado a comparecer ao tribunal a fim de defender suas ações. Durante
todo o interrogatório, ele manteve-se firme na defesa de sua descoberta em
saúde pública:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
PERGUNTA – Doutor, o senhor pode
mencionar alguns outros lugares do mundo em que essa experiência tenha sido
testada da mesma forma, colocando-se esse pó de branqueamento na água potável
de uma cidade de 200 mil habitantes?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
RESPOSTA – De 200 mil habitantes?
Em nenhum lugar no mundo, isso nunca foi testado antes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
PERGUNTA – Isso nunca foi feito?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
RESPOSTA – Não nessas condições
ou nessas circunstâncias, mas isso será usado muitas vezes no futuro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
PERGUNTA – Jersey City foi a
primeira cidade?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
RESPOSTA – A primeira a lucrar
com isso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
PERGUNTA – Jersey City foi a
primeira a ser usada para provar se sua experiência é boa ou ruim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
RESPOSTA – Não, senhor, a lucrar
com ela. O experimento acabou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
PERGUNTA – O senhor notificou a
cidade de que iria testar esse experimento?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
RESPOSTA – Não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
PERGUNTA – O senhor bebe essa
água?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
RESPOSTA – Sim, senhor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
PERGUNTA – O senhor chegou a
hesitar em oferecer essa água à sua esposa e à sua família?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
RESPOSTA – Eu acredito que seja a
água mais segura no mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No fim, o processo judicial foi resolvido
com uma vitória quase completa de Leal. “Eu vou averiguar e fazer um
relatório”, escreveu o perito especial do caso, “se esse processo é capaz de
tornar a água fornecida a Jersey City pura e saudável, ... e eficaz na remoção
... de perigosos germes da água.” Em poucos anos, os números que validavam a
ousadia de Leal tornaram-se incontestáveis: comunidades como Jersey City, que
tomavam água potável clorada, tiveram reduções radicais nas doenças
transmitidas pela água, como a febre tifoide.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em certo momento, durante o interrogatório
no julgamento em Jersey, o promotor acusou John Leal de estar interessado em
grandes recompensas financeiras com sua inovação. “E se o experimento acabou
bem”, ironizou, “ora, você ganhou uma fortuna.” Do banco de testemunhas, Leal
interrompeu-o, dando de ombros: “Não sei de onde virá essa fortuna. Para mim
não faz diferença.” 26 Ao contrário de outros, Leal não fez qualquer tentativa
de patentear a técnica de cloração de que fora o pioneiro no reservatório de
Boonton. Sua ideia ficou livre para ser adotada por qualquer empresa de
fornecimento que quisesse abastecer seus clientes com uma água “pura e
saudável”. Livres das restrições de patentes e taxas de licenciamento, logo os
municípios adotavam a cloração como prática-padrão em todos os Estados Unidos,
e depois ao redor do mundo.<o:p></o:p><br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjg0f-kUfFemlh-jCe0WfCp83NncSaBmRJaDnaHwmrNOGoFJlehOsFnORXaTPdB1exJBknAZebLqP9D7zN8yMd0v9mOXHWCChd4JkVJnDiHWk3po5WrfDFBQxy1BBjtKzBmp2r71sxrNFtl/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_37.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjg0f-kUfFemlh-jCe0WfCp83NncSaBmRJaDnaHwmrNOGoFJlehOsFnORXaTPdB1exJBknAZebLqP9D7zN8yMd0v9mOXHWCChd4JkVJnDiHWk3po5WrfDFBQxy1BBjtKzBmp2r71sxrNFtl/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_37.jpg" width="396" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Aviso sobre o cólera, 1866.
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cerca de uma década atrás, dois professores
de Harvard, David Cutler e Grant Miller, verificaram o impacto da cloração (e
de outras técnicas de filtragem da água) entre 1900 e 1930, período em que foi
implantada nos Estados Unidos. Como havia dados extensos sobre as taxas de
doenças, em especial sobre a mortalidade infantil em diferentes comunidades de todo
o país – e como os sistemas de cloração foram lançados de forma escalonada –,
Cutler e Miller conseguiram obter um retrato muito preciso do efeito do cloro
sobre a saúde pública. Eles descobriram que a água limpa e potável reduzia em
43% a mortalidade total de uma cidade americana média. Ainda mais
impressionante, o cloro e os sistemas de filtragem reduziram em 74% a
mortalidade nos primeiros anos de vida, com valor quase idêntico para a redução
da mortalidade infantil.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É importante fazer uma pausa para refletir
sobre o significado desses números, a fim de transportá-los do estéril domínio
das estatísticas de saúde pública para o reino da experiência vivida. Até o
século XX, uma das incertezas de ser pai era enfrentar a alta probabilidade de que
pelo menos um dos filhos morresse em idade precoce. Assim, o que talvez seja a
mais lancinante experiência que podemos enfrentar – a perda de um filho – era um
fato rotineiro da existência. Hoje, no mundo desenvolvido, esse fato tornou-se
raridade. Um dos desafios mais fundamentais do ser humano – manter os filhos
protegidos – reduzia-se drasticamente, em parte por conta de grandes projetos
de engenharia, em parte pela batalha invisível entre compostos de hipoclorito
de cálcio e bactérias microscópicas. As pessoas por trás dessa revolução não
ficaram ricas, poucas se tornaram famosas. Mas, sob muitos aspectos, deixaram uma
marca mais profunda em nossas vidas que os legados de Edison, Rockefeller ou
Henry Ford.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, a cloração não queria dizer
apenas salvar vidas. Ela também implicou diversão. Depois da Primeira Guerra
Mundial, foram abertos 10 mil banhos e piscinas públicos clorados pelos Estados
Unidos. Aprender a mergulhar tornou-se um rito de passagem. Esses novos espaços
públicos aquáticos foram a vanguarda que desafiou as velhas regras de decência
pública durante o período entre as duas guerras. Antes do surgimento das piscinas
municipais, de maneira geral as mulheres banhavam-se como se estivessem agasalhadas
para um passeio de trenó. Em meados dos anos 1920, elas começaram a expor as pernas
abaixo dos joelhos; alguns anos depois, o vestuário foi adaptado com decotes
maiores. Trajes com abertura atrás, seguidos por maiôs de duas peças, vieram
logo a seguir, na década de 1930. “Coxas, cintura, ombros, barriga, costas e
colo das mulheres só foram publicamente expostos entre 1920 e 1940”, escreveu o
historiador Jeff Wiltse em <i>Contested
Waters</i>, uma história social das piscinas. Podemos avaliar essa
transformação em termos de quantidade de tecido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na virada do século, a roupa de banho da
mulher média exigia dez metros de pano para ser fabricada; até o final da
década de 1930, um metro era suficiente. Tendemos a ver os anos 1960 como o
período em que as mudanças de atitudes culturais geraram a mudança mais radical
na moda cotidiana, mas é difícil competir com a velocidade com que o corpo
feminino foi despido no período entre as guerras. É provável que a moda
feminina encontrasse outro caminho para a exposição sem o aumento do número de
piscinas, porém parece improvável que tivesse acontecido tão depressa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sem dúvida, expor coxas de banhistas do
sexo feminino não estava na mira de John Leal quando ele despejou cloro no
reservatório de Jersey City. Mas, assim como a asa do beija-flor, uma mudança
num campo desencadeia uma mudança aparentemente não correlata em um diferente
nível de existência: mata-se 1 trilhão de bactérias com hipoclorito de cálcio;
de alguma forma, vinte anos depois, são reinventados comportamentos básicos de
exposição do corpo da mulher. Tal como acontece com tantas mudanças culturais,
não foi a prática de cloração, sozinha, que transformou a moda feminina; muitas
forças sociais e tecnológicas convergiram para diminuir os maiôs, várias
vertentes do feminismo precoce, o olhar fetichista das câmeras de Hollywood,
para não mencionar as estrelas de cinema que usavam maiôs mais reveladores.
Contudo, sem a adoção em massa da natação como atividade de lazer, essa moda teria
se privado de uma de suas principais vitrines. Além disso, essas outras
explicações – por mais pertinentes que sejam – em geral são as que chegam à
imprensa. Pergunte a uma pessoa normal na rua que fatores determinam a moda
feminina, e as respostas irão mencionar Hollywood ou revistas de moda. Quase
ninguém falará do hipoclorito de cálcio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
DURANTE TODO O SÉCULO XIX, a marcha das
tecnologias limpas desenvolveu-se em boa parte no terreno da saúde pública:
grandes projetos de engenharia, sistemas de filtração de água em massa. Mas a
história da higiene no século XX é um assunto muito mais íntimo. Poucos anos após
a arrojada experiência de Leal, cinco empresários de São Francisco investiram
centenas de dólares cada qual para lançar um produto à base de cloro. Vista em
retrospectiva, aquela parecia uma boa ideia, mas as vendas de alvejantes tinham
como objetivo a grande indústria, e elas não se desenvolveram tão rapidamente
quanto os sócios esperavam. No entanto, a esposa de um dos investidores, Annie
Murray, dona de uma loja em Oakland, na Califórnia, teve uma ideia: o cloro
alvejante podia ser um produto revolucionário na casa das pessoas, não só nas fábricas.
Por insistência de Annie, a empresa criou uma versão mais fraca do produto e embalou
em frascos pequenos. Ela estava tão convencida do potencial do produto que distribuiu
amostras grátis para todos os seus clientes da loja. Em alguns meses, aquelas garrafas
vendiam loucamente. Annie Murray não sabia na época, mas estava ajudando a inventar
uma nova indústria. Ela tinha criado o primeiro branqueador comercial doméstico
dos Estados Unidos e a primeira de uma leva de marcas de produtos de limpeza
que se tornaria onipresente no novo século: o Clorox. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Garrafas de Clorox tornaram-se tão comuns
que os recipientes deixados por nossas avós são usados hoje por arqueólogos
para datar escavações em sítios (uma garrafa de cloro alvejante está para o
início do século XX assim como a lança está para a Idade do Ferro, ou a cerâmica
colonial para o século XVIII), quase sempre acompanhada por outros best-sellers
em produtos de higiene doméstica: o sabonete Palmolive, o Listerine e um
desodorante popular chamado Odorono. Produtos de higiene como esses estavam entre
os primeiros a serem anunciados em página inteira de revistas e jornais. Nos
anos 1920, os americanos eram bombardeados por mensagens comerciais tentando convencê-los
de que passariam por humilhações se não fizessem algo a respeito dos germes em
seus corpos ou casas. (A frase “Sempre a dama de honra, nunca a noiva” nasceu
numa propaganda do Listerine de 1925.)<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikcLDyAW8YuMoCgqfhjif0LbMSEubvnfICd1drBUUfirrA_7gC1DLaABTKvpb8i72kKHj3l7YaZ5xLSHO23d6V_exDRdK0ea1FropmOd0F7ganH47V_64WloB2dPRhlTioQOem_H3vepbb/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_38.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikcLDyAW8YuMoCgqfhjif0LbMSEubvnfICd1drBUUfirrA_7gC1DLaABTKvpb8i72kKHj3l7YaZ5xLSHO23d6V_exDRdK0ea1FropmOd0F7ganH47V_64WloB2dPRhlTioQOem_H3vepbb/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_38.jpg" width="446" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Anúncio de Clorox
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando o rádio e a televisão começaram a
contar histórias, foram as empresas de higiene pessoal que mais uma vez abriram
caminho para formas pioneiras de publicidade, uma jogada de marketing
brilhante, que até hoje continua conosco na expressão americana <i>soap opera</i>. Esse é um dos mais estranhos
efeitos beija-flor da cultura contemporânea: a teoria do germe pode ter
reduzido a mortalidade infantil a uma fração dos níveis do século XIX, tornando
a cirurgia e o parto muito mais seguros que nos dias do dr. Semmelweis. Mas
também desempenhou papel crucial na criação da propaganda moderna.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hoje, a indústria da higiene é estimada em
US$ 80 bilhões. Ao caminharmos por um grande supermercado ou drogaria,
encontramos centenas, se não milhares, de produtos dedicados a livrar nossa
família de germes perigosos: produtos para pias, vasos sanitários, pisos,
talheres, para os dentes e os pés. As lojas são abastecidas por gigantescos
armazéns para a guerra contra as bactérias. Há os que julguem que nossa
obsessão atual por limpeza pode ter ido longe demais. Algumas pesquisas sugerem
que nosso mundo, cada vez mais higienizado, na verdade pode se relacionar a
taxas crescentes de bronquite e alergia, pois agora o sistema imunológico
infantil se desenvolve sem se expor a toda a diversidade de germes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O CONFLITO ENTRE o homem e a bactéria ao
longo dos últimos dois séculos teve consequências de longo alcance, das
triviais tendências da moda na natação até incrementos existenciais de melhorias
que reduziram as taxas de mortalidade infantil. Nosso crescente conhecimento
das rotas microbianas de doenças possibilitou às cidades atingir limites
máximos de população antes restritos a toda a civilização humana. Até 1800,
nenhuma sociedade tinha construído e mantido uma cidade com mais de 2 milhões
de habitantes. As primeiras cidades a romper essa barreira (Londres e Paris,
seguidas de perto por Nova York) sofreram intensamente com doenças que
irrompiam quando muitas pessoas compartilhavam um pequeno número de imóveis. Em
meados do século XIX, muitos observadores razoáveis da vida urbana se convenceram
de que as cidades não podiam ser construídas nessa escala, que Londres sofreria
um inevitável colapso e se reduziria a um tamanho mais gerenciável, como havia
acontecido com Roma quase 2 mil anos antes. Contudo, a resolução dos problemas
da água limpa e potável e a remoção confiável de resíduos mudaram tudo isso. Cento
e cinquenta anos depois de Ellis Chesbrough realizar sua primeira grande turnê
pelos esgotos da Europa, cidades como Londres e Nova York chegavam a 10 milhões
de habitantes, com uma expectativa de vida e taxas de doenças infecciosas muito
mais baixas que suas antecedentes vitorianas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na verdade, o problema agora não são
cidades de 2 milhões ou 10 milhões de habitantes. São megacidades, como Mumbai
ou São Paulo, que em breve chegarão a 30 milhões de seres humanos ou mais,
muitos deles vivendo em comunidades improvisadas – cortiços e favelas –, mais
próximas da Chicago que Chesbrough teve de soerguer que de uma cidade contemporânea
do mundo desenvolvido. Quando se olha apenas para a Chicago ou a Londres de
hoje, a história do último século e meio parece ser de progressos
incontestáveis: a água é mais limpa; as taxas de mortalidade são muito mais
baixas; as doenças epidêmicas quase inexistem. Mas até hoje há mais de 3
bilhões de pessoas no mundo todo que não têm acesso a água potável e a sistemas
básicos de saneamento. Em números absolutos, nós retroagimos como espécie.
(Havia apenas 1 bilhão de pessoas vivas em 1850.) Por isso, a questão que se impõe
é como levar a revolução da higiene para as favelas e não apenas para a
Michigan Avenue.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A suposição convencional é de que essas
comunidades precisam seguir o mesmo caminho cartografado por Snow, Chesbrough,
Leal e todos os outros heróis anônimos da nossa infraestrutura de saúde
pública: elas precisam de sanitários ligados a enormes sistemas de esgoto que
eliminem os resíduos sem contaminar os reservatórios que bombearão a água filtrada,
que chegará às residências por um sistema igualmente complexo. Todavia, cada
vez mais cidadãos dessas novas megacidades – e outros inovadores do
desenvolvimento global – começam a pensar que a história não precisa se
repetir.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por mais ousado e resoluto que tenha sido,
John Leal jamais teria a oportunidade de clorar a água de Jersey City se
tivesse nascido na geração anterior, simplesmente porque a ciência e a
tecnologia que tornaram possível a cloração não haviam sido inventadas. Os
mapas e as lentes, as substâncias químicas e as unidades de medida que
convergiram na segunda metade do século XIX forneceram a plataforma para seu
experimento. Podemos até dizer, sem sermos injustos, que, se Leal não tivesse
transformado a cloração na prática corrente que ela se tornou, alguém teria
feito o mesmo na década seguinte, se não antes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo isso leva a uma questão: se novas
ideias e novas tecnologias podem criar novas soluções, assim como a teoria dos
germes e o microscópio geraram a ideia do tratamento químico da água, será que
não surgiram novas ideias desde os tempos de Leal que possam acionar um <i>novo</i> paradigma para manter nossas
cidades limpas, talvez eliminando a fase das grandes obras de engenharia?
Talvez esse paradigma possa ser um indicador que leve a um futuro que todos
estamos destinados a compartilhar. Os países em desenvolvimento conseguiram
superar parte da intrincada infraestrutura de linhas de telefone com fio,
saltando à frente de economias mais “avançadas”, baseando suas comunicações em
conexões sem fio. Será que não se pode fazer o mesmo com os esgotos?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 2011, a Fundação Bill e Melinda Gates
anunciou uma disputa para estabelecer uma mudança de paradigma na forma como
pensamos os serviços de saneamento básico. Memoravelmente chamada de “Desafio
para reinventar a privada”, a disputa solicitou projetos para banheiros que não
necessitem de ligação com o esgoto nem de eletricidade, e que custem menos de
US$ 0,5 por usuário, por dia. O vencedor foi um sistema de lavabo do Instituto
de Tecnologia da Califórnia (Caltech) que utiliza células fotovoltaicas para
alimentar um reator eletroquímico, que trata os resíduos humanos, produzindo
água limpa para lavagem ou irrigação e hidrogênio, que pode ser armazenado em
células de combustível. O sistema é inteiramente autossuficiente, dispensa rede
elétrica, tubulação de esgoto ou uma instalação de tratamento. A única
substância que o banheiro exige, além de luz solar e resíduos humanos, é sal de
mesa, que é oxidado para produzir cloro a fim de desinfetar a água.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essas moléculas de cloro talvez fossem a
única parte desse banheiro que John Leal reconheceria, se pudesse vê-lo hoje.
Isso porque o banheiro se baseia em novas ideias e tecnologias que se tornaram
parte do possível adjacente no século XX, ferramentas que talvez nos permitam
dispensar o caro trabalho intensivo de construção de gigantescos projetos de infraestrutura.
Leal precisou de microscópios, da química e da teoria dos germes para sanear o
abastecimento de água em Jersey City. O banheiro do Caltech precisa de
combustível de células de hidrogênio, painéis solares e chips leves e baratos
de computador para monitorar e regular o sistema.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ironicamente,
em parte, esses microprocessadores são eles próprios um subproduto da revolução
da limpeza. Os chips de computador são criações fantásticas, intrincadas.
Apesar de, em última análise, serem produto da inteligência humana, seus
detalhes microscópicos são quase impossíveis de compreender. Para medi-los,
precisamos ampliá-los até a escala de micrômetros, ou mícrons, um milionésimo
de metro. A espessura de um cabelo humano é de cerca de uma centena de mícrons.
Uma célula da nossa pele tem cerca de trinta mícrons. A bactéria do cólera tem
cerca de três mícrons de diâmetro. As vias e os transistores por meio das quais
a eletricidade flui em um microchip – transportando aqueles sinais que
representam os 0 e 1 do código binário – podem ser tão pequenos quanto 1⁄10 de
mícron. A fabricação nessa escala requer extraordinárias ferramentas de
robótica e laser; não há microprocessadores artesanais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas as fábricas de chips exigem ainda
outro tipo de tecnologia, que normalmente não associamos ao mundo da alta
tecnologia: elas precisam ser absurdamente limpas. Um grão de poeira doméstica
pousando numa dessas delicadas pastilhas de silício seria comparável ao monte
Everest aterrissando nas ruas de Manhattan.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ambientes como o da fábrica de chips da
Texas Instruments, nas cercanias de Austin, Texas, estão entre os lugares mais
limpos do planeta. Só para entrar no espaço, você deve vestir um traje
completamente limpo, e cobrir o corpo da cabeça aos pés com materiais estéreis
que não soltem pelos. Há uma estranha inversão nesse processo. Em geral, quando
usamos equipamentos de extrema proteção, é para nos isolar de algum tipo de
ambiente hostil: frio intenso, patógenos, o vácuo do espaço. Nesse recinto imaculado,
o traje é projetado para proteger o espaço de <i>nós</i>. Nós somos o patógeno ameaçando os valiosos recursos dos chips de
computador à espera de nascer, nós, os folículos de cabelo e as camadas de
epiderme e muco que pululam ao nosso redor. Do ponto de vista do microchip,
cada ser humano é um chiqueirinho, uma nuvem de pó e sujeira. Se você se lavar
para entrar nessa sala limpa, não pode nem usar sabonete, pois a maioria tem
fragrâncias que emitem potenciais contaminantes. Até o sabonete é muito sujo
para um recinto imaculado.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCbxHEnHLSGDkBdletDDrU8yu1kvWjuZmq_LMFJzMizR7G1ho7xe7atgu95mxMThshGETf0ZnsW4qYarUDw8KG0r11UheY6MqZPkvQuR-fVVUMtgOLrQmF_7vtrgiCpGEk4uGTtZsK4eVE/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_39.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="422" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCbxHEnHLSGDkBdletDDrU8yu1kvWjuZmq_LMFJzMizR7G1ho7xe7atgu95mxMThshGETf0ZnsW4qYarUDw8KG0r11UheY6MqZPkvQuR-fVVUMtgOLrQmF_7vtrgiCpGEk4uGTtZsK4eVE/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_39.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Bill Gates inspeciona o trabalho vencedor do “Desafio para reinventar a privada”, em 2011.</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Há uma estranha simetria nesse recinto tão
limpo que nos leva de volta aos pioneiros que lutaram para purificar a água
potável de suas cidades, Ellis Chesbrough, John Snow, John Leal. A produção de
microchips também requer grandes quantidades de água, mas é uma água radicalmente
diferente daquela que bebemos da torneira. Para evitar impurezas, as fábricas
de chips criaram H2O pura, uma água filtrada não só de qualquer contaminação
bacteriana, mas também de todos os minerais, sais e íons aleatórios que compõem
a água filtrada normal. Isenta de todos os “contaminantes” extras, a água
ultrapura, como é chamada, é o solvente ideal para os microchips. A falta
desses elementos, contudo, também torna a água ultrapura impotável para os
seres humanos. Se tomarmos um copo dessa coisa, ela vai sugar minerais do nosso
organismo. Esse é o ciclo completo de limpeza: algumas das ideias brilhantes em
ciência e engenharia do século XIX nos ajudaram a purificar uma água que era
muito suja para beber. E agora, 150 anos depois, criamos uma água<i> limpa demais </i>para ser bebida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando se está num recinto tão limpo, os
pensamentos se voltam naturalmente para os esgotos que se encontram sob as ruas
das nossas cidades, os dois extremos polares da história da higiene. Para
construir o mundo moderno, tivemos de criar um espaço inimaginavelmente repelente,
um rio subterrâneo de imundície, e isolá-lo da vida cotidiana. Ao mesmo tempo, para
fazer a revolução digital, tivemos de criar um ambiente hiperlimpo, e mais uma
vez isolá-lo da vida cotidiana. Como nunca visitamos esses ambientes, eles não
se fixam na nossa consciência. Celebramos as coisas que eles tornaram possíveis
– arranha-céus e computadores cada vez mais poderosos –, mas não os esgotos e
os recintos imaculados. Contudo, os resultados práticos estão em todos os
lugares ao nosso redor.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8T54vCecuPSE3ofxSq-EuDV83b1lnDw-MZxRT9I7dWQui00hjgtpetQFQ2cYNIvzUtXK55PBbIT_qlm23H8J5wF-qgKZoUL1jCoMiamYdM0hgAMGwx8bmWRrMZoxRaFyoL0a5l0W3Afmc/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_40.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8T54vCecuPSE3ofxSq-EuDV83b1lnDw-MZxRT9I7dWQui00hjgtpetQFQ2cYNIvzUtXK55PBbIT_qlm23H8J5wF-qgKZoUL1jCoMiamYdM0hgAMGwx8bmWRrMZoxRaFyoL0a5l0W3Afmc/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_40.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Interior da Texas Instruments</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
HIGIENE é o quarto capítulo do livro<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEha07xvXR_0_5gLnEni6-ucxitYnOFk1nju2vcf3xcVdEk_zBN39K1YbpKUZ3Te59VuKD7d1OPSeRhSKQjuhfBud8-c_mzUjbFWouw_MAKPr0fFyDZQyCkne85ABQmoDSo1AfFyHNR74PlL/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEha07xvXR_0_5gLnEni6-ucxitYnOFk1nju2vcf3xcVdEk_zBN39K1YbpKUZ3Te59VuKD7d1OPSeRhSKQjuhfBud8-c_mzUjbFWouw_MAKPr0fFyDZQyCkne85ABQmoDSo1AfFyHNR74PlL/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_1.jpg" width="444" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"A história das inovações que fizeram a vida moderna possível"</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
de STEVEN JOHNSON</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
editado pela ZAHAR<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqQjkVAaIlHEF4iLm8j_-GDDhUdXyz_5QOE7WSONMlzAqlfwZSNDCU1FM-Nz_5r24YAZKFa1BlC9HHak6BiSxw2GnhLWhNaJxtLsDUTBTeD8dcUegYA_JNG77pWXH9oIzf3xHOjj3XNSmY/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="209" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqQjkVAaIlHEF4iLm8j_-GDDhUdXyz_5QOE7WSONMlzAqlfwZSNDCU1FM-Nz_5r24YAZKFa1BlC9HHak6BiSxw2GnhLWhNaJxtLsDUTBTeD8dcUegYA_JNG77pWXH9oIzf3xHOjj3XNSmY/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_3.jpg" width="640" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
com tradução de CLAUDIO CARINA</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
e disponibilizado pela LE LIVROS (http://lelivros.site/)<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhJ0wUvU3Z3dVdw50wf7fUIn1DGjcICXS0uqou15zBdnwbKaW8IxClsapoyy6bv3mG0wFOVfAHkAjxYEgB78SD3zIzlf4Dhi6PWwZQb8XPrva0JLvAzxYnT8ri-NPUL6iTKJzuDMdlY_9QS/s1600/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="151" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhJ0wUvU3Z3dVdw50wf7fUIn1DGjcICXS0uqou15zBdnwbKaW8IxClsapoyy6bv3mG0wFOVfAHkAjxYEgB78SD3zIzlf4Dhi6PWwZQb8XPrva0JLvAzxYnT8ri-NPUL6iTKJzuDMdlY_9QS/s640/Como+chegamos+ate+aqui+-+Steven+Johnson_2.jpg" width="640" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 20.0pt; line-height: 115%;">DADOS DE COPYRIGHT<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Sobre a obra:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A presente obra é disponibilizada
pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples
teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
É expressamente proibida e
totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente
conteúdo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Sobre nós:<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O Le Livros e seus parceiros
disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma
totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser
acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em
nosso<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
site: LeLivros.link ou em
qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b>"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um
novo nível."<o:p></o:p></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-58545064635018253482015-03-23T12:18:00.002-03:002015-03-23T12:18:14.614-03:00A INDÚSTRIA BRITÂNICA<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8h3RRT6MhrPOZzc07SuWdj1_7_euyOy1lH6ho90Ex32eL0MhVp1VfXOuaGJjbVe2FO_SjNkingkthcIYZuA-zOHkqEA43lLS6K6pkJlnl_2XbTKiYU97gso6adm-tHB2ww_IC_1EBCtx4/s1600/england+00a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8h3RRT6MhrPOZzc07SuWdj1_7_euyOy1lH6ho90Ex32eL0MhVp1VfXOuaGJjbVe2FO_SjNkingkthcIYZuA-zOHkqEA43lLS6K6pkJlnl_2XbTKiYU97gso6adm-tHB2ww_IC_1EBCtx4/s1600/england+00a.jpg" height="640" width="496" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Uma litografia de 1846 representa a locomotiva <i>Acheron</i> soltando fumaça ao emergir em triunfo das sombras de um túnel. A máquina ferroviária - aperfeiçoada inicialmente em 1829 - era apenas uma das manifestações da tecnologia movida a vapor que durante a primeira metade do século XIX ajudaram a fazer da Grã-Bretanha a primeira nação industrial do mundo. Numa época em que nada parecia impossível, a locomotiva, ou "grande cavalo a vapor", como era conhecida, tornou-se um símbolo da força propulsora da iniciativa britânica.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No dia 8 de julho de 1808, o <i>Times</i> de Londres informava: "Temos
informações críveis de que há uma máquina a vapor preparando-se agora para
correr contra qualquer égua, cavalo ou capão que possa aparecer no próximo
encontro de outubro em Newmarket; no momento, as apostas estão fixadas em 10
mil libras; a máquina é a favorita". "A mais assombrosa máquina jamais
inventada", exclamava o <i>Observer</i>
na semana seguinte, "ela galopa de quinze a vinte milhas por hora em
qualquer circuito". Nas semanas subsequentes, os excursionistas podiam
satisfazer a curiosidade observando a miraculosa máquina, inventada pelo
engenheiro da Cornualha e entusiasta do vapor Richard Trevithick, que fazia
viagens experimentais sobre um trilho adiante da Rua Gower, no norte de Londres;
se fossem suficientemente intrépidos, poderiam até embarcar para um passeio. O
cartão de entrada para a linha férrea de Trevithick exibia o lema da máquina —
"Alcance-me quem puder" — e jactava-se de "potência mecânica
subjugando a velocidade animal". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A prometida corrida de Newmarket jamais
aconteceu: os trilhos saíram do lugar no solo lamacento da Rua Gower, a máquina
descarrilou e bateu. Mas àquela altura, testemunhas oculares como John Isaac
Hawkins já tinham percebido as qualidades do engenho. "Andei, com o
relógio na mão, à velocidade de doze milhas por hora (...) Mr. Trevithick
deu-me então sua opinião de que andaria a vinte milhas por hora, ou mais, numa
via reta". O inventor conseguira o que queria: o público estava
impressionado. A máquina era, com efeito, a "favorita". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os jogadores que apostaram tanto na
locomotiva de Trevithick e as multidões que acorreram para ver suas exibições
em Londres já tinham larga experiência da capacidade da "potência
mecânica": no início do século XIX, a Inglaterra vivia um período de
mudanças drásticas — às vezes, dilacerantes — à medida que os avanços
tecnológicos dos cem anos anteriores eram incorporados à economia da nação, com
resultados explosivos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Grã-Bretanha industrial estava em
marcha, com sua quietude rural rompida pelo barulho das novas fábricas, sua
noite iluminada pelo fulgor estranho das fornalhas, sua paisagem cruzada por
canais, túneis e imensas pontes. As chaminés lançavam fumaça aos céus; em torno
delas, amontoavam-se novas vilas e cidades, formigantes de membros de uma nova
classe trabalhadora industrial. Em poucas décadas, os sucessores de Trevithick
criariam uma rede ferroviária que cobriria a nação e aproximaria metrópole e
províncias. Na metade do século, o domínio comercial britânico estaria
estabelecido, com seus bens manufaturados presentes em toda a Europa, nas
Américas e em seu novo e crescente império. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Junto com os triunfos, porém, viriam as
atribulações. A mais próspera sociedade que o mundo jamais vira seria
construída sobre o sofrimento de homens, mulheres e crianças que trabalhavam um
número estarrecedor de horas em condições indescritíveis, viviam amontoados em
porões e cortiços imundos e insalubres e passavam fome durante periódicas
recessões. Apesar disso, as realizações da Grã-Bretanha provocavam a inveja do
mundo e, à medida que o século avançava, outras nações lutariam para imitar a
"Revolução Industrial" dela — e, se possível, superá-la. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Empoleirada na costa noroeste da Europa
continental, a Grã-Bretanha poderia parecer um cenário improvável para tais
mudanças. Londres, sua capital, era um agitado centro de comércio com o
continente e as colônias britânicas da América do Norte e do Caribe. Mas para
além dos limites da cidade, estendiam-se os condados agrícolas do sul da
Inglaterra e East Anglia, pontilhados por pequenas e sonolentas vilas e aldeias
onde, em 1700, a vasta maioria dos cinco milhões de habitantes da Inglaterra
trabalhava o solo, como vinha fazendo havia séculos. Mais adiante, o interior
ficava mais selvagem, mais esparsamente habitado, com vastas regiões de terras
incultas e pântanos, tanto na direção do País de Gales como para o norte, onde
os montes Peninos dividiam o país entre leste e oeste, até a fronteira
escocesa.<o:p></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEje8M0NRn-roCcj1Q6mLYdn4dHwnp96yiFW3XGWkjO_-avXKzLNHly0nYAuXK5zustsBo2ng4Pno9j69szrMBVU5350w5dIjGtKTQDx5evC3383Rn6sXolQNSIihju4yIeNrnLgBbRCw77K/s1600/england+02aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEje8M0NRn-roCcj1Q6mLYdn4dHwnp96yiFW3XGWkjO_-avXKzLNHly0nYAuXK5zustsBo2ng4Pno9j69szrMBVU5350w5dIjGtKTQDx5evC3383Rn6sXolQNSIihju4yIeNrnLgBbRCw77K/s1600/england+02aa.jpg" height="640" width="534" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">A Revolução Industrial da primeira metade do século XIX modificou a face da Grã-Bretanha. Novos empreendimentos surgiram em torno das minas de carvão e dos rios de montanha que propiciavam fontes de energia. A força de trabalho começou a se deslocar do campo para os novos centros manufatureiros que surgiram em todo o país. Ao mesmo tempo em que os negócios cresciam vertiginosamente, a população aumentava: entre 1800 e 1850, o número de bretões mais que dobrou, chegando a 21 milhões. Cerca de sessenta por cento deles eram habitantes urbanos, uma porcentagem mais alta do que em qualquer país do mundo.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embora selvagens, essas regiões tinham
seus recursos. Durante séculos, o ferro fora extraído e fundido por pequenos
grupos de carvoeiros que labutavam nos vales do sul do País de Gales, no oeste
das Midlands e nas encostas do sul dos Peninos. As charnecas encharcadas do
norte e boa parte de West Country, regiões áridas demais para sustentar gado ou
trigo, mostraram-se ideais para a criação de ovinos. Ali, os camponeses
montaram suas próprias indústrias de pequena escala, fiando e tecendo lã em
suas casas. E os habitantes do condado de Lancashire, no lado ocidental dos
Peninos, descobriram que seu clima úmido era favorável à fiação e tecelagem dos
fios de algodão quebradiços importados do Mediterrâneo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No início do século XVIII, essa atividade
industrial ainda engatinhava e pouco contribuía para diminuir a importância da
agricultura na economia britânica. Mas mesmo nas regiões mais prósperas do
sudeste, o campo dava pouco mais que a subsistência para a população existente.
Padrões totalmente idiossincráticos de uso da terra, desenvolvidos desde os
tempos medievais, tinham feito da paróquia típica uma colcha de retalhos
anárquica de pequenos lotes, sem cercas e marcados apenas por pedras de limite.
As posses maiores quase sempre não eram contínuas, mas espalhadas em torno do
distrito. Os camponeses e pequenos agricultores que cultivavam essas terras
também tinham geralmente o direito de pastorear os poucos animais que tivessem
e colher combustível nas extensas áreas de terras comunais, existentes em todo
o país. As famílias mais pobres não tinham posse alguma, mas arrancavam a
subsistência das terras comunais, onde construíam suas choupanas. Pouco se sabia
sobre o uso de fertilizantes ou criação científica. E uma vez que a maioria dos
animais era abatida a cada outono por falta de alimento no inverno, não se
constituíam grandes rebanhos; bois e porcos dificilmente atingiam tamanho
melhor. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Qualquer região que conseguisse produzir
um excedente defrontava-se então com o problema de transportar seus produtos
para possíveis compradores: as estradas estavam em pior condição do que sob a
ocupação romana, 1 500 anos antes. Na maior parte do ano, eram rios de lama
impraticáveis para veículos sobre rodas. Em 1731, um certo John Metcalf apostou
corrida com o coronel Liddell, de Londres a Harrogate, no condado nortista de
Yorkshire. Apesar de ser cego e andar a pé, Metcalf fez o percurso em seis
dias, chegando dois dias antes do coronel, que viajava de coche. Havia gente
que se afogava nos buracos de East Anglia e as estradas em torno da cidade de
Lincoln acabaram-se de tal forma que se construiu um farol para orientar os
viajantes noturnos. Era muito difícil obter dinheiro para melhoramentos na
agricultura ou nas comunicações numa época que não reconhecia outra forma de
moeda senão o dinheiro vivo. Era um sistema que condenava a economia a uma
inatividade indolente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No
decorrer do século XVIII, porém, muito mudou quando donos de terras "melhoradores"
abandonaram as práticas agrícolas tradicionais. A criação seletiva produziu
novas variedades de animais que cresciam mais e mais rápido. Em 1710, a ovelha
vendida no mercado Smithfield de Londres pesava, em média, 17 quilos; em 1795,
esse peso havia mais que duplicado. Desenvolveram-se outras raças de ovinos
para fornecer uma lã mais longa e grossa e as novas vacas davam mais leite e
carne.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Novas variedades de pasto, junto com
tubérculos recentemente introduzidos, como o nabo, forneciam forragem que
permitia a sobrevivência dos animais durante o inverno. A agricultura melhorou
com a popularização do "sistema de Norfolk", desenvolvido ao longo de
gerações pelos fazendeiros daquele condado, que conseguiam tirar o melhor do
solo através do uso intenso de esterco e outros fertilizantes e da eficiente
rotação de culturas, alternando as safras de cada campo e dando à terra
descansos periódicos. "As grandes fazendas são a alma da cultura de
Norfolk", observou o panfletista Arthur Young, principal defensor das
novas técnicas. Os melhoradores partilhavam dessa opinião e a aristocracia e
pequena nobreza fundiária que dominavam o Parlamento começaram a aprovar leis
de cercamento (<i>enclosure</i>) que
reorganizavam as paróquias para formar posses maiores, ao mesmo tempo em que
cercavam as terras comunais como propriedade do terratenente local. Uma legislação
como essa tinha sido defendida a intervalos durante séculos, mas na segunda
metade do século XVIII sua frequência aumentou muito: a década de 1740 trouxe
64 leis de cercamento; a de 1800, 574. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A nova ordem agrícola apresentava
possibilidades excitantes para aqueles em posição de tirar vantagem dela, mas
não tinha lugar para o pequeno agricultor. Era preciso um investimento pesado
em fertilizantes e maquinaria e grandes extensões de terra para um cultivo
eficiente. Embora os que tivessem perdido terras e direitos comunais ganhassem
alguma compensação com as novas leis, havia poucos que podiam pagar pelos
aluguéis mais altos que os novos terrenos requeriam. Muitos foram forçados a se
tornarem assalariados onde antes tinham sua própria terra; outros ficaram
desempregados. Com frequência, comunidades rurais inteiras foram destruídas
pelos cercamentos. A vida no campo, que jamais fora idílica, tornava-se insuportável.
Em 1800, até mesmo Arthur Young já estava perdendo um pouco de seu entusiasmo
pelos cercamentos. Naquele ano, uma visita à choupana de um sem-terra fez muito
para enfraquecer seu ardor. "Numa cama em que mal caberia um porco",
relembrou ele, "estava a mulher muito doente e gemendo; ela caíra recentemente
de cama e seu filho jazia morto no berço; meu coração desfaleceu diante de
tanta miséria e de um quarto tão escuro, frio e desgraçado". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar dessa desgraça, a população da
Grã-Bretanha estava aumentando, nutrida pelo fornecimento de alimentos melhores
e mais confiáveis. Em 1801, Inglaterra e País de Gales já tinham mais de nove
milhões de habitantes. A agricultura florescia e a prosperidade resultante
espalhava-se por diferentes setores da sociedade; os grandes terratenentes
estavam mais ricos do que nunca e a abastança deles ajudava a enriquecer
médicos, advogados, corretores de terras e lojistas das cidades. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhj7uvkK8pqn0CQxeghSTmcQcf6Ieqk5CB_natMv1rJe8oSJJGamGDp_kfaQDl1tjOmHVHV1kPCoJ4ih-vUFuzz9A95Pnym6gpZ9495s0oSrAl55Rm3tche5p0D5rogihzHXUC5e3pAfopF/s1600/england+04aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhj7uvkK8pqn0CQxeghSTmcQcf6Ieqk5CB_natMv1rJe8oSJJGamGDp_kfaQDl1tjOmHVHV1kPCoJ4ih-vUFuzz9A95Pnym6gpZ9495s0oSrAl55Rm3tche5p0D5rogihzHXUC5e3pAfopF/s1600/england+04aa.jpg" height="378" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Um oásis de ordem no superlotado rio Tâmisa, as docas de Londres em Wapping aparecem semi-construídas nesta aquarela de 1803. Até o século XIX, todo o comércio marítimo de Londres chegava a ancoradouros ribeirinhos. Com o crescimento da produção industrial, o Tâmisa ficou atravancado por navios que, em sua maioria, faziam a ligação da metrópole com o império ultramarino, e os furtos tornaram-se comuns. A partir de 1802, construíram-se caís fechados, protegidos por altos muros. O primeiro, aas docas das Índias Ocidentais, era também o maior, com mais de seis vezes os 18 hectares da doca de Londres.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em todo o país surgiu uma rede de bancos e
companhias financeiras atrás da nova riqueza agrícola. O Banco da Inglaterra,
fundado em 1694 a fim de levantar fundos para reduzir a dívida nacional,
tornara-se aos poucos o agente regulador da economia britânica. Ele agora
coordenava o que estava se tornando, apesar das diferenças locais e
ineficiências, um sistema bancário nacional. Só na Inglaterra, havia mais de
cem bancos, em 1784. Dez anos depois, esse número triplicara. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Crescia também a popularidade de novos
instrumentos financeiros; havia menos suspeitas quanto ao crédito, e ações e
participações de vários tipos começavam a proliferar, dando mais flexibilidade
aos negócios. A bolsa de valores, fundada num café de Londres em 1762 como um
clube comercial informal para negociantes de ações, crescera a passo acelerado.
Em 1800, já era uma instituição nacional respeitada. Para os mais espertos,
havia enormes fortunas a fazer no mundo das finanças e a especulação na bolsa
de valores tornou-se uma espécie de esporte nacional, praticado por todos os
cidadãos, exceto os mais humildes. Alguns ficaram ricos da noite para o dia;
muitos perderam tudo o que tinham. Entrementes, acumulava-se capital para
reinvestimentos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Empréstimos bancários e individuais
ajudaram a melhorar as estradas no final do século XVIII, quando engenheiros
como Thomas Telford e John MacAdam descobriram maneiras de fazer leitos firmes
e duráveis que ficavam estáveis sob mau tempo. Empresas construíram estradas
privadas, usando o pedágio para fazer uma manutenção constante. Os tempos de
viagem diminuíram impressionantemente: a jornada de diligência de Londres a
Carlisle, que demorava quatro dias e meio em 1750, passou a levar apenas três
dias em 1773. Muito do dinheiro economizado pelos mais ricos alimentava a
construção de um sistema fluvial. O uso de canais, introduzido em 1761,
disseminou-se rapidamente. Os motivos econômicos a favor deles eram simples:
enquanto oito cavalos eram necessários para puxar uma carroça de 6 toneladas em
terra, um único animal podia rebocar uma barcaça de 25 toneladas. Nos primeiros
anos do século XIX, milhares de quilômetros de canais já atravessavam o país,
ligando todos os rios e cidades principais. <o:p></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O capital disponível podia também
financiar a nascente indústria nacional. Na segunda metade do século XVIII,
quando as antigas colônias americanas amadureceram e guerras ultramarinas
trouxeram a Índia e a América do Norte para o aprisco imperial, os empresários
britânicos descobriram um vasto mercado para seus bens manufaturados. Esse
fato, junto com a demanda doméstica dos fazendeiros ricos e de uma população rural
em expansão, deflagrou uma febre de atividade comercial. Ao mesmo tempo, a
produtividade aumentou graças a uma série de avanços tecnológicos. O tear
mecânico de Edmund Cartwright, introduzido em 1785, foi apenas um de uma série
de inventos que contribuíram para aumentar a produção de algodão. E o forno de
revérbero desenvolvido por Henry Cort permitiu, a partir de 1784, o processo
conhecido como "pudlagem" — revolvimento do metal fundido em altas
temperaturas para eliminar as impurezas — tornando assim possível pela primeira
vez a produção em massa de ferro batido de alta qualidade.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjAU0FFMpPOPrMp_IGsH67KZ18wJMMAHfTOX8ot23YLNAHWSd5JCKZkbo6zESEU8Ogn4vUjR1-KuqI2meVXvbuv70LmETZtXqE1FOO6ffflSGMSI4kKx7tv9YmNmHn1XKaLEtla1I6fIU6n/s1600/england+07aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjAU0FFMpPOPrMp_IGsH67KZ18wJMMAHfTOX8ot23YLNAHWSd5JCKZkbo6zESEU8Ogn4vUjR1-KuqI2meVXvbuv70LmETZtXqE1FOO6ffflSGMSI4kKx7tv9YmNmHn1XKaLEtla1I6fIU6n/s1600/england+07aa.jpg" height="522" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">A engenharia pesada foi revolucionada em 1839, com a introdução do martelo à vapor, pintado aqui por seu inventor, James Nasmyth. Após receber um pedido de Isambard Kingdom Brunel, um dos maiores engenheiros civis britânicos, Nasmyth esboçou os princípios do martelo em apenas meia hora. O conceito era simples, utilizando a pressão do vapor para impulsionar o movimento descendente de um enorme bloco de ferro. Obtinha-se assim uma força muito maior que a do martelo de ferreiro tradicional, mas era possível ajustar a máquina para dar golpes tão leves que poderiam quebrar uma casca de ovo colocada dentro de um copo.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Demanda em alta; financiamento disponível;
transporte de carga, barato; uma reserva crescente de mão-de-obra; avanço tecnológico.
Foram estes os sustentáculos do crescimento industrial britânico. Mas acima de
tudo, a prosperidade da nação veio da bem-sucedida utilização da energia do vapor.
Desde o século XVII que se realizavam experiências com máquinas a vapor; já então,
os cavalheiros com inclinação científica reconheciam a força propulsiva do
vapor confinado em espaço pequeno. A colaboração de um desses amadores, o
capitão Thomas Savery, de Londres, com o ferreiro de West County, Thomas
Newcomen, conseguira levar a máquina do laboratório para o lugar de trabalho já
em 1712. Mas foi o engenheiro escocês James Watt que, em 1773, praticamente
reinventou a energia do vapor numa série de máquinas cada vez melhores. Quase
cinco vezes mais potente que a máquina primitiva de Newcomen, e muito mais
maleável, a máquina de Watt deixou as vantagens do vapor óbvias demais para
serem ignoradas. Desenvolvidos na fundição de Matthew Boulton, patrocinador de
Watt, esses engenhos faziam funcionar teares mecânicos, laminadores, martelos
mecânicos e bombas, de forma barata e continuamente. Pela primeira vez, a
manufatura era possível numa escala de fato industrial. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entre os primeiros que se beneficiaram das
vantagens da máquina a vapor estavam os barões têxteis do norte. Os avanços
técnicos já tinham tornado possível a construção de <i>manufactories</i>, ou <i>factories</i>
("fábricas"), como ficaram conhecidas, onde multidões de operários
labutavam em um único prédio com várias máquinas movidas pela mesma fonte de
energia central. Mas a indústria até então dependia da energia hidráulica e,
portanto, estava severamente limitada em escala e escolha de lugar. Agora, as
máquinas de Boulton e Watt davam aos industriais a flexibilidade de explorar
até o limite seus sistemas mecânicos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eles não estavam sozinhos no
aproveitamento das chances. Inovadores de todos os campos logo perceberam as
possibilidades excitantes apresentadas pela nova tecnologia e apressaram-se em
usá-la. O manufator de ferro John Wilkinson demonstrou as vantagens do ferro
barato de alta qualidade ao construir, em 1779, a primeira ponte de ferro do
mundo; mais tarde, ele fez barcaças, uma capela e — por fim — seu próprio
caixão com esse material. E fortunas colossais foram acumuladas por homens como
Samuel Whitbread, o magnata da cerveja, e Josiah Wedgwood, de Staffordshire,
que introduziu a energia a vapor na produção de artefatos de cerâmica. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1801, a Grã-Bretanha já exportava mercadorias
de uma qualidade sem precedentes. Naquele ano, cerca de dois milhões de
toneladas de produtos partiram dos portos ingleses — mais do que o triplo do
volume de quarenta anos antes. Mas a essa altura, o país também estava em guerra
contra Napoleão Bonaparte, que conquistava a Europa com suas tropas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos catorze anos seguintes, a nação suportou
um conflito quase constante. Mas enquanto a guerra pode ter sido árdua para os
que estavam no <i>front</i>, para os industriais
britânicos foi uma dádiva. Apesar do domínio em terra de Napoleão, a Real
Marinha britânica controlava os mares, não só protegendo o reino insular de uma
invasão, como também mantendo as vias marítimas abertas para as exportações.
Foi também a marinha que fez cumprir os decretos reais declarando a França e
seus aliados em estado de bloqueio e permitindo que os neutros negociassem com
o inimigo apenas quando levavam bens britânicos e pagassem tributos sobre suas
cargas. Além de defender o país, as forças armadas britânicas davam às jovens
indústrias um ambiente seguro para crescer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgshAxsqOP3hcnZRvfLo6zzrSfM6iYoTp_y0q8y0SBlplFytu1h4xWngYVnwVC7R9cBSFLxOGccwWbmA5PxN66B619dFNSF70S6gZje5KjDm1pjx7JRymLsgG1BSTn27oNctv7b6eXv8prM/s1600/england+08aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgshAxsqOP3hcnZRvfLo6zzrSfM6iYoTp_y0q8y0SBlplFytu1h4xWngYVnwVC7R9cBSFLxOGccwWbmA5PxN66B619dFNSF70S6gZje5KjDm1pjx7JRymLsgG1BSTn27oNctv7b6eXv8prM/s1600/england+08aa.jpg" height="640" width="522" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Esta pintura a óleo captura convidados ilustres jantando em um túnel semipronto destinado a ligar os distritos londrinos ribeirinhos de Rotherhithe e Wapping. O túnel, iniciado em 1825 sob a direção de sir Marc Brunel e seu filho Isambard <i>(no primeiro plano à esquerda)</i>, foi o primeiro a ser construído sob o Tâmisa e foi financiado por investidores públicos. Realizado em 1827 para tranquilizar os acionistas depois de uma série de desastres como desmoronamentos, inundações e explosões de gás, o banquete não interrompeu o trabalho, que continuou acelerado atrás de um grande espelho. Apesar do otimismo expresso pelo banquete, o projeto sofreu contratempos e só ficou pronto em 1840.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por outro lado, as vitórias militares
expandiam o império britânico. As possessões francesas no Caribe e no
Mediterrâneo logo entraram para o mercado cativo imperial. E quando a França
ficou com a Holanda, os territórios desta última na África meridional e na Ásia
foram prontamente tomados pelos ingleses. O crescimento da demanda das colônias
ajudou a compensar o declínio do comércio com a Europa continental, apertada
por sanções econômicas francesas. Mesmo assim, quando as tropas de Napoleão chegaram
a Moscou, em 1812, foram sobretudo ingleses que as protegeram do inverno russo.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Armas, distintivos e botões, botas e
uniformes, martelos, pregos, potes, panelas e machados partiam num fluxo
aparentemente inexaurível dos portos britânicos. A estonteante combinação de
guerra e<i> boom</i> manufatureiro inflamou
todos os aspectos da vida econômica da nação. A produção agrícola engordou,
animada por preços altos; mineiros cavaram mais fundo em busca do carvão que
movia um número sempre crescente de máquinas a vapor; e fundições de ferro
gigantescas surgiram no sul do País de Gales, Yorkshire e na "Região
Negra" das Midlands, onde quer que carvão e ferro fossem encontrados
juntos, iluminando a noite com seu clarão lúgubre. Havia anos, é verdade, em que
as colheitas fracassavam, ou a demanda diminuía inexplicavelmente, mas no
conjunto a economia ficava mais forte e a riqueza começava a filtrar-se para
baixo na escala social. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Poucos prosperaram tanto quanto os
"lordes do algodão" do norte. O algodão cru, importado das plantações
escravagistas do sul dos Estados Unidos através do porto de Liverpool,
transformava-se rapidamente em tecido. Em 1800, cerca de 56 milhões de libras
esterlinas de algodão chegaram aos cotonifícios britânicos; dez anos depois, essa
cifra alcançava 123 milhões. Tecido leve, fácil de lavar e bom para tingir e
imprimir padrões, o algodão encontrou o mercado doméstico aberto e, o que é
mais importante, alta aceitação nas terras quentes do império oriental
britânico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O processo de produzir tecido a partir do
algodão cru nunca fora simples. Sua cápsula ou casulo tinha de ser aberta e
espalhada, depois as fibras tinham de ser limpas e separadas das sementes e
penteadas antes de serem enroladas, primeiro em fio grosseiro, depois em linha fina.
Apesar da complexidade, em todos esses processos a mão-de-obra humana podia
agora ser substituída por máquinas. Como escreveu um observador mais tarde:
"É com dedos, dentes e rodas de ferro, movendo-se com energia inexaurível
e velocidade devoradora, que o algodão é aberto, limpo, espalhado, cardado,
esticado, torcido, fiado, enrolado, urdido, alisado e tecido". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjy0Cen4lNeda9lBhxBecRUe7kRKYy_ibGgn06dzmcGPms6r-q9GdRWUY5WdvnOLbtmdEqEJF7DQR9dLshDzGcAxUxDNjkuBxVftSrgxn_Ofcb4TJIZr0nyR9PidZYI_0qweQA5326YmuD5/s1600/england+13ab.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjy0Cen4lNeda9lBhxBecRUe7kRKYy_ibGgn06dzmcGPms6r-q9GdRWUY5WdvnOLbtmdEqEJF7DQR9dLshDzGcAxUxDNjkuBxVftSrgxn_Ofcb4TJIZr0nyR9PidZYI_0qweQA5326YmuD5/s1600/england+13ab.jpg" height="234" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Uma gravura retirada de um relatório parlamentar sobre o trabalho infantil nas minas mostra um <i>trapper</i> abrindo uma porta subterrânea para um <i>hurrier</i> que empurra um vagão cheio de carvão. A ventilação nas minas dependia de essas portas ficarem quase sempre fechadas e os <i>trappers</i>, geralmente de 5 a 10 anos de idade, passavam doze horas por dia sentados sozinhos no escuro, abrindo e fechando portas. Os <i>hurriers</i>, muitos deles meninas, empurravam os carrinhos, que pesavam cerca de 400 quilos quando cheios, até 6 quilômetros por dia, entre o veio do carvão e o elevador da mina - com frequência, através de túneis de 50 centímetros de altura. Em consequência do relatório, a Lei das Minas de 1842 proibiu o emprego em minas de crianças de menos de 10 anos e de mulheres.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa era a força do sistema fabril, que substituía
a mão-de-obra habilidosa de uma ampla força de trabalho pela supervisão de umas
poucas mãos operando diversas máquinas movidas por uma única fonte de energia.
Ainda eram precisos homens e mulheres para ver se as máquinas estavam funcionando
direito e seus filhos pequenos eram necessários para entrar embaixo do maquinário
a fim de remover bloqueios e limpar as partes mais inacessíveis. Mas como
fiandeiros e tecelões, os humanos estavam ficando obsoletos e, com a morte dos
velhos ofícios, uma nova classe "operária", ou proletariado
industrial, começou a tomar forma, engrossada pelo fluxo de gente que fugia das
agruras da terra. As atitudes e valores dessa classe viriam a diferir muito
daquelas dos antigos camponeses pobres. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Horas longas e trabalho duro não eram
novidade para os pobres, mas os que trabalhavam na terra tinham pelo menos
períodos mais folgados. No inverno, a falta de luz diminuía o número de horas
em que era possível trabalhar. E os que teciam em casa podiam até certo ponto
estabelecer seus próprios horários. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEio2aZGYEbv-tlYsO7308gS9rxlIxA8AMA5hG-vcIZpHkhqB0IhECh2f7wkuD9hhIsBcMun75H-wZqIfAO2fHag-Npv9bqNrHCIn6PaVwYPpdzKmqG88vKy_EMz92fqUuVmgJbkkRkHFXgj/s1600/england+09aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEio2aZGYEbv-tlYsO7308gS9rxlIxA8AMA5hG-vcIZpHkhqB0IhECh2f7wkuD9hhIsBcMun75H-wZqIfAO2fHag-Npv9bqNrHCIn6PaVwYPpdzKmqG88vKy_EMz92fqUuVmgJbkkRkHFXgj/s1600/england+09aa.jpg" height="236" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiO3HMnEV8MT5Yz5zGOKJM6T-AkhMMSSwoopvUkWpAP081JaFaAeDRNkFYOV8i6koqZUZ2QNVsNjRoycliHOfR8-cfACaAAbB-xGZLPyNO2eyH64WAZHOifaLqvR-MOkmQt73U74OSyyIRM/s1600/england+09ab.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiO3HMnEV8MT5Yz5zGOKJM6T-AkhMMSSwoopvUkWpAP081JaFaAeDRNkFYOV8i6koqZUZ2QNVsNjRoycliHOfR8-cfACaAAbB-xGZLPyNO2eyH64WAZHOifaLqvR-MOkmQt73U74OSyyIRM/s1600/england+09ab.jpg" height="270" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">As duas gravuras representam a fábrica de linho construída por William Marshall de Leeds, a qual, quando terminada em 1841, estava na vanguarda do <i>design</i> fabril. O piso principal (<i>ilustração superior</i>) cobria uma área de quase 8 mil metros quadrados; claraboias cônicas maximizavam a iluminação natural. O subsolo abrigava as máquinas a vapor que acionavam maquinário, depósitos e banhos quentes para os empregados. No teto (<i>ilustração inferior</i>), uma camada de 20 centímetros de relva servia não apenas para isolar o prédio e manter uma temperatura ideal para a fiação de linho, como também proporcionava pasto para um rebanho de ovelhas. A água da chuva escoava em calhas para as colunas de ferro internas que sustentavam o teto.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Agora, o ritmo de trabalho era invariável
e inflexível, com os proprietários querendo maximizar a produção de suas novas
e caras máquinas. Os operários — homens, mulheres e crianças — labutavam até
quinze horas por dia, com poucas pausas rigorosamente controladas. Os horários
rígidos eram impostos com multas e, no caso das crianças, espancamentos, por
qualquer atraso ou erro no trabalho. Com muita frequência, esse regime
resultava em brutalidade desnecessária. O jovem aprendiz Robert Blincoe, cujas
memórias foram publicadas mais tarde, contou como seu couro cabeludo ficou
infectado de tanto receber golpes na cabeça. Ele foi então "curado":
derramaram piche quente sobre o couro cabeludo que quando esfriou, formando uma
camada sólida, foi arrancado, levando junto todos os cabelos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWIWJ2mAvGYOlCl6i54GzO6VkgMLNgHx4lfU6XkMkAclVeHaY0qym7NSBOlwyU0JGePgEif1jzRDeu3ZmE0rYz9Wl1MmCADsV77p_UgNT_e_TzY-e0P1I3Huc7GXZnXHBlfZjcF2xM-o1t/s1600/england+06aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWIWJ2mAvGYOlCl6i54GzO6VkgMLNgHx4lfU6XkMkAclVeHaY0qym7NSBOlwyU0JGePgEif1jzRDeu3ZmE0rYz9Wl1MmCADsV77p_UgNT_e_TzY-e0P1I3Huc7GXZnXHBlfZjcF2xM-o1t/s1600/england+06aa.jpg" height="416" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Neste cartum da época, os ingleses reagem com espanto e ceticismo à introdução da iluminação a gás no Pall Mall de Londres, em 1807. O pioneiro dessa novidade foi o empresário nascido na Alemanha, Frederick Albert Winsor, que antes fez seu próprio suprimento de gás numa casa próxima. Mas ele antevira gasômetros públicos com tubulações subterrâneas servindo cidades inteiras. Em 1812, criou a Gas Light and Coke Company, para suprir o centro de Londres, que em três anos exibia quase 200 quilômetros de condutos. Inicialmente, a operação era primitiva: o gás passava por tubos subterrâneos feitos de troncos de olmos perfurados e, depois, para as casas, via canos de mosquetes modificados, sobras baratas das guerras napoleônicas.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A iluminação a gás, instalada nas fábricas
pela primeira vez em 1805, significava que a duração do dia de trabalho era
agora ditada pelo homem, não pela natureza. A iluminação artificial permitia
que as horas de trabalho fossem esticadas até o limite e, amiúde, para além
dele. As figuras deformadas daqueles que labutavam na indústria têxtil davam um
testemunho horroroso dos longos dias passados em movimentos repetitivos e
incessantes que envolviam o uso de todos os membros. Um menino de 15 anos de
Bradford, deformado permanentemente por mais de dez anos de lanifício, tinha
apenas 1,14 metro de altura. Ele trabalhara em turnos de catorze e quinze horas
e ficara "com meus joelhos dobrados de ficar tanto tempo em pé", como
explicou a uma comissão de inquérito. Sir James Kay-Shuttleworth, inspecionando
as condições em Manchester, observaria mais tarde: "Enquanto as máquinas
funcionam, as pessoas devem trabalhar — homens, mulheres e crianças estão jungidos
ao ferro e vapor. A máquina animal (...) está acorrentada à máquina de ferro,
que desconhece sofrimento ou cansaço". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sob essas condições desenvolvia-se amiúde
um espírito coletivo de disciplina e militância e um senso de injustiça muito
forte. Nem todos sofriam as agruras da vida em um cotonifício. Nos ramos da
metalurgia, cerâmica e couro, por exemplo, prevaleciam tradições diferentes e
as condições eram geralmente melhores. Mas em todas as novas indústrias, os
empregados podiam perceber claramente que eram explorados, enquanto os patrões
enriqueciam a olhos vistos. Em consequência, desde a metade do século XVIII, os
operários especializados vinham formando combinações — antepassados dos
sindicatos modernos — para negociar, com greves se necessário, melhores
salários e condições de trabalho. E em 1793, fora concedido o reconhecimento
legal para as sociedades de amigos dos trabalhadores que, em troca de uma
subscrição paga semanalmente, sustentavam o membro em tempos de doença e
desemprego, ou pagavam o funeral. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto as sociedades de amigos
floresciam, as combinações logo se defrontaram com dificuldades. Os patrões se
indignavam por ter de pagar salários mais altos e o Parlamento via as
associações com suspeita, considerando-as uma possível fonte de agitação
política. A Revolução Francesa de 1789, que resultara na derrubada da monarquia
e na posterior execução de milhares de aristocratas, ainda estava presente nas
mentes dos governantes britânicos. Dessa forma, o governo baixou as Leis da
Combinação de 1799 e 1800, proibindo esses agrupamentos. A legislação era devastadora
e ocorreram processos frequentes. Apesar disso, os operários continuaram a se
unir e lutar por condições melhores. Muitas combinações sobreviveram com o
expediente de se disfarçarem de sociedades de amigos. Uma delas, a Associação
dos Fiandeiros de Algodão, pôde até organizar uma greve em Manchester, em 1810,
desembolsando 1 500 libras por semana para sustentar o movimento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para muitos trabalhadores, no entanto,
condições melhores dentro das fábricas não representavam refrigério. Os
milhares de tecelões manuais de Lancashire e Yorkshire sempre se ressentiram da
chegada das máquinas, sabedores de que elas reduziriam a importância deles e
levariam ao desemprego e salários baixos. Já no século XVII, as tentativas de
avanço tecnológico tinham encontrado resistência, quando tecelões de Londres
quebraram teares holandeses que prometiam aumentar a eficiência. E explosões
periódicas de destruição de máquinas continuaram a ocorrer, com intensidade
crescente, ao longo do século XVIII. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na
revolta luddita de 1812, a hostilidade à nova tecnologia atingiu seu ápice.
Batizados, ao que consta, com o nome do aprendiz das Midlands, Ned Ludd, que
atacara com martelo um tear — não em ato consciente de resistência, mas com
raiva por ter sido espancado pelo patrão —, os "ludditas"
levantaram-se contra os patrões e o sistema fabril. Grupos organizados
destruíram o equipamento têxtil fabril e atacaram as casas dos patrões. Um
industrial, que expressara o desejo de andar com seu cavalo com sangue luddita
até a barrigueira, foi morto. Mobilizaram-se tropas e deram-se poderes totais a
magistrados numa lufada legiferante que colocou boa parte do norte da
Inglaterra sob virtual lei marcial. A revolta repercutiu em todo o país antes
que fosse finalmente sufocada em janeiro de 1813 e dezessete de seus cabeças,
enforcados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Até mesmo para aqueles que encontravam um
lugar no sistema fabril não havia garantia de que o trabalho duraria; às
temporadas de crescimento da nova economia seguiam-se períodos de recessão e
desemprego. Em 1815, quando britânicos e prussianos derrotaram Napoleão na vila
belga de Waterloo, a batalha pôs fim não apenas à guerra contra a França, como
também ao <i>boom</i> econômico que ela
alimentava. O aperto foi geral, afetando indústria e agricultura. Com a
importação de alimentos — interrompida pela guerra — retomada e a queda na
demanda das forças armadas, o preço dos produtos agrícolas despencou. Em
resposta às queixas dos grandes terratenentes, foram aprovadas leis draconianas
para manter alto o preço dos grãos. Pelas Leis dos Cereais de 1815, as importações
foram proibidas até que o preço dos grãos domésticos atingisse a elevada
quantia de dez xelins por alqueire — cerca de quatro xelins acima da tarifa
normal. Na verdade, os interesses agrários que dominavam o Parlamento tinham se
concedido um monopólio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As Leis dos Cereais podem ter protegido os
terratenentes, mas só pioraram a sorte dos pobres e provocaram amplo
descontentamento. Uma série de comícios radicais nos anos do pós-guerra
atraíram plateias cada vez maiores, para a preocupação de industriais e
terratenentes. Numa tarde de agosto de 1819, cerca de 60 mil homens e mulheres
reuniram-se em St. Peter's Fields, Manchester, para ouvir um radical popular,
Henry "Orador" Hunt. Alarmados, magistrados dá localidade mandaram a
milícia prender o orador. Quando a multidão impediu isso, a cavalaria da
burguesia rural atacou, 'brandindo sabres e atropelando indiscriminadamente. No
total, onze espectadores foram mortos e mais de quatrocentos, feridos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O massacre de "Peterloo", como
foi chamado o episódio, numa referência irônica à grande vitória britânica,
serviu apenas para fortalecer o movimento da classe operária. As combinações,
apesar de estarem supostamente abolidas, floresceram tão vigorosamente na clandestinidade
que em 1824, o governo decidiu legalizá-las, na vã esperança de diminuir sua
atração. A lei, no entanto, não era clara quanto ao direito de greve — uma
batalha que se travaria nos anos seguintes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não era apenas a classe trabalhadora que
mobilizava suas forças. Outros também queriam uma participação maior na nova
ordem. Ao longo do tempo, crescera uma classe média cada vez mais rica, cujas
fileiras abrangiam desde os industriais mais abastados até o mais humilde
lojista. Mais ainda que a classe trabalhadora, a nova burguesia era o produto
da façanha industrial da nação. Eram os membros dessa classe que, em ambos os
lados do balcão, enchiam as lojas que faziam a ponte entre fábrica e casa; eram
eles que compravam os bens manufaturados agora divulgados em anúncios e
tornados acessíveis por hostes de vendedores; e eram eles que ao mesmo tempo
usavam e forneciam os serviços de advocacia, corretagem de imóveis e bancos.
Agora, com os industriais à frente, eles queriam que suas vozes fossem ouvidas
na política da Grã-Bretanha industrial. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como principais defensores do novo sistema
que, em 1821, o economista político James Mill batizara de
"capitalismo", os industriais viram-se cada vez mais às turras com os
aristocratas que dirigiam o país no Parlamento. Os capitalistas defendiam a
doutrina do <i>laissez-faire</i>, de minimizar
a interferência do estado, maximizando a competição e permitindo às forças do
mercado a liberdade de cuidar de si mesmos. Economistas como Adam Smith e David
Ricardo forneciam a munição intelectual para a luta contra o que era
considerado como um interesse fundiário reacionário. As Leis dos Cereais, em
particular, só podiam beneficiar os grandes latifundiários. O aumento do preço
do pão só trazia mais dificuldades para os pobres e aumentava a conta dos
salários para os industriais.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR1wDfRSOKSX8fPpKPm9Ju0e2GpuwZCNYYJXr2_0_fivpstuDMwgVytxAUb83_MsfKAss19qLciso06Jhqbibcx4Anu1ogxknzYHkeC6C1F8xtVlwkyPoR1tBzesQMKzDeVO66M1Y_7QnN/s1600/england+20aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR1wDfRSOKSX8fPpKPm9Ju0e2GpuwZCNYYJXr2_0_fivpstuDMwgVytxAUb83_MsfKAss19qLciso06Jhqbibcx4Anu1ogxknzYHkeC6C1F8xtVlwkyPoR1tBzesQMKzDeVO66M1Y_7QnN/s1600/england+20aa.jpg" height="460" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Em 1856, William Powell Frith retratou no quadro <i>Muitas Colheitas Felizes da Vida</i> uma família vitoriana reunida para a celebração de um aniversário. Pregando - e frequentemente também praticando - as virtudes da diligência e da economia, as classes médias foram as principais beneficiárias da expansão econômica britânica. Boa parte da nova riqueza era gasta na casa que, mantida com a ajuda de vários criados, abrigava geralmente uma família extensa. O ambiente confortável não só exibia status como também servia de abrigo contra a imundície e a degradação humana existentes do lado de fora da porta.</span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Numa visão mais geral, porém, qualquer
forma de restrição protetora estava sendo colocada em questão, à medida que a
indústria via as matérias-primas importadas subindo de preço e outras nações
impossibilitadas de comprar seus produtos em consequência da aplicação de tais sanções.
Com sua liderança na industrialização firmemente estabelecida, argumentava-se
que a Grã-Bretanha estaria melhor servida com a remoção de todas as possíveis
restrições ao comércio. "Livre comércio" tornar-se-ia um lema e foi o
uso cínico feito pela aristocracia rural de seu domínio parlamentar para
sustentar as Leis dos Cereais que, mais do que qualquer outra coisa, estimulou
a classe média — até então não reconhecida pelo sistema político herdado de
tempos completamente agrícolas — a exigir representação eleitoral própria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na distribuição dos assentos políticos, o
sistema existente não refletia as grandes mudanças que vinham ocorrendo no país
ao longo dos últimos cem anos. Os postos parlamentares ainda estavam nos bolsos
dos proprietários rurais e seus eleitores eram fazendeiros bem de vida que não
tinham porque entornar o caldo. E muitos burgos, apesar de terem um eleitorado
negligenciável, estavam representados no Parlamento em pé de igualdade com
áreas muito mais populosas. O representante de um "burgo podre", como
eram conhecidos esses distritos eleitorais, anunciou após a eleição de 1802:
"Ontem de manhã, entre 11h00 e 12h00, fui eleito unanimemente por um
Eleitor para representar este Burgo Antigo no Parlamento. (...) Não havia outro
candidato, nem oposição, nem votação exigida. Assim, não tive senão que
agradecer ao dito Eleitor pela voz unânime pela qual fui escolhido. (...) Na
sexta-feira de manhã deverei deixar este cenário triunfante com grande sucesso
e uma nobre determinação de não o ver novamente antes de sete anos".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando havia dois ou mais candidatos, o
suborno era comum e contratavam-se desordeiros para bater na oposição — e até
no eleitorado, que, sem a proteção do voto secreto, era forçado a votar em voz
alta em reuniões públicas. Nas ocasiões em que não era corrupto, o sistema era
simplesmente antiquado e complicado. As qualificações para votar variavam
enormemente de uma cidade para outra, embora sempre envolvessem a exigência de
algum tipo de propriedade. Grandes cidades como Manchester, Birmingham e
Sheffield, que tinham crescido com rapidez em consequência da industrialização,
passavam pelo absurdo de não ter representantes no Parlamento na década de
1820, apesar de suas imensas populações. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como <i>self-made
men</i> que vinham de origens relativamente modestas, os novos industriais
tinham pouca influência no governo do país. Com frequência, eram dissidentes
crescidos dentro de rígidas igrejas protestantes não conformistas, que inculcavam
neles, desde tenra idade, as virtudes da parcimônia, abstinência e laboriosidade,
mas que também serviam para colocá-los à margem da maioria anglicana de seus
compatriotas. Todas as energias deles eram dirigidas para seus empreendimentos
— assim como a maior parte dos lucros. Nos primeiros anos de seus negócios,
esses homens amiúde pagavam a si mesmos salários magros, investindo o resto no
desenvolvimento da companhia, para financiar melhoramentos ou expansão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mais tarde, talvez, eles ou seus
descendentes poderiam desfrutar os benefícios materiais de seus sucessos. O
filho do magnata da cerveja Samuel Whitbread dissiparia a maior parte da
fortuna que o pai conseguira amealhar numa malsucedida carreira política e
acabaria se suicidando. Com exceção desses exemplos extremos, no entanto, as
grandes famílias manufatureiras tornaram-se logo quase indistintas da
aristocracia tradicional na escala e extravagância de suas casas, bens, criados
e carruagens, na escola dos filhos — em tudo, exceto <i>pedigree</i> e poder. Pois, por mais ricos que ficassem, os
capitalistas continuavam politicamente ignorados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnxAbkr3kWb3rLVI9qwMHxoxkGqjLtZLzBL05ZjWuXTvxGdauAdoTzEdxheNDdOjQswd3sscXjKCXrnuvJgH4l9-N97PjY_5LlHWAGUZIp_fKeuJPshQhC41w9zrqbhyphenhyphennPOuXiXyjICKmY/s1600/england+17aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnxAbkr3kWb3rLVI9qwMHxoxkGqjLtZLzBL05ZjWuXTvxGdauAdoTzEdxheNDdOjQswd3sscXjKCXrnuvJgH4l9-N97PjY_5LlHWAGUZIp_fKeuJPshQhC41w9zrqbhyphenhyphennPOuXiXyjICKmY/s1600/england+17aa.jpg" height="348" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Uma gravura da época mostra uma petição cartista, com mais de três milhões de assinaturas, sendo levada em passeata ao Parlamento, em 1832, quando a Lei da Reforma estendeu o direito de voto às classes médias, os cartistas tinham o apoio dos trabalhadores, que consideravam a reforma insuficiente. Foram apresentadas três petições que pediam o sufrágio universal masculino e parlamentos anuais. Todas ignoradas. O movimento acabou se desintegrando em 1848, quando um comício de massa fracassou, com mais policiais presentes do que manifestantes.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas a pressão por reformas estava
crescendo. O Parlamento não estava mais em posição de ignorar a riqueza e o
poder da classe média. Em 1830, um golpe incruento derrubou o rei Carlos X da
França, revivendo entre a nobreza fundiária da Grã-Bretanha as tristes
lembranças da Revolução Francesa. No mesmo ano, a morte do rei George IV tornou
inevitável uma eleição geral: era a chance que os reformistas esperavam.
"Nunca se estabeleceu uma democracia em qualquer parte do mundo que (...)
não tenha declarado imediatamente guerra contra a propriedade", declarou o
primeiro-ministro que saía, duque de Wellington. Seu sucessor, lorde Gray<span style="font-family: "Cambria Math","serif"; mso-bidi-font-family: "Cambria Math";">,</span>
no entanto, assumiu o posto com o compromisso de mudar a situação. Em 1832 foi aprovada a Lei da Reforma, que dava o direito
de voto a um número significativamente maior de
eleitores e estabelecia um sistema mais racional de distritos eleitorais. As
cidades fabris ganharam representação no Parlamento e os industriais e profissionais
de classe média, o direito de votar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tendo conquistado influência política, as
classes médias não tardaram a usá-la lançando o que seria uma longa e árdua
campanha para promover o livre comércio. A partir de 1839, o ataque foi
liderado pela Liga contra as Leis dos Cereais, cujos oradores, em especial John
Bright e Richard Cobden, viajaram por todo o país defendendo a causa do fim do
monopólio dos proprietários rurais. Nas pequenas vilas, enfrentaram multidões
iradas de trabalhadores rurais e agricultores, incitados pelos terratenentes
que haviam conseguido convencê-los de que todos se beneficiavam de uma lei que,
na verdade, constituía um mero subsídio para os mais ricos. A campanha da Liga
e a resistência dos terratenentes, no entanto, significavam uma batalha pela
supremacia entre as duas maiores bases de poder do país. A vitória final da
Liga em 1846 foi importante não só para acabar com as Leis dos Cereais e
introduzir o livre comércio: ela demonstrou também ao país como um todo a
preeminência do capitalismo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto isso, a classe operária
continuava excluída do eleitorado pela exigência de ocupação exclusiva de uma
construção no valor de pelo menos dez libras esterlinas. Os capitalistas tinham
ideias muito estritas sobre os limites da reforma. Apesar disso, alguns
trabalhadores ficaram animados com a vitória de seus empregadores e
encorajaram-se novamente a entrar na batalha política. Em 1834, surgiram
tentativas de criar um "Grande Sindicato Nacional Consolidado" —
federação de sindicatos para reunir todos os trabalhadores, industriais e
agrícolas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbf0NHjtqkzgRYjz-JqtIs_EOUas6ujsq56n4Uao6-jAjoDVZIWpmLM2HjnuCn1YEogEiglPNJysmLs1AVRfW7bzpjPbfSQEPziFRwOZpwR5wuftsCnCX1tOrrBeFYtyGZbZCNPv1JAN5N/s1600/england+13ad.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbf0NHjtqkzgRYjz-JqtIs_EOUas6ujsq56n4Uao6-jAjoDVZIWpmLM2HjnuCn1YEogEiglPNJysmLs1AVRfW7bzpjPbfSQEPziFRwOZpwR5wuftsCnCX1tOrrBeFYtyGZbZCNPv1JAN5N/s1600/england+13ad.jpg" height="640" width="436" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Encimado pela pomba da paz, este tlabeau industrioso adorna o certificado do associado da Sociedade Amalgamada de Engenheiros, o primeiro sindicato duradouro da Grã-Bretanha. Embora a admissão fosse estritamente limitada aos artífices especializados - uma proporção muito pequena da força de trabalho-, a ASE tornou-se o modelo de todas as organizações trabalhistas posteriores. Elaborado em 1851, ano da fundação do sindicato, o certificado reflete o orgulho dos trabalhadores por utilizar as novas forças de produção.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A tentativa defrontou-se com uma feroz
oposição das classes altas, que pareciam compartilhar da visão do ativista
Bronterre O'Brien de que esse sindicato, se tivesse êxito, provocaria "uma
mudança equivalente à subversão completa da ordem existente no mundo". Na
vila de Tolpuddle, Dorset, seis trabalhadores rurais que tentavam filiar novos
membros ao sindicato foram presos e depois condenados pelo crime de administrar
juramentos secretos. Em 1834, o degredo para a Austrália dos "Mártires de
Tolpuddle" — como os infelizes ficaram conhecidos — destruiu o Grande
Sindicato, cujos organizadores não estavam preparados para esse tipo de ataque.
Mas o ultraje sentido pelo povo diante do destino dos seis seria uma fonte de
força para o movimento sindical por muitas décadas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Havia outros trabalhadores que procuravam
melhorar suas posições pela imitação direta dos industriais. Entre as velhas
profissões especializadas — aquelas cujas formas tradicionais ainda não tinham
sido invadidas pelo sistema fabril — muitos começaram a sentir que só a representação
no Parlamento ofereceria a perspectiva de uma vida melhor. Em 1838, o
marceneiro William Lovett e o alfaiate Francis Place redigiram uma Carta do
Povo que pedia o sufrágio universal masculino, sem qualquer exigência de
propriedade, e a introdução do voto secreto para acabar com a intimidação do
eleitorado. O movimento "cartista" ganhou apoio generalizado entre a
classe operária e uma petição passada em seus comícios já tinha cerca de 1,25
milhões de assinaturas em 1839. Quando o Parlamento reformado descartou a
petição sem cerimônia, a resposta foi irada e imediata. Tumultos e greves
pipocaram em todo o país, mas acabaram se extinguindo diante da inflexibilidade
do governo. Os cartistas mais decididos mantiveram a luta durante a década de
1840, mas em 1848, quando ocorreu a última manifestação cartista — um fracasso
melancólico — o movimento operário parecia ter perdido muito de sua militância.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Conquanto o ritmo da reforma política
fosse lento, o progresso industrial continuou a passo acelerado nas décadas de
1830 e 1840. Cada operário do cotonifício estava "realizando, ou antes,
supervisionando, o trabalho que poderia ter sido feito por <i>duas ou três centenas de homens</i> sessenta anos atrás", alardeou
um admirador do sistema fabril em 1835. Em 1830, o engenheiro James Nasmyth
olhava encantado para os altos-fornos do oeste das Midlands sendo postos a
funcionar: "Eu vi o ferro incandescente sair da fornalha; eu o vi como que
se tecer em barras e fitas, com uma velocidade e facilidade que pareciam
maravilhosas". Mas ao mesmo tempo, Nasmyth estava chocado com o impacto da
fundição de ferro na paisagem rural: "A terra parece ter-se virado de
dentro para fora. Suas entranhas estão espalhadas; quase toda a superfície do
solo está coberta com montes de escória. (...) Quando escureceu (...) o
horizonte era um cinturão fulgurante de fogo, fazendo até mesmo as estrelas
parecerem pálidas e débeis".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0h4AgZ4drQr0Z8yRB8AaL6zSPJd0xANdpKvTMCtrrPbJ0gFJgqGvx1on0Dn9L06LnVp7TuQBFUY88zYD0od3VI62hYpsio0PmzqEL2syKhc_L8ZscGgsxdabhJS7u2DXuyDVB1r4VjaXn/s1600/england+09ac.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0h4AgZ4drQr0Z8yRB8AaL6zSPJd0xANdpKvTMCtrrPbJ0gFJgqGvx1on0Dn9L06LnVp7TuQBFUY88zYD0od3VI62hYpsio0PmzqEL2syKhc_L8ZscGgsxdabhJS7u2DXuyDVB1r4VjaXn/s1600/england+09ac.jpg" height="452" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #674ea7; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"> A chegada da ferrovia<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #674ea7; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"> Máquinas a vapor já tinham sido
colocadas sobre trilhos em 1808, mas o uso desse meio de transporte em larga
escala veio com a <i>Rocket</i>, de George
Stephenson, aqui mostrada em uma réplica, acima. Com seus êmbolos e cilindros,
a <i>Rocket</i> encarnava os princípios de
todas as locomotivas a vapor construídas posteriormente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #674ea7; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"> Obcecado pela visão de um
transporte sobre trilhos movido a vapor, Stephenson construiu sua primeira
máquina em 1814. Em 1825, sua <i>Locomotion
Nº 1</i> fez a viagem inaugural da primeira ferrovia de passageiros da
Grã-Bretanha, entre Stockton e Darlington. Mas a linha, de uma companhia de
diligências, continuou com seus vagões puxados a cavalo e foi só em 1829 que os
esforços de Stephenson foram recompensados, quando a <i>Rocket</i> foi escolhida como locomotiva da ferrovia
Liverpool-Manchester, aberta no ano seguinte. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #674ea7; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"> Esse sucesso deflagrou um boom da
construção ferroviária: em 1850, a Grã-Bretanha já tinha mais de 10 mil quilômetros
de trilhos (<i>mapa mais abaixo</i>). O fracasso das experiências com outros modos de propulsão, como a
''Ferrovia Atmosférica" de Brunel, movida a energia pneumática, só reforçou
o fato de que locomotivas como a<i> Rocket</i>
eram o transporte do futuro.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mudanças maiores eram anunciadas no mesmo
ano pela inauguração da estrada de ferro Liverpool-Manchester. Em pedreiras,
minas de carvão e fundições, os vagões carregados de pedras, carvão e minério
vinham, há alguns anos, sendo puxados ao longo de trilhos de madeira ou ferro,
às vezes por motores a vapor fixos ou por máquinas simples como a de
Trevithick. Mas foi a Rocket de George Stephenson, fácil vencedora das provas
realizadas em 1829 para escolher a locomotiva da nova estrada de ferro, que anunciou
uma nova época de construções ferroviárias que transformariam o país e a vida
de seus habitantes. A atriz Fanny Kemble, que passeou no veículo de Stephenson
um mês antes da abertura oficial da ferrovia, descreveu "como parecia
estranho viajar naquilo, sem nenhuma causa visível do avanço a não ser a
máquina mágica, com sua flutuante exalação branca e marcha ritmada, invariável,
entre aquelas paredes rochosas. (...) Senti como se nenhum conto de fadas fosse
tão maravilhoso quanto a metade do que via". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Evidentemente, não havia nada de
sobrenatural no corte de Edge Hill pelo qual ela passou na época. Como muitas
outras grandes realizações da engenharia civil de então, foi obra de um
exército de <i>navvies</i> — assim chamados
por causa das "navegações", ou canais, em cuja construção esses grupos
foram empregados pela primeira vez. Bandos de trabalhadores turbulentos e
maltrapilhos, amiúde da Irlanda — que desde 1801 estava unida à Grã-Bretanha —,
os <i>navvies</i> levavam vida nômade, indo
de um projeto de construção a outro. Aonde iam, eram temidos pela população
residente, que os considerava como quase animais. O trabalho deles era duro e
realizado em condições atrozes, sua segurança, negligenciada cinicamente por
empreiteiros decididos a economizar tempo e dinheiro. A construção do túnel de
Woodhead, em Cheshire, por exemplo, custou dezenas de vidas. Com efeito, um
observador calculou que a taxa de baixas entre os homens empregados no projeto
— mais de três por cento mortos e catorze por cento feridos — foi maior que a
sofrida pelo exército britânico em Waterloo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por mais desprezados e antipáticos que
fossem, os <i>navvies</i> explodiram e
cavaram seu caminho através do país, realizando os sonhos mais ousados dos
engenheiros, entre os quais se destacou o construtor da ferrovia Great Western,
lsambard Kingdom Brunel. Em 1838, cerca de 800 quilômetros de trilhos já tinham
sido colocados na Grã-Bretanha. Cinco anos depois, mais de 3 mil quilômetros
serpenteavam de cidade a cidade, atravessando montanhas, rochedos, pântanos e rios,
com trens andando a mais de 50 quilômetros por hora. Todos os homens de negócios
queriam participar dos lucros e uma pletora de pequenas linhas foi feita com
dinheiro local, servindo às necessidades regionais e segundo os padrões de cada
engenheiro. Foi só em 1846, quando já havia cerca de duzentas redes
ferroviárias separadas no país, que foi adotada uma bitola padrão nacional de 4
pés e 8,5 polegadas (1,44 metro), para o dissabor daqueles de West Country, que
tinham optado pela bitola de 7 pés (2,13 metros) preferida por Brunel. Em 1851,
as fusões já tinham reduzido o número de linhas para 22 principais, mas mesmo
então a construção não parou. Quatro anos depois, a nação podia exibir mais de
13 mil quilômetros de trilhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2jBamNwWjAkxunEB41vNZDsLWjOqp0i_BNnxkxi9bhu6l_X3SeQui5iIMTKVF6ZYnwl0Ah7rv3v3hRsSV81AYbLatcL2LB790Jn6v7exrBspkk37DHHq2v2UBJgiRNFe-CmovGYOS3NZS/s1600/england+10aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2jBamNwWjAkxunEB41vNZDsLWjOqp0i_BNnxkxi9bhu6l_X3SeQui5iIMTKVF6ZYnwl0Ah7rv3v3hRsSV81AYbLatcL2LB790Jn6v7exrBspkk37DHHq2v2UBJgiRNFe-CmovGYOS3NZS/s1600/england+10aa.jpg" height="640" width="362" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As indústrias de ferro e carvão
trabalhavam a todo vapor para atender à demanda por seus produtos. Para outros
negócios, o preço do transporte caía gradualmente à medida que o monopólio dos
canais era contestado. O preço dos alimentos caiu também quando distritos
agrícolas recentemente acessíveis começaram a competir com as fazendas em torno
das cidades. As viagens transformaram-se totalmente. Onde quer que chegasse, a
ferrovia galvanizava a vida social e comercial. Em 1848, o escritor Charles
Dickens descreveu as mudanças processadas no que fora um bairro miserável:
"Multidões de gente e montanhas de mercadorias partindo e chegando
incontáveis vezes a cada 24 horas produziam uma fermentação no lugar que estava
sempre em atividade. As próprias casas pareciam dispostas a arrumar as malas e
fazer viagens". Se o comércio era o sangue da Grã-Bretanha industrial, as
ferrovias eram suas veias e artérias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A nova energia que pulsava em toda a nação
não distribuiu seus benefícios com equidade. Ao levar a rede ferroviária ao
coração de cada cidade, os engenheiros tomaram a via da resistência menor,
abrindo caminho através de moradias de aluguel degradadas e deixando sem lar
milhares de trabalhadores. Enquanto os proprietários eram indenizados, os
desalojados ganhavam apenas mais uma cruz para carregar. Pois por pior que
fossem as condições nas fábricas, os empregados, com frequência, talvez se
sentissem com mais conforto nelas do que em casa. Amontoados nas cidades
industriais, eles viam as dificuldades do campo serem substituídas pela esqualidez
inimaginável da vida urbana. A expectativa de vida média das classes baixas
urbanas era chocantemente baixa: 17 anos para o trabalhador de Manchester e 15
para os nascidos em Liverpool, em comparação com os 38 para os peões do condado
rural de Rutland. As taxas de mortalidade infantil eram amplamente responsáveis
por essas estatísticas: mais de 52 por cento das crianças nascidas em Liverpool
morriam antes dos 5 anos, segundo registros da década de 1840 — e muitas mortes
não eram notificadas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCR9hsqYE16nTEGnQn1OMqUL-XmbQxyEM39ryr59xs1IcbNZ5eCZJ9MQdv8c5BnLZhW65omZL1vaDsJYFolqgxCSrw8qKXtinC8GeTSDU1SUqA6SGqEL57APqaVJCfhz5f_su1AaBxL1Qz/s1600/england+14aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCR9hsqYE16nTEGnQn1OMqUL-XmbQxyEM39ryr59xs1IcbNZ5eCZJ9MQdv8c5BnLZhW65omZL1vaDsJYFolqgxCSrw8qKXtinC8GeTSDU1SUqA6SGqEL57APqaVJCfhz5f_su1AaBxL1Qz/s1600/england+14aa.jpg" height="474" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Nesta gravura de 1859 do <i>Illustrated Times</i>, fileiras de camas semelhantes a caixões aglomeram-se em torno do fogão central num refúgio noturno para os sem-lar de Londres. À direita, os recém-chegados são registrados, enquanto outros esperam a vez de usar as pias. Com a expansão da população da Grã-Bretanha, a falta de moradia tornou-se um problema grave na capital. Centros como o retratado aqui ofereciam um pouco de alívio, mas as condições estavam longe de serem confortáveis: a moral convencional da época ensinava que a pobreza era a "vontade de Deus" e que os pobres deviam aprender a ajudar a si mesmos.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O jovem escritor americano Herman
Melville, ao desembarcar em Liverpool em 1839, após sua primeira viagem como
marinheiro mercante, ficou horrorizado. "Pobreza, pobreza, pobreza, em
perspectivas quase infindáveis: e carência e desgraça cambaleando de braços
dados por essas ruas miseráveis", escreveu ele mais tarde. Melville
lembrava-se de estar caminhando por um beco, passar por um gradil aberto, ouvir
um gemido "de doer na alma" e espiar para dentro na escuridão:
"ali, cerca de quinze pés abaixo da calçada, agachada numa imundície
indescritível, com a cabeça inclinada, estava a figura do que fora uma mulher.
Seus braços azuis cingiam no colo lívido duas coisas mirradas como crianças,
que se inclinavam em direção a ela, uma de cada lado. A princípio eu não sabia
se estavam vivas ou mortas". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cenas como esta eram comuns demais nas
cidades britânicas. Favelas de ruelas estreitas e pátios sem ventilação, amontoavam-se
lado a lado, com os piores materiais, usados por construtores gananciosos. Com
freqüência, não tinham alicerces, as paredes eram da espessura de um tijolo e
os andares superiores eram feitos com madeira tão frágil que seus moradores
costumavam cair através do assoalho. A superpopulação era a regra: o reformador
Joseph Adshead encontrou milhares de pessoas vivendo em porões úmidos e sem
ventilação em Manchester; uma casa de quatro cômodos de Londres, alugada para
inquilinos irlandeses em 1847, acomodava não menos que cinquenta pessoas de
oito famílias — sem contar os onze que alugavam camas no porão. A
promiscuidade, imundície e embriaguez produzidas por tais condições estarreciam
observadores como Adshead, numa época em que as classes médias estavam adquirindo
uma visão mais rígida sobre limpeza, sobriedade e respeitabilidade. Alguns se
perguntavam se a natureza repelente das classes baixas não se deveria a uma
falta de educação inata. Outros culpavam os industriais por criarem condições
sob as quais era impossível manter sobriedade e respeitabilidade. Para muitos
trabalhadores, o "templo do gin" era uma fonte periódica de alívio da
labuta diária — e um hiato de conforto em tempos de desemprego. E o álcool não
era o único vício. Os bebês deixados em casa com crianças ou vizinhos idosos
eram rotineiramente sedados com "quietude", um potente preparado de
ópio que os deixava bem quietinhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPhVDsZ4W0UoajQ_IheS7l9fHAKJ3bDn_hL2GSbytvQi6f4GdW-LL8pf808cWecrZiTPbrOVn2BvsNaoR6Y9bb1wf_vOPxQ-yugEoQCo1Ws2BUcmaG2xtWxR_UBSrRVLSyQ3T7TfRba8BT/s1600/england+12aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPhVDsZ4W0UoajQ_IheS7l9fHAKJ3bDn_hL2GSbytvQi6f4GdW-LL8pf808cWecrZiTPbrOVn2BvsNaoR6Y9bb1wf_vOPxQ-yugEoQCo1Ws2BUcmaG2xtWxR_UBSrRVLSyQ3T7TfRba8BT/s1600/england+12aa.jpg" height="374" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Esta litografia de 1855 mostra as casas aglomeradas e as altas chaminés das fábricas de Sheffield. A introdução das máquinas a vapor nessa cidade do norte, conhecida havia muito tempo pela qualidade de sua cutelaria, assegurou sua proeminência como centro da indústria do aço. Ao longo da primeira metade do século XIX, os novos centros industriais da Grã-Bretanha cresceram de forma impressionante; a população de Sheffield aumentou quinhentos por cento, para atingir a cifra de 135 mil habitantes. Com exceção do lado situado contra o vento em relação às fábricas, onde os ricos construíram suas casas, as condições de vida eram miseráveis, com os operários amontoados em construções baratas feitas às pressas. Apesar disso, adiante das favelas, o campo ainda era acessível.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A limpeza e a higiene também estavam fora
do alcance dos pobres. "Onde há sujeira, há dinheiro", dizia um
ditado de Yorkshire e, com efeito, a imundície parecia ser uma faceta
inevitável do crescimento econômico. Os equipamentos sanitários urbanos eram
inadequados, mesmo para os bem de vida. Os sistemas de esgoto, planejados
apenas para drenar a água das chuvas, não davam conta da demanda do maciço
crescimento das populações e dos <i>water closets</i>
que surgiam agora nas residências abastadas. Para os pobres, espremidos em seus
porões, becos e cortiços — amiúde construídos sobre cloacas assoalhadas —, era
muito pior. Contavam apenas com latrinas, comumente poucas e distantes.
Descobriu-se que certas ruas de Manchester estavam privadas delas; nas ruas
Oldham e St. George, mais de 7 mil moradores compartilhavam 33 latrinas. Com
muita frequência, os excrementos humanos eram simplesmente jogados na rua, para
serem recolhidos como esterco, um adubo tão nocivo que envenenava os campos
onde era usado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqk1AuxZ9jpVJ5IoPlROAZ_0v-tobvwmIm5bCx22wnOiw8aXDmcuGcLI5xIFD5dOK6hiqyjCjoDw88auqErglNOQnYv8crN8uMl6TqhlQE29kzsW1MUFqoNDDlMS7kamsBUE_JPe0Ccci0/s1600/england+11aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqk1AuxZ9jpVJ5IoPlROAZ_0v-tobvwmIm5bCx22wnOiw8aXDmcuGcLI5xIFD5dOK6hiqyjCjoDw88auqErglNOQnYv8crN8uMl6TqhlQE29kzsW1MUFqoNDDlMS7kamsBUE_JPe0Ccci0/s1600/england+11aa.jpg" height="640" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Um fantasioso e sinistro cartum de uma edição de 1850 da revista de humor <i>Punch</i> representa uma gota da água de Londres vista ao microscópio. O desenho chamava a atenção para a espantosa poluição do abastecimento de água da cidade que, no ano anterior, provocara um surto de cólera, cujo índice de mortalidade fora, no auge, de quatrocentas pessoas por dia. Devido à rápida expansão da cidade, só os muito ricos possuíam suprimento de água em casa; a maioria tinha de usar bicas de rua. A água que saia delas vinha geralmente do Tâmisa, rio poluído pelo despejo dos esgotos. Somente em 1852 o governo obrigou as companhias hidráulicas privadas de Londres a limpar seu lucrativo, mas venenoso monopólio.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A água era artigo raro para a maioria.
Enquanto os ricos podiam bombeá-la para casa, os pobres dependiam de bicas em
ruas próximas, ou de carregadores de água que vendiam o produto em grandes
caçambas. Em ambos os casos, o suprimento era no mínimo duvidoso, quando não
uma ameaça séria. Os londrinos de todas as classes dependiam do rio Tâmisa
tanto para despejar o esgoto quanto para beber. Os esgotos vazavam
rotineiramente, tanto dentro das casas quanto nos poços e ribeirões que
forneciam água. O tifo era uma ameaça sempre presente; a maioria da família
real foi atacada por ele em algum momento. A rainha Vitória, que subiu ao trono
em 1837, perderia mais tarde o marido, o príncipe Albert, para a doença. E o cólera
epidêmico era responsável por milhares de mortes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Confrontada com tanta sordidez, muita
gente começou a pensar se o sucesso do capitalismo valia a pena. Thomas
Carlyle, crítico implacável do industrialismo e seus valores materiais, deu voz
ao pensamento de muitos: "Temos mais riquezas do que qualquer nação teve
antes, e temos menos bem-estar do que qualquer nação teve antes. (...) Em meio
à abundância pletórica, o povo perece." <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O fado dos pobres estava recebendo atenção
crescente de fora de suas fileiras, à medida que uma onda de evangelismo
religioso varria a nação. A compaixão cristã tornava-se uma força rival do <i>laissez-faire</i>. As classes média e alta
liam os dados horripilantes de pobreza contidos nos <i>Blue Books</i> — publicações governamentais muito populares que traziam
estatísticas sobre todas as áreas da sociedade britânica —, ou em escritos com
muito mais vida, como os romances de Charles Dickens. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1830, a escravidão fora abolida no
império, mas o debate que levara a ela iluminara as condições de quase servidão
das fábricas e minas do país. Nas duas décadas seguintes, foram feitas
investigações sobre saúde pública, higiene, moradia, lei criminal, educação e
outros aspectos da vida, resultando em reformas. Em 1843, as condições nas
fábricas já tinham melhorado um pouco através de uma série de leis fabris.
Dentro de uma década, o horário de trabalho seria limitado a dez horas por dia
e providências para a educação das crianças seriam obrigatórias. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilktmwjrulU7g7tEZ4qGytpVc5NOmiyDjGxoq7HzQaTNDBPbjn45leJXgnaD6jVCeXR9jQtCclaJSfPInIxDSeCTdZtRv4P9Jqb9082b_YiAj82qbnpLmr9gAYdSLGhd9jHXvp2geRKPFm/s1600/england+15aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilktmwjrulU7g7tEZ4qGytpVc5NOmiyDjGxoq7HzQaTNDBPbjn45leJXgnaD6jVCeXR9jQtCclaJSfPInIxDSeCTdZtRv4P9Jqb9082b_YiAj82qbnpLmr9gAYdSLGhd9jHXvp2geRKPFm/s1600/england+15aa.jpg" height="518" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">A aquarela mostra uma aula de dança infantil na escola do instituto aberto em 1816 em New Lanark por Robert Owen (detalhe). Sustentando que o caráter se formava nos primeiros anos de vida, Owen insistia em estimular os pupilos com bondade, não com ameaças, método muito avançado para a época.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Berlin Sans FB, sans-serif;"> </span><span style="font-family: Berlin Sans FB, sans-serif; font-weight: bold;"> </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b> </b><span style="color: #674ea7;"><b> </b> Apóstolo da reforma<o:p></o:p></span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #674ea7; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="color: #674ea7; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"> A miséria humana provocada pelo sistema
fabril e pelo crescimento explosivo das cidades britânicas atraiu a atenção de
muitos filantropos ricos. Poucos, porém, alcançaram a fama internacional de
Robert Owen. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="color: #674ea7; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"> Nascido em 1771, em Newtown, País de
Gales, ele galgou rapidamente os degraus da indústria para se tornar sócio de
um grande cotonifício de Manchester. Mas não foi a agudeza para os negócios e
sim a visão de uma nova sociedade industrial que distinguiu Owen. Profundamente
sensível à sorte dos que estavam em desvantagem, ele acreditava que só o
ambiente social favorável resultaria num bom caráter. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="color: #674ea7; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"> Em consequência, Owen comprou em 1800 uma
cidade fabril de 2 mil habitantes chamada New Lanark, perto de Glasgow. Ali,
com gastos consideráveis, partiu para criar uma utopia industrial de boas moradias,
ordem social e educação. A fábrica prosperou e logo New Lanark se tornou um
lugar de peregrinação para reformistas sociais, homens do estado e até para a
realeza. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="color: #674ea7; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"> Baseado nesse sucesso, Owen começou a
pregar a criação em escala mundial de vilas semelhantes de "unidade e
cooperação" como cura para os males da pobreza e do desemprego. Ao mesmo
tempo, tentou organizar os operários britânicos em base nacional, com a
criação, em 1834, do Grande Sindicato Nacional Consolidado. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="color: #674ea7; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"> Nenhuma das iniciativas prosperou, mas
Owen continuou a pregar suas ideias. Muito tempo depois de sua morte, em 1858,
seus ideais visionários ainda influenciavam os reformadores sociais.</span><span style="font-family: 'Berlin Sans FB', sans-serif; font-size: 14pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Berlin Sans FB","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpLZU0-Q7GUu8yWLF1Z59sFoMSCF3XspNsfABpXGC-x8IHnI-CrJXOQ0_sljVh9fTuz-IUcaC3IH6FoTnnw4CXYJXPsagXailviVb_fmas42lX8EemtFmaEbZ2qk_PVZ9iVZgyo134rsqt/s1600/england+16aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpLZU0-Q7GUu8yWLF1Z59sFoMSCF3XspNsfABpXGC-x8IHnI-CrJXOQ0_sljVh9fTuz-IUcaC3IH6FoTnnw4CXYJXPsagXailviVb_fmas42lX8EemtFmaEbZ2qk_PVZ9iVZgyo134rsqt/s1600/england+16aa.jpg" height="345" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Uma nota sacada contra uma bolsa de Birmingham oferece ao portador itens no valor de cinco horas de trabalho. Owen acreditava que o trabalho era a única medida verdadeira de valor e, em 1832, introduziu "Bolsas de Trabalho", onde os bens valorizados de acordo com o tempo que levavam para serem feitos eram comprados ou vendidos, O projeto fracassou logo.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto muitos capitalistas resistiam às
reformas, outros tomavam a dianteira, propondo-as e sustentando-as. Desde o
início do século, um desses magnatas benevolentes, Robert Owen, vinha tentando
construir uma ordem mais justa de cooperação entre capital e trabalho em sua
fábrica de New Lanark, na Escócia. Em outras áreas, trabalhadores e artífices
batalhavam para criar suas comunidades cooperativas autossuficientes. Embora
tais medidas fossem radicais demais para a maioria, em 1850 os bretões
abastados tinham uma posição mais bondosa em relação aos pobres. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os inimigos das reformas queixavam-se de
que o controle maior estava asfixiando o comércio e as empresas, mas a produção
industrial não dava sinais disso. Na metade do século, a Grã-Bretanha ostentava
1 800 cotonifícios, empregando 328 mil operários e usando máquinas a vapor com
a potência total de quase 53 mil quilowatts para produzir mais de 1 600 milhões
de metros de algodão por ano — oito vezes mais do que ao final das guerras
napoleônicas. A produção anual de carvão mineral tinha mais que quadruplicado
ao longo do século para atingir 56 milhões de toneladas, enquanto a de
ferro-gusa tinha crescido vinte vezes e seus dois milhões de toneladas
equivaliam à metade da produção mundial. A Grã-Bretanha tornara-se, de fato, a
oficina do mundo. Mas sua exportação mais importante era a própria
industrialização. Os financistas britânicos encontraram ricas oportunidades de
investimento na Bélgica — onde carvão e ferro abundantes e uma tradição de
manufatura têxtil davam condições muito semelhantes às da própria Inglaterra —
e, mais tarde, na Alemanha e nos <i>départements</i>
do norte da França. O <i>know-how</i> também
atravessou o mar, com engenheiros e técnicos levando seus conhecimentos de
construção de ferrovias e fábricas e de mecanização de indústrias. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoq6A58kWvXzv8qhJ-MnhZEi83VvlRcXii_LjRjk2wu3bMnqHfr-31XJwnpePq1L4obuOUsKmE113I3HyLyugIDbwsS3bV8MIuzJabYIMZqPJYcYceAZLbUyEEzUdYfDrEQkTGr9O9Lpl6/s1600/england+21aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoq6A58kWvXzv8qhJ-MnhZEi83VvlRcXii_LjRjk2wu3bMnqHfr-31XJwnpePq1L4obuOUsKmE113I3HyLyugIDbwsS3bV8MIuzJabYIMZqPJYcYceAZLbUyEEzUdYfDrEQkTGr9O9Lpl6/s1600/england+21aa.jpg" height="280" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjc5AiL7OE-swRt8SsryTmsLBsZ-eCQ157trGZcP59D0DJS3bpX69o_1GBLuhwppUzhT5gSyWiqWzWmu95S93efEOHNB089DEVdcJCeEdWBaSzMVUMFDiquO08yzh61pRtJvE-RbDo0dKMt/s1600/england+21ab.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjc5AiL7OE-swRt8SsryTmsLBsZ-eCQ157trGZcP59D0DJS3bpX69o_1GBLuhwppUzhT5gSyWiqWzWmu95S93efEOHNB089DEVdcJCeEdWBaSzMVUMFDiquO08yzh61pRtJvE-RbDo0dKMt/s1600/england+21ab.jpg" height="318" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">A litografia de Joseph Nash mostra o salão de máquinas da parte britânica de Grande Exposição de 1851. A mostra foi instalada numa construção gigantesca de ferro fundido e vidro, conhecida como Palácio de Cristal (<i>imagem superior</i>) - edifício que constituiu uma maravilha de seu tempo - situado no Hyde Park de Londres. O objetivo declarado do evento era exibir as realizações da indústria e comércio de todas as nações. Na verdade, o domínio do comércio marítimo mundial pela Grã-Bretanha e sua superioridade tecnológica significavam que a exposição era principalmente um hino de louvor a sua própria supremacia industrial.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O mesmo aconteceu nos Estados Unidos. Em
1840, o navio a vapor Britannia atravessou o Atlântico em assombrosos catorze
dias e, em 1846, já havia um serviço regular de transporte de passageiros.
Fábricas surgiram na costa leste e as ferrovias se espalharam com rapidez
impressionante, penetrando no interior e levando para oeste os benefícios — e
males — da indústria. Em 1860, já haveria mais de 45 mil quilômetros de
trilhos. Em breve, a distância entre a Grã-Bretanha e seus competidores
estrangeiros diminuiria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas na metade do século, ela era ainda a
vitrine da industrialização. Suas conquistas no curso do século XIX tinham sido
extraordinárias, as mudanças, imensas e de tirar o fôlego. As reformas sociais
e políticas concomitantes pareciam suficientes para permitir que os bretões
aceitassem a nova ordem. Em 1848, quando a Europa continental foi varrida por
uma onda revolucionária, em parte como reação contra a industrialização, nada
de equivalente ocorreu na Grã-Bretanha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ao contrário, 1850 encontrou a nação mais
autoconfiante do que nunca. No ano seguinte, o triunfo de seu progresso foi
mostrado para todos na feira comercial do Palácio da Indústria de Londres. De
19 de maio a 15 de outubro, na chamada "Grande Exposição", 13 mil
exibidores atraíram seis milhões de visitantes de todo o mundo para ver as
maravilhas do livre comércio e da iniciativa britânica. Uma ilustre visitante
ficou tão impressionada que foi à exposição trinta vezes e, em seus registros,
resumiu o entusiasmo do povo britânico: "Somos capazes de fazer qualquer
coisa", escreveu a rainha Vitória em seu diário, no dia 29 de abril de
1851.<o:p></o:p><br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
A INDÚSTRIA BRITÂNICA é um capítulo do livro<br />
<br />
A FORÇA DA INICIATIVA (1800-1850) - da coleção HISTÓRIA EM REVISTA, publicada pelos<br />
<br />
EDITORES DE TIME-LIFE LIVROS<br />
Editor europeu: Ellen Phillips<br />
Diretor de arte: Ed Skyner<br />
Diretor de recursos editoriais: Gillian Moore<br />
Subeditor chefe: Ilse Gray<br />
Assistente do diretor de arte: Mary Staples<br />
<br />
em parceria com a<br />
<br />
ABRIL LIVROS - RIO DE JANEIRO<br />
Diretores: Roberto Civita, Ike Zarmati e Koos Siewers<br />
Tradução e adaptação para a língua portuguesa: Pedro Paulo Poppovic Consultores<br />
Editoriais S/C Ltda - São Paulo<br />
Tradução: Pedro Maia Soares<br />
Consultor: RICHARD OVERY, professor de História Moderna, Faculdade King's,<br />
Universidade de Londres.<br />
<br />
Authorized Portuguese Edition: Copyright 1992 - Abril Livros Ltda<br />
<br />
Original edition: Copyright 1990 - Time-Life Books B.V. </div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-45526429314947191732015-01-25T12:02:00.003-03:002015-01-25T12:03:29.626-03:00JOSÉ DE ANCHIETA<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKurRW2m1CBd9SERZU4Mp8TQvVf8oO9IiBQgf7D6VHu46_RZkEAArbxHrST4Enih1jRDXPtZlEuklQOQKolaezcoRGSePa_hr-sCG7DaQ0HgtRCimFeHjWRtQCZlmmTbONFjXIAVoNq4C3/s1600/Anchieta01aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKurRW2m1CBd9SERZU4Mp8TQvVf8oO9IiBQgf7D6VHu46_RZkEAArbxHrST4Enih1jRDXPtZlEuklQOQKolaezcoRGSePa_hr-sCG7DaQ0HgtRCimFeHjWRtQCZlmmTbONFjXIAVoNq4C3/s1600/Anchieta01aa.jpg" height="640" width="497" /></a></div>
<br />
Um bando de araras corta a mata com suas cores
e seus gritos; dois macaquinhos enfurecidos guincham em luta; um grupo de
homens volta da pescaria, mas nada consegue perturbar aquele grupo de meninos
índios, uns cinquenta, em volta da batina negra de José de Anchieta. No ar há
cheiro de tempestade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os garotos estão com os olhos presos a um
tablado enfeitado de folhas de bananeira. Lá, três de seus companheiros
representam uma cena de conversão: um, de blusa branca, é o Bem; outro, de
blusa vermelha, é o Mal; e o terceiro, de blusa azul, puxado ora por um, ora
por outro, é o jovem a dar os primeiros passos no caminho da conversão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nem os relâmpagos que riscam o céu os
intimidam; nem os trovões com seus estrondos os assustam; nem a ameaça de chuva
grossa os amedronta. Eles estão todos muito interessados, fazendo teatro, e o
espetáculo não pode parar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Bem puxa de cá, o Mal puxa de lá. O
indiozinho de azul parece que vai ceder às tentações do pecado, mas ainda resiste.
E ouve o que lhe diz o garoto de branco, que fala do céu e dos santos, e das
maravilhas da virtude. O Bem vence. O jovem, antes indeciso, abraça-o. O menino
de vermelho finge raiva e grita.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chega, então, o clímax: entre palmas e
gritos agudos dos assistentes o Bem derruba o Mal e conquista o jovem para
Cristo. O Mal foge para o mato e, previdente, volta sem a blusa vermelha, sua
marca. Anchieta, sorridente, abraça os pequenos atores. Seu teatrinho é um
sucesso. Os indiozinhos pedem bis, ele promete: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- Amanhã tem mais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aquele homem era baixo, moreno, muito
magro e meio torto, por causa de um desvio na coluna. Tinha a testa larga,
nariz comprido, pouca barba e os olhos meio azulados. Em suas andanças,
caminhava sempre descalço, a barra da batina arregaçada. E andou grande parte
do Brasil: professor, catequista, poeta, linguista, teatrólogo, médico,
cozinheiro, sapateiro, padre, diretor de colégio, pregador, confessor, provincial,
diplomata e fundador de cidades.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Anchieta veio para o Brasil em 1553, na
frota que trouxe o segundo Governador-Geral, Dom Duarte da Costa. Era, então,
apenas noviço da Companhia de Jesus, um moço de dezenove anos, Irmão José de
Anchieta. Nos 65 dias de travessia, cozinhava e ensinava catecismo para os
marinheiros. Alegre e amável, não tinha, entretanto, nenhuma marca especial que
deixasse entrever nem o pioneiro, nem o apóstolo. Mas era ativo, de espírito
forte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ativo como os pioneiros, de espírito forte
como os apóstolos, José de Anchieta é uma das figuras mais constantes nos
acontecimentos históricos da segunda metade do século XVI. Presente na fundação
de São Paulo, presente na expulsão dos franceses do Rio, presente na
pacificação dos índios, ora estava no litoral paulista, ora no do Espírito
Santo, Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, em toda parte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Um poeta, o “Canário de
Coimbra”<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
José de Anchieta nasceu a 19 de março de
1534, em San Cristóbal de La Laguna, na ilha de Tenerife, arquipélago das
Canárias, pertencente à Espanha. Era o terceiro filho do segundo casamento de
Dona Mência Dias de Clavijo Llerema, descendente dos conquistadores de
Tenerife.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seu pai, João Lopez de Anchieta, um fidalgo
basco originário do vale da Urrestilha, na Espanha, refugiara-se nas Canárias,
em 1522, depois de participar de uma rebelião, pelo que fora condenado à morte.
Mas, graças à interferência do Capitão Inácio de Loyola, seu amigo, consegue
ser anistiado e vai tentar vida nova em Tenerife.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na ilha, João Lopez de Anchieta, em uns
poucos anos, conseguiu alguma posição e fortuna e se fez respeitado e estimado.
E assim conheceu Dona Mência, a viúva com quem se casou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entre os cuidados de Dona Mência e de João
Lopez, José de Anchieta teve, ao lado dos irmãos, uma infância protegida.
Segundo o costume da época, aprende as primeiras letras ainda em casa. E só
depois é que possivelmente frequenta a escola dos dominicanos, bem próxima à
sua moradia, onde recebe os primeiros conhecimentos de gramática latina. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjxnXQjNfDXKCm4ozv5wI-AOmlyTyhImFYOseCZF6xg4dIqO_PIQhrujpYk3Pjp1Vargw-5GTwVxCcor2n23eme2dZa_0AbQSXiDHsUHanolkku8ADYQts8D_di44ZDZ79SmG6qdoR7aH6/s1600/Anchieta02aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjxnXQjNfDXKCm4ozv5wI-AOmlyTyhImFYOseCZF6xg4dIqO_PIQhrujpYk3Pjp1Vargw-5GTwVxCcor2n23eme2dZa_0AbQSXiDHsUHanolkku8ADYQts8D_di44ZDZ79SmG6qdoR7aH6/s1600/Anchieta02aa.jpg" height="491" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>Aqui nesta casa, em Tenerife, Anchieta nasceu e aprendeu a ler e a escrever</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Já tem catorze anos, quando, em companhia
de Pedro Nuñez, seu irmão mais velho, vai a Portugal para continuar os estudos.
Lá, matricula-se no Real Colégio de Artes, onde estuda humanidades e filosofia.
E logo se distingue pela facilidade com que faz versos em latim, o que lhe vale
mesmo o apelido de “Canário de Coimbra”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Da religiosidade de sua família e do seu
misticismo extrai a vocação de sacerdote, que se aviva quando trava
conhecimento com a Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada pelo mesmo Inácio
de Loyola que salvara seu pai da pena de morte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Corre o ano de 1550 e o jovem José de
Anchieta se candidata ao Colégio da Companhia de Jesus, em Coimbra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com dezessete anos de idade, em 1551, José
de Anchieta é recebido como noviço. E passa a ajudar de cinco a dez missas
todos os dias, dividindo o seu tempo entre a meditação, a oração e o estudo de
retórica e filosofia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O ritmo intenso da vida no colégio lhe
abala a saúde. Um ano depois está doente: uma violenta dor nas costas que
aumenta com o tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É um moço de dezoito anos. Mas a doença o
faz velho, a coluna vertebral, quase um S, obriga-o a usar faixas que não
conseguem disfarçar o defeito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Teme, então, ter que deixar tudo: o estudo,
a Companhia, a vocação. Mas vai se aguentando, com suas costas encurvadas, e
até é capaz de brincar com a própria desgraça:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- A natureza me preparou para carregar
fardos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
1553, um alvoroço no colégio: alguns vão
ser escolhidos para as missões no Brasil. Anchieta é alegremente surpreendido
com a indicação do seu nome. Aceita, e é entre surpreso e alegre que vive os 65
dias da longa viagem. Enquanto cozinha ou descansa das aulas de catecismo, o
moço sonha com o Brasil, terra de que ouvia falar desde sua admissão na Companhia
de Jesus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A difícil tarefa dos
jesuítas <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os primeiros jesuítas tinham vindo para o
Brasil em 1549, e Anchieta aprendera que eram importantes os dias em que
chegavam cartas do Brasil, com notícias dos missionários, da conversão de
índios, de guerras entre tribos e dos primeiros sucessos da colonização daquele
mundo novo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Do descobrimento, em 1500, até o estabelecimento
do primeiro governo-geral, em 1549, o Brasil viveu meio esquecido e meio
abandonado pela côrte portuguesa que vivia embalada pelo sonho de fortuna
representado pela exploração da Índia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nessa primeira metade do século, só se conhecia
estreita faixa do imenso litoral onde foram estabelecidas as primeiras
povoações.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjF9hISJZoARNIUurls91vlumG8buzI7HY_-UiYlRduDGC-LUIQWGqQXx6zp10WmmaqQU-3munNtIao5zcwxsdp6LPyxgbwqE39IY-zAEtGH-KDKcVDiK4kjB2kiUA4jTihvCwfD-mZzuMH/s1600/anchieta50a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjF9hISJZoARNIUurls91vlumG8buzI7HY_-UiYlRduDGC-LUIQWGqQXx6zp10WmmaqQU-3munNtIao5zcwxsdp6LPyxgbwqE39IY-zAEtGH-KDKcVDiK4kjB2kiUA4jTihvCwfD-mZzuMH/s1600/anchieta50a.jpg" height="400" width="327" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>Anchieta, quando jovem </i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entre 1532 e 1549 surgiram pequenos
núcleos de população na Bahia, Espírito Santo, São Vicente e Pernambuco, vivendo
de uma agricultura de subsistência e de uma incipiente produção de
cana-de-açúcar, resultado do trabalho de índios aprisionados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Isso era tudo, quando quase na metade do
século, Dom João III, acordando do seu sonho com as Índias e alarmado com as
ameaças estrangeiras de ocupar o Brasil, passa a se preocupar com a Colônia e
decide enviar um governador-geral para unificar a administração e organizar a
defesa, prestando auxílio às capitanias que antes viviam isoladas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tomé de Sousa é nomeado, e com ele vêm os
primeiros jesuítas que, nem bem chegados, dedicam-se de corpo e alma ao
trabalho de educação dos filhos dos colonos e conversão dos índios.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse primeiro grupo de jesuítas traz como
chefe o Padre Manuel da Nóbrega e é composto dos padres Leonardo Nunes. João de
Aspilcueta Navarro e Antônio Pires, além dos irmãos Vicente Rodrigues e Diogo
Jácome. Segundo carta de Manuel da Nóbrega, os mil expedicionários de Tomé de
Sousa não encontraram mais do que uns quarenta ou cinquenta moradores na Bahia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Padre Leonardo Nunes e o Irmão Diogo
Jácome são imediatamente enviados às aldeias de Ilhéus e Porto Seguro, em
missão de catequese. Depois, o Irmão Vicente Rodrigues vai substituir o Padre
Leonardo Nunes que segue para São Vicente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É o início da catequese. Nem um segundo
grupo de jesuítas, que chega de reforço no ano seguinte, permite a execução do
programa de Nóbrega, um homem disposto a estender a ação missionária a toda a
gente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O apostolado dos jesuítas não era fácil.
Os brancos que viviam na Colônia, reduzida minoria diante dos índios, em muitos
lugares se deixaram absorver pelos usos da terra, afastando-se dos costumes
cristãos. E, além disso, havia um clima de guerra, com a franca revolta dos
índios contra as tentativas de os fazerem escravos.<o:p></o:p><br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOMg9BBv9sxCSXn1C1BREhS7IhdDZKP1mSuE-W01cF9gGNOx3bC7ccNh45E7aKG4BtA7-QEJjxtupqzt-BMFAsqlFTkbZd3BZ_b0fPwOpP0LlP2w0gLiDFMj6VLy7IOpYYiCgnRcueqaKO/s1600/Anchieta03ab.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOMg9BBv9sxCSXn1C1BREhS7IhdDZKP1mSuE-W01cF9gGNOx3bC7ccNh45E7aKG4BtA7-QEJjxtupqzt-BMFAsqlFTkbZd3BZ_b0fPwOpP0LlP2w0gLiDFMj6VLy7IOpYYiCgnRcueqaKO/s1600/Anchieta03ab.jpg" height="408" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;">Em Coimbra, centro cultural da época, Anchieta escreveu os primeiros versos e entrou para a Companhia de Jesus</span></i></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A dificuldade do trabalho e a amplidão dos
projetos forçam o Padre Manuel da Nóbrega a insistir em cartas aos seus
superiores de Portugal: quer novos padres e irmãos para levar avante seus
propósitos. E insiste com o Provincial Simão Rodrigues, ressaltando que não
havia nem muita necessidade de seleção: que mandasse para o Brasil os “fracos
de engenho” e os “doentes do corpo”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Doente do corpo, José de Anchieta foi um
dos escolhidos. Seu grupo veio chefiado pelo Padre Luís da Grã, ex-reitor do
Colégio de Coimbra da Companhia de Jesus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">No caminho de São
Vicente, um desastre<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 8 de maio de 1553, na esquadra do
segundo governador-geral, Duarte da Costa, parte essa terceira leva de
jesuítas. A viagem se prolonga até 13 de julho, mas se faz em calma e sem
acidentes. O Irmão José de Anchieta, apesar da doença, parece disposto,
mostrando seu entusiasmo. Já na viagem deixava entrever o missionário que
seria, adaptando-se a todo trabalho: cozinhava, pregava, planejava. Algumas
semanas após a chegada, Manuel da Nóbrega, provincial jesuíta no Brasil,
distribui os padres pelos colégios que já começam a se espalhar pela terra. Com
o Padre Leonardo Nunes, que os viera esperar, um grupo seguiu para o sul, em
direção a São Vicente. Nele, Anchieta.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgehpxPMDF0dofgbWqcO_Y9Ph28seIWsX6eY1CPUlM4Hq2zBraTpfas_9M27-TwWUt7ugKWAJSI5pxaJuuI9e-bss8xml_oMf0jqm6z3V6yCKMGCChX3IUg5olBH2usssn1tdb3suRFGjo8/s1600/anchieta80c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgehpxPMDF0dofgbWqcO_Y9Ph28seIWsX6eY1CPUlM4Hq2zBraTpfas_9M27-TwWUt7ugKWAJSI5pxaJuuI9e-bss8xml_oMf0jqm6z3V6yCKMGCChX3IUg5olBH2usssn1tdb3suRFGjo8/s1600/anchieta80c.jpg" height="215" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>A Cama de Anchieta, em Itanhaém: conta a lenda, ele dormia sobre rochas</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leonardo Nunes e seu grupo seguiram em
dois naviozinhos que rumavam para São Vicente. Na altura do rio Caravelas, uma
forte tempestade desgovernou os barcos. Um deles, o que levava os jesuítas,
aproximou-se do litoral. Ao tentar se afastar da terra, a tripulação foi
surpreendida: o navio roçou o fundo, o leme saltou e um choque mais forte
confirmou o encalhe. Muitos dos viajantes ficaram aterrorizados. É o Padre
Lourenço Brás, um dos presentes, quem conta:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- Começou a grita no navio e nos pusemos
todos a rezar uma ladainha e a chorar nossos pecados. E saímos com as relíquias
que ali trazíamos. Quis Nosso Senhor que foi o navio resvalando um pouco, até
que deu em quatro braças de água, o qual quantos ali vinham tiveram por
milagre. Trataram logo de lançar âncora e arriaram o batel fora, indo observar
por onde derivava a corrente. E acharam logo grande profundidade, menos onde
nós nos achávamos, e que dali não poderíamos sair senão por uma boca estreita.
Ordenaram então que se recolocasse o leme. E nisto se fechou a noite e ficamos
ali para sair pela manhã. E quando já parecia ser uma hora da noite, sobrevém
uma fortíssima tormenta de vento contrário.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E continua a descrever a cena:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- Sai a esse tempo o piloto fora, que estava
debaixo da coberta repousando (e a gente a gritar e a dizer que estávamos
mortos), e tomou ele mesmo um machado e cortou os mastros, enquanto outros
sustentavam a amarra. E todos gritando. E ao redor de nós rebentavam os
marouços...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Náufrago por dez dias<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Só na manhã seguinte os viajantes conseguiram
chegar em terra. Nas proximidades, destruído, estava o outro navio. Não tiveram
outra alternativa senão ficar, por cerca de dez dias, entre os índios,
alimentando-se de abóboras e de farinha.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Anchieta convivia com os índios pela primeira
vez. Encontrou as mangabas, que achou parecidas com as sorvas de Portugal; e as
pitangas, que lhe lembraram amoras. Foram dias duros, à espera de que com os
restos do navio destruído se reparasse o outro barco. E, com o naviozinho
remendado, seguiram para São Vicente, onde chegaram às vésperas do Natal. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgo3bhWJewv9KkUSmRbrVeTc2LhzL27P_Gdi8iplbq-1N5BKzwP9vPrkBDwnyL6boXhyphenhyphenuxX0VeB8R5Uh2QHUUHUWBI4q9lG2jSZrk6vCd5XSwUhgiBjVx_5sd7RXdQqlRcaDloMfFIbxTZj/s1600/Anchieta05aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgo3bhWJewv9KkUSmRbrVeTc2LhzL27P_Gdi8iplbq-1N5BKzwP9vPrkBDwnyL6boXhyphenhyphenuxX0VeB8R5Uh2QHUUHUWBI4q9lG2jSZrk6vCd5XSwUhgiBjVx_5sd7RXdQqlRcaDloMfFIbxTZj/s1600/Anchieta05aa.jpg" height="640" width="428" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>Na pequena escola jesuíta os indígenas agrupavam-se para aprender as orações</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A ação dos jesuítas se estendia de São Vicente
aos Campos de Piratininga, que o Padre Leonardo Nunes já visitara e onde
iniciara a catequese das principais tribos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Naquele mesmo ano de 1553, por não querer
a penetração no território e desejoso de concentrar suas atenções no litoral,
Tomé de Sousa manda reunir no planalto piratiningano os portugueses que já
começavam a afundar interior adentro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os projetos de Manuel
da Nóbrega<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nessa ocasião, como em outras, foi de
grande utilidade, tanto para o Governo quanto para os jesuítas, a ação de um
português chamado João Ramalho, possivelmente um náufrago, que morava no lugar
há muitos anos e era casado com a índia Bartira, filha do cacique Tibiriçá.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNakZdM437Ubug8LfSRjq-nUm9k9OpEkbHuX1D9luWgkMKJmgwYCi99B0KhJj4CjjX5dpuS0EvMFWuB2CRY8JbWTegN-nOOWPl5HVUd5BZtQa11CbM6uW0Bs5Qhml9p43k2cNidC7MGTUB/s1600/anchieta70a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNakZdM437Ubug8LfSRjq-nUm9k9OpEkbHuX1D9luWgkMKJmgwYCi99B0KhJj4CjjX5dpuS0EvMFWuB2CRY8JbWTegN-nOOWPl5HVUd5BZtQa11CbM6uW0Bs5Qhml9p43k2cNidC7MGTUB/s1600/anchieta70a.jpg" height="400" width="237" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>Com seus conhecimentos da região e dos costumes indígenas, João Ramalho ajudou muito os colonizadores</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com a ajuda de Ramalho, fundou-se Santo
André da Borda do Campo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entre os projetos do Padre Manuel da
Nóbrega, estava o de alcançar o Paraguai e catequizar os índios carijós. Para
lá chegar, precisava de uma base no planalto e por isso ordenou a construção de
um barracão para abrigo dos padres da Companhia. E, nos primeiros dias de 1554,
um grupo de religiosos, entre os quais Anchieta, sobe a serra do Mar rumo ao
planalto, onde vão se instalar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É nessa dura viagem a pé que o Irmão José
de Anchieta tem o seu primeiro contato com a floresta tropical. A trilha aberta
pelos tupis era tortuosa e Anchieta, que tão bem viria a conhecer a rudeza
desses caminhos, chegou a se espantar com as densas matas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nasce uma cidade<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O preparo do barracão do planalto, junto a
uma aldeia de índios, deu-se no dia 24 de janeiro. É o próprio Anchieta, em
carta, quem conta o que aconteceu:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- A 25 de janeiro do Ano do Senhor de 1554
celebramos em paupérrima e estreitíssima casinha a primeira missa, no dia da
conversão do Apóstolo São Paulo e, por isso, a ele dedicamos nossa casa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nascia a cidade de São Paulo. Seus fundadores,
sob a inspiração de Manuel da Nóbrega, haviam sido os treze jesuítas chegados
de São Vicente.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyCEX3OLBD_5Xzv35byqJwdkitlly5hreohZmem413NLxgOALoY9avfdFjziPy-qQ8VSbg1ctr9hX72XiCKHvRDW3okyfr-D4xdDdcUMSy8pRkyJB1YeG0WPxlP3St4OeEaeWwqIbzoqDP/s1600/anchieta60a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyCEX3OLBD_5Xzv35byqJwdkitlly5hreohZmem413NLxgOALoY9avfdFjziPy-qQ8VSbg1ctr9hX72XiCKHvRDW3okyfr-D4xdDdcUMSy8pRkyJB1YeG0WPxlP3St4OeEaeWwqIbzoqDP/s1600/anchieta60a.jpg" height="406" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>No princípio, o barracão é a única construção da cidade.<br />Ali se fazia de tudo, desde ensinar, até cozinhar.<br />De noite passavam frio, pois as camas eram redes e as cobertas escassas.</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O grupo fundador, chefiado pelo Padre
Manuel de Paiva, era formado, além de Anchieta, por Pêro Correia, Manuel de
Chaves, Gregório Serrão, Afonso Brás, Diogo Jácome, Leonardo do Vale, Gaspar
Lourenço, Vicente Rodrigues, Lourenço Brás, João Gonçalves e Antonio Blasquez.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7xVVYyfpNm7gGcDxXgLi7R_pPw1FUW0a8SJ6R3Vekv-TiaRshid_PsRxaQ9wT1YhJ_fX6LTq5tqagrJMAfgzQUQ3zCrXZKYIjKh3qYMIzVIWQDQ399AbadkTyUnQOvhPHfO1v8_xk804O/s1600/anchieta60b.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7xVVYyfpNm7gGcDxXgLi7R_pPw1FUW0a8SJ6R3Vekv-TiaRshid_PsRxaQ9wT1YhJ_fX6LTq5tqagrJMAfgzQUQ3zCrXZKYIjKh3qYMIzVIWQDQ399AbadkTyUnQOvhPHfO1v8_xk804O/s1600/anchieta60b.jpg" height="618" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>Só mais tarde, com o crescimento da cidade, é que surgiu a Igreja Matriz</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mal haviam instalado o barracão do colégio,
imediatamente passaram ao trabalho de catequese, como nos conta Anchieta:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- Nesta aldeia, 130 de todo sexo foram
chamados para o catequismo e 36 para o batismo, os quais são todos os dias
instruídos na doutrina, repetindo orações em português e na sua própria língua.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os primeiros tempos foram difíceis. O barracão
inicial servia de dormitório, enfermaria, escola, refeitório, cozinha e até
capela. Anchieta mesmo retrata a situação, após alguns meses:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- Este aperto era ajuda contra o frio que
na terra é grande, com muitas geadas. As camas são redes, que os índios
costuram; os cobertores, o fogo que os aquenta, para o qual os irmãos, acabada
a lição da tarde, vão, por lenha, ao mato e a trazem às costas para passar a
noite; o vestido é mui pobre, de algodão, sem calças, nem sapatos. Para a mesa
usavam algum tampo de folhas de banana em lugar de guardanapos; que bem se escusavam
toalhas, onde por vêzes falta o comer; o qual não tinham donde lhes viesse, se não
dos índios, que lhes dão alguma esmola de farinha e às vêzes algum peixinho de
rio e caça do mato. Fazem alpercatas de cardos bravos, que lhes servem de
sapatos; aprendem a sangradores, barbeiros e todos os mais modos e ofícios que podem
ser de préstimo a todos os próximos neste desterro do mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Uns moços bem atrevidos<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em redor do colégio dos padres foi-se
formando a nova povoação. Junto do primeiro barracão surgem outros, onde são
instaladas oficinas de carpintaria e sapataria, tudo de pau-a-pique e sapé.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por ser o mais adiantado nos estudos, Anchieta
desde logo foi designado para ensinar gramática latina aos seus companheiros e
aos meninos mais estudiosos do colégio. E o jovem irmão faz logo uma triagem
entre os alunos, separando-os em três turmas, de acordo com o que já sabiam. Inteiramente
entregue ao trabalho das suas três classes, lutando contra a falta de livros,
Anchieta passava horas inteiras copiando em cadernos o que queria ensinar aos
estudantes, dando-lhes por escrito as lições.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg58QoImM22-lW-YBwWQ1MP8fDbXr4hu3cJF16Bj0CeXeQXSJTPiD1yqq3ifTPZPuYwPevi4lraUnLaaWrhbxfhhx8fR_AUOqn-5VX7j-zt0WDlyIA1nZWjQbMKIfcZ98rHWXlt81bceqXM/s1600/anchieta90a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg58QoImM22-lW-YBwWQ1MP8fDbXr4hu3cJF16Bj0CeXeQXSJTPiD1yqq3ifTPZPuYwPevi4lraUnLaaWrhbxfhhx8fR_AUOqn-5VX7j-zt0WDlyIA1nZWjQbMKIfcZ98rHWXlt81bceqXM/s1600/anchieta90a.jpg" height="480" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>O fim da Confederação dos Tamoios, numa alegoria simbólica</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto isso, os índios iam aprendendo
catecismo e se alfabetizando. Pêro Correia, um dos integrantes do grupo, é quem
descreve:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- Temos agora um lugar de índios convertidos,
dez léguas pela terra adentro, onde temos igreja e estão sempre dois padres e
muitos irmãos. Todos os dias da semana têm doutrina duas vezes na igreja e no
mesmo lugar há escolas de meninos. Um irmão tem cuidado de ensiná-los a ler e a
escrever, e alguns deles a cantar; e quando algum é preguiçoso e não quer ir à
escola, o irmão que tem o encargo deles o manda buscar pelos outros, os quais o
trazem preso e o tomam às costas com muita alegria. Os seus pais e suas mães
folgam muito com isso; e são alguns destes moços tão vivos e tão bons e tão
atrevidos que quebram as talhas cheias de vinho (cauim) aos seus, para que não bebam.
Vai a coisa muito bem principiada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com tanto trabalho, as costas doentes, o
corpo franzino, Anchieta poderia ter desistido. Mas é ele mesmo quem revela a força
do seu ânimo:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- Até agora tenho estado em Piratininga.
Ocupo-me em ensinar gramática em três classes diferentes. E, às vezes, estando
eu dormindo, me vêm a despertar para fazer-me perguntas; e em tudo isto parece
que saro; e assim é, porque, em fazendo conta que não estava enfermo, comecei a
estar são; e podeis ver minha disposição pelas cartas que escrevo, as quais pareciam
impossíveis escrever em Coimbra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A nova aldeia faz
rápidos progressos<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Colégio de São Paulo ia crescendo, com
os jesuítas transformados em construtores e carpinteiros. Índios vinham do
sertão atraídos pela novidade; colonos portugueses foram-se integrando ao novo
núcleo. Logo se fechou o Colégio de São Vicente, cujos professores e alunos
foram transferidos para São Paulo, aumentando a população da vila que ia aos poucos
progredindo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ensinando às crianças índias os princípios
da fé cristã, Anchieta e seus companheiros sentiam que esse era o caminho da
conversão das tribos. Muito mais curiosas, vivas e interessadas que os adultos,
as crianças aprendiam tudo com grande facilidade e, além disso, por vezes ainda
eram capazes de levar os ensinamentos aos mais velhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As aulas de catecismo, leitura, escrita e
canto eram movimentadas. E a vida do colégio, intensa. As construções de
pau-a-pique aumentavam, já se formava a primeira rua, havia até uma nova igreja
de taipa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante esses anos, Anchieta aprendeu a
língua tupi, que usaria para o resto da vida. Mais tarde, seus conhecimentos
permitiriam que escrevesse a <i>Gramática da
Língua mais Falada na Costa do Brasil</i>, que viria a ser usada em todas as
missões jesuíticas do Brasil.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9_K0_eOBjDJNoJz2fh6ZHRcmmQAp0Xdt_kve_NRNJHeKHrK-nh_G-WdcIqqHw0SiZWtBvIfqynDEfKlvK4GTUPDsyOOgiMIaxI_suaMQx7jd3LhNLbmV42FVII0f4AcpTD1_eF4EIeOn0/s1600/anchieta90b.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9_K0_eOBjDJNoJz2fh6ZHRcmmQAp0Xdt_kve_NRNJHeKHrK-nh_G-WdcIqqHw0SiZWtBvIfqynDEfKlvK4GTUPDsyOOgiMIaxI_suaMQx7jd3LhNLbmV42FVII0f4AcpTD1_eF4EIeOn0/s1600/anchieta90b.jpg" height="544" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>Com as bençãos de Manuel da Nóbrega, Anchieta partiu de Bertioga com a esquadra de Estácio de Sá.<br />Depois de conseguir reforços com as tropas que iam combater os franceses, resolvera ele mesmo participar da expedição, na qual desempenhou papel importante.</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
O crescimento do Colégio de São Paulo
passou a exigir cada vez maiores contatos com o litoral, por onde vinham
mercadorias, víveres e notícias da Metrópole. Para facilitar a ligação do planalto
com São Vicente, jesuítas, índios e colonos melhoraram o caminho, alargando a
antiga trilha dos tupis. .</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na época das chuvas, caíam árvores e
barreiras, o caminho ficava intransitável e as aulas tinham que ser suspensas
para que professores e alunos fossem desobstruir a serra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A vida do planalto seguia neste ritmo, só
alterado devido à presença dos franceses no litoral brasileiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Uma ameaça nova: os
franceses<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1555, a baía da Guanabara se tornara um
reduto francês. Lá se instalara, com seus comandados, o Almirante Nicolau
Durand de Villegagnon, que conseguira uma aliança com os índios da região, os
tamoios, inimigos tradicionais dos tupiniquins. As rotas portuguesas pelo
litoral ficam sob constante ameaça e, durante cinco anos, nada se fez contra os
franceses.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E Mem de Sá, terceiro governador-geral do
Brasil, quem, em 1560, se dispõe a combater o inimigo. E, ao lado das primeiras
tentativas para desalojar o invasor, intima a população da vila de Santo André
a se unir ao aldeamento de São Paulo, elevado então à condição de vila. É uma
tentativa de reforçar a defesa do planalto diante das ameaças dos tamoios, estimulados
pelos franceses.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não fora difícil aos franceses conquistar
os tamoios, homens altivos que há tempos lutavam contra portugueses que
pretendiam escravizá-los. E no começo da década de 60, estremecia o planalto
diante das ameaças dos tamoios, quando algumas tribos tupiniquins, dos
arredores de São Paulo, unem-se a eles.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyMibeIi9wZeLoUf5MmOOd-vbYki7W4WMoISyb29PCiAspRnOmBxMjw69-5eJ34YqRNnLQ59_1uy3npDq39YulYUQVv364_SuEX6Jg0kIhY6KucY_KyKdIZFGCk-n_YtFpyTq61twxbMS8/s1600/Anchieta06aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyMibeIi9wZeLoUf5MmOOd-vbYki7W4WMoISyb29PCiAspRnOmBxMjw69-5eJ34YqRNnLQ59_1uy3npDq39YulYUQVv364_SuEX6Jg0kIhY6KucY_KyKdIZFGCk-n_YtFpyTq61twxbMS8/s1600/Anchieta06aa.jpg" height="410" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>(Entrada de Villegaignon no Rio de Janeiro - Litografia de Chavane - Museu Histórico Nacional, GB)<br />Os aventureiros franceses, estimulados em sua pátria, vieram para a Guanabara fundar a França Antártica.</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As
coisas ficaram difíceis a ponto de obrigar até a transferência dos jesuítas e
seu colégio para São Vicente. São Paulo já era uma região cobiçada, onde se
assentavam muitas hortas, pomares, lavouras de mandioca, milho, trigo e alguma
cana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 3 de julho de 1562, um antigo aluno do
colégio chega às carreiras para contar que a vila ia ser atacada. Dado o
alarma, João Ramalho, nomeado capitão pelo conselho da vila, assume o comando;
ajudado por Tibiriçá, seu sogro e cacique tupiniquim, fica com toda a responsabilidade
de defesa da vila e do colégio. Tribos das vizinhanças foram chamadas para ajudar,
assim como muitos colonos do litoral. Com reforços de Santos e São Vicente,
acorreu outro pioneiro, Brás Cubas. A defesa estava preparada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O ataque veio na manhã de 10 de julho.
Milhares de inimigos, todos pintados e enfeitados de penas, fazendo uma
barulheira infernal. As lutas foram terríveis, com mortos e feridos de ambos os
lados. Mas os atacantes não conseguiram tomar a vila e se retiraram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mesmo assim resolveu-se construir fossos e
muros e manter vigilância permanente para evitar ataques de surpresa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por todo o fim de 1562, e começo de 1563,
os colonos revidam. Há muitas notícias de ataques a tabas e de perseguições aos
indígenas. A esta altura, os franceses, que em 1560 haviam sido derrotados
pelas dez naus comandadas por Mem de Sá, reassumem suas posições na baía da Guanabara,
animados com o regresso do governador-geral à Bahia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A presença dos franceses, aliada aos
saques que colonos faziam às aldeias dos índios, acabou por estimular uma aliança
entre as tribos de Bertioga a Cabo Frio, que reunia também tribos do interior e
do vale do Paraíba: era a Confederação dos Tamoios. As investidas dos
confederados se multiplicam. É quando intervém a experiência do Padre Manuel da
Nóbrega, que desde 1561 se encontrava em São Vicente, vindo da Bahia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nóbrega, inimigo da escravização do índio,
sente desde logo que há razões de justiça ao lado da confederação das tribos. E
que só uma missão de paz poderá aplacá-la. Decide, pois, ir em pessoa tentar a
paz. Para a missão, convida Anchieta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Missão de paz junto aos
tamoios<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os dois pacificadores partem de São
Vicente em 21 de abril de 1563, no navio de José Adorno, um genovês, que morava
na vila. E rumam para Iperoig. Ao se aproximarem de seu destino, Nóbrega e
Anchieta são cercados pelos tamoios, que se mostram hostis. Mas Anchieta, no mais
puro tupi, os saúda com promessas de paz e de amizade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As palavras de Anchieta convencem os índios.
E eles os acompanham até a praia, onde Caoquira, um chefe tamoio, os hospeda em
sua própria casa. O navio regressa a São Vicente, mas o genovês Adorno fica com
os dois jesuítas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Imediatamente se iniciaram as conversações
de paz, com Anchieta servindo de intérprete, pois Nóbrega não falava a língua
dos índios. Antes de mais nada, Caoquira, como porta-voz de seu povo, enumerou todas
as queixas da sua tribo contra os portugueses. Contou e tornou a contar, durante
dias e dias, todos os feitos dos bravos guerreiros tamoios. Glorificou os antepassados,
enalteceu os companheiros vivos.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhd0dQbYmeuSmngUzsnieWjs6eyuxhLm41aTBi1SHGS4w-6ZRSgcJT5gOwGCEIwgD_YN8WsKQqcHNjzJ5WUvWVKEFBBtGZh7Zn0DUfbY3Nte7nht7zCq6nrA-fIh15sAQ0-hXfdwG5mgeP1/s1600/Anchieta08aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhd0dQbYmeuSmngUzsnieWjs6eyuxhLm41aTBi1SHGS4w-6ZRSgcJT5gOwGCEIwgD_YN8WsKQqcHNjzJ5WUvWVKEFBBtGZh7Zn0DUfbY3Nte7nht7zCq6nrA-fIh15sAQ0-hXfdwG5mgeP1/s1600/Anchieta08aa.jpg" height="640" width="478" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>No Rio, ele se transforma em enfermeiro para socorrer os que caíam em combates</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo isso, o rosário de queixas e a
apologia dos companheiros vivos e mortos, fazia parte dos costumes indígenas. A
Nóbrega e Anchieta cabia apenas escutar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ao mesmo tempo, Caoquira mandara
emissários chamarem todos os chefes confederados para um encontro com os
jesuítas. Enquanto ouvem e esperam, os dois jesuítas missionários conseguem
sensibilizar os índios que os hospedam. Armam até uma capela. Ali, ajudado por
Anchieta e todo paramentado, Nóbrega celebra missa todos os dias. Os índios se
encantam com a beleza da cerimônia. Após cada missa, Anchieta explica em tupi a
doutrina da Igreja. E com muito barulho anda em volta dos índios, bate o pé,
gesticula e faz pausas nos momentos mais dramáticos de suas falas. Cunhambebe e
Pindobuçu, dois caciques, já haviam chegado. E com suas tribos inteiras também
vinham para a missa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Logo Anchieta começa a ensinar às crianças
os hinos religiosos que compusera em tupi. A cantoria faz a criançada muito
feliz e atrai os adultos, que vão ouvir os missionários.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando melhor iam as coisas, surge
perigosa ameaça na pessoa do cacique Aimberê, que logo ao chegar convoca um
conselho de caciques, do qual os missionários não tiveram possibilidade de
participar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No conselho, Aimberê criticou seus aliados
por terem acolhido os jesuítas. Acreditava ser impossível um acordo com os colonos,
e queria evitar que se caísse naquilo que lhe parecia mais um engano. Matar
Nóbrega e Anchieta e partir para o massacre final dos portugueses era a sua
solução. No entanto, outros caciques tinham uma posição mais moderada e,
afinal, em nome de todos, Aimberê leva a Nóbrega e Anchieta uma proposta: só
aceitariam as conversações de paz se os portugueses lhes entregassem os três caciques
de São Vicente que, por serem inimigos dos tamoios, deveriam ser sacrificados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O mais calmamente possível, Anchieta tenta
mostrar a inviabilidade da proposta. E a situação se agrava. Aimberê não cede.
Nem os jesuítas. É quando Pindobuçu, mais velho e ponderado que Aimberê,
intervém, conciliador. Mas nada vai conseguir. Nóbrega procura ganhar tempo:
propõe que se consulte as autoridades de São Vicente. O próprio Aimberê se
oferece como emissário. E segue viagem, com José Adorno, levando carta em que
Nóbrega recomenda duas coisas às autoridades: que o tratamento dado a Aimberê fosse
o melhor possível e que a proposta de entregar os índios amigos, naturalmente,
não deveria merecer cogitação.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEe0_yQpqQzH-kCJcmGENGyCXzuxt6lq2JTW424TfNTqrnB6Z-KvTHUFpon3KNntSn2owjGB10glhBqwri1hDVnUC_7fWDwovFlORjj1QzAjNOMOTlWbeInl4vBDe5e-9xxWbB-gvbIHof/s1600/anchieta80b.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEe0_yQpqQzH-kCJcmGENGyCXzuxt6lq2JTW424TfNTqrnB6Z-KvTHUFpon3KNntSn2owjGB10glhBqwri1hDVnUC_7fWDwovFlORjj1QzAjNOMOTlWbeInl4vBDe5e-9xxWbB-gvbIHof/s1600/anchieta80b.jpg" height="432" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>(Anchieta e Nóbrega na cabana de Pindobuçu - Croqui e Benedito Calixto, coleção de João Calixto)<br />Catequizar não era a única atividade dos padres.<br />Quando os tamoios ameaçaram guerra, Anchieta e Nóbrega, transformados em emissários de paz, arriscaram suas vidas na aldeia indígena.</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aimberê e sua comitiva são recebidos em
São Vicente com todas as honras. E seguem-se conversações por semanas a fio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto Aimberê negociava em São Vicente,
Nóbrega e Anchieta continuavam em Iperoig, onde os índios se dividiam em pró e
contra a paz. Certo dia, estando os dois na praia, aproximam-se algumas canoas
com índios comandados pelo cacique Paranapuçu. Traziam a intenção de matar os
religiosos e com gritos irados anunciam seu objetivo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nóbrega e Anchieta, sem outra defesa,
apelam para as pernas. E correm o quanto podem até um riacho próximo. Nóbrega,
bem mais velho, não aguenta a carreira. E Anchieta tem que ajudá-lo. No meio do
riozinho, um tombo desastrado dá um banho no provincial. Anchieta auxilia-o,
carrega-o nas costas e, com os perseguidores nos calcanhares, vão se refugiar na
casa de Pindobuçu. Mas o amigo Pindobuçu não está, os índios já vêm chegando
com a sua ameaça. Nóbrega e Anchieta se põem de joelhos e começam a rezar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chegados à cabana de Pindobuçu, os índios
deparam com os dois jesuítas abraçados, rezando em voz alta. E se espantam.
Hesitam. Anchieta aproveita-se do momento e toma a iniciativa. Começa a pregar
em tupi, aos gritos, até que os assaltantes, entre intimidados e surpresos pela
cena que não compreendem, deixam as armas e não querem mais matar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como nada se resolvesse em São Vicente nas
intermináveis conversações com Aimberê, Nóbrega decide voltar sozinho, deixando
Anchieta em lperoig, pois o retorno de ambos acabaria de vez com as conversações
e esperanças de paz.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sem a companhia de Nóbrega, Anchieta passa
a enfrentar solitário os problemas da convivência com os índios, cercado de
zombarias ao recusar as moças que lhe ofereciam como prova de amizade. A queixa
é sua:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- Estou tão mal acompanhado, entre tantas
ocasiões de pecado e morte, cercado de bárbaros, nos quais a natureza não
conhecia pejo e a honestidade não era conhecida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Volta e meia surgiam perigos, como este:
um cacique o ameaçou de morte, culpando-o pela ausência de caça nas armadilhas;
Anchieta mandou, então, que voltasse a examinar as armadilhas e o cacique e
seus índios as encontraram carregadas de caça. Um dia, há um perigo mais grave,
com a chegada de um mensageiro que traz a notícia do assassínio, em São Vicente,
de um dos integrantes da comitiva de Aimberê. Irados, os índios chegam a
decidir a morte de Anchieta, quando, providencialmente, surge das matas, mais
vivo que nunca, o tal índio sumido. O suposto assassinado havia apenas fugido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois disso, Cunhambebe resolve que o
missionário deveria voltar a São Vicente para evitar futuras discórdias. É o
próprio cacique quem o conduz de regresso. Em São Vicente são recebidos com
grandes festas. Na sua longa missão de sete meses entre os índios, os jesuítas
tinham conseguido restaurar a paz, pelo menos com as tribos cujos chefes foram
a lperoig, para onde voltam Cunhambebe e Aimberê.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiSO1Iiue1fTS9wpOq5lCg3SJBfFukaCkAUXuTSWckc4ZKQBSpJvkIDD24bQ5JeeXjPi5MNHlj4DVg5a8cMJit2hD4byM8VitDdoqqPNtE32FqFuj1dm_1RcHBYc5eC-M_gMqkAuepAAvv/s1600/anchieta80a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiSO1Iiue1fTS9wpOq5lCg3SJBfFukaCkAUXuTSWckc4ZKQBSpJvkIDD24bQ5JeeXjPi5MNHlj4DVg5a8cMJit2hD4byM8VitDdoqqPNtE32FqFuj1dm_1RcHBYc5eC-M_gMqkAuepAAvv/s1600/anchieta80a.jpg" height="336" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>("Anchieta escrevendo na praia" - Óleo de Benedito Calixto)<br />Enquanto estava como refém entre os índios, Anchieta escrevia na areia seus versos dedicados à Virgem.</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi nas longas semanas de lperoig, nas intermináveis
horas passadas na praia, que Anchieta, com seu bordão, escreveu na areia o poema
<i>De Beata Virgine Dei Matre Maria</i> (Da
Virgem Santa Maria Mãe de Deus). Logo que se recolheu ao Colégio de São
Vicente, Anchieta tratou de passá-lo para o papel: eram, ao todo, 4172 versos
em latim, rabiscados na praia e decorados um a um.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Guerra do Rio de
Janeiro<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A paz com os tamoios, porém, não foi
durável. O poder de persuasão dos jesuítas não podia atingir senão as tribos
mais próximas. A Confederação dos Tamoios voltou a se reagrupar e houve novas
escaramuças, até que no ano seguinte, 1564, uma esquadra comandada por Estácio
de Sá, sobrinho do Governador-Geral Mem de Sá, chega a Santos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Estácio, dias antes, tentara desembarcar
na baía da Guanabara e fora duramente repelido pelos tamoios. Tão numerosos e
decididos eram os índios que Estácio não pudera enfrentar e desistira de
aportar no Rio. Na capitania de São Vicente desejava obter reforços.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nóbrega e Anchieta, influentes em toda a
região, conseguem recrutar muita gente para reforçar a armada de Estácio. Em 20
de janeiro de 1565, a esquadra de Estácio parte para o Rio, onde chega no começo
de março. E com ela, no comando de nove canoas de índios e de mamelucos, lá
estavam o Irmão José de Anchieta e o Padre Gonçalo de Oliveira, aos quais se
uniram mais índios vindos do Espírito Santo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Junto ao Pão de Açúcar, ergueram fortificações
e fizeram fossos. Gritos, rufar de tambores e cânticos de guerra prenunciam a
batalha. O mar em redor se cobre de tamoios que, encorajados pelos franceses,
vêm para o ataque. A 6 de março ocorre a primeira batalha: a vitória é dos
tamoios e dos franceses. Dias depois, nova luta: dessa vez a vitória é dos
portugueses. Anchieta, a esta altura, é enfermeiro de campanha. Em terra e no
mar os combates vão se desenrolando por dias, semanas e meses.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi52iSdZ2v61CSWkm0lsq0wP2iuXcL2Zaw0YaZPiDFv4O-JvUumu1_438i3J7yyJwyStucQymu57z96WYg03v7XQmUDL3KBq57-PyBuZoSxunY3BtFAqg6irD7cH6zPosmxh9Wwm_9gB2Ct/s1600/Anchieta09aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi52iSdZ2v61CSWkm0lsq0wP2iuXcL2Zaw0YaZPiDFv4O-JvUumu1_438i3J7yyJwyStucQymu57z96WYg03v7XQmUDL3KBq57-PyBuZoSxunY3BtFAqg6irD7cH6zPosmxh9Wwm_9gB2Ct/s1600/Anchieta09aa.jpg" height="640" width="430" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>Três mil índios, em cortejo, carregam o corpo de Anchieta de Reritiba a Vitória</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Já no início de 1566, o Irmão José de Anchieta
parte para Salvador com a missão de levar a Mem de Sá um relato da situação.
Para o religioso, entretanto, a viagem encerra um significado ainda maior.
Anchieta vai aproveitar a oportunidade para se ordenar sacerdote. Após longos
preparativos e depois de um retiro, é ordenado em agosto, por Dom Pedro Leitão,
bispo de todo o Brasil, seu antigo colega de estudos em Coimbra. E é ali, na
Bahia, aos trinta anos de idade, que Anchieta reza a sua primeira missa, ele
que na sua humildade a si se referia como o “pobre e inútil José”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Três meses depois, o Padre José de Anchieta
está incorporado à esquadra preparada por Mem de Sá para auxiliar seu sobrinho
Estácio na conquista definitiva do Rio. Todas as forças e recursos estão
mobilizados. Seguem, também, com a esquadra que se desloca para o sul, o Bispo
Dom Pedro Leitão e o novo provincial dos jesuítas, Luís da Grã.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chegam ao Rio em 18 de janeiro de 1567.
Estácio e suas tropas recobram o ânimo com a vinda de Mem de Sá. Os combates se
acirram até a vitória portuguesa, com os tamoios subjugados e os franceses
expulsos. Para garantir a posse da terra, Mem de Sá estimula a implantação de
um núcleo de povoamento bem fortificado: é São Sebastião do Rio de Janeiro que
vai nascendo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nóbrega e Anchieta decidem voltar a São
Vicente. Querem transferir o colégio para o Rio. As casas de Piratininga, São
Vicente, Santos e Vitória permanecem sob jurisdição administrativa e
eclesiástica de Nóbrega. No Rio, para onde vão – Nóbrega como reitor do colégio
e Anchieta como auxiliar -, são recebidos em meados de 1567 por Mem de Sá, que
ainda lá se encontrava, supervisionando a construção da cidade no morro do
Castelo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O governador logo indicou gente para
auxiliar na construção do colégio. Finalmente instalados, todo o trabalho
administrativo ficou com Anchieta, que ainda encontrava tempo para se dedicar à
catequese em São Lourenço, a atual Niterói.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Um homem que não para<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1570, com a doença e morte do Padre
Manuel da Nóbrega, Anchieta assume o cargo de reitor do colégio do Rio, onde
permanece até 1573, quando é substituído pelo Padre Lourenço Brás. Nessa
ocasião segue para a Bahia, em companhia do Padre Vicente Rodrigues.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante a viagem, no Espírito Santo, junto
à foz do rio Doce, um naufrágio os lança na praia. Os dois padres seguem então
a pé para Vitória, onde chegam após 15 dias de marcha forçada. Em Vitória,
erguem a igreja de São Tiago. Dali, após meses, partem para a Bahia, de onde Anchieta
retorna ao Rio e reassume a reitoria do colégio, voltando assim ao seu trabalho
predileto: catequese e aulas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1574, sempre inquieto, vai à capitania
de São Vicente e inicia a catequese dos tapuias, ajudado por um índio que no
passado salvara da morte. Junto com o Padre Manuel Viegas, Anchieta consegue
estabelecer uma reunião de aldeamentos tapuias no lugar onde hoje está Guarulhos,
perto de São Paulo e entrega-se ao trabalho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Três anos depois, em 1577, outro provincial,
Inácio Tolosa, pede a Anchieta que o acompanhe até a Bahia. Tolosa queria
nomeá-lo reitor do colégio da Bahia. Mas, uma carta vinda de Roma, assinada
pelo padre-geral da Companhia, tem outro e mais importante desígnio: Anchieta é
nomeado provincial do Brasil, em substituição ao próprio Inácio Tolosa. É o
mais alto cargo da Companhia de Jesus na Colônia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com 43 anos de idade, dos quais 24 passados
como religioso no Brasil, o Padre José de Anchieta assume o importante cargo.
Agora é obrigado a visitar todas as casas jesuíticas do Brasil, missão que
cumpre com alegria. Mesmo como provincial, continuou a fazer suas viagens a pé
e descalço, despreocupado com a aparência e sem aceitar que o carregassem, como
era costume na época.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_bmNHtTXxmZna1cgRwZWXwYwjb43HEcujTVRAiKEKLrO-cCaWOOwXVdClB3LQD9f5bkrhe3_ANpksOj7e_qS-dIApVTTZ8Wp-rvubeBv_CZGaPFsgSP3v5IqcSdFGWx2cqAiT2D-H__sL/s1600/anchieta100b.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_bmNHtTXxmZna1cgRwZWXwYwjb43HEcujTVRAiKEKLrO-cCaWOOwXVdClB3LQD9f5bkrhe3_ANpksOj7e_qS-dIApVTTZ8Wp-rvubeBv_CZGaPFsgSP3v5IqcSdFGWx2cqAiT2D-H__sL/s1600/anchieta100b.jpg" height="514" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>("Anchieta e as feras" - Óleo de Benedito Calixto - Seminário da Glória, SP)<br />A terra era selvagem, a mata espessa, o índio hostil, as feras atacavam de surpresa.<br />A alegoria representa como os jesuítas, empunhando uma cruz, pacificaram a terra.</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi ao colégio de Olinda, em Pernambuco,
de onde volta à Bahia, seguindo mais tarde para o Espírito Santo em visita a
Reritiba. Depois, toma o caminho do Rio; a seguir Santos, São Vicente, Itanhaém
e São Paulo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em São Paulo, entusiasma-se com o que vê:
ao redor do primitivo barracão que conhecera há 25 anos, floresce a vila, com o
colégio já instalado num grande casarão e muitas casas espalhadas em ruas bem
traçadas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante dez anos Anchieta não fez outra
coisa senão viajar num tempo de maus e vagarosos navios e de difíceis
caminhadas a pé. A doença que o acompanha desde a mocidade se agrava e, em
1584, doente e cansado, escreve ao padre-geral em Roma:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
- Como a minha doença começou há muitos
anos e agora, com a idade e os trabalhos, apertou mais, existe pouca esperança
de saúde; e assim espero que o padre visitador me tirará o cargo da Província,
se a morte não tiver cuidado de o fazer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Só três anos depois, entretanto, é que
consegue substituto. Seu sucessor, Marçal de Beliarte, querendo lhe dar maior conforto,
pretende transferi-lo para o Rio. Mas Anchieta prefere suas aldeias de índios,
prefere continuar seu trabalho humilde de catequese e vai para Reritiba, no
Espírito Santo.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3h5kKI0HYe0OE5qYbO_SaXATTmkw575WPUxUkTFA3buP5F63YVzldlu1j3LgPaRkiWpuognrYS2oTJADX33ucGi9tSf8FmdDaoQ5ErCkuqnDxNdKCiYc84-6GKYJw3Xok_DJuISqUFqn6/s1600/anchieta100a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3h5kKI0HYe0OE5qYbO_SaXATTmkw575WPUxUkTFA3buP5F63YVzldlu1j3LgPaRkiWpuognrYS2oTJADX33ucGi9tSf8FmdDaoQ5ErCkuqnDxNdKCiYc84-6GKYJw3Xok_DJuISqUFqn6/s1600/anchieta100a.jpg" height="640" width="518" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>Em Reritiba, aldeia que fundara, Anchieta passa seus últimos anos.<br />Fraco e doente, ele que percorrera quase todo o Brasil, agora movimenta-se com dificuldade.</i></span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No final de 1591 é chamado mais uma vez à
Bahia, para opinar sobre questões da Companhia. De lá, volta a Reritiba e, dois
anos depois, é nomeado superior do colégio da vila de Vitória e das quatro
aldeias de catequese a ele subordinadas. Só em 1595 consegue dispensa de suas
tarefas e retorna a Reritiba. Está enfraquecido e doente e, pela primeira vez permite
que o carreguem numa rede. Mas ainda uma vez se recupera, chega a voltar ao
cargo de superior de Vitória. Em 1597 está de novo em Reritiba quando, no mês
de junho, seu estado se agrava. No dia 9 pede a extrema-unção. Pesa sobre a
aldeia de Reritiba a dor de perder o amigo, que morre nesse mesmo dia, com 63 anos
de idade e 44 anos de serviços prestados ao Brasil. A dor de Reritiba espalha-se
por toda a colônia. Mais de 3 mil índios acompanharam o enterro de Anchieta
pelos 90 quilômetros que separavam Reritiba de Vitória. O longo cortejo crescia
a cada passo. Todos choravam a morte de um homem que só tivera uma ambição na
vida: a cristianização do Brasil.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVgupOdvPp8wy_NRKuFa9kZOeIfZDD5VOXBpAVvbCRPp6daFUcuZoTxsOTOagH4o2H5k22poeFh_5JeGMDCoX0s-5TM3Qv3U-5KY2r7na3S2-QqBec9RSEFzW72x8pPW0Z8KmSh2YgXB2k/s1600/Anchieta10aa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVgupOdvPp8wy_NRKuFa9kZOeIfZDD5VOXBpAVvbCRPp6daFUcuZoTxsOTOagH4o2H5k22poeFh_5JeGMDCoX0s-5TM3Qv3U-5KY2r7na3S2-QqBec9RSEFzW72x8pPW0Z8KmSh2YgXB2k/s1600/Anchieta10aa.jpg" height="416" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>("Glorificação de Anchieta" - de Lucílio de Albuquerque - Museu da Cidade, GB)<br />Aos sessenta e três anos de idade, cessa toda a luta de uma vida e sobre o Apóstolo do Brasil baixa a paz eterna<br /><br /><br /></i></span></td></tr>
</tbody></table>
JOSÉ DE ANCHIETA é parte integrante da coleção de fascículos encadernáveis GRANDES PERSONAGENS DA NOSSA HISTÓRIA - Volume I, da Abril Cultural.<br />
Copyright mundial, 1969, Abril Cultural Ltda<br />
Caixa Postal 2372 - São Paulo<br />
Editor Victor Civita<br />
<br />
Texto elaborado à base da monografia original de LAIMA MESGRAVIS<br />
Instrutor-assistente da Cadeira de História da Civilização Brasileira.<br />
Universidade de São Paulo</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-67435667056280465962014-11-16T00:31:00.000-03:002014-11-16T00:31:19.395-03:00LIBERTAÇÃO DA AMÉRICA LATINA<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjvLfVITcojhqcZyb7ceyuRR6YNZMgB3RfWC5qM-2IHs47m7zQWiwpR5MLMnbZtUCOJ1sLn4iORstwbJw5wIlz46nFB93eGMXeDOrA8dw_4WzcbNxtbylTHdn7T0YjiOShqiJROaJRP7DMl/s1600/america01fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjvLfVITcojhqcZyb7ceyuRR6YNZMgB3RfWC5qM-2IHs47m7zQWiwpR5MLMnbZtUCOJ1sLn4iORstwbJw5wIlz46nFB93eGMXeDOrA8dw_4WzcbNxtbylTHdn7T0YjiOShqiJROaJRP7DMl/s1600/america01fig1.jpg" height="640" width="478" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Sob a bandeira do Chile recém-independente, um casal dança em frente a um botequim dos Andes nesta ilustração de <i>Viagens pelo Chile</i>, que Peter Schmidtmeyer publicou em 1924. Ex-colônia da Espanha e país predominantemente rural, o Chile foi apenas um dos muitos estados das Américas do Sul e Central a conquistar a independência na primeira metade do século XIX. A sangrenta batalha pela liberdade nem sempre produziu a felicidade que estas figuras podem sugerir; para a maior parte da América Latina, o preço da liberdade foi a divisão e a ditadura.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No verão de 1805, um jovem aristocrata
venezuelano, em viagem de turismo pela Itália com seu tutor, subiu ao Monte
Sacro e contemplou, pensativo, os monumentos antigos de Roma. Naquele morro,
relembrou ele, mais de dois mil anos antes, plebeus oprimidos tinham se reunido
pela primeira vez em sua luta vitoriosa para arrancar igualdade política e
justiça econômica de uma minoria de patrícios arrogantes. Tomado pela emoção,
ele ajoelhou-se e, segurando as mãos do tutor, jurou libertar seu próprio país
da opressão do domínio espanhol. Simón Bolívar devotou o resto de sua vida a
cumprir esse juramento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Vinte anos depois, em outubro de 1825, ele
escalou as encostas tremendas do monte Potosí e sobre seu pico desolado
desfraldou as bandeiras de Colômbia, Peru, Chile e Argentina. Não mais um
aspirante a rebelde, ele era o general Bolívar, cidadão mais famoso da América
do Sul, conhecido em todo o continente como o Libertador. Presidente da
Colômbia e ditador do Peru, inspecionava agora as montanhas da Bolívia, país batizado
em sua honra. Seu sonho se realizara. A Espanha perdera finalmente o controle
do continente sul-americano. O regime colonial dera lugar a repúblicas
independentes cujas constituições prometiam liberdade e prosperidade. “Em
quinze anos de luta terrível e contínua”, anunciou Bolívar para seus auxiliares
reunidos no alto do Potosí, ”destruímos o edifício que a tirania ergueu durante
três séculos de usurpação e violência ininterrupta”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os cinco anos seguintes iriam trair os
ideais e sacrifícios das campanhas de Bolívar. Uma a uma, as novas repúblicas
da América Latina cairiam na desunião e violência, enquanto os novos déspotas
do Novo Mundo tomariam o lugar do jugo imperial da Espanha. Desiludido e
desacreditado, Bolívar foi obrigado a assistir à queda do edifício que erguera
com tanto ardor. “Mudar um mundo está além dos poderes de um pobre homem”,
admitiu finalmente. Mas nunca perdeu a dimensão de suas próprias realizações.
“Meu nome já pertence à história e lá eu terei justiça”, escreveu desafiador, pouco
antes de morrer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na época do nascimento de Simón Bolívar,
em 1783, o imenso império americano da Espanha tinha mais de 250 anos de
existência. Desde que as sociedades indígenas foram destruídas pelos
conquistadores no início do século XVI, os espanhóis tinham tomado conta de boa
parte da América do Sul. Somente o Brasil, colônia de Portugal, estava fora da
jurisdição da Espanha.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Distante quatro semanas de viagem da
metrópole, esse vasto território era governado em nome do monarca espanhol por
quatro vice-reis que, por sua vez, delegavam a administração regional a uma
série de capitães-gerais, governadores e funcionários menores. No sudeste,
ficava o vice-reinado do Rio da Prata, compreendendo os atuais Argentina,
Paraguai, Uruguai e Bolívia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOdWA0dzH5MB37b7OTS_4M1XX7mBFKqYGOnsrAXldCFTGSwXiPSHXFNLRupMv-l_Dnb7QKdCEEJWUkjV4jBJY8u5fSEqgU1w-ncdJfgZQMDnzXOFZlg5TXLaaGmD7FMD4wDiDCXSvSDERl/s1600/america02fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOdWA0dzH5MB37b7OTS_4M1XX7mBFKqYGOnsrAXldCFTGSwXiPSHXFNLRupMv-l_Dnb7QKdCEEJWUkjV4jBJY8u5fSEqgU1w-ncdJfgZQMDnzXOFZlg5TXLaaGmD7FMD4wDiDCXSvSDERl/s1600/america02fig1.jpg" height="640" width="536" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Em 1808, quase toda a América do Sul e Central, com exceção do Brasil e de alguns pequenos territórios pertencentes a França, Holanda e Inglaterra, era governada pelo rei da Espanha através de um sistema de vice-reinados (mapa menor). Porém, as guerras napoleônicas desestabilizaram os países ibéricos, dando às suas colônias a chance de conquistar a liberdade; em 1825, Espanha e Portugal já não mais controlavam território algum no continente americano. Durante algum tempo, fizeram-se tentativas de unir os novos estados independentes; o herói revolucionário Simón Bolívar reuniu Venezuela, Equador e Nova Granada sob sua liderança. Em 1850, no entanto, nada mais restava desses esforços. Como mostra o mapa principal, a América Latina estava dividida em países separados que mantiveram, em grande parte, as mesmas fronteiras até hoje.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O vice-reinado do Peru, do lado do
Pacífico, incluía o moderno Peru e a maior parte do Chile de hoje, territórios
separados e já virtualmente independentes um do outro. A Nova Granada ocupava o
norte do continente, abrangendo Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá. Mais ao
norte, o vice-reinado de Nova Espanha compreendia a América Central, México e
quase todo o oeste dos Estados Unidos. No Caribe, Cuba, Porto Rico e Santo
Domingo - atual República Dominicana - completavam as possessões americanas da
Espanha.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desde o início, a metrópole considerara
seu império do Novo Mundo como uma fonte de renda e de matérias-primas. Os
metais preciosos, que tinham originalmente atraído os conquistadores,
continuavam a enriquecer a corte espanhola. Em 1800, noventa por cento da prata
do mundo vinha das minas do México e da região do Alto Peru - hoje Bolívia. Mas
a agricultura constituía a maior parte das exportações da América espanhola.
Enormes propriedades, ou <i>haciendas</i> da
Nova Granada plantavam café, tabaco e cacau, pelos quais a Europa desenvolvera
um apetite insaciável; o açúcar das plantações do Caribe abastecia o paladar
cada vez mais adocicado do Velho Mundo; nas vastas pastagens da Argentina e
Venezuela, rebanhos de gado selvagem eram uma fonte lucrativa de couros para
exportação.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A América espanhola não era estimulada a
lucrar ela mesma com nenhuma dessas matérias-primas. Com efeito, só tinha
permissão para comerciar com a Espanha e, na Espanha, só com o porto de Cádiz.
A política da metrópole era manter suas colônias em estado de perpétua
dependência econômica, mercados cativos para suas indústrias manufatureiras.
Quando os comerciantes de Cádiz reclamaram que as vendas de vinho espanhol
estavam caindo nas colônias do norte, por exemplo, os vinhedos de Nova Granada
foram arrancados para evitar que vinhos baratos locais tomassem o lugar do
produto importado, mais caro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Acontece que a Espanha precisava desesperadamente
da receita do Novo Mundo. Ela só conseguia manter sua posição entre as potências
europeias graças ao fluxo constante de metais preciosos e matérias-primas de
suas colônias. Com os Bourbon, que ascenderam ao trono espanhol em 1700, foram
feitos esforços para aumentar a renda mediante o aperto do controle sobre as
possessões. Novas leis subiram o imposto sobre consumo e reforçaram os
monopólios estatais de produtos como tabaco, bebidas e sal. Os poderes dos <i>cabildos</i>, conselhos municipais que constituíam
a única forma de representação permitida aos cidadãos das colônias, foram restringidos
e funcionários assalariados chegaram da Espanha para supervisionar os governos
provinciais. Quando as milícias locais deram sinais de que talvez se rebelassem,
designaram-se oficiais espanhóis para preencher os postos mais altos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto aumentava o controle sobre a
burocracia colonial, o regime dos Bourbon liberalizava a economia. Durante a
segunda metade do século XVIII, diminuíram as tarifas sobre importações e
exportações e aboliram-se antigas restrições comerciais. Embora ainda
estivessem proibidos de negociar diretamente com países estrangeiros, os
mercadores da colônia ganharam o direito de comerciar com qualquer porto
espanhol, bem como com outras colônias espanholas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Porém, as reformas chegaram tarde demais.
Essas tentativas de modernização e centralização apenas estimularam uma
exigência crescente de independência. Até mesmo a nova liberdade de comércio
foi pouca para satisfazer as colônias. Para alguns comerciantes
latino-americanos, as reformas não tinham avançado o bastante; outros
arruinaram-se com a entrada de artigos importados baratos. Tributos pesados e
burocratas espanhóis intrometidos ofendiam a quase todos. O ressentimento em relação
ao domínio europeu crescia e aumentavam paulatinamente as tensões sociais e
raciais que caracterizavam a América do Sul desde a conquista. Já estavam liberadas
as forças que mergulhariam a região na rebelião e na guerra civil.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Agudamente polarizada entre espanhóis e
americanos, entre raças e culturas, entre ricos e pobres, a sociedade da
América espanhola estava há muito tempo à beira da explosão. Em 1800, quase
dezessete milhões de habitantes viviam nas colônias espanholas; destes, apenas
três milhões eram brancos. No topo desse grupo racial mais privilegiado estavam
os <i>peninsulares</i>, nativos da Espanha,
que não passavam de 40 mil. O resto dos brancos eram <i>criollos</i> nascidos no Novo Mundo. Embora nem todos fossem ricos, os <i>criollos</i> estavam em muito melhor
situação que os de raça mesclada e não-brancos, que constituíam a massa da
população sul-americana. Eram os mestiços, de sangue branco e indígena, e os
mulatos, mistura em proporções variadas das raças europeia e africana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De sua posição de superioridade, os
brancos referiam-se a todos os não-brancos livres como <i>pardos</i>. Dentro desse grupo, porém, havia vários graus de brancura.
Gente de pele clara de raça mista empenhava-se em estabelecer legalmente sua
cor branca. O que estava em questão era mais do que orgulho: a classificação
étnica afetava toda a vida da pessoa. Os <i>pardos</i>
não tinham acesso à educação e a cargos públicos; um <i>pardo</i> podia ser proibido de usar sombrinha, sua esposa, de usar
jóias, seda ou veludo; em algumas regiões, até mesmo os assentos nas igrejas
eram segregados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Perto do fundo da escala social estavam os
índios e negros livres, bem como os <i>zambos</i>,
de sangue misto negro e indígena. Por fim, vinham os trabalhadores indígenas e
escravos africanos, cujo número variava de região para região. A maioria, de
índios, não era classificada oficialmente como escrava, mas seus valiosos serviços
em minas, fazendas e obras públicas eram garantidos por vários meios - inclusive
induzi-los a dívidas que nem uma vida inteira de trabalho poderia pagar. Desprezadas
e oprimidas, as classes escravizadas de negros e índios forneciam o alicerce
sobre o qual repousavam a riqueza e os privilégios da Espanha e de suas
colônias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf9JaPP8yBTDIqmnTzXQiWw2oxhgRFAHsS5Co-FXwWYt_K6NnTbJdr6kl4QJJ5v17Ckry5-dmx7Kbm-cZjRm_kN3abu2617xu9sDN2RPkEREAkuiRxE9Q5WRqATYYrkYYMDktP9LMqnD4S/s1600/america03fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf9JaPP8yBTDIqmnTzXQiWw2oxhgRFAHsS5Co-FXwWYt_K6NnTbJdr6kl4QJJ5v17Ckry5-dmx7Kbm-cZjRm_kN3abu2617xu9sDN2RPkEREAkuiRxE9Q5WRqATYYrkYYMDktP9LMqnD4S/s1600/america03fig1.jpg" height="385" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Uma gravura do livro de Peter Schmidtmeyer apresenta a laboriosa atividade de refinar o minério de prata nos Andes. O minério bruto passa por covas cheias de água, de onde o sedimento com o metal é removido e pisado com uma mistura de sal, esterco e mercúrio (<i>no centro</i>). O amálgama é depois lavado (<i>à direita</i>) e aquecido para purificar a prata. Durante séculos, a enorme riqueza mineral da América do Sul enriqueceu Espanha e Portugal. Em 1800, as montanhas hispano-americanas produziam praticamente toda a prata do mundo. As guerras de independência, no entanto, levaram a uma fuga de mão-de-obra e capital da qual a indústria de mineração latino-americana só se recuperaria no final do século XIX.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A política espoliativa da metrópole
provocou rebeliões violentas, embora espasmódicas. Nos dois primeiros séculos
de jugo colonial, as revoltas de índios e escravos eram comuns. Mas as reformas
dos Bourbon provocaram protestos ainda maiores. Em 1780, Tupac Amaru, um índio
peruano que se dizia descendente dos incas, provocou ondas de choques em toda a
América do Sul com uma revolta que exigia o fim da opressão dos impostos.
Porém, os 60 mil homens sem treinamento que responderam a seu chamado às armas
não eram páreo para os exércitos comandados por experientes oficiais europeus.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O levante foi esmagado. Feito prisioneiro,
Tupac Amaru teve primeiramente que assistir à execução de sua família; depois, foi
amarrado a quatro cavalos e esquartejado em público. Apesar dessa punição cruel
e exemplar, o espírito de rebelião continuou a se espalhar escala social acima
como uma peste. No inicio do século XIX, o contágio já tinha despertado
ressentimentos adormecidos até mesmo entre os <i>criollos</i> abastados. O movimento rebelde encontrava assim seus
lideres.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em todo o continente, os <i>criollos</i> constituíam a aristocracia da
América do Sul. Possuíam grandes <i>haciendas</i>
e levavam uma vida de conforto privilegiado sustentado por escravos. Seus
filhos frequentavam escolas europeias; suas famílias moravam em capitais
elegantes - Caracas, Lima, Buenos Aires -, comparáveis aos centros provinciais
da Espanha no estilo de seus edifícios públicos e no esplendor de suas reuniões
sociais. Tudo que o dinheiro podia comprar, os <i>criollos</i> tinham a liberdade de usufruir. Mas era-lhes negada a
única coisa que satisfaria seu crescente senso de identidade: poder político.
Com medo da deslealdade e preocupados em recompensar seus emigrantes, a Espanha
assegurava-se de que os melhores postos administrativos, bem como as posições
mais graduadas do exército e da Igreja, fossem para os <i>peninsulares</i>. A arrogância desses recém-chegados enfurecia a elite <i>criolla</i>. O naturalista alemão Alexander
von Humboldt, que visitou a América do Sul no início do século XIX, comentou:
“O europeu mais baixo, menos educado e inculto acredita-se superior aos brancos
nascidos no Novo Mundo”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-UGnxDJYnwfkf_XOWcJf8lA5ZvY2cKUXoOk0rQyxI34yeiIZSaKkqqFuH4X9mlGY64IsAURHEk4IgEEar2TNsGIeHcvzqeEvcianifXQ8px7BhT0p9RxEj11AnhpV7NUSETRHpBCt13Tq/s1600/america04fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-UGnxDJYnwfkf_XOWcJf8lA5ZvY2cKUXoOk0rQyxI34yeiIZSaKkqqFuH4X9mlGY64IsAURHEk4IgEEar2TNsGIeHcvzqeEvcianifXQ8px7BhT0p9RxEj11AnhpV7NUSETRHpBCt13Tq/s1600/america04fig1.jpg" height="386" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Esta gravura de 1824 mostra a principal edificação de uma grande <i>hacienda</i>, ou propriedade rural. Embora mais trivial que o ouro ou a prata, a produção agrícola desses latifúndios compunha a maior parte das exportações da América Latina. A sede da fazenda não era apenas a mansão do senhor, mas também o local de preparação de mercadorias como carne e couro (<i>à direita</i>) para o mercado. Os proprietários desses latifúndios - em sua maioria de ascendência europeia - eram ao mesmo tempo comerciantes e fazendeiros, vendendo geralmente os produtos de suas terras em seus estabelecimentos urbanos. Lucravam também com as vendas na própria <i>hacienda</i>: os empregados eram obrigados a comprar suprimentos no armazém da propriedade, tal como o que aparece em primeiro plano, quase sempre a preços exorbirtantes.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O sopro de revolução vindo do exterior
despertou mais ainda as aspirações políticas do <i>criollos</i>. Não estavam eles na mesma situação de seus vizinhos
norte-americanos, antes que se libertassem do jugo britânico em 1781? Não eram
eles escravos de uma corte decadente e negligente, tal como os revolucionários
franceses de 1789? Jovens <i>criollos</i>
ambiciosos liam as obras de pensadores liberais europeus. Revolucionários
incipientes trocavam volumes contrabandeados de autores como Voltaire, Jean
Jacques Rousseau, Adam Smith e John Locke. Alguns pagaram caro por ousar
pensar. Antonio Nariño, um jovem brilhante de Bogotá, tentou publicar uma
versão em espanhol da Declaração dos Direitos do Homem, o credo da Revolução Francesa.
Por esse ato de “traição” ficou preso durante dez anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os eventos na Europa ajudaram a acelerar
os primeiros passos hesitantes da América espanhola em direção à independência.
Em 1796, a Espanha aliou-se à França numa dispendiosa guerra contra a
Inglaterra, provocando um bloqueio naval retaliativo que efetivamente a isolou
de sua principal fonte de riqueza. Isso deixou as colônias livres para
comerciar usando navios estrangeiros, um estado de independência econômica que
jamais tinham gozado. O gosto dessa liberdade nunca seria esquecido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Livre comércio, liberdade de expressão,
mais representação política: os gritos familiares dos movimentos revolucionários
de todo o mundo começavam a ser ouvidos no continente. A maioria dos rebeldes
novatos continuava fiel ao rei espanhol, enquanto pedia a queda de seu governo.
Uns poucos, porém, argumentavam que a Espanha jamais toleraria uma América do
Sul semi-independente e defendiam o rompimento com a metrópole. A independência
era a única solução.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os ventos da revolução tinham começado a
soprar no Caribe muito antes que os <i>criollos</i>
entrassem num acordo sobre o que fazer. Em 1804, depois de anos de rebelião, a
colônia francesa de Saint-Domingue conseguira a independência, tornando-se a
República do Haiti. Liderada pelo ex-escravo Toussaint L'Ouverture, uma difícil
aliança de escravos negros e mulatos expulsou um exército mandado por ninguém
menos que Napoleão Bonaparte. Os nacionalistas hispano-americanos ficaram ao
mesmo tempo animados e consternados. O que podia ser feito no Haiti, podia ser
feito também na Venezuela ou no Peru. Mas a que custo? No Haiti, os rebeldes tinham
expulsado todos os brancos. Muitos <i>criollos</i>
hesitavam em se comprometer, com medo de desencadear as forças dos não-brancos
que estavam abaixo deles. Um vulcão construído por eles mesmos poderia entrar
em erupção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdBAx5qvkgLI-URQ-fHfC9JmRC8jFaU_MbrkUv1SC6kUByfqYM_VA_oNGgBV30-C3I9aeyWTdsHaTd_f2yDPg7-_2NOOgYFR1fRL7VWl29gtwgt4m9_PSZC8IIupWmsOzCLoMbQB_hpj6y/s1600/america05fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdBAx5qvkgLI-URQ-fHfC9JmRC8jFaU_MbrkUv1SC6kUByfqYM_VA_oNGgBV30-C3I9aeyWTdsHaTd_f2yDPg7-_2NOOgYFR1fRL7VWl29gtwgt4m9_PSZC8IIupWmsOzCLoMbQB_hpj6y/s1600/america05fig1.jpg" height="546" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Três mexicanos de classe alta exibem os trajes europeus que marcam sua ascendência espanhola.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, os acontecimentos no sul do
continente surpreenderam até mesmo os nacionalistas mais radicais. Sempre
alerta para novos mercados, a Grã-Bretanha já via as colônias isoladas da
Espanha pelo bloqueio como um útil acréscimo a seu império comercial em
expansão. Em junho de 1806, uma força britânica do cabo da Boa Esperança entrou
no rio da Prata e ocupou Buenos Aires. Mas enquanto o vice-rei fugia e a
resistência espanhola oficial desmoronava, surgia um bolsão de resistência
entre as classes mais pobres. Em dois meses, os ingleses foram desbaratados por
um exército multirracial improvisado, liderado por <i>criollos</i>. A autoridade espanhola foi restaurada, mas os nativos
descobriram sua própria força e começaram a suspeitar que o monstro dominador
estava sem dentes e garras.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No mesmo mês em que os cidadãos de Buenos
Aires celebravam a vitória sobre os britânicos, um bando de seiscentos rebeldes
desembarcava na capitania-geral da Venezuela e apelava para que seus
concidadãos se levantassem contra os espanhóis. À frente desse exército
otimista estava Francisco de Miranda, um visionário carismático e fanfarrão que
passara boa parte da vida na Europa tentando obter apoio para a independência
hispano-americana. Alto, bonito e sempre impecável no trajar, Miranda era o
grande propagandista da libertação colonial. Jantara com Napoleão, que o
comparara a Dom Quixote; conquistara a afeição e, dizia-se, a cama de Catarina,
a Grande, da Rússia. Mas sua capacidade como general estava muito aquém de seu gênio
para as relações públicas. Sem contato com seu país, em particular com a elite <i>criolla</i>, enganou-se sobre a disposição
da Venezuela. Mesmo com o apoio informal da marinha inglesa, sua invasão foi um
fracasso embaraçoso. Miranda fugiu para Londres, onde sua casa se tornou um
centro de expatriados sul-americanos subversivos. “Nunca admitas que o
desespero ou o desânimo alguma vez dominem tua alma”, disse ele certa vez a um
co-revolucionário. Apesar do fracasso militar, seu entusiasmo contagiante
permaneceu como uma inspiração para o crescente número de <i>criollos</i> que viam na revolta armada a única saída para o futuro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi nessa sociedade de altos ideais e
ambições reprimidas, de otimismo e inércia, que Simón Bolívar deu seus
primeiros passos. Nascido em Caracas, principal cidade da Venezuela, era o
quarto filho de uma família <i>criolla</i>
muito rica, que traçava sua ancestralidade hispano-americana até o século XVI.
Seu pai morreu quando tinha 3 anos, a mãe, seis anos depois. Embora criado por um
tio, a influência mais forte foi a de um tutor politicamente radical chamado
Simón Rodríguez. Com ele, Bolívar leu os livros liberais que circulavam entre
os nascentes revolucionários.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9BGyTC0dHcIFOycbl7xIQgfGkRZXeZojkwDG_7cjX7p2quYynbftTdrIaox0ikV0hM4cHYccnGUETHzf0ynYcL4gtc3-GJb3p7RqON2egptDmqW5TVH2TDU_puEu0nnz4IDlQr2goqfTg/s1600/america08fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9BGyTC0dHcIFOycbl7xIQgfGkRZXeZojkwDG_7cjX7p2quYynbftTdrIaox0ikV0hM4cHYccnGUETHzf0ynYcL4gtc3-GJb3p7RqON2egptDmqW5TVH2TDU_puEu0nnz4IDlQr2goqfTg/s1600/america08fig1.jpg" height="640" width="512" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Esta pintura a óleo de 1829 mostra Simón Bolívar, o grande herói da independência hispano-americana, em uniforme militar. Aclamado como o Libertador da América do Sul, Bolívar acalentava o sonho de unir todas a ex-colônias espanholas numa federação política, mas suas ambições visionárias estavam fadadas ao fracasso. Este retrato, pintado um ano antes de sua morte, captura seu rosto cansado e marcado num momento em que já estava assistindo à queda de muitos países que libertara no caos político.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas foi na Europa, onde completou sua educação,
que Bolívar desenvolveu a paixão pela política. Foi lá também que se revelou outro
traço seu: o amor pela fama. Assistiu à coroação de Napoleão em 1804 e ficou
emocionado com o amor universal que a imensa multidão tinha por seu herói. Ser
assim tão reverenciado, escreveu Bolívar, parecia-lhe “o pináculo dos desejos
de um homem”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi então que Bolívar começou a nutrir ideias
de desempenhar um papel no futuro de sua nação. ”Creio que seu país está pronto
para a independência”, disse-lhe Alexander von Humboldt, ao encontrá-lo pouco
depois de retornar de sua viagem à América em 1804, “mas não vejo o homem que
possa realizá-la”. No fundo da alma, Bolívar aceitou o desafio. Com seu velho
tutor Rodríguez, excursionou a pé pela Europa. Em Roma, perto do final da viagem,
fez o juramento do Monte Sacro. O curso de sua vida estava decidido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ao voltar para a América do Sul em 1807,
Bolívar assumiu a vida de um abastado terra tenente. Dirigiu com habilidade seu
latifúndio, mantendo as aparências de um proprietário modelo. Mas sua principal
preocupação continuava a ser a independência política da terra natal. Com
outros conspiradores, fazia reuniões - disfarçadas de encontros literários ou
de jogos - a fim de debater sobre os métodos mais adequados para atingir seus
objetivos republicanos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os eventos dramáticos da Europa não lhes
deram tempo para chegar a uma conclusão. Em 1808, Napoleão invadiu a península
Ibérica. Decidido a fechar os portos europeus ao comércio inglês, o imperador
impacientara-se com a ineficácia de sua aliada Espanha. Aproveitando-se da
invasão de Napoleão, o povo espanhol forçou o corrupto rei Carlos IV a abdicar
em favor de seu filho Fernando. Napoleão não queria nenhum dos dois: depôs
ambos os monarcas e, no lugar deles, para ultraje dos espanhóis, instalou seu
próprio irmão José.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com esse nepotismo desastrado, Napoleão
ajudou os republicanos da América do Sul. De repente, a sociedade <i>criolla</i> uniu-se em oposição a José.
“Viva o rei Fernando!” - foi o grito que ressoou nas capitais do continente. Os
emissários franceses foram expulsos. E os funcionários espanhóis, parecendo
cada vez mais títeres de um usurpador francês, lutavam para conservar a
autoridade. Por mais de um ano, mantiveram-se no poder, mas em 1810, a
população <i>criolla</i> de todo o
continente, agindo com unanimidade notável, depôs seus governantes, com exceção
do Peru.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em Caracas, o governador saiu quase
agradecido a 19 de abril de 1810, substituído por uma junta de <i>criollos</i> proeminentes. Mas Bolívar não
estava entre os novos líderes. Sua posição era intransigentemente republicana,
enquanto os membros moderados da junta contavam com alguma relação com o rei
Fernando. Mesmo assim, porque era um dos rebeldes mais articulados - e porque
se ofereceu para pagar sua própria passagem - foi nomeado delegado-chefe de uma
missão a Londres.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar de sua eloquência, Bolívar não
conseguiu auxílio oficial, militar ou econômico, para a Venezuela. Para a
Grã-Bretanha, lutando agora ao lado da Espanha contra Napoleão, era complicado
apoiar as colônias rebeldes de sua aliada. Mas se a recepção pública foi fria,
Bolívar encontrou uma cálida acolhida na casa de Francisco de Miranda. Aos 60
anos de idade, ele ainda era a alma dos expatriados. Afetado pelo charme e
paixão patriótica do “famoso general”, como Londres o chamava, Bolívar pediu
para Miranda liderar a revolução na Venezuela. Embora o governo britânico
tentasse evitar sua saída do reino, Miranda conseguiu voltar para a terra
natal, e para o último e trágico capítulo de sua vida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEXEP3goDLczMNqyUEAHi2Vei4gJkJwpxebFAvXE7uCHjjbMDPRO8P3wtevCH-o2uXeR3fCqAdQslLB3ozDjqbrFAZsbbTxmG-tHMAtVMtcqik86K9m3-umbCxDimon15JdVMbzzW00kgY/s1600/america07fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEXEP3goDLczMNqyUEAHi2Vei4gJkJwpxebFAvXE7uCHjjbMDPRO8P3wtevCH-o2uXeR3fCqAdQslLB3ozDjqbrFAZsbbTxmG-tHMAtVMtcqik86K9m3-umbCxDimon15JdVMbzzW00kgY/s1600/america07fig1.jpg" height="376" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Nesta litografia de Johann Rugendas, de 1835, escravos africanos recém-chegados ao Brasil descansam em torno do fogo em seu caminho para as fazendas onde vão servir. Os escravos negros foram comumente usados para o trabalho no campo em toda a América Latina desde o século XVI, quando os indígenas foram dizimados por doenças europeias como a varíola e a gripe; os africanos também eram considerados mais robustos que os índios. A monocultura extensiva do Brasil e seu fácil acesso às possessões africanas de Portugal proporcionaram condições perfeitas para o florescimento da escravidão. A maioria dos países latino-americanos aboliu a escravidão na década de 1850, mas no Brasil ela perdurou até 1888.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A expedição teve um início promissor. A 5
de julho de 1811, o Congresso Nacional de Caracas - uma assembleia eleita de <i>criollos</i> abastados que fora criada no
início daquele ano - votou, com uma dissensão, pela independência, tanto da
Espanha como da Nova Granada. Mas o país continuou dividido. Nem todas as
províncias da Venezuela reconheciam a liderança de Caracas e havia muita gente
temerosa de que um rompimento completo com Madri apenas levasse à tirania dos <i>criollos</i> mais privilegiados. Com efeito,
os próprios republicanos logo se dividiram, com Miranda e Bolívar detestando-se
cada vez mais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assediada por inimigos dentro e fora,
enfraquecida por disputas políticas e com a economia marchando para o caos, a
jovem república lutava para sobreviver quando a natureza acertou-lhe um golpe
fatal. A 26 de março de 1812, uma quinta-feira santa, fazia uma tarde
escaldante em Caracas; algumas testemunhas falaram de um silêncio opressivo. De
repente, o solo tremeu e a bela cidade - a terceira do continente - foi
reduzida a escombros. Dez mil pessoas - quase um quarto da população - morreram
no terremoto. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os mais supersticiosos, estimulados pelo
clero, viram no desastre uma reprimenda divina pelo afastamento da Espanha.
“Misericórdia, rei Fernando!” – gritavam entre as ruínas. E de fato, o castigo
espanhol não estava muito longe. Do forte realista de Coro, a 320 quilômetros
de Caracas, partiu um exército comandado pelo capitão Domingo Monteverde em
direção à capital. Ao mesmo tempo, uma enxurrada de revoltas escravas persuadiu
os <i>criollos</i> indecisos de que a
Espanha oferecia mais segurança do que qualquer regime republicano.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Primeira República da Venezuela afundava
rapidamente. A 25 de julho de 1812, Miranda fez um armistício com Monteverde,
uma trégua que era quase uma rendição. Ao mesmo tempo, tomou providências para
fugir, pegando dinheiro suficiente para sua aposentadoria. Mas, na última
noite, foi preso por Bolívar e outros oficiais e, sob a acusação de traição,
entregue às autoridades espanholas. Morreu quatro anos depois numa prisão de
Cádiz. Bolívar escapou para a ilha holandesa de Curaçao. A Primeira República
chegava a um fim inglório.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bolívar não descansou no exílio, indo logo
para Cartagena, o principal porto de Nova Granada no Caribe que, tal como
outras cidades do vice-reinado, se declarara independente. Mas o país estava
desunido e sob ameaça constante das forças realistas. O venezuelano foi calorosamente
acolhido e logo lhe deram um comando.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Antes de iniciar nova campanha, Bolívar
redigiu o <i>Manifesto de Cartagena</i>, uma
análise da Primeira República da Venezuela. Nesse documento, emergiu um tema que
seria o credo de Bolívar pelo resto de sua vida. "Não foram os espanhóis,
mas nossa própria desunião que nos levou de volta à escravidão", escreveu
ele. “Um governo central forte poderia ter mudado tudo". A própria
estrutura da sociedade sul-americana militava contra a democracia, sustentava
ele. Um povo que desconhecia o governo representativo só poderia alcançar
liberdade e felicidade sob um “poder terríveI" que varresse os espanhóis
do país. Tratava-se de uma concepção de ditadura cheia de consequências.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bolívar lançou-se então contra os espanhóis
com uma energia que surpreendeu tanto os inimigos quanto seus aliados,
avançando até os Andes, na direção de Caracas. A conquista dessa cidade,
argumentava, era essencial para a segurança de Nova Granada. O alto comando de
Cartagena autorizou o ataque.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O conflito feroz que se seguiu levou
Bolívar dos Andes até Caracas em três meses. À medida que avançou, seu exército
aumentou de setecentos para 2 500 homens, pois os pobres da Venezuela rural
tinham aprendido que a crueldade da contra-revolução espanhola era maior que a
da Primeira República.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ambos os lados usaram de extremo barbarismo,
competindo em atrocidades e terrorismo. Dizia-se que um general espanhol
estimulava seus soldados a decorar seus chapéus com orelhas de simpatizantes
republicanos (mantendo um baú cheio desses <i>souvenirs</i>).
De sua parte, Bolívar declarou guerra de morte contra qualquer espanhol que não
aderisse à causa republicana. “Nossa vingança deve ser igual à crueldade dos
espanhóis”, anunciou ele. Essa política de destruição mútua transformaria a
Venezuela num deserto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglw0WtFI3sxvGSzUDwbpbUm92gd15nkA4OkYdwzrYdNNmWcHFkNpxBukcSFHlyhuQM0tv7959A_YziiQN3I48aiRj27vbDYqnORDr1nbJi6cGWMAAoe9CVu0Zx5sJhF7AxtAuzoy9Z2oaQ/s1600/america09fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglw0WtFI3sxvGSzUDwbpbUm92gd15nkA4OkYdwzrYdNNmWcHFkNpxBukcSFHlyhuQM0tv7959A_YziiQN3I48aiRj27vbDYqnORDr1nbJi6cGWMAAoe9CVu0Zx5sJhF7AxtAuzoy9Z2oaQ/s1600/america09fig1.jpg" height="640" width="550" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">O afresco no teto do Capitólio, em Caracas, representa a batalha de Boyacá, confronto decisivo para a libertação de Nova Granada - atual Colômbia - do domínio espanhol, em 1819. Os patriotas de pés descalços que atacam as forças realistas refletem o estado esfarrapado do exército de Bolívar, que acabara de cruzar os Andes com terríveis privações e perdas de vida. A batalha, travada em torno de uma ponte sobre o pequeno rio Boyacá, durou apenas duas horas e provocou baixas em ambos os lados, mas a maioria dos soldados foi aprisionada - inclusive seu general. Cinco dias depois, a 10 de agosto, os patriotas entraram em Bogotá sem enfrentar resistência.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No momento, porém, o triunfo era de
Bolívar. A 7 de agosto de 1813, ele entrou em Caracas. Meninas vestidas de
branco levaram seu cavalo pelas ruas. “Viva nosso libertador!” - gritava a
multidão. Dois meses depois, Bolívar escolheu oficialmente esse título. Ficaria
conhecido para sempre como o Libertador.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Decidido a evitar que a Segunda República
tivesse o mesmo destino da primeira, Bolívar aceitou também o papel de ditador.
“Nossa administração deve reduzir-se ao denominador mais simples”, explicou.
Mas desde o início o país defrontou-se com problemas graves. A economia estava
em pedaços, as grandes propriedades, despovoadas, e as cidades, arruinadas.
Além disso, as facções republicanas logo estariam lutando entre si.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nas províncias orientais da Venezuela, um
movimento nacionalista independente tinha expulsado por fim Monteverde do país.
Santiago Mariño, o jovem líder rebelde, não era homem de dividir o poder.
Proclamando-se ditador do Oriente, colocou-se em oposição a Bolívar. Sua recusa
em colaborar com Caracas contribuiu para a tragédia que se seguiu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ocorre que surgira um novo e terrível
inimigo mais ao sul. José Tomás Boves era um aventureiro espanhol que passara
alguns anos exilado nos <i>llanos</i> do
centro da Venezuela, planícies onde o capim crescia da altura de um homem e o
gado era selvagem. Ali só viviam os <i>llaneros</i>,
vaqueiros mestiços e semi-selvagens que não se interessavam por política, mas
que aproveitaram a oportunidade de saquear oferecida pela causa realista. Armada
apenas com facas, lanças e laços, a cavalaria de Boves abriu uma trilha de
saques, incêndios e estupros pelas vilas e cidades republicanas. O próprio
Boves deliciava-se com a crueldade, mandando desmembrar crianças e fazendo
homens e mulheres de pés esfolados caminharem sobre vidro picado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma brutalidade insana tomou conta do
país, afetando monarquistas e republicanos. Na primavera de 1814, Bolívar
mandou executar oitocentos prisioneiros, por medo de rebelião. Tal crueldade
pouco ajudou sua causa. Sem armamentos e totalmente desmoralizados, os
republicanos evacuaram Caracas no julho seguinte, menos de um ano depois da
entrada triunfal de Bolívar. Vinte mil civis arrastaram-se para leste, com
muitos morrendo no caminho. Bolívar fugiu para Cartagena, onde uma vez mais
ofereceu seus serviços à rebelião em Nova Granada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas a situação política mudara. Napoleão
fora para o exílio e, na Espanha, o restaurado rei Fernando estava decidido a
disciplinar suas teimosas colônias. Uma força espanhola de quase 11 mil soldados
chegou à Venezuela na primavera de 1815, ocupando Caracas e depois partindo para
Cartagena. A cidade caiu após um sítio terrível que matou de fome a maioria de
seus habitantes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A queda de Cartagena marcou o nadir da
revolução. Bolívar, que fugiu para a Jamaica, tomou da pena e purgou seu
sentimento de fracasso com outro manifesto político. Na<i> Carta da Jamaica</i>, de 1815, defendeu novamente um governo central forte.
“As instituições plenamente representativas não se adequam a nosso
caráter", afirmou ele, propondo um presidente vitalício como cura para os
divisionismos da jovem república. Ao mesmo tempo, exprimia o desejo de ver toda
a América do Sul unida sob um “congresso de representantes das repúblicas,
reinos e impérios que discutiriam a paz e a guerra com o resto do mundo”. Era
uma ambição que ele perseguiria pelo resto da vida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Reencontrando-se com seus companheiros
revolucionários no Haiti, tentou uma nova invasão da Venezuela na primavera de
1816. Foi um fracasso dispendioso; mas irrefreável, Bolívar partiu para uma
nova tática no final do ano.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Estava ficando cada vez mais claro que
seria difícil invadir a populosa e bem-defendida faixa litorânea da Venezuela.
Bolívar decidiu então entrar pelo vale do Orenoco, um rio imenso que
serpenteava por florestas e <i>llanos</i>
até o oceano Atlântico. Mal defendido pelos espanhóis, o terreno impenetrável
oferecia aos republicanos um lugar para consolidar suas forças e formar uma
ordem estável de comando que faltara em campanhas anteriores. Em Angostura,
cidade ribeirinha de 6 mil habitantes, situada a 320 quilômetros da costa, os
patriotas fizeram seu quartel-general e conquistaram uma base permanente em sua
terra natal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A primeira tarefa de Bolívar foi a de se consolidar
como comandante supremo. Mariño recusava-se novamente a cooperar. Mais perigoso
ainda era Manuel Piar, um general mulato que planejava abertamente uma
rebelião. Bolívar mandou prendê-lo. Submetido à corte marcial, Piar foi
executado. Mais tarde, Bolívar sustentou que esse ato salvara o país: “Nunca
houve uma morte mais útil, mais política e, ao mesmo tempo, mais merecida".
Por sua vez, Mariño dobrou-se diante dessa exibição de força, jurando fidelidade
às autoridades republicanas de Angostura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Piar representava o perigo de divisão racial
do movimento republicano. Ressentido diante dos privilegiados <i>criollos</i> e humilhado pelo estigma de seu
sangue misto, ele tentara atrair a grande massa de <i>pardos</i> e escravos para um exército separado. Isso teria sido fatal
para a estratégia de Bolívar, bem como um golpe em seu idealismo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ao contrário de grande parte dos <i>criollos</i>, Bolívar era um libertário
sincero. Um povo que estava lutando para se libertar, argumentava, não podia em
sã consciência conviver com o “manto negro da escravidão bárbara e
profana". Ao mesmo tempo, compartilhava do medo dos brancos privilegiados
de um levante das raças oprimidas. Acreditava que a única maneira de desarmar a
bomba relógio da injustiça racial era a reforma política. As iniciativas
liberais, sustentava, já tinham transformado a sociedade nas áreas republicanas
da Venezuela. “A odiosa distinção de classes e cores já não foi quebrada para
sempre?" - perguntou a suas tropas após a execução de Piar. ”Não dei
ordens para que a propriedade nacional fosse distribuída entre vocês? Não são
vocês iguais, livres, independentes, felizes e respeitados? Piar podia dar-lhes
mais? Não. Não. Não."<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEz1-kgdR3MVnjYUqKc2Kqa2MEkGbCgVrQsjhZNH6nTbasPiHwvmNyjgiQy7HBpFkMCXNgWuIHRHXdvJw_w7LxGAlWsaJYem0NKTMeUfYgFel5VLNw_R5FTuAKp0lW19oTUJ_scm3FP5_Z/s1600/america10fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEz1-kgdR3MVnjYUqKc2Kqa2MEkGbCgVrQsjhZNH6nTbasPiHwvmNyjgiQy7HBpFkMCXNgWuIHRHXdvJw_w7LxGAlWsaJYem0NKTMeUfYgFel5VLNw_R5FTuAKp0lW19oTUJ_scm3FP5_Z/s1600/america10fig1.jpg" height="640" width="618" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Esta pintura alegórica de 1825, apresentando um escudo remanescente da heráldica colonial, homenageia Simón Bolívar como libertador do Peru. Em vez dos animais heráldicos da Espanha, os símbolos da luta pela liberdade - um barrete frígio, uma coroa de louros e as mãos dadas da fraternidade - refletem o orgulho peruano de sua independência. Entre os heróis revolucionários retratados no escudo estão o próprio libertador (<i>no centro</i>), seu general favorito Antonio Sucre (<i>no alto, à direita</i>) e o general William Miller (<i>embaixo, à direita</i>), um dos muitos ingleses que se apresentaram como voluntários para lutar ao lado de Bolívar.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sob essa retórica altissonante - Bolívar
sabia - jazia a realidade da exploração racial. O próprio Libertador não Iibertara
seus escravos (embora fosse fazê-lo mais tarde, em 1821). Muitos de seus
companheiros republicanos jamais pensariam seriamente nisso e só com muita
relutância estenderiam os privilégios legais aos<i> pardos</i>. Contudo, as massas de cor da Venezuela eram necessárias
para o exército republicano. Para satisfazer ao mesmo tempo as necessidades
militares e suas genuínas simpatias libertárias, Bolívar prometeu liberdade aos
escravos negros que se alistassem com os patriotas. Poucos juntaram-se às
fileiras, mas ao oferecer-lhes liberdade ainda que condicional, Bolívar ajudou
a desarmar um inimigo potencialmente perigoso. Os <i>pardos</i>, no entanto, deram resposta mais positiva às promessas de
oportunidades iguais de promoção, em especial porque o corpo de oficiais das
forças espanholas não oferecia tal incentivo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Surgiu então um novo e valioso aliado dos
republicanos nos <i>llanos</i> a oeste de
Angostura. Tomás Boves morrera em batalha, mas os<i> llaneros</i> tinham encontrado outro líder em José Antonio Páez, um
enorme e analfabeto <i>criollo</i> que fora
para os <i>llanos</i> fugido da justiça aos
15 anos de idade. Um gênio da guerra de guerrilhas, “Tio Antonio” regozijava-se
com a violência e afirmava ter matado setenta homens com suas próprias mãos.
Sujeito a ataques epiléticos em batalha, era escoltado por um negro gigantesco
conhecido como El Primo Negro, que carregava seu senhor para longe quando
sofria um ataque. Páez entendeu-se imediatamente com Bolívar quando os dois se
encontraram, em 1818.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se os <i>llaneros</i>
representavam um dos extremos do exército republicano, os <i>redcoats</i> britânicos compunham o outro. Ardente anglófilo que havia
muito tentava atrair o apoio econômico e militar da Grã-Bretanha para as
guerras de independência, Bolívar procurou recrutar um exército privado nas ilhas
britânicas. O momento era certo. Entediados e empobrecidos pela vida civil após
anos de guerra na Europa, milhares de veteranos britânicos responderam ao chamado
de Bolívar. Vestidos de modo absurdo e mal-informados sobre a natureza da
guerra, muitos desses mercenários desertaram ou morreram de doenças tropicais.
Alguns, porém, ficaram com Bolívar ao longo da campanha, criando uma ligação
pessoal ao homem e a sua causa. Da Inglaterra vieram também suprimentos, armas
e equipamentos, comprados a crédito por agentes de Bolívar em Londres.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 15 de fevereiro de 1819, um congresso de
representantes eleitos ouviu Bolívar fazer um discurso tipicamente agitador em
Angostura. Aos 35 anos, estava no auge de suas forças. Tinha o rosto magro e
pálido, as maçãs saltadas e nariz aquilino. De constituição franzina, media
1,67 metro, mas parecia crescer quando se dirigia à multidão. Segundo seu rival
Mariño, a eloquência dele era de tal ordem que “poderia convencer as pedras da
necessidade de sua vitória”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No Congresso de Angostura, Bolívar propôs
uma constituição para a Venezuela. Coerente com seu crescente ceticismo em
relação às assembleias populares e seu medo da desunião, sugeriu um senado
hereditário, ao estilo da Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha. Pedia a união de
Venezuela e Nova Granada em um único estado a se chamar Colômbia, que mais
tarde seria batizado de Grã-Colômbia. Com mais da metade da Venezuela ainda em
mãos realistas, sua proposta deve ter parecido extravagante, mas Bolívar era irresistível.
No dia seguinte, o Congresso elegeu-o presidente da Terceira República
venezuelana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bolívar deu início então a uma das mais
notáveis campanhas da guerra. Ele e Páez não estavam fazendo progressos contra
o poderoso exército espanhol ao norte. Por que não mudar o cenário da ação
completamente? A 23 de maio de 1819, Bolívar convocou seus generais para um
conselho de guerra. Sentados sobre crânios de gado numa cabana em ruínas, eles
concordaram em invadir Nova Granada através dos Andes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Estavam na estação das chuvas, pior ocasião
para viajar pelos afluentes transbordantes do Orenoco. Para chegar até o pé da
montanha, o exército já teve de enfrentar dificuldades extraordinárias.
“Durante sete dias, marchamos com água pela cintura”, escreveu Daniel Florencio
O'Leary, ajudante irlandês de Bolívar. Canoas de couro transportavam armamentos
e os soldados que não conseguiam atravessar a nado os trechos mais fundos.
Então chegaram às montanhas. Para os homens da planície tropical do Orenoco,
atravessar os Andes foi uma experiência aterrorizante. Caminhando penosamente
sobre rochas pontiagudas, com as botas em tiras, ou montados em cavalos
cambaleantes até a morte, eles penetraram em nuvens geladas. A fim de aumentar
o elemento surpresa, Bolívar escolhera a pior rota para a travessia: o páramo de
Pisba, um platô árido de até 4 mil metros de altitude, considerado intransponível
na estação chuvosa. Foi quase o que aconteceu. Todos os cavalos e bois
morreram. Então os homens começaram a cair, alguns de frio, outros de mal das
alturas, alguns de puro cansaço. Dos 3 mil soldados que começaram a jornada, menos
da metade chegou ao outro lado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No
início de julho, o exército de Bolívar desceu das montanhas, surpreendendo completamente
os espanhóis de Nova Granada. Os camponeses saudaram com entusiasmo os republicanos,
deram-lhes alimentos e roupas, cavalos e mulas. Muitos se apresentaram
voluntariamente para servir a Bolívar, outros foram recrutados na ponta da
arma. Assim revitalizado, o exército venezuelano atacou os espanhóis com um
ânimo avassalador. Até os mercenários europeus foram afetados pela febre do
patriotismo. “Viva la pátria!” - gritou o coronel Rooke, da Legião Britânica,
em seu leito de morte, erguendo o braço amputado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A <st1:date day="7" ls="trans" month="8" w:st="on" year="18">7 de agosto de 18</st1:date>19, no vale do Boyacá, uma
força de 2 mil republicanos confrontou-se com 3 mil realistas numa batalha que
decidiu o destino do continente. Cerca de 1600 realistas foram feitos
prisioneiros, junto com o general comandante e seu estado-maior. Os ventos da
revolução tinham mudado. Bogotá, principal cidade da Nova Granada, recebeu Bolívar
com arcos do triunfo e procissões floridas. O Libertador voltou então para
Angostura com a notícia de sua campanha vitoriosa. Antes de partir designou o
general Francisco de Paula Santander para vice-presidente da Nova Granada, uma
decisão que se revelaria fatal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Naquele mesmo ano, em Angostura, Bolívar conseguiu
o que descrevera como a ambição de sua vida. A 17 de dezembro de 1819, o
parlamento venezuelano estabeleceu oficialmente a República da Colômbia, estado
composto por Venezuela, Nova Granada e Equador. É verdade que nenhum dos três
países estava completamente livre de tropas espanholas, mas os republicanos
estavam confiantes e, além disso, a Europa vinha agora em auxílio de Bolívar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Após uma revolução liberal na Espanha, o
general Morillo, comandante-em-chefe das forças realistas na Venezuela, recebeu
instruções de negociar com Bolívar. Morillo espantou-se com a aparência modesta
de seu oponente. “Aquele homem pequeno de casaco azul e chapéu de campanha
sentado na mula!” - exclamou. “Aquele é Bolívar?” Mas a eloquência do líder
republicano conquistou-o. Naquela noite, os dois dormiram no mesmo aposento e
separaram-se como irmãos. Após esse encontro - uma das vitórias mais notáveis
de Bolívar sobre a Espanha -, Morillo pediu para deixar o comando e voltou para
a Europa. O armistício de seis meses durou apenas cinco, pois os republicanos
aproveitaram sua força crescente para retomar as hostilidades. A 24 de junho de
1821, ganharam finalmente a batalha pela Venezuela na planície de Carabobo,
perto de Valência, e uma vez mais Bolívar entrou vitorioso em Caracas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embora a Venezuela ainda não estivesse em
paz, o Libertador estava ansioso para completar seu sonho de uma Colômbia unida
com a liberação do Equador, território ao sul de Nova Granada. Já tinha enviado
seu melhor general, Antonio José Sucre, para iniciar a campanha. Agora corria a
ajudá-lo. No outono de 1821, quase de passagem, aceitou a presidência da
Colômbia do recém-reunido Congresso de Cúcuta, na Nova Granada. De novo, fez de
Santander seu vice-presidente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpAvFc3gbdC07O8tpgP5VhCCDUnFqJ6WAKheEQm89YDl-Yexop_ULe5LRM1K-aFe5SYLT2SmZrlrghZaYEzyGh7MwcqoZoXcw-IkuqpfcvwDlzDbAEAplrxB6xP0iyIWvpIs4Q_KVYAym9/s1600/america12fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpAvFc3gbdC07O8tpgP5VhCCDUnFqJ6WAKheEQm89YDl-Yexop_ULe5LRM1K-aFe5SYLT2SmZrlrghZaYEzyGh7MwcqoZoXcw-IkuqpfcvwDlzDbAEAplrxB6xP0iyIWvpIs4Q_KVYAym9/s1600/america12fig1.jpg" height="640" width="418" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Vestido com o branco dos mártires, o patriota José Olaya é retratado aqui numa pintura a óleo de 1823, ano de sua morte. Olaya, um índio peruano, servia de correio entre as forças republicanas nos Andes e seus colaboradores em Lima, ainda em mãos espanholas. Capturado pelos realistas, Olaya, mesmo sob tortura, não revelou os destinatários das cartas e foi executado. Mas nem todos os indígenas compartilhavam do fervor patriótico de Olaya: a maioria achava que essa luta pela independência não lhes dizia respeito.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Guayaquil, principal porto do Equador, já
tinha declarado sua independência. A capital montanhosa de Quito resistiu
ferozmente ao ataque republicano, mas caiu para Sucre em maio de 1822. Enquanto
isso, o exército de Bolívar forçara seu caminho para o sul após lutas sangrentas
nas passagens dos Andes. Em julho de 1822, o Libertador entrou em Guayaquil e
voltou novamente seus olhos para o sul: o Peru.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A pressa de Bolívar em libertar o Equador
era apenas parcialmente motivada pelo amor à liberdade. Ele estava convencido
de que a revolução no norte só estaria consolidada quando os espanhóis fossem
derrotados no sul. Queria também que Guayaquil, com seus estaleiros e porto
natural, ficasse como estado colombiano, sem ser absorvido pelo Peru. E estava
com ciúmes do único homem do continente cuja fama ombreava-se com a sua: José
de San Martín.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
San Martín era argentino e passara sua
juventude na Europa, servindo com distinção ao exército espanhol. Inspirado pelas
notícias de rebelião em sua terra, retornara para Buenos Aires em 1812 e
oferecera seus serviços aos patriotas do Prata.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Naquele momento, o país estava em
desordem. O vice-rei fora expulso e instalara-se um governo <i>criollo</i> dois anos antes. Com uma sucessão
de ditadores de vida curta tentando ganhar apoio de facções regionais, as
províncias do Prata estavam difíceis de governar e impossíveis de unir. O Alto
Peru continuava realista; o Paraguai repudiara a autoridade externa para se
tornar um estado soberano em 1811; e do outro lado do rio da Prata, a província
da Banda Oriental - atual Uruguai – lutava pela independência tanto contra
Buenos Aires como contra os portugueses do Brasil.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para essa terra anárquica San Martín
trouxe uma devoção desprendida pela liberdade e um gênio para a organização
militar. Seu valor foi logo reconhecido pelo governo, que lhe confiou a missão
de proteger o país contra uma invasão espanhola. Tal como Bolívar, San Martín
reconhecia que a independência de seu país - declarada oficialmente em 1816 -
estaria sempre ameaçada enquanto Chile e Peru continuassem em mãos espanholas.
Em consequência, San Martín devotou mais de dois anos equipando e treinando o
que descreveu como “um pequeno exército disciplinado", em Mendoza, junto
aos Andes. Seu objetivo era impressionantemente simples: atravessar os Andes,
libertar o vizinho Chile e depois navegar para o norte a fim de conquistar o
Peru.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmg8jzDI1u5kkuomolCpZ-iGfs_bXkS6fkCXTg10D_I7XHTgmEScB3Lt5meA1-ZY8Ab3cnBfrPRlby01JBDnesoIIRkHFEElE-H55_QZvq1IRiFhqzb0nV8FcGMzHIcGe7o-qb5L5kXSeA/s1600/america13fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmg8jzDI1u5kkuomolCpZ-iGfs_bXkS6fkCXTg10D_I7XHTgmEScB3Lt5meA1-ZY8Ab3cnBfrPRlby01JBDnesoIIRkHFEElE-H55_QZvq1IRiFhqzb0nV8FcGMzHIcGe7o-qb5L5kXSeA/s1600/america13fig1.jpg" height="360" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">A arquitetura herdada da Espanha domina a praça da Independência, em Santiago, capital da república chilena, tal como foi representada numa ilustração do <i>Atlas</i> do Chile de Claudio Gay.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nessa empreitada audaciosa, San Martín foi
ajudado por patriotas chilenos, que tinham fugido para o leste quando as tropas
espanholas esmagaram seu desunido exército de independência. Entre eles,
destacava-se Bernardo O'Higgins, cujo pai irlandês fora promovido, contra as
probabilidades, de comerciante aventureiro a vice-rei do Peru. Em tenra idade, Bernardo
encontrara Miranda em Londres e entrara para o campo revolucionário. Como
comandante-em-chefe do exército patriota chileno, O'Higgins perdeu
decisivamente para os espanhóis em 1814, derrota precipitada pelo ressentimento
de outros líderes nacionalistas. Agora, unia-se a San Martín em Mendoza e
preparava-se com entusiasmo para libertar sua terra natal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em janeiro de 1817, San Martín e O'Higgins
começaram a escalada dos Andes. Do inicio ao fim, toda a operação foi
meticulosamente planejada e levada a cabo. Uma força de cerca de 5 mil homens -
junto com artilharia, comboios de suprimentos e rebanhos de gado - cruzou essa
tremenda barreira natural por quatro desfiladeiros separados, em apenas vinte
dias, suportando altitudes de mais de 3 500 metros e depois se reunindo
exatamente como planejado no lado chileno das montanhas. Os espanhóis, que
tinham recebido informações falsas sobre a tática de San Martín, foram
surpreendidos quando esse exército bem-equipado desceu da muralha de rochas e
neve que parecia oferecer tanta segurança. A 12 de fevereiro, os patriotas dizimaram
um exército realista na planície de Chacabuco e, três dias depois, entraram
triunfalmente na capital, Santiago.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOx-if1U5-G_EQYM_jqvvCZzGgGAUfoOD9OFDRIxXxOC6jNJ8CNQ88ueq0T8Zlf6HU1rm_V-96OTS2HQBXKdEwoBlBxUkt6G7cKQiH-66p42dW1XikpJK3xfCAdcbyynNJ2S7vL2swguZK/s1600/america14fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOx-if1U5-G_EQYM_jqvvCZzGgGAUfoOD9OFDRIxXxOC6jNJ8CNQ88ueq0T8Zlf6HU1rm_V-96OTS2HQBXKdEwoBlBxUkt6G7cKQiH-66p42dW1XikpJK3xfCAdcbyynNJ2S7vL2swguZK/s1600/america14fig1.jpg" height="438" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Mesmo depois da independência, a mão da Espanha pesava sobre as ex-colônias. Os <i>criollos</i> - como os que aparecem em um baile no Palácio do Governo de Santiago - assumiram o papel da classe dominante espanhola, imitando as roupas, costumes e arquitetura dos europeus.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Levou mais um ano para que os patriotas
liquidassem a resistência espanhola. Então, com O'Higgins de supremo ditador do
Chile, San Martín voltou-se para a segunda fase de seu esquema de libertação.
Em 1820, sua frota de sete vasos de guerra - comprada, junto com tripulações
mercenárias, da Inglaterra e dos Estados Unidos - partiu para o Peru. Menos de
um ano depois, San Martín instalava-se em Lima.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas embora tivessem perdido a capital, os
espanhóis ainda controlavam as ricas regiões montanhosas do interior. San
Martín não tinha ilusões de que poderia submeter o resto do Peru com a mesma
facilidade da conquista do Chile. Apesar da insistência de lorde Cochrane, seu
almirante britânico, San Martín escolheu evitar o confronto militar. “Quero que
todos os homens pensem como eu”, escreveu ele, enfatizando seu desejo de
persuadir em vez de coagir a população.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não conseguiu nem uma coisa nem outra. Embora
muitos peruanos aderissem à causa nacionalista, eles não se uniram sob seu
"Protetor", como San Martín chamava a si mesmo. Alguns tinham inveja
do poder que aquele estrangeiro assumira; outros, republicanos dedicados,
ficaram irados com sua intenção confessa de estabelecer uma monarquia
constitucional no Peru. Além disso, sua posição militar estava ficando
precária: rompera com a liderança caótica de Buenos Aires, que se opusera a sua
campanha no Peru e estava perdendo o apoio de muitos de seus oficiais, que lhe
atribuíam ambições ditatoriais. Enquanto isso, o exército espanhol se reagrupara
nos Andes. Mas havia uma esperança ao norte: Simon Bolívar estava lutando no
Equador. Com a ajuda do exército colombiano, San Martín esperava esmagar os
espanhóis e impor a ordem política no Peru. Tal como Bolívar, também estava tentado
pelo próspero porto de Guayaquil. “Vou me encontrar com o Libertador da
Colômbia”, anunciou ele, e partiu para o norte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os dois homens encontraram-se em Guayaquil
a 26 de julho de 1822. Bolívar, que já se declarara ditador da cidade, não
estava para fazer concessões ao rival. Na noite seguinte, após outro dia de
discussões infrutíferas, San Martín escapuliu de um baile comemorativo e partiu
para Lima. Dois meses depois, resignou ao comando supremo e deixou o país.
Taciturno e orgulhoso, deu poucas explicações para sua retirada. “Estou cansado
de ser chamado de tirano”, disse ele. Morreu em Boulogne, na França, em 1850. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O caminho estava aberto para Bolívar
libertar o Peru. Seria um empreendimento solitário. As forças de San Martín
tinham se dissolvido e o almirante Cochrane levara sua frota para o sul, a fim
de atacar navios espanhóis por conta própria. Além disso, no Chile, os últimos
seis anos tinham mostrado um O'Higgins muito simpático, mas político incapaz.
Ele era um igualitarista fervoroso, ansioso para aplicar seus princípios
através de um governo forte. “Se não ficarem felizes com seus próprios esforços”,
disse ele de seu povo, “devem ficar felizes à força; por Deus, eles têm de ser
felizes”. Para tanto, aboliu todos os títulos espanhóis, confiscou terras dos realistas
e reformou o sistema tributário para financiar melhoras na educação e nos transportes.
Mas seu tipo de despotismo esclarecido não era apreciado por todos. No sul
subdesenvolvido, o ressentimento diante dos altos impostos resultou em continuada
guerra debilitadora. Além disso, suas reformas enfureceram tanto os
terratenentes <i>criollos</i> quanto o
clero. Em outubro de 1822, a proposta de O'Higgins de uma constituição que lhe
daria poderes virtualmente ditatoriais para a década seguinte foi a gota
d'água. No ano seguinte, seus oponentes forçaram-no a renunciar e fugir para o
Peru. Nos anos de caos que se seguiram, enquanto uma série de presidentes de
curta duração tentava controlar o país desunido, o Chile teve pouco tempo para
se preocupar com os eventos do Peru.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Impávido, Bolívar foi para Lima em agosto
de 1823, encontrando o Peru em um estado de desorientação política e colapso
militar. ”O país sofre de uma pestilência moral", escreveu ele. Sofria também
com os espanhóis: em fevereiro de 1824, quando Bolívar foi nomeado oficialmente
ditador do Peru por um governo desesperado, a república só mantinha o controle
de uma única província costeira.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com a ajuda do general Sucre, Bolívar
conseguiu treinar e equipar uma força de quase 10 mil homens e, em junho de
1824, os dois generais partiram para os Andes. Dois meses depois, derrotavam os
realistas numa escaramuça na planície de Junín. A vitória parecia próxima, mas
em outubro, Bolívar recebeu uma súbita ordem do parlamento colombiano para
abandonar o comando. (O vice-presidente Santander, supôs ele, estava por trás
desse ato.) Sucre assumiu todo o controle e a 18 de dezembro forçou um confronto
decisivo com os realistas em um lugar que levava o nome indígena de Ayacucho -
Beco da Morte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa batalha quebrou a resistência espanhola
no Peru. Sucre avançou rapidamente até o Alto Peru, onde derrotou os realistas
em abril de 1825. Foi a última batalha que a Espanha travou no continente
sul-americano. Em agosto, o Alto Peru declarou sua independência, adotando o
nome de Bolívar (mais tarde Bolívia), tendo Sucre como primeiro presidente.
Bolívar, que não participara pessoalmente da luta final, chegou em triunfo e subiu
o monte Potosí com Sucre para celebrar o final da guerra contra a Espanha. Ela
ainda conservava suas possessões no Caribe, mas a libertação da América do Sul
estava completa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com o fim da luta pela independência, começava
a batalha pela estabilidade do futuro do continente. Desta vez, o Libertador
não conseguiria vencer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bolívar assumiu o papel de conselheiro da
nova república boliviana, assessorando numa ampla variedade de assuntos, de agricultura
e comércio até higiene e criação de lhamas. Para auxiliar no programa educacional,
chamou seu velho tutor Simón Rodríguez (logo banido do país devido a seu
comportamento sexual desinibido). Mas a principal e mais controvertida
contribuição de Bolívar foi a própria constituição, um documento altamente
pessoal que refletia sua crescente desilusão com a democracia. Embora
garantisse os direitos humanos e abolisse a escravidão, seu texto previa também
a criação de um presidente vitalício que teria o poder de designar seu próprio
sucessor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As eleições, explicou Bolívar, “só produzem
anarquia". Sentia-se imensamente orgulhoso da constituição boliviana. Sob
sua influência, o Peru adotou-a em 1826 e Bolívar exortou a Colômbia a fazer o
mesmo. “Todos vão considerar essa constituição como a arca da aliança",
afirmou irrefletidamente. Na opinião de seus oponentes, ela se parecia mais com
o bezerro de ouro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chegou então o momento de Bolívar realizar
sua ambição maior: uma confederação de todos os estados das Américas do Sul e
Central. Todo o continente meridional estava livre do domínio europeu. México e
Guatemala - que então abrangia, além do país atual de mesmo nome, El Salvador,
Costa Rica, Honduras e Nicarágua - tinham conquistado a independência em 1821. E
o Brasil tinha se declarado uma monarquia constitucional, independente de
Portugal, no ano seguinte. Bolívar propunha então a formação de uma liga de nações
que arbitraria as disputas que ocorressem entre os países, aboliria a discriminação
racial e providenciaria a defesa mútua. Para lançar o projeto, convidou delegados
de todas as novas nações (e de Inglaterra e Estados Unidos) para uma reunião no
Panamá, que acabava de se declarar independente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiP43jCT4fn5JavRPxjXc8Wm4kPMSQvKC8DGudOnTdBBQzyUO3D5xc9v6DMpoRiGUbxdWNK4tzmOjKAzzSkBJP3AtqZH-58o3aE5nRRAGSRrJmtrAqzBjbQsslrg6P6CgxxvH9pxZCqb4w4/s1600/america15fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiP43jCT4fn5JavRPxjXc8Wm4kPMSQvKC8DGudOnTdBBQzyUO3D5xc9v6DMpoRiGUbxdWNK4tzmOjKAzzSkBJP3AtqZH-58o3aE5nRRAGSRrJmtrAqzBjbQsslrg6P6CgxxvH9pxZCqb4w4/s1600/america15fig1.jpg" height="640" width="514" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;"> BRASIL: A REVOLUÇÃO PACÍFICA Foi a circunstância, mais do que o conflito, que deu a independência ao Brasil. Em 1807, quando as forças francesas invadiram Portugal, o príncipe regente dom João e cerca de 2 mil membros da corte fugiram para o Brasil. Recebidos com enlevo, os emigrados logo começaram a transformar a colônia. Um Rio de Janeiro rapidamente reformado tornou-se a capital do império português e os portos brasileiros foram abertos ao comércio mundial. Após a morte de sua mãe em 1815, dom João declarou-se rei de Portugal e Brasil; quatro anos depois, retornou para a Europa, deixando seu filho Pedro como regente. Mas logo ficou claro que o governo de Lisboa estava decidido a fazer o Brasil voltar à condição de colônia. Em 1822, quase sem derramar sangue, o Brasil declarou sua independência e Pedro, retratado acima em trajes de coroação, tornou-se imperador. Seu filho Pedro II, que subiu ao trono em 1831, continuou a dinastia até 1889, quando foi proclamada a república. </span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O congresso resultante de 1826 foi um
fracasso que chegou às raias da farsa. Agora que eram independentes, as nações
americanas estavam mais preocupadas em resolver seus problemas domésticos do
que em iniciar qualquer ação conjunta. Alguns países nem mandaram delegados,
outros chegaram tarde demais. O representante dos Estados Unidos morreu em
viagem ao Panamá, enquanto o próprio Bolívar ficava no Peru. No fim, apenas
quatro países - México, Colômbia, Peru e Guatemala - participaram. Suas
resoluções tiveram pouca consequência e, de qualquer forma, foram logo esquecidas
diante do tumulto que tomou conta da Colômbia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na longa ausência de Bolívar, pioraram as
relações entre Santander e o <i>llanero</i> Páez,
agora comandante geral da Venezuela. Com efeito, os venezuelanos estavam em pé
de guerra quando Bolívar retornou a Bogotá, no final de 1826. O Libertador apressou-se
em resolver as diferenças entre os dois homens, mas mal dera as costas para
Lima, e os soldados de Nova Granada que tinham ficado para manter a ordem rebelaram-se
contra seus oficiais venezuelanos e voltaram para casa. Os políticos peruanos
imediatamente jogaram fora a constituição de Bolívar e devolveram o país ao
estado de caos no qual aparentemente eles prosperavam. Os sonhos de unidade do
Libertador pareciam cada vez mais distantes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seus esforços para restaurar a ordem na
Colômbia, Bolívar começou a defender soluções ainda mais autoritárias. “Sem
força não há virtude", anunciou ele. “Que tenhamos leis inexoráveis".
Suas ideias, no entanto, só serviam para distanciá-lo ainda mais dos liberais.
Em 1828, o governo constitucional rompeu-se e Bolívar assumiu poderes
ditatoriais. No mesmo ano, seu desapontado rival Santander, tendo maquinado um
atentado fracassado contra Bolívar, exilou-se.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas a posição do Libertador tornava-se
precária. Aferrou-se ao poder por mais um ano e meio, período em que sua
popularidade declinou e sua saúde deteriorou-se. O Peru, que já havia expulsado
Sucre da Bolívia, invadia agora o Equador. O ataque foi rechaçado, mas a
Venezuela de Páez rebelou-se e separou-se da Colômbia. A união de Bolívar
esfacelava-se. Enquanto os venezuelanos o repudiavam, políticos e generais de
Nova Granada consideravam-no um risco. Os liberais difamavam-no, temerosos
ainda de que acabaria assumindo poderes tirânicos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bolívar renunciou à presidência e, a 8 de
maio de 1830, deixou Bogotá, decidido a emigrar a fim de fugir do divisionismo
debilitador da América do Sul. Mais golpes o esperavam. Antes de chegar à costa,
recebeu a notícia de que o Equador declarara sua independência, destruindo
assim o último vestígio do sonho colombiano. Depois ficou sabendo que Sucre, o
mais leal e capaz de seus generais, fora assassinado numa estrada montanhosa do
sul da Colômbia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Devastado fisicamente pela tuberculose e
mentalmente pelo colapso da obra de sua vida, Bolívar perdeu toda a esperança
no continente. Seu último pronunciamento um mês antes de morrer, revelou sua
desilusão: “A América é ingovernável. Os que servem à revolução aram o mar. A
única coisa a fazer na América é emigrar”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bolívar morreu a 17 de dezembro de 1830,
numa quinta perto de Santa Marta, no litoral caribenho de Nova Granada. Doze
anos depois, quando finalmente amainou o ódio que o Libertador inspirara na
Venezuela, seu corpo foi levado de volta para Caracas e enterrado em sua terra
natal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os anos imediatamente posteriores à morte
de Bolívar confirmaram sua mensagem final. Os sonhos de cooperação
internacional e unidade continental afundaram numa onda de violência e cobiça.
Venezuela, Nova Granada - mais tarde rebatizada de Colômbia - e Equador foram
convulsionados por guerras civis sangrentas. A Bolívia invadiu o Peru, o Chile
entrou em guerra com os dois países. Em vez de constituições, a política da
América Latina teve caudilhos. A convicção de Bolívar de que os presidentes
deveriam ser vitalícios gerou uma progênie maligna de ditadores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A longa e dura estrada da independência não
levara à liberdade. Os <i>criollos</i>
tomaram o lugar dos <i>peninsulares</i> como
classe política dominante, sem abandonar nenhum dos privilégios. As prometidas
reformas agrárias deram em nada. Enormes <i>haciendas</i>
continuaram a dominar a economia rural, com um pequeno grupo de<i> criollos </i>novos-ricos tomando as
propriedades dos <i>peninsulares</i>. Poucos
sofreram tanto quanto os índios, cujas terras comunais foram cinicamente
absorvidas pela nova elite, sob o pretexto de integrar seus donos tradicionais
à república.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O vácuo econômico criado pela saída da
Espanha foi preenchido pela Inglaterra e outras potências europeias, cujos
interesses eram igualmente egoístas. Em 1823, os Estados Unidos tinham lançado
a doutrina Monroe, uma declaração unilateral que afirmava que qualquer
tentativa da Europa de oprimir ou controlar governos independentes do
hemisfério ocidental seria considerada um ato de inimizade. A América do Sul,
porém, continuava à mercê dos tentáculos mercantis do Velho Mundo. Com efeito,
o próprio Bolívar chegara a sugerir ao governo peruano a venda “na Inglaterra
de todas suas minas, terras, propriedades e outros bens do governo para cobrir
a dívida nacional”. Agora, uma torrente de produtos manufaturados baratos da
Europa caía sobre o continente em troca de matérias-primas. Mas enquanto os<i> criollos</i> abastados podiam se dar ao
luxo de adquirir bens de consumo dos centros industriais da Grã-Bretanha, os
trabalhadores das minas e plantações continuavam a viver na miséria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em toda a América Latina, a sociedade
continuou profundamente dividida por distinções de raça e cor. As belas
palavras dos abolicionistas foram logo esquecidas. Em países como Argentina,
Colômbia, Venezuela e Peru, cujas economias ainda comportavam o trabalho
forçado, a escravidão só seria abolida na década de 1850. Outros trabalhadores
continuaram a viver em condições de quase escravidão, presos à terra por
dívidas ou desesperança.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas as guerras de libertação não foram
travadas inteiramente em vão. Os nomes de Boyacá e Ayacucho, Sucre, O'Higgins e
San Martín seriam lembrados com admiração reverente, enquanto Simón Bolívar se
tornaria um semideus, uma geração após sua morte. Os feitos e ideais do
Libertador e seus companheiros revolucionários permaneceram como inspiração
para os espíritos rebeldes que viriam no futuro, para quem a visão de um povo
latino-americano livre jamais feneceria.<o:p></o:p><br />
<br />
<br />
<br />
<br />
LIBERTAÇÃO DA AMÉRICA LATINA é um capítulo do livro A FORÇA DA INCIATIVA, da coleção HISTÓRIA EM REVISTA, que trata temas ocorridos entre os anos de 1800/1850.<br />Os demais capítulos são O IMPÉRIO DE BONAPARTE, A INDÚSTRIA NA GRÃ-BRETANHA, A ABERTURA DA CHINA e O SUL DA ÁFRICA EM DISPUTA.<br />
<br />
Editores de TIME-LIFE LIVROS<br />
ABRIL LIVROS - Rio de Janeiro<br />
<br />
Editor da série: TONY ALLAN<br />
Consultor para este capítulo: JOHN LYNCH,<br />
Professor emérito de História Latino-americana<br />
Universidade de Londres<br />
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
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</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-26196244439256610962014-08-24T19:39:00.001-03:002014-08-24T19:39:19.633-03:00RUMO ÀS ALTURAS<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbwL7euHqHqq9tr42t13a46UzATAU7gmGVC9pKpJyvH2Qp_ZwPrRWnT-pCJ4c64_gIDgmP2GoGXFcmqUKj2FBsyUrBPWBeswWSMJWs5AiLDRNu_7zcM0xUBhC0r0uMgNMe-JEHhQRYC4A8/s1600/rumo01b.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbwL7euHqHqq9tr42t13a46UzATAU7gmGVC9pKpJyvH2Qp_ZwPrRWnT-pCJ4c64_gIDgmP2GoGXFcmqUKj2FBsyUrBPWBeswWSMJWs5AiLDRNu_7zcM0xUBhC0r0uMgNMe-JEHhQRYC4A8/s1600/rumo01b.jpg" height="289" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Em agosto de 1941 um caça britânico foi abatido em território
francês ocupado. O piloto foi transportado para o hospital militar de
Saint-Omer. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Um médico alemão o examinou e verificou com grande espanto
que ele tinha as duas pernas amputadas!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Para os homens da Luftwaffe este piloto não era
um desconhecido: sabiam que se tratava de um dos grandes ases britânicos da
aviação, talvez o mais famoso dos comandantes da Real Força Aérea.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWkaUPP_YgPJiHjFWzeF27wB2gouNK6vrajmOVmllg7lmMvvLdHQnr0DtK_5r5ea2o7hDiJvgyG0j5rA4n6NG5sHFIMY_A3tv5SxDZht_0r6BNYqOp4-DfrNxhrStJD_TWK7uTAC0QGCHp/s1600/rumo01a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWkaUPP_YgPJiHjFWzeF27wB2gouNK6vrajmOVmllg7lmMvvLdHQnr0DtK_5r5ea2o7hDiJvgyG0j5rA4n6NG5sHFIMY_A3tv5SxDZht_0r6BNYqOp4-DfrNxhrStJD_TWK7uTAC0QGCHp/s1600/rumo01a.jpg" height="640" width="271" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando Douglas Bader, com 19
anos, era cadete em Cranwell, a academia da Real Força Aérea, seu instrutor de
pilotagem disse: "Este jovem ou ficará famoso ou se matará". Parecia
que era apenas uma questão de saber qual das duas coisas aconteceria primeiro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desde o começo Douglas Bader
revelara possuir as qualidades de um soberbo aviador. Tinha a coordenação do
atleta nato (brilhava em todos os esportes, do futebol ao boxe) e voava com
exuberância e com absoluto destemor. Mas era dado a aceitar logo qualquer desafio
e jovialmente transgredia todos os regulamentos menos importantes. No esquadrão
de caça onde foi classificado depois de concluir o curso ficou conhecido por suas
acrobacias aéreas de arrepiar os cabelos, que ele se deliciava em executar a
altitudes perigosamente baixas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os pilotos treinados para a
guerra não são recrutados por sua cautela, e às vezes a sua temeridade
prevalece sobre a competência. No dia 14 de dezembro de 1931, Bader, que tinha
acabado de completar 21 anos, voou para um aeródromo próximo a fim de visitar
uns amigos. Conhecendo a fama que granjeara por suas acrobacias aéreas, alguém
lhe pediu que, a título de demonstração, "batesse" o campo — uma
manobra de voo rasante sobremodo arriscada e rigorosamente proibida aos pilotos
da RAF. Bader hesitou um instante, pois o seu novo caça Bulldog, embora mais
rápido, era também mais pesado e menos maneável que o avião em que vinha voando
anteriormente. Em seguida decolou, inclinou o avião de lado e virou para trás a
fim de dar uma passada rasante sobre o campo. Cruzou como um raio a cerca
divisória, com o motor rugindo, empurrou o mancho e puxou o manete para manter
o motor funcionando, enquanto o Bulldog virava de dorso. Sentiu que o aparelho
começava a afundar, e procurou a todo custo fechar a curva. Tinha quase
completado a volta quando a ponta da asa esquerda tocou no solo e lançou o
nariz para baixo. Quando a hélice e o motor explodiram de encontro ao solo, o
Bulldog virou uma cambalhota lateral e se amarrotou numa massa confusa que
parecia uma bola de papel. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Preso nas correias, Bader nada
sentiu, e ouviu apenas um ruído terrível. Quando sua mente clareou, sentiu, no
repentino silêncio que se seguiu, uma sensação estranha nos joelhos e notou que
suas pernas estavam em posições esquisitas. A perna esquerda tinha ficado presa
debaixo do assento quebrado, de modo que ele estava sentado nela. O pé direito
estava enfiado lá no outro canto da carlinga, e a perna do macacão branco e
limpo estava manchada de sangue. Havia algo atravessado no joelho. Lembrava um
pouco a barra de direção. Muito estranho. Olhou aquilo abstratamente, e por
algum tempo não sentiu nenhum impacto, até que se cristalizou um pensamento desagradável:
"Maldição! Não vou poder jogar <i>rugby</i>
sábado". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No hospital civil para onde o
levaram a toda pressa, o médico amputou-lhe a perna direita (que já estava
quase solta) acima do joelho esmagado. E dois dias depois, quando a perna
esquerda ferida gangrenou, também esta foi amputada 15 centímetros abaixo do
joelho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não se sabe como, Bader conseguiu
resistir ao choque do desastre e da primeira operação, agarrando-se à vida por
um fio. Depois da segunda operação levou umas 24 horas para ficar de fato consciente.
Despertou presa de uma dor aguda e incessante. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Minha perna esquerda está
doendo — queixou-se. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Deram-lhe morfina para aliviá-lo,
mas a dor continuou implacável. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seus olhos ficaram inquietos e
mergulhados em negras olheiras, o rosto cinzento e ceráceo, brilhando sob uma
camada de suor. Durante dois dias ele alternou entre períodos de inconsciência
e momentos de vigília, e então a dor constante lhe atormentava o corpo e seu
espírito vagava num indefinido meio-mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois o moço despertou e a dor
tinha desaparecido. Não sentia absolutamente o corpo, embora sua mente
estivesse perfeitamente clara. Ficou imóvel, olhando através da janela para um
trecho de céu azul, e um pensamento cheio de paz se insinuou na sua mente:
"Isto é agradável. Basta fechar os olhos agora e inclinar-me para trás, e
está tudo bem". Uma paz morna ia-se apoderando dele, seus olhos iam-se
fechando e sua cabeça parecia mergulhar no travesseiro, quando começou a
penetrar numa doce névoa de sonhos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pela porta do quarto entreaberta
uma voz incorpórea de mulher chegou até ele: "Psiu! Não faça tanto
barulho. Há um rapaz morrendo ali". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As palavras vibraram dentro dele
como um choque elétrico, disparando este rápido pensamento: "Então a coisa
é essa! Sim, eu vou morrer!" O desafio o mobilizou e ele parou de
entregar-se. Quando a sua mente começou a clarear, de novo tomou contato com a
realidade e a dor voltou-lhe à perna. Daquela vez, por uma razão qualquer, não
se incomodou; foi quase agradável, porque sentiu que voltara à normalidade.
"Não devo deixar que isto aconteça outra vez", pensou. (Mas desde
aquele momento nunca teve medo de morrer. Mais tarde isso viria a ter um profundo
efeito sobre a sua vida). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos dias que se seguiram, Bader
passou, inesperadamente, a se agarrar à vida. Embora tivesse pouco depois entrado
em coma e assim permanecesse 48 horas, sobreviveu a essa recaída e aos poucos
se restabeleceu. Entrementes, o hospital inteiro sabia, com uma espécie de
fascinante terror, que ele não tardaria a ter conhecimento da extensão do que
lhe acontecera. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante um período de lucidez em
seguida à primeira operação, Bader tinha percebido que a perna direita fora
amputada, tendo examinado sub-repticiamente, debaixo da roupa de cama, o coto
envolto em ataduras. Mas não sabia ainda que tinha perdido a perna esquerda
também. Uma das enfermeiras, temendo, que ele por acaso descobrisse e o choque
o pusesse de novo em perigo, tentou contar-lhe com tanto jeito e um ar tão
despreocupado quanto possível, mas seu cérebro, entorpecido pelas drogas, não
registrou as palavras da enfermeira. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele o soube no dia seguinte,
quando o comandante do seu esquadrão foi visitá-lo. Com a mente tornada lúcida
pelo tormento, Bader queixou-se de que a perna esquerda lhe doía tanto que
desejaria que a tivessem cortado como fizeram com a direita. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Essa não dói nada!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Você talvez não quisesse que
lha cortassem se não doesse — disse o oficial, nervosamente consciente do
drama. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Não sei o que eu quereria se
ela não doesse. Só sei que estou saturado disto tudo e, por Deus, agora eu
queria que tivesse sido amputada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— A verdade, Douglas — disse
lentamente o comandante do esquadrão — é que ela foi amputada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dessa vez ele entendeu bem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader lançou-se com feroz
resolução à tarefa de conseguir locomover-se. Seis semanas depois do acidente
foi-lhe colocada uma perna de pau no coto esquerdo (onde havia ainda o joelho),
a fim de que pudesse tentar andar de muletas. Quando se apoiou na perna de pau,
o joelho dobrou; não tinha força nenhuma. Embora o tentasse repetidamente,
levou três dias para poder dar dois passos claudicantes, sem ajuda. Mas dali a
pouco estava andando sozinho e passava horas caminhando com seus cotos de perna
pelo jardim do hospital. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas antes de poder usar membros
artificiais adequados Bader teve de ser operado outra vez. Os cotos tinham
murchado tanto que havia perigo de o osso furar a pele, e por isso era preciso
aparar um pouco o osso de cada perna. Bader submeteu-se à operação quase com
alegria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto ficou de cama esperando
que os cotos sarassem de novo, estudou os encorajantes folhetos que lhe haviam
sido enviados pelos fabricantes de membros artificiais. Esses folhetos lhe
deram a sensação de que quando tivesse as novas pernas poderia levar uma vida razoavelmente
normal; talvez não pudesse jogar <i>rugby</i>,
mas com certeza poderia andar e dançar (coxeando um pouquinho, talvez), guiar
automóvel, é claro, e voar também. Não via por que não. Voar era, sobretudo,
olhos e mãos e coordenação, e não pés. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Eles <i>não</i> podem desligar-me da RAF", dizia. Afinal de contas, conhecia
um piloto militar que tinha perdido uma perna na Primeira Guerra Mundial e
ainda voava. Alguém lhe falou num amigo que perdera uma perna e ainda jogava
tênis. A rigor, todo o mundo vivia a falar-lhe de pessoas de uma perna só que
haviam vencido, embora ele notasse que ninguém parecia conhecer alguém que
tivesse perdido <i>ambas</i> as pernas e
sobrepujado isso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Às vezes, o bem intencionado
encorajamento dos amigos o deprimia. "É <i>claro</i> que vão deixar você continuar na Aviação", diziam com
veemência um tanto excessiva. (Vão <i>deixar-me</i>
ficar... Caridade!) "Mesmo que você não possa voar, podem dar-lhe uma
função em terra". Mas a ideia de uma função em terra enquanto os camaradas
voavam o revoltava.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— De qualquer modo, o senhor
ainda poderia fazer nova carreira num gabinete — disse-lhe a enfermeira para
animá-lo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Gabinete — replicou ele com desprezo.
— Fechado num gabinete o dia inteiro! Amarrado a uma mesa! Não haverá vida para
mim se tiver de deixar a Aviação. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma preocupação desapareceu
quando oficiais superiores da Aeronáutica o visitaram para apurar o acidente.
Suas conclusões contornaram habilmente a questão da culpa, considerando que, fosse
o que fosse que tivesse havido, Bader já tinha sofrido mais do que o suficiente.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em meados de abril ele foi
transferido para o hospital da Aeronáutica em Uxbridge. Ali a atmosfera era toda
militar. Os enfermeiros eram quase todos soldados, respeitosos mas distantes, e
as costumeiras restrições militares foram a princípio incômodas. Mas Bader
encontrou na enfermaria alguns dos seus antigos companheiros e naturalmente se
sentiu à vontade entre eles. Na realidade, a RAF era a sua casa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chegou, então, o momento que ele
vinha esperando. Os médicos da Aeronáutica enviaram-no a Londres a fim de tirar
as medidas para os membros artificiais. Ali encontrou Robert Desoutter, que fez
moldes de gesso dos seus cotos e lhe disse que enviasse um par de sapatos
velhos a fim de poderem arranjar-lhe pés do tamanho certo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Prepare-os o mais depressa
possível, sim? — pediu Bader. — Eu quero levar uma pequena a um baile. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Vamos fazer tudo que estiver ao
nosso alcance — respondeu Desoutter, pensando, erradamente, que ele estivesse
brincando. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Duas semanas depois, quando
voltou para uma prova, suas pernas novas de metal estavam prontas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Bonitas, não? — disse
Desoutter. — Veja só como são musculosas! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader sorriu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— O senhor vai ficar uns três
centímetros mais baixo do que era — continuou Desoutter. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O sorriso apagou-se. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Por quê? — perguntou Bader,
indignado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Para lhe dar melhor equilíbrio.
Se as quiser maiores, sempre será possível aumentá-las. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na sala de provas, Desoutter
apresentou-lhe dois assistentes de avental branco, que o fizeram tirar a roupa toda,
menos a camiseta e a cueca. Calçaram-lhe uma "meia" curta de lã no coto
esquerdo e o introduziram numa cavidade revestida de couro na barriga da sua
nova perna esquerda. Acima da barriga da perna havia umas barras de metal com
dobradiças que se prendiam de cada lado do joelho e terminavam numa faixa de
couro que era amarrada em volta da coxa. A sensação era muito boa e depois de
alguns passos de ensaio atravessou facilmente a sala com o auxílio de muletas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Muito bem — disse ele com
satisfação. — Vamos ver agora a perna direita. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Trouxeram-na. A coxa era um cilindro
de metal que subia até a virilha e tinha umas correias que iam dar num grosso
cinto e outras que davam volta por cima dos ombros. Enquanto encaixavam o coto
direito na funda cavidade e afivelavam as inúmeras correias, Bader sentiu-se
como se estivesse sendo metido numa camisa-de-força. Ajudaram-no a pôr-se de
pé, e dessa vez não lhe deram muletas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando seu peso descansou sobre
ambas as pernas, sentiu-se desesperadamente desequilibrado, o coto direito
doeu-lhe, ficou inteiramente sem ação e as próprias correias pareciam tolhê-lo.
Além disso, quando tentou balançar para frente à perna direita, ela não se
moveu. Sem músculos dos dedos do pé ou do tornozelo que o impulsionassem para frente,
aquela perna direita formava uma firme barreira e êle só conseguiu pôr-se em
cima dela e transpô-la quando os assistentes de Desoutter o empurraram para
frente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Meu Deus, isto é completamente
impossível — exclamou ele com pungente desespero. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Isso é o que todos dizem na primeira
vez — disse Desoutter. - O senhor se acostuma. Não se esqueça de que o seu coto
direito não faz movimento algum há quase seis meses. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader disse com amargura: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Pensei que ia poder sair daqui
andando e começar logo a praticar esportes e fazer outras coisas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Escute — disse Desoutter com
muito jeito — acho que o melhor é o senhor ficar sabendo que nunca poderá andar
sem bengala. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader olhou para ele com intenso
desânimo e, em seguida, quando o desafio o animou, êle replicou combativamente:
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Uma ova! Eu nunca andarei de
bengala! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em sua obstinada raiva, ele de
fato estava falando sério. E com furiosa resolução passou os braços sobre os
ombros dos assistentes de Desoutter e começou a aprender a técnica de usar as
novas pernas. Seguindo as instruções deles, aprendeu que tinha de dar um chute para
frente com o coto direito a fim de mover a perna, dar-lhe um arranco seco para baixo
outra vez para pôr o joelho reto e depois — o mais difícil de tudo — fazer peso
para frente até ficar precariamente equilibrado no enfraquecido coto direito.
Como tinha ainda o joelho esquerdo, conseguia com facilidade mover para frente à
perna esquerda; em seguida recomeçava a luta para mover a perna direita. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Finalmente, após duas horas de esforço
exaustivo, com o rosto brilhando de
suor, deu três ou quatro tropeções sincopados antes de ter de agarrar-se às
barras paralelas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Pronto - disse ele rindo. — Agora
o senhor pode ficar com as suas malditas bengalas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desoutter ficou surpreendido e
satisfeitíssimo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Eu nunca tinha visto ninguém
com <i>uma</i> perna fazer isso na primeira
vez — disse ele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na visita seguinte foi um pouco
mais fácil e não tardou que Bader conseguisse atravessar a sala sozinho,
cambaleando. Nesse dia aprendeu também a virar-se, movendo-se instavelmente num
apertado semicírculo. Já queria levar as pernas, mas Desoutter ainda precisava
fazer mais uns ajustamentos. Na terceira visita, porém, depois de haver
dominado a arte de se levantar de uma cadeira (com o joelho esquerdo bom
fazendo o esforço e erguendo-o) e de subir escadas (subindo cada degrau com a
perna esquerda primeiro e depois puxando a perna direita para junto dela),
Desoutter disse: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Agora pode levá-las. Quer que
embrulhe? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Nada disso! — replicou Bader
com um sorriso. — Vou sair daqui andando com elas. Tome! — acrescentou,
jogando-lhe a perna de pau e quase caindo ao jogá-la. — Pode fazer dela o que
quiser. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seguida, com certo esforço
vestiu pela primeira vez o resto da roupa por cima das pernas novas e olhou-se
ao espelho. Estava em pé, vestido como um camarada qualquer. Parecia ser
perfeitamente normal. Foi um momento impressionante. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Agora, que tal uma bengala? — sugeriu
Desoutter em tom persuasivo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Nunca! — respondeu Bader secamente.
— Vou começar logo do modo que pretendo andar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Francamente, acho que o senhor é incrível — disse
Desoutter. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os dias que se seguiram foram o
pior período desde o acidente. Outra vez no hospital, dependendo inteiramente
das suas estranhas pernas novas para mover-se, ele não parava de enfrentar
problemas até então desconhecidos: organizar a sua rotina de ir para cama antes
de tirar as pernas; aprender a técnica de equilíbrio para andar na grama,
inteiramente diferente da necessária para andar em chão liso; combater o
cansaço causado pelo tremendo esforço físico que cada movimento exigia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ia tropeçando, caindo com frequência,
recusando secamente qualquer ajuda e erguendo-se para cambalear e cair outra
vez. Hora após hora continuava teimosamente naquilo, com o rosto escorrendo
suor que lhe brotava de todo o corpo, ensopando-lhe as roupas de baixo e, infelizmente,
as meias dos cotos também, o que as fazia perder a maciez de lã e esfolar a
pele dos rígidos e doloridos cotos. As bem humoradas brincadeiras com que os
companheiros saudaram os seus esforços iniciais foram cessando à proporção que eles
percebiam que estavam vendo um homem lutar para fazer algo que nunca fora feito
com êxito até então. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Voltou várias vezes a Desoutter
para reajustamentos. Aprendeu a evitar as esfoladuras usando talco e colocando
esparadrapo nos pontos sensíveis, e os flácidos músculos do enfraquecido cato
direito começaram a endurecer. Mas andar com as pernas novas ainda parecia uma dificuldade
quase insuperável. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E então, uns dez dias depois de tê-las
recebido, descobriu o primeiro indício de controle automático. Era como um
homem aprendendo uma estranha língua que soa como um amontoado de sons
confusos, até que um dia consegue pegar uma frase e entendê-la. Bader verificou
que estava andando sem ter de se concentrar no movimento ou no equilíbrio;
algum instinto automático parecia ter-se encarregado de parte do trabalho.
Depois disso, embora a coisa estivesse longe de ser fácil, o progresso foi
rápido. Conseguiu afinal passar um dia inteiro sem cair e, como clímax dessa
vitória, aprendeu a virar-se girando sobre o calcanhar direito. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Bader não se contentou em
vencer a sua deficiência; estava resolvido a não transigir com ela de maneira
alguma. Com um orgulho à flor da pele se dispôs a fazer tudo quanto fazem as
demais pessoas. Mandou mudar os pedais do seu carro MG de maneira a poder
acionar tanto a embreagem quanto o acelerador com a perna esquerda e, após um período
de treino, não teve dificuldade em obter carteira de "motorista
parcialmente inválido". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Numa importante visita que fez
num fim-de-semana a um velho amigo verificou que ainda podia nadar... E,
enquanto descobria isso, o sol lhe queimou tanto o ombro que ele ficou sem
poder colocar as alças. Com imensa satisfação constatou que se arranjava bem
com o cinto apenas, e nunca mais voltou a usar as incômodas alças do ombro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante algum tempo pareceu que
Bader ia realizar a sua ambição e que não tardaria a estar de novo no seu
esquadrão, voando outra vez. Como primeiro passo para tornar a voar teve de
passar num exame feito por uma junta médica. Em seguida, no fim do verão,
recebeu ordens designando-o para a Escola Central de Voo a fim de ser
experimentada a sua capacidade para voar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Verificou que voar lhe era mais
fácil do que dirigir automóvel e imediatamente demonstrou a sua competência
para manejar qualquer avião. Por fim o Chefe da Instrução de Voo lhe disse: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Você está perdendo tempo aqui
em cima. Não há mais nada que lhe possamos ensinar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E alguns dias depois Bader estava
seguindo para Londres no seu carro para a aprovação final pela junta médica,
necessária para a sua volta definitiva à Aviação. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nem foi preciso que o médico o
examinasse, mas encaminharam-no logo ao gabinete do comandante do regimento,
onde se sentou tranquilamente à espera das boas-novas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pigarreando, o tenente-coronel
disse: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— A Escola Central de Voo informa
que o senhor consegue voar satisfatoriamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader esperou cortesmente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Infelizmente — prosseguiu o
comandante — não podemos dá-lo como em condições de voar porque não há nada nas
Disposições Reais que se aplique ao seu caso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por um instante Bader ficou
sentado em silêncio, estupefato, com uma sensação de frio invadindo-o
lentamente. Por fim conseguiu falar: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Mas foi para isso que me
mandaram para a Escola Central de Voo. Para ver se eu <i>podia</i> voar. Só a Escola pode resolver a esse respeito. Não basta o
que a Escola decidiu? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embaraçado, o tenente-coronel se
desculpou: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Sinto muito, mas nada podemos
fazer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader soube então que, provavelmente,
tudo tinha sido decidido antes de ele ir para a escola de voo. Esperavam que
fracassasse. Agora estavam atrapalhados; mas a decisão oficial permanecia de
pé. Ele estivera na RAF tempo suficiente para saber que recorrer de uma decisão
oficial era malhar em ferro frio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cheio de decepção e de raiva,
Bader foi transferido para uma função em terra: direção do transporte motorizado
na base de caças de Duxford. Aferrava-se à esperança de conseguir de alguma
maneira voltar a servir no ar. Mas o golpe final veio em abril de 1933 quando
chegou uma carta oficial do Ministério da Aeronáutica determinando que a RAF reformasse
Bader por incapacidade física. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Condenado à vida civil, Bader
arranjou um emprego de escritório na seção de aviação que uma companhia de
petróleo acabava de criar, mantendo assim uma ligação tênue com a aviação, uma
vez que o seu trabalho tinha relação mais com preços e com a entrega de
combustível e óleos de aviação à Austrália. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Casou-se com uma moça que
conhecera <i>depois</i> do acidente, uma moça
que havia começado a cortejar desde que conseguira andar de muletas, uma moça
que ele tinha, afinal, desajeitada, mas triunfantemente, levado a um baile.
Thelma foi o único raio de luz nas trevas dos seus anos pós-RAF. Serena,
desprendida, sabendo instintivamente lidar com as rebeldias do temperamento
dele, ajudou-o a enfrentar com relutante resignação as frustrações de ter
voltado para terra. E o encorajava quando ele buscava no golfe, no tênis e no <i>squash</i> os desafios exigidos pela sua vitalidade.
Porque, por um esforço quase sobre-humano, ele dominou todos esses esportes e
até conseguiu, surpreendentemente, reduzir a nove o seu <i>handicap</i> no golfe. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Bader nunca conseguia evitar
uma dolorosa sensação de perda toda vez que pensava na RAF. Quando veio Munique
e ele percebeu que ia haver guerra, escreveu ao Ministério da Aeronáutica
oferecendo os seus serviços. Escreveu de novo e tornou a escrever, e, afinal,
poucas semanas depois de declarada a guerra, foi chamado a comparecer perante a
junta de alistamento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seguiu-se a rotina familiar de exames
médicos e testes de voo. Mas dessa vez as Disposições Reais foram esquecidas e
em fins de novembro chegou um envelope do Ministério da Aeronáutica. Ali, em
impessoal estilo oficial, vinha a comunicação: ele seria readmitido, como
oficial de carreira, no seu antigo posto e com os seus antigos direitos. Sua
pensão de reformado já tinha deixado de ser paga, mas continuaria fazendo jus a
toda a pensão de invalidez. (Esta foi uma nota engraçada: era considerado ao
mesmo tempo 100% capaz e 100% incapaz.) Telefonou para o alfaiate, mandou fazer
um uniforme novo e deixou pela última vez a sua escrivaninha, tão feliz como
Thelma nunca o vira. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikEaasPYvpiQoZUjN4f0qIfEsSCXh_ON6RJNsi5e25TGgh9c004gNryztO1hkWOOFEF0yeBnbKWA88c2MBY9YMlHWTab8t6WEnmnV9CxeivVvY1HbIi03mh5CqQk8OZBh7JcfKB3m2QRfe/s1600/rumo02a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikEaasPYvpiQoZUjN4f0qIfEsSCXh_ON6RJNsi5e25TGgh9c004gNryztO1hkWOOFEF0yeBnbKWA88c2MBY9YMlHWTab8t6WEnmnV9CxeivVvY1HbIi03mh5CqQk8OZBh7JcfKB3m2QRfe/s1600/rumo02a.jpg" height="640" width="328" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">(Imperial War Museum)</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em fevereiro de 1940, Bader
apresentou-se em Duxford, onde tinha servido na Força Aérea pela última vez.
Geoffrey Stephenson, um dos seus antigos companheiros da RAF, comandava o 19º
Esquadrão e, sem se atemorizar com a ideia de ter um piloto sem pernas, pedira
Bader para a sua unidade. Mas quase todas as caras ali eram novas; parecia que andavam
todos por volta dos 21 anos. E Bader, vivamente consciente de que já estava
perto dos 30, sentiu-se compelido a mostrar-se à altura dos jovens pilotos que
usavam o uniforme com tão alegre confiança. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Naquele período inicial da guerra
o esquadrão passava o tempo quase todo exercitando-se nos três métodos
oficialmente aprovados de atacar bombardeiros, e aí Bader logo se viu às turras
com a autoridade. No "Ataque nº 1", por exemplo, os aviões de caça
seguiam o guia numa linha regular até ao bombardeiro, davam um tiro rápido
quando chegava a vez de cada um e afastavam-se graciosamente, oferecendo o
ventre da fuselagem ao metralhador do inimigo. Os teóricos do Comando de Caça
tinham concluído que os caças eram rápidos demais para a tática de entreveros
da Primeira Guerra Mundial. Bader achava isso um absurdo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Só há um modo de fazer isso —
rosnava para Geoffrey Stephenson. — Esse é formar todo o mundo um bolo. Por que
usar oito metralhadoras de uma vez se podemos usar 16 ou 24 de diferentes
ângulos? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Stephenson e os outros
retrucavam: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Mas você não sabe, não é
verdade? Ninguém sabe. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Os rapazes da última guerra
sabiam — dizia Bader — e a ideia básica é a mesma agora. Nenhum bombardeiro
alemão vai voar direitinho e deixar uma fila de sujeitos se alinhar atrás e
despejar tiro nele um após outro. Depois, não será um, mas muitos bombardeiros,
permanecendo juntos em formação cerrada, para concentrarem o seu fogo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Provavelmente, depois de uma
investida, ou de duas, seria possível separar os bombardeiros uns dos outros,
pensava ele, e então haveria combates aéreos por todo o céu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Quem vai controlar o combate
ainda será quem tiver a altura e o sol a seu favor — dizia ele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alguns dos outros pilotos
procuravam arreliá-lo fazendo piadas sabre a geração de antes da guerra e sobre
passadismo, mas Bader continuava a condenar os ataques oficiais do Comando de
Caça em todas as oportunidades. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Certa noite, Tubby Mermagen,
outro amigo dos velhos tempos, que estava então comandando o 222° Esquadrão, em
Duxford, imprensou-o no refeitório. Algumas das suas tripulações estavam sendo
enviadas para outros pontos, disse Mermagen, e ele precisava de um novo
comandante de voo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Não quero fazer uma ursada com
Geoffrey, mas se ele concordar você quer vir? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Exultante, Bader respondeu que
iria com todo o prazer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois da sua promoção a capitão,
Bader libertou-se da incômoda sensação de rapaz mais velho que volta à escola
para fazer exame outra vez. Sempre tivera uma personalidade dominadora, e agora
dirigia o seu esquadrão com entusiasmo e capacidade, encantado com a
oportunidade de pôr em prática as suas teorias. Por alguns dias guiou os seus
pilotos para o ar a fim de efetuarem os ataques do Comando de Caça. Fazia cada piloto
subir para servir de alvo, determinando-lhe que observasse cada caça na procissão
regulamentar, atirar um por um e escaparem todos na mesma direção, apresentando
a barriga do avião para um tiro fatal. Quando pousavam dizia: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Agora você está vendo o que lhe
pode acontecer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seguida ensinou-lhes o seu
próprio estilo de combate, levando dois ou três de cada vez, afastando-se do
sol, de um lado ou outro do avião destinado a servir de alvo e escapando
abruptamente para frente e por debaixo dele. Depois disso vinham horas de
práticas de entreveros e acrobacias entremeadas de operações de rotina como
patrulha de comboios. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Após oito meses de uma guerra em
que não tinham sequer visto um avião alemão, os pilotos de Duxford estavam
ficando impacientes. Quando Hitler marchou sobre a França e os Países Baixos,
sentiram-se cheios de júbilo. "Agora podemos atacá-los", disseram.
Bader não cabia em si de contente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nada, porém, parecia acontecer em
Duxford. Os jornais e o rádio estavam cheios da confusa batalha da França e os
pilotos liam com inveja as notícias dos embates dos Hurricanes com a Luftwaffe.
Mas o esquadrão só foi chamado a entrar em ação quando os seus homens, a princípio
perplexos com a missão (a grande evacuação ainda era segredo), foram enviados
para fazer patrulha sobre Dunquerque. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mesmo nessa concentrada área de
combate, onde massas de tropas e uma incrível flotilha de socorro ofereciam
constantes alvos ao ataque aéreo inimigo, a frustração continuou. Outros
esquadrões informavam, excitados, que haviam dado com grandes grupos de
Messerschmidts e Stukas sobre as praias coalhadas de soldados. Mas embora Bader
levantasse voo diariamente, não encontrava aviões alemães. O inimigo parecia
vir matar logo que o seu esquadrão voltava para a base. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então, no sexto dia, avistaram sobre
Dunquerque um bando de pontos que cresciam rapidamente, e Bader de repente viu
um Messerschmidt 109 enchendo o seu para-brisa. Apertou o gatilho e o 109
flamejou como um maçarico, rodopiou como um bêbedo e depois caiu, deixando para
trás uma fita de fumaça negra. A exultação invadiu-o rapidamente, com um brilho
de vitória, ao reconquistar assim a vida em combate primitivo. Mas quando rolou
na pista, ao aterrar, a alegria desapareceu: dois dos outros não tinham
voltado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando Dunquerque acabou, Bader,
de súbito exausto, dormiu 24 horas, e ao despertar encontrou toda a Inglaterra
num estado de espírito diferente, cheia de resolução. Podia-se ler no rosto dos
pilotos o que estavam sentindo: se era luta que os inimigos queriam, iam tê-la.
Contra toda a lógica, o país se recusava a reconhecer que estava derrotado.
Para Bader, havia também um desafio pessoal, embora nunca se lhe impusesse conscientemente
o pensamento de que, agora, ninguém podia pensar nele com piedade. Absorvido
pelo voo e pela tática, ele vivia para a luta que se aproximava. Luta tanto da
Inglaterra como sua. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Menos de duas semanas depois,
Bader foi chamado ao Quartel-General do Grupo 12. Sem preâmbulos, o comandante
Vice-Marechal-do-Ar Leigh-Mallory disse: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Tenho ouvido referências à sua
atuação como comandante. Vou dar-lhe um esquadrão, o 242 de Hurricanes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader arregalou os olhos, depois
engoliu em seco e disse: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Sim, senhor... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O homem atarracado, de rosto
quadrado, que estava atrás da mesa, prosseguiu rispidamente: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— O 242 é um esquadrão canadense,
o único do Canadá na RAF, e a turma é difícil de manejar. Acabam de voltar da
França, onde foram severamente atingidos. Para falar com franqueza, estão
saturados e com o moral baixo. Precisam de um pouco de organização adequada e
de alguém que saiba falar-lhes com dureza, e acho que o senhor é a pessoa
indicada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O esquadrão estava em Coltishall,
disse Leigh-Mallory, e o Major-Aviador Bader devia assumir seu posto
imediatamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Major-Aviador Bader! Oito semanas
antes ele fôra um simples tenente-aviador! Agora tinha alcançado os seus
contemporâneos e podia trabalhar com afinco no seu primeiro comando. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Acho que vou já travar
conhecimento com esses camaradas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Encontrou-os em alerta, num
abrigo na extremidade do campo. Abrindo a porta de par em par, entrou
caminhando desajeitadamente, sem se fazer anunciar, e pelo seu andar
cambaleante viram que se tratava do novo major-aviador. Uma dezena de pares de
olhos o examinaram friamente das cadeiras e das camas de ferro onde os pilotos
dormiam de noite para o alerta da madrugada. Ninguém se levantou; ninguém se
moveu; até as mãos permaneceram nos bolsos; e o local ficou em silêncio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Quem é o responsável aqui? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um jovem corpulento se ergueu
devagar de uma cadeira e disse: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Acho que sou eu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Não há um comandante? — Bader
perguntou, notando o círculo único em volta da manga que indicava o seu posto
de tenente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Há um em qualquer parte, mas
não está aqui — disse o jovem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Como é o seu nome? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Turner... — e em seguida, após
uma pausa nítida: — Sr. Major. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader olhou para eles um pouco
mais, com a raiva flamejando por dentro. Em seguida, voltou-se bruscamente e
saiu. A uns dez metros da porta estava um Hurricane. Na carlinga já havia um paraquedas,
capacete e óculos. Bader passou a perna por cima da beirada e se ergueu para
dentro. Se pensavam que o novo comandante era um aleijado, havia um meio danado
de bom para fazê-los mudar de opinião. Começou a subir e apontou o nariz do
Hurricane para o outro lado do campo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante meia hora rodopiou com o
Hurricane pelo céu, fundindo uma acrobacia em outra, sem pausas para ganhar
altura de novo. Concluiu com uma de suas especialidades, na qual subia num <i>loop</i>, fazia um <i>tonneau</i> rápido no alto, entrando em parafuso, saía deste e
completava o <i>loop</i>. Quando pousou na
relva e rolou o avião para dentro, todos os pilotos estavam de pé do lado de
fora do abrigo, olhando. Desceu sem auxílio, tomou o carro e partiu sem olhar
para eles. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na manhã seguinte chamou todos os
pilotos ao seu gabinete. Mirou-os friamente enquanto permaneciam amontoados e
movendo-se arrastadamente em frente à sua mesa, notando os uniformes
amarrotados, os suéteres de gola alta, o cabelo por cortar e a má aparência
geral. Afinal falou: — Olhem aqui... um bom esquadrão tem boa <i>aparência</i>. Quero que este seja um bom
esquadrão, mas vocês são um bando de maltrapilhos. De agora em diante não quero
ver botas de voo nem suéteres no refeitório. Vocês vão andar de sapatos, camisa
e gravata. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi um erro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Turner disse sem emoção: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Quase todos nós só temos as
camisas e gravatas que estamos usando. Perdemos tudo quanto tínhamos na França.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Serenamente, mas com um traço de
contida cólera, Turner prosseguiu explicando o caos da luta incessante, como
tinham sido, ao que tudo indicava, abandonados pela autoridade, inclusive pelo
próprio comandante, como se haviam livrado deles mandando-os de um lugar para
outro, sem que fossem recebidos em parte alguma, até que cada homem teve de
cuidar de si mesmo, mantendo o seu próprio avião, furtando o seu próprio
alimento e dormindo debaixo da asa; depois procurando gasolina suficiente para
decolar e lutar, enquanto os obrigavam a recuar de um campo de pouso para
outro. Sete já tinham sido mortos e um sofrera desequilíbrio nervoso — cerca de
50% de baixas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando ele concluiu, Bader disse:
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Sinto muito. Peço desculpas
pelo que disse. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seguida, quando lhe disseram
que os seus pedidos de pagamento pela perda dos enxovais não foram atendidos,
disse-lhes que mandassem fazer uniformes novos nos alfaiates locais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Garanto que serão pagos. Até
lá, para esta noite, vejam se alguém pode dar ou emprestar a vocês sapatos e
camisas. Disponho de algumas camisas e vocês podem levá-las todas emprestadas.
Está bem? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Resolvida essa parte, disse: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Agora fiquem à vontade. Em que
combates vocês já tomaram parte e como se saíram? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A meia hora seguinte transcorreu
numa animada discussão sobre os vários aspectos da profissão. De repente os
pilotos estavam interessados e com boa vontade e Bader viu que gostava muito
deles. Depois do almoço começou a levá-los para o ar em grupos de dois para
treinos de formação, e gostou de ver que sabiam manobrar os Hurricanes, embora
a formação deles (pelos padrões de Bader) fosse um tanto imperfeita. Naquela
noite, no refeitório, estavam todos razoavelmente arrumados, de sapatos,
camisas e gravatas, e ele aplicou-lhes o seu irradiante encanto pessoal. Não
tardou que se quebrasse o gelo, e os pilotos aglomeraram-se em volta dele rindo
e conversando. A vivacidade de Bader logo os empolgou, e perto da hora de se
retirarem um deles disse: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Sabe, Sr. Major? Nós estávamos
com medo de que o senhor não passasse de outro irresponsável sem autoridade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na segunda manhã já havia um
senso de comando no esquadrão. Logo nas primeiras horas o novo comandante
começou a aparecer por toda parte, nos alojamentos, no hangar de manutenção, na
cabina de rádio, na seção de instrumentos, no parque de armamento. Por volta
das dez horas, tornou a levar grupos de Hurricanes para o ar, e dessa vez sua
voz explodia, seca, pelo rádio, quando algum avião se atrasava ou saía de
Posição. Mais tarde, no alojamento de oficiais, fez-lhes a primeira preleção sobre
as ideias de tática de caça que tinha exposto em Duxford. Dentro de poucos dias
o esquadrão inteiro estava entrando em posição como um <i>team</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entrementes, Bader lutava com um
novo problema: o oficial mecânico do 242, Bernard West, tinha comunicado que todas
as ferramentas e os sobresselentes das equipes de terra se haviam perdido na
França. Ele não podia manter em condições de voo os 18 Hurricanes do esquadrão
a menos que as suas requisições de novos fornecimentos fossem atendidas.
Segundo West, o oficial-almoxarife da base dissera que as requisições tinham de
percorrer os canais competentes e estes, achava West, estavam muito entupidos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As indagações diretas de Bader
provocaram resposta idêntica do oficial-almoxarife: ele estava quase esmagado
pelo papelório. Coltishall era uma base nova e havia um mundo de coisas a serem
adquiridas: cobertores, sabão, botinas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Literalmente não tenho
funcionários suficientes nem para datilografar os formulários — disse ele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Os seus formulários e os seus
cobertores e o seu maldito papel sanitário que vão para o inferno — replicou
Bader com cólera. — Quero os meus sobresselentes e ferramentas e quero-os logo.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Poucos dias depois, quando nenhum
equipamento tinha ainda aparecido, Bader entregou a West um pedaço de papel. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Talvez você gostasse de mostrar
este aviso ao Grupo — disse ele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
West arregalou os olhos ao ler o
breve radiograma: "ESQUADRÃO 242 OPERACIONAL TOCANTE PESSOAL, MAS NÃO
OPERACIONAL REPITO NÃO OPERACIONAL TOCANTE MATERIAL". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
West ponderou discretamente que
não sabia se o comandante da base permitiria que se enviasse uma mensagem tão
incisiva. Bader disse que o comandante <i>tinha</i>
ficado um pouco perturbado, sobretudo quando soube que a mensagem já havia
seguido. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
West quebrou uns momentos de
carregado silêncio: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Muito bem, Sr. Major, nós ou
vamos receber as nossas ferramentas ou outro comandante. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E de fato a reação foi imediata.
Naquela noite, um major da seção de material do Quartel-General do Comando de
Caça telefonou para observar, com severidade, que havia uma norma própria para
obter equipamento novo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Observei a norma própria e nada
consegui — retrucou Bader. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o indignado oficial do
material insistiu em que as coisas tinham de ser feitas pela norma própria, e
dois dias depois Bader foi chamado a comparecer perante o próprio
Marechal-Chefe-do-Ar, o austero Sir Hugh Dowding. A princípio a entrevista foi
difícil, mas o resultado final foi duplo: o indignado oficial do material foi
dispensado das suas funções, e na manhã seguinte, antes mesmo de êle ter
acabado de esvaziar a mesa para passá-la ao sucessor, os caminhões estavam
rodando para o hangar de manutenção do Esquadrão 242. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com vivo bom humor, West superintendeu
a descarga de rodas sobresselentes, velas, anéis de êmbolo e mais umas 400
peças e miudezas. À noite, quando o último caminhão tinha partido, Bader
perguntou: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Isso é bastante, Sr. West ? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Bastante! — declarou West. — Tenho
material aqui para dez esquadrões, Sr. Major. O que me falta agora é espaço
para guardá-lo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leigh-Mallory tinha acertado ao
mandar Bader para o comando do 242. Os canadenses levavam uma vida vigorosa e
sem formalidades, respeitando apenas regras em que viam utilidade. Reconheciam
em Bader as mesmas qualidades e compreendiam suas contradições quando a sua
própria exuberância se chocava com o seu arraigado senso de disciplina. Ele,
por seu turno, compreendia e respeitava o desejo deles de saberem exatamente o
que tinham de fazer, porque e quando, e a unidade havia finalmente sublimado os
últimos vestígios de suas frustrações. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um esquadrão em guerra é um corpo
sensível. Os homens que voam e encontram a glória morrem jovens. As equipes de
terra precisam executar sem cessar trabalho meticuloso, e se alguma vez fazem
algo mal feito um piloto pode morrer. É preciso haver respeito e confiança recíprocos,
e é ao comandante que cabe inspirar esse delicado equilíbrio. Bader vivia para
o seu esquadrão e esperava que os seus homens fizessem o mesmo. Sua figura um
tanto arrogante, de andar cambaleante, podia aparecer em qualquer lugar a
qualquer hora: um chefe de família dominador e absoluto cuidando de manter a
casa em ordem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E quando a Batalha da Inglaterra
começou, o Esquadrão 242 estava preparado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjVHya5S7fxGArs3ZZsaWqQqgK5CwWxNX7qIHM4p5aFrKNdV7e9ixVHrpvnp-utHVkiDI2MNXyXlHG84-ZqqgwCqthtuxWnh6VuSbvJacPxFujA9IWQZBU6U3-K4TvzDHDOj8XgHPCFcRFX/s1600/rumo03a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjVHya5S7fxGArs3ZZsaWqQqgK5CwWxNX7qIHM4p5aFrKNdV7e9ixVHrpvnp-utHVkiDI2MNXyXlHG84-ZqqgwCqthtuxWnh6VuSbvJacPxFujA9IWQZBU6U3-K4TvzDHDOj8XgHPCFcRFX/s1600/rumo03a.jpg" height="640" width="554" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Hurricanes em voo. Monopostos e de um motor, esses caças eram armados com oito metralhadoras nas asas.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hitler planejava desembarcar 25
divisões na Inglaterra em 21 de setembro de 1940, e Göring, de acordo com o
esquema, tinha de inutilizar a RAF em meados daquele mês. Com 4.000 aviões
prontos para a luta logo do outro lado do Canal (contra os 500 caças britânicos
de primeira linha, e poucas reservas), Göring desfechou o ataque no princípio
de agosto. Para experimentar a força da oposição aérea, lançou bombas sobre
Dover, Portsmouth e outras cidades litorâneas. Em seguida começou a martelar os
campos de aviões de caça do sudeste da Inglaterra, chegando a enviar 600 aviões
num único dia. A ação defensiva dos caças britânicos se revelou mais forte do
que Göring imaginara, e mais de 200 aparelhos germânicos foram abatidos na
primeira semana. Mas Bader e o Esquadrão 242 não participaram dessa batalha. Somente
os caças do Grupo 11, estacionado no sul, foram enviados para enfrentar as
grandes formações; o Grupo 12 foi deixado para proteger o coração industrial da
Inglaterra, no norte de Londres. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader ora se enchia de mau humor,
ora irrompia pelo refeitório de oficiais de Coltishall, onde ele e os pilotos
se sentavam, agitados, aguardando a chamada telefônica das Operações, que não
chegava. Em certa ocasião, Thelma procurou atenuar essa sofreguidão ponderando
que ainda haveria muitas batalhas e que ele não era imortal. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Não diga bobagens,
querida—replicou ele. — Tenho uma chapa blindada atrás de mim, pernas de lata
embaixo e um motor na frente. Como é que poderiam atingir-me? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi só a 30 de agosto de 1940 que
o Grupo 11 pediu auxílio. Naquela manhã as Operações ordenaram ao Esquadrão 242
que se transferisse para Duxford, ao sul, onde estaria à mão para qualquer
eventualidade. No seu conhecido campo de Duxford os homens de Bader
esperaram... e esperaram. Almoçavam sanduíches e café junto dos aviões enquanto
a Luftwaffe atacava furiosamente o sul da Inglaterra com ondas de aviões, mas
mesmo assim nenhum chamado vinha. Bader sentava-se à mesa do telefone no
refeitório de oficiais, com o cachimbo apagado apertado entre os dentes,
excitadíssimo. A um quarto para as cinco o telefone tocou. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Das Operações veio em tom seco e
rápido: "Esquadrão dois-quatro-dois: vamos! Inimigo a cinco mil metros em
North Weald". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto as rodas, ainda girando,
se dobravam para dentro das asas, Bader ligou o rádio e ouviu a voz fria e
medida do Tenente-Coronel Woodhall, Comandante da Base de Duxford: "Alô,
guia vermelho. Vetor um-nove-zero. Mais de 70 inimigos se aproximando de North
Weald". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Segurando um mapa sobre a coxa, ele
viu que 190 graus iam dar sobre a base de caças de North Weald — mas também
dentro do sol. Sabia o que faria se fosse o comandante alemão: entrar primeiro
partindo do sol! Do sudeste. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Isso era o diabo. Ele é que
queria estar de sol acima. Sem ligar às instruções de Woodhall, desviou-se 30
graus para oeste. Poderia deixar de alcançar o inimigo! Mas sentiu que estava
no caminho certo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Estava a sudoeste de North Weald
e ainda ganhando altura quando viu a massa de pontinhos; numerosos demais para
serem ingleses. Comprimiu o manete e disse concisamente: "Aviões inimigos
ao nível de 10 horas". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Agora os pontos pareciam um
enxame de abelhas zumbindo sem parar em direção a North Weald, a 3.600 metros
de altura. Os bombardeiros – Dorniers - vinham em linhas regulares, de quatro
em quatro e de seis em seis e ele os estava contando: 14 linhas e, acima deles,
uns 30 caças. Acima destes outros ainda. Mais de 100 aviões contra os seus
nove. Os Hurricanes estavam acima do enxame principal, descendo sobre eles de
costas para o sol. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De repente, uma onda de raiva agitou
Bader. No impulso do momento, uma força diabólica levou-o a mergulhar bem no
meio daquela formação tão certa e desfazê-la. Apontou para baixo o nariz do
avião. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Caiu-lhes em cima, e imediatamente
as treinadas linhas se desmancharam em guinadas loucas para a esquerda e para a
direita, fora do seu caminho. Ele voou para baixo e para cima, virando para a
direita. Uma pequena onda estava correndo pelo grande rebanho, e depois este começou
a se dividir e a se espalhar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Três 110 estavam rodando na
frente, o último lento demais. Logo atrás, Bader comprimiu o botão com o
polegar e quase instantaneamente o fogo brotou na raiz da asa do avião inimigo
e ele se precipitou. Abaixo e à direita outro 110 estava rodopiando para sair
de uma curva em perda. Bader apontou o nariz para baixo em busca dele e
disparou durante três segundos. O 110 se balançou para frente e para trás. Ele
disparou de novo e o avião caiu em chamas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A exultação se arrefeceu quando
no espelho acima dos seus olhos um 110 meteu o nariz por cima do leme, inclinando-se
para dentro. Ele voltou-se bruscamente o mais que pôde e viu o 110 colado atrás,
com brancos raios de balas traçantes saindo-lhe do nariz. Em seguida, o Messerschmidt
mergulhou de repente e desapareceu por baixo da asa dele; estava voltando
disparado para a sua base. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader se surpreendeu ao verificar
que tinha baixado para 1.800 metros e estava suando, com a boca seca e
respirando fundo. Subiu abruptamente, para voltar à luta, mas a luta havia
terminado. O céu estava milagrosamente limpo de aviões e penachos de fumaça se
erguiam dos campos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De novo em Duxford, ébrios de
satisfação, os pilotos apuraram o escore: dois para Bader, três para McKnight,
um para Turner. Crowley-Milling também tinha abatido um e vários outros haviam
igualmente marcado pontos. Doze confirmados e diversos avariados. O resto dos
alemães havia fugido de volta. Não havia um único buraco de bala em nenhum dos
Hurricanes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E nem uma só bomba atingira North Weald. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mais tarde, Bader explicou a
Woodhall por que tinha desobedecido às instruções, expondo com vigor os seus
pontos de vista. Conseguia falar à vontade com Woodhall, um grisalho e
atarracado veterano da Primeira Guerra Mundial. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
—Temos de pegar os alemães antes
que cheguem aos seus alvos — disse Bader. — Não depois, quando eles já os
alcançaram e estão deixando cair as suas bombas. Se o senhor não disser em
tempo onde estão — direção e altura — decidiremos no ar sobre a nossa tática,
nos colocaremos acima do sol e os mandaremos para o inferno. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Estou com o senhor — disse
Woodhall. — Hoje sem dúvida deu certo. Mas pode ser que estejamos avançando o
sinal um pouco — acrescentou com severidade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Vice-Marechal-do-Ar
Leigh-Mallory chegou de avião naquela noite trazendo muitas congratulações e
Bader aproveitou a oportunidade para ventilar uma ideia nova: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Na realidade, senhor, se
tivéssemos mais aviões poderíamos ter derrubado muitos mais. E óbvio que o objetivo
do voo em formação consiste apenas em trazer para a luta ao mesmo tempo o maior
número possível de aviões. Uma vez iniciado o combate, não há mais nada que o
comandante possa fazer. Se eu tivesse tido três esquadrões esta tarde, teríamos
sido três vezes mais poderosos. E acho que o número de vítimas também seria
menor. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leigh-Mallory disse que iria
pensar no assunto. E na manhã seguinte telefonou para dizer: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Amanhã quero que o senhor experimente
esse plano da grande formação. Temos os Esquadrões 19 e 310 em Duxford. Veja
como se sai liderando todos os três esquadrões. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com muito entusiasmo pelo jeito
decidido de Leigh-Mallory, Bader passou três dias praticando decolagens com os
três esquadrões e guiando-os no ar. A 5 de setembro tinha reduzido o tempo
entre o alerta e a decolagem para pouco mais de três minutos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 7 de setembro Göring atacou
Londres com a Luftwaffe. Começando de madrugada, vieram ondas de bombardeiros o
dia inteiro, mas foi só no fim da tarde que os três esquadrões de Bader
entraram em ação. Tinham eles atingido a uma altura de 4.500 metros quando
Bader divisou o inimigo, uns bons 1.500 metros acima deles. Pelo menos 70 Dorniers
e 110 misturados, e uns pontos mais acima — Messerschmidts 109. Não havia tempo
para tática. Não havia nada a fazer senão espalhá-los atacando-os de baixo para
cima. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na confusa batalha que se seguiu,
uma batalha a alta velocidade, o próprio Bader derrubou dois 110 e levou uns
tiros de canhão na asa esquerda, mas conseguiu levar o seu Hurricane até ao
campo. O jovem Crowley-Milling foi atingido e cortou o rosto numa aterragem
forçada; quatro outros Hurricanes foram danificados e um dos pilotos foi morto.
Ao todo, o Esquadrão 242 abateu comprovadamente 11 aparelhos inimigos. Mas os
outros dois esquadrões, com Spitfires lentos na ascensão, tinham ficado tanto
para trás que a bem dizer não tomaram parte na luta. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No dia seguinte, quando Leigh-Mallory
apareceu, Bader disse: — Ontem não deu certo, Sr. Vice Marechal. Estávamos
baixo demais Se ao menos tivéssemos podido decolar antes poderíamos estar por
cima e prontos para atacá-los. Temos meios de localizar a reunião desses bombardeiros
sobre a França. Por que não levantamos voo antes? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa estratégia podia permitir os
alemães atraírem os caças para o ar e aguardarem até que o seu combustível se
esgotasse para então enviarem os bombardeiros, mas Leigh-Mallory concordou em
que valia a pena fazer uma tentativa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Vamos experimentar fazer vocês levantarem
voo com maior antecedência para poderem ganhar a altura de que precisam — disse
ele. — Veremos o que acontece. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No dia seguinte, Bader já tinha
feito os esquadrões se elevarem a 6.600 metros quando localizaram dois grandes
enxames de pontos dirigindo-se para Londres mais ou menos à mesma altura. As
cifras foram boas naquele dia: 20 aparelhos inimigos destruídos contra a perda
de quatro Hurricanes e dois pilotos. Em setembro de 1940 só as cifras tinham
valor. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Bader ainda não estava
satisfeito. Ele voou para o quartel-general do Grupo 12 e disse a
Leigh-Mallory: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Senhor, se ao menos tivéssemos
mais caças, poderíamos ter derrubado alemães às dezenas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Eu ia falar com você a esse respeito disse Leigh-Mallory.
— Se eu lhe der mais dois esquadrões você pode manobrá-los? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cinco esquadrões. Mais de 60
caças! Até Bader se sobressaltou. Mas entusiasmou-se.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Conversaram então durante mais de
uma hora, e Leigh-Mallory disse que estava espalhando o evangelho de Bader de
desfazer formações inimigas mergulhando no meio delas. Bader tinha feito isso a
primeira vez por raiva — mas naquele momento nasceu um novo processo tático. O
Vice-Marechal-do-Ar (Leigh-Mallory) chamava o 242 de "esquadrão de
desintegração". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o combate incessante
representava um esforço terrível para os pilotos. A vida destes era um contraste
brutal. Nas horas de folga podiam contar anedotas num bar e dormir entre
lençóis; de manhã despertavam para um mundo novo de caçadores e caçados. Sob essa
constante tensão, só Bader parecia insensível ao medo. Nunca teve, como os
outros, o que era conhecido como "o tique". Exteriormente deixava transparecer
uma confiança tão grande que chegava a ser contagiosa. Até para Thelma não
parecia real que êle pudesse ser morto. Um chefe assim é preciso porque os
pilotos são jovens e humanos e muitas vezes estão aterrorizados a despeito da
aparência despreocupada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cada vez que os esquadrões de
Bader decolavam, a voz dominadora começava a disparar comandos pelo rádio, os
quais, intencional ou acidentalmente, faziam com que a missão que tinham pela
frente deixasse de ser encarada com nervosismo. Houve, por exemplo, o caso de
Cocky Dundas, de 19 anos de idade, que teve o seu avião seriamente atingido
logo no primeiro combate. Um mês depois, ainda conturbado, estava ele voando
com Bader na sua primeira missão. Aprestaram-se a toda pressa e êle estava com
"o tique", a boca seca, tremores no estômago e marteladas no coração.
Então lhe chegou aos ouvidos, enquanto subiam, a voz daquele estranho chefe sem
pernas: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Olá, Woodhall, tenho um jogo de
<i>squash</i> com Peters marcado para daqui
a uma hora. Quer fazer o favor de telefonar para ele e dizer que vou demorar um
pouco? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
(Meu Deus. Sem pernas! Jogando <i>squash</i>) <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Voz de Woodhall: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Esqueça isso agora, Douglas.
Vetor um-nove-zero. Sete mil metros. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Vamos, Woodhall, telefone para ele
agora. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Não tenho tempo, Douglas. Há
uma coisa no quadro avançando para a costa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Ora, que diabo! Arranje tempo.
Você está sentado em frente a uma fila de telefones. Apanhe um e telefone para
o rapaz. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Está bem, está bem — respondeu
o filosófico Woodhall. — Em nome da paz e do sossego vou telefonar. Agora, que
tal você continuar a guerra? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dundas prosseguiu com o coração
mais leve, como todos os outros. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A 15 de Setembro de 1940, o maior
dia da Batalha da Inglaterra, o bando de 60 caças de Bader, conhecido
oficialmente como Regimento do Grupo 12, entrou em ação como unidade pela
segunda vez. De madrugada, ondas de aviões alemães começaram a transpor o
Canal, e esquadrões da RAF, um após outro, fizeram-se ao ar para recebê-los. A
formação de Bader foi chamada duas vezes, e à noite, quando fizeram o levantamento
da batalha do dia, verificaram que o Regimento do Grupo tinha justificado
plenamente a sua existência. Nas duas grandes batalhas daquele dia os pilotos
dos cinco esquadrões do Regimento tiveram a seu crédito 52 aviões inimigos
destruídos e mais oito prováveis.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leigh-Mallory telefonou naquela
noite: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Douglas, que espetáculo
maravilhoso hoje! Está absolutamente claro que as suas grandes formações estão
compensando. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader respondeu: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Muito obrigado, Sr. Vice
Marechal, mas passamos um aperto na segunda viagem. Tornaram a chamar-nos muito
tarde e os alemães estavam muito acima quando os avistamos. O que eu realmente
gostaria de fazer, Sr. Vice Marechal, era abater um reide completo de modo que
não regressasse um único alemão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leigh-Mallory riu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Sedento de sangue, hein? Se
você continuar assim acaba tendo a oportunidade que deseja. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A oportunidade veio no dia 18. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por volta de quatro e meia da
tarde, os cinco esquadrões foram chamados. Estavam voando logo abaixo de uma
fina camada de nuvens a uns 6.300 metros de altura, sentindo-se
confortavelmente seguros — ninguém poderia atacá-los de surpresa através
daquela cortina — quando Bader divisou dois pequenos enxames de aviões voando a
4.800 metros: uns 40 ao todo. Mais aviões ingleses que inimigos! Era
inacreditável! Enquanto os caças circulavam para se reunirem atrás, ele viu com
feroz alegria que os inimigos eram todos bombardeiros: JU 88 e Dorniers. Nenhum
sinal de 109. Os bombardeiros estavam abaixo, bem onde ele queria que
estivessem. Mergulhou, visando a fila da frente, e o ávido bando se precipitou
atrás dele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A ação que se seguiu "foi um
tanto perigosa do ponto de vista de colisão", disse Bader posteriormente,
"mas foi um estado de coisas plenamente satisfatório". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No alojamento de oficiais, uma
multidão de joviais pilotos se amontoou em roda do oficial de informações,
quase todos declarando que tinham feito vítimas. Nunca nenhum deles tinha visto
tantos paraquedas. Bader laconicamente escreveu em seu diário: "O
Regimento destruiu 30 aviões, mais seis prováveis, mais dois danificados. Meu
escore: um JU 88, um Do 17. Não houve vitimas no esquadrão, nem no Regimento".
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desse dia em diante a batalha começou
a perder intensidade. Pelo fim de setembro os bombardeiros só apareciam
raramente; em seu lugar vinham bandos de 109, insinuando-se pelos colchoes de
nuvens com pequenas bombas brancas pendentes de porta-bombas improvisados.
Depois, até esses assaltantes sorrateiros começaram a escassear. Por fim, a
nação pode rejubilar-se, compreendendo que aquela altura nem mesmo um louco
iria invadi-la.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader foi talvez o único a ficar
um pouco triste com o fim do barulho. O seu Regimento derrubou 152 aviões
inimigos, contra a perda de 30 pilotos e um número um tanto major de aviões.
Mas então o encontro deles de madrugada foi ficando raro e os dias se tornaram
menos imprevisíveis: voltavam a prontidão normal de Coltishall. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader recebeu duas condecorações:
a Ordem de Serviços Relevantes e a Cruz da Aviação. Suas teorias sobre tática
de caça estavam merecendo respeitosa consideração por parte do Ministério da Aeronáutica;
numa conferência ali verificou que era o único oficial de posto inferior a
vice-marechal-do-ar. Além do mais, estava-se tornando famoso, apesar da orientação
da RAF no sentido de dar relevo ao espirito de equipe, de não mencionar o nome
dos ases nos seus comunicados à imprensa. Cada vez que ocorria uma nova façanha
de um piloto de caça sem pernas, a imprensa e o rádio sabiam muito bem de quem
se tratava. Mas o próprio Bader estava ocupado demais para tomar conhecimento
da publicidade: continuava a viver no pequeno mundo do esquadrão, do combate e
da tática. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbzTROLy4e4KeWAjkzOtEouz6Q31-4_455kE7JRPeuve1Smk9k_lgWjaKfUefg0JDaHDYFgupPhAlKdpxJMoRwbOQLZkxruvn2mYVuQMyELGn5nawbVxjiwAmJmQRTNnWPCMuYyJPUlmu5/s1600/rumo04a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbzTROLy4e4KeWAjkzOtEouz6Q31-4_455kE7JRPeuve1Smk9k_lgWjaKfUefg0JDaHDYFgupPhAlKdpxJMoRwbOQLZkxruvn2mYVuQMyELGn5nawbVxjiwAmJmQRTNnWPCMuYyJPUlmu5/s1600/rumo04a.jpg" height="458" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Uma esquadrilha de Hurricanes em formação em grupos, voando acima de um mar de nuvens.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No começo de março de 1941,
Leigh-Mallory mandou chamá-lo: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Estamos elaborando umas ideias
para realizar o ataque através da França no verão — disse ele. — Vagas de caças,
mas coisa maior do que tudo quanto já experimentamos. Para isso estamos
organizando o nosso sistema de "regimento" e você deverá ser um dos
comandantes. Você provavelmente ira para Tangmere. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Há ocasiões em que as palavras
soam como música. Em termos militares, isso significava uma promoção a
tenente-coronel. Mas, após expressar seus agradecimentos, Bader perguntou: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Poderei levar comigo o Esquadrão
242, Sr. Vice Marechal? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Receio que não — respondeu
Leigh-Mallory. — Você já tem lá três esquadrões. Tudo Spitfire. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader fez sentir, sem jeito, que
nesse caso não estava muito certo se queria ser comandante do regimento de
aviação. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leigh-Mallory disse com firmeza: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Você fara o que lhe for
ordenado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em seguida, pois conhecia bem
aquele homem, acrescentou: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Se o senhor levar o 242, não poderá
deixar de favorecê-los um pouco. Eu o conheço e sei como os considera. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader se apresentou em Tangmere
em meados de março, e imediatamente começou a treinar com afinco os seus três esquadrões
de Spitfires. Ao contrario do que ocorrera nos seus primeiros dias no 242, não
foi preciso conquistar a confiança do pessoal. Era o primeiro comandante de
regimento da RAF e os soldados e oficiais atendiam imediatamente os seus brados
ríspidos. Woodhall, recentemente promovido a coronel-aviador, também chegou a
Tangmere mais ou menos aquela época, para comandar a base. Leigh-Mallory queria
reunir o seu <i>team</i> antigo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader verificou que quase todos
os pilotos tinham participado sem interrupção da Batalha da Inglaterra e vários
deles, sobretudo os comandantes, apresentavam evidentes sinais de esgotamento.
Pediu que Stan Turner fosse transferido para o comando de um dos esquadrões e
também trouxe Crowley-Milling do 242 como comandante de voo. Bader se
encarregou pessoalmente do esquadrão que tinha menos experiência de combate. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como seu substituto, muitas vezes
escolhia o desengonçado Cocky Dundas, que sua voz tanto animara durante a
Batalha da Inglaterra. (A opinião e os ensinamentos de Bader pareciam ter sido
bons. Poucos anos depois Crowley-Milling e Dundas eram tenentes-coronéis,
condecorados com a Ordem de Serviços Relevantes e a Cruz da Aviação. Aos 25
anos Dundas se tornou um dos mais jovens coronéis da RAF). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não tardou que Leigh-Mallory começasse
a enviar uns poucos bombardeiros para além do Canal, rodeados de hordas de
caças, porque a sua ideia era forçar os alemães a levantarem voo e lutarem.
Durante algumas semanas essa estratégia não deu resultado. O regimento de
Tangmere raramente via mais de três ou quatro Messerschmidts de uma vez, em
geral bem fora da rota, a espera de algum aparelho extraviado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Finalmente Leigh-Mallory concluiu
que os Blenheims com uma tonelada de bombas eram leves demais para a provocação
planejada, e então conseguiu, à força de persuasão, alguns quadrimotores
Stirlings, que podiam transportar quase seis toneladas de bombas cada um.
Amontoando uns 200 Spitfires em volta deles, começou a mandá-los para além da
costa, contra alvos interiores: entroncamentos ferroviários e fabricas de aviões.
Essa tática começou a dar resultados. Os caças germânicos puseram-se a levantar
voo em grupos de 30 e 40. E a RAF os derrubava à razão de três aparelhos
alemães para cada dos Spitfires perdidos. Raramente era abatido um bombardeiro,
e assim mesmo sempre pela artilharia antiaérea.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Salvo quando o tempo estava ruim,
Bader levava quase diariamente o seu regimento para uma batida, atraindo o
inimigo para o combate. Todo o mundo sentia que ele era invencível e que essa
força escudava aqueles que voavam com ele. Era parte do seu reconhecido gênio
para o comando de caças. Thelma <i>sabia</i>
que o inimigo nunca o derrotaria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas perto do fim de julho os seus
superiores começaram a preocupar-se com ele. Em sete dias realizou dez sortidas
— o bastante para derrubar o homem mais forte, quanto mais um com pernas
artificiais. Agora já fizera mais sortidas que qualquer outro no Comando de
Caças, e era o último dos primitivos comandantes de regimento ainda em ação: o
resto morrera ou fora mandado repousar. Um jornal londrino escreveu que Bader
já fizera bastante, que era valioso demais para perdê-lo e que devia ser
afastado das operações. Ele leu isso com indignação. Woodhall começou a
dizer-lhe que ele devia tirar uma folga, mas Bader se recusava terminantemente.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por fim, o Vice-Marechal-do-Ar
Leigh-Mallory disse: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— É melhor você deixar de
participar das operações por algum tempo, Douglas. Você não pode continuar
assim indefinidamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Ainda não, Sr. Vice Marechal — respondeu
Bader. — Estou em plena forma e prefiro continuar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mostrou-se tão obstinado que
Leigh-Mallory transigiu com relutância: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Muito bem, vou deixá-lo ficar
ate o fim de agosto. Depois terá de sair. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não continuava lutando para
aumentar o seu número de aviões inimigos abatidos, embora, com 20 1/2
comprovadamente destruídos, fosse o quinto na lista dos pilotos da RAF com
escores mais altos. O regimento era tudo para ele e o combate um tóxico que
respondia ao seu anseio de uma finalidade e de realização.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No dia 9 de agosto de 1941 saiu
tudo errado desde o começo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Primeiro, foi uma confusão na
decolagem e o esquadrão de cobertura alta perdeu o rumo. Transpondo o Canal, os
outros não conseguiram distinguir o menor sinal dele, e Bader não queria violar
o silencio do radio para chamá-los. Depois, no meio da travessia, seu indicador
de velocidade do ar enguiçou, o que iria perturbar os cálculos para chegar
sobre Lille à hora marcada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Exatamente quando cruzavam o
litoral da França, viram uns 12 Messerschmidts bem na frente, a uns 600 metros
abaixo, subindo na mesma direção. Nenhum deles parecia estar olhando para trás.
Eram presas fácil. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bader disse incisivamente:
"Dá bem para todos. Derrubem-nos à proporção que forem chegando", e
escolheu para ele um dos guias. Aproximando-se com demasiada velocidade,
calculou muito mal e, para evitar uma colisão, teve de inclinar o Spitfire e
jogá-lo bem para baixo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Furioso, nivelou novamente a uns
7.200 metros de altura, observando com toda atenção a retaguarda e verificando
que estava só. Então viu de súbito mais seis Messerschmidts na frente,
espalhados em três pares paralelos, com os narizes apontando para a direção
oposta. Nova presa fácil! Sabia que devia subir e deixá-los; estava cansado de
repetir aos seus pilotos que nunca se aventurassem sozinhos. Mas a tentação foi
irresistível. Olhou de novo para trás. Tudo limpo. A avidez afastou a prudência
e ele foi sub-repticiamente colocar-se atrás do par do meio. Nenhum dos pilotos
percebeu. De 100 metros ele abriu fogo contra o de trás. O avião inclinou-se
abruptamente sobre uma asa e se abateu todo em chamas. Os alemães continuaram
cegamente para diante. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apontou para o guia, a uns 150
metros na frente, e deu-lhe uma rajada de três segundos. Voaram estilhaços e
rolos de fumaça branca jorraram do avião. Os caças da esquerda estavam-se
voltando para Bader e ele virou violentamente para a direita a fim de escapar.
Os dois aviões da direita continuavam voando para frente e, por pura bravata,
ele manteve seu rumo para passar entre eles. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Algo o atingiu. Sentiu o impacto,
mas a sua mente estava curiosamente entorpecida. Alguma coisa segurava o seu
aparelho pela cauda, fazendo-o girar e obrigando-o a dar um brusco mergulho em
espiral. Olhou confusamente para trás para ver se alguma coisa o estava
seguindo e teve um choque ao verificar que estava faltando ao Spitfire tudo
quanto ficava para trás da carlinga: fuselagem, cauda, quilha—tudo tinha
desaparecido. Com certeza, o segundo 109 se havia precipitado sobre ele
cortando-lhe aquela parte com a hélice. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Arrancou o capacete e a máscara e
deu um forte arranco na bolinha de borracha sobre a sua cabeça. A tampa se
rasgou toda e um ruído penetrante lhe feriu os ouvidos. Agarrando a borda da
carlinga para erguer-se, pensou que talvez não o conseguisse sem o impulso das
pernas que em nada podiam ajudar. Lutou desesperadamente para levantar a cabeça
acima do para-brisa e de repente, quando o vento dilacerante o alcançou, sentiu
que estava sendo sugado para fora. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Estava fora! Não, algo o prendia.
O rígido pé da perna direita tinha-se agarrado firmemente em alguma saliência
da carlinga. O vento lhe açoitava o corpo exposto e lhe gritava nos ouvidos
enquanto o caça quebrado, arrastando-o pela perna, mergulhava. Então, de
repente, o aço e o couro rebentaram com um estalo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O ruído e as pancadas cessaram.
Num lampejo, seu cérebro se aclarou e ele puxou o anel do paraquedas, ouvindo o
barulho que este fez ao abrir-se. Depois começou a flutuar, muito acima da
terra verde e salpicada de manchas doutras cores. Algo lhe bateu no rosto e ele
viu que era a perna direita da calça, aberta na costura. A perna havia
desaparecido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Que sorte, pensou, ter pernas que
podiam soltar-se. Se não fosse isso, teria morrido segundos antes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era uma sorte, também, não ir
aterrar sabre a rígida perna de metal. Descer de paraquedas equivale a saltar
de um muro de quatro metros de altura, e cair ao solo sobre a sua perna direita
artificial presa ao coto sem joelho teria sido como aterrar sabre um rígido
poste de aço. Isso lhe abriria a bacia de maneira horrível. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A terra, que estava tão distante,
de súbito se ergueu ferozmente. Então sentiu algumas costelas se partirem
quando um joelho lhe bateu no peito, e a consciência lhe fugia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante os seus três anos e meio
como prisioneiro de guerra, Bader foi um constante problema para os alemães. No
hospital da Franca para onde primeiro foi levado persuadiu seus captores a
pedirem a RAF outra perna para ele, a qual posteriormente foi lançada de paraquedas.
Em seguida, recompensou-os fugindo através de uma janela do terceiro andar, descendo
12 metros ate ao solo, por uma corda feita de lençóis, com nós. Recapturado um
dia depois, foi embarcado para a Alemanha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ainda firmemente disposto a escapar,
Bader experimentou um plano após outro, e os alemães, esforçando-se por
enfrentar e dominar esse impossível prisioneiro, que deveria estar numa cadeira
de rodas, iam-no transferindo de um campo para outro. Por fim, mandaram-no para
Colditz, um sombrio castelo medieval, considerado a prova de fuga e reservado
para prisioneiros incorrigíveis. Ali foi libertado em abril de 1945 pelo
Primeiro Exercito Norte-Americano, em seu avanço. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando voltou para a Inglaterra,
Bader verificou que era uma lenda viva, com gente em toda parte bradando que
queria vê-lo. Durante algum tempo refugiou-se com Thelma num discreto hotel do
interior. Em seguida, ansioso de novo por obrigações, subiu um dia num Spitfire
e rodopiou com ele pelo céu. No primeiro minuto viu, com júbilo, que nada perdera
de sua perícia. Dali a dois dias, para consternação de Thelma, estava fazendo
planos para uma missão no Extremo Oriente contra os japoneses. Mas o pessoal do
Ministério da Aeronáutica, embora atencioso, não mostrou boa vontade. Ele já
tinha feito mais do que o suficiente, disseram. Continuava fazendo planos
quando a bomba atômica foi atirada e a luta cessou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Douglas Bader é considerado o melhor
comandante e tático de caça da Segunda Guerra Mundial, e um dos melhores
pilotos. Mas o seu maior triunfo não são os seus combates aéreos; estes foram
apenas um episódio da vitória mais importante que ele conquistou na sua própria
guerra pessoal, que prossegue sem cessar, para ser vencida de novo todo dia. Ele
se vem dedicando cada vez mais a encorajar outras pessoas que tiveram membros
amputados, e elas acham que a sua simples existência, sua resistência e o seu
exemplo são um tônico. Ele as inspira de um modo que médico algum pode igualar.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em princípio de 1946 aceitou um emprego
na Shell Petroleum Co. Ltd., pilotando o seu próprio avião por uma grande parte
do mundo, a serviço. Em todos os lugares onde esteve — Europa, África, Oriente Médio
e Extremo Oriente — sempre achou tempo para visitar hospitais, conversar com as
pessoas que haviam perdido membros e ajudá-las a aprender a andar outra vez. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Num hospital dos Estados Unidos,
que visitou em 1947, encontrou um veterano sem pernas esforçando-se por andar
com o auxílio de barras paralelas baixas. Bader caminhou para ele com seu andar
desajeitado e perguntou-lhe: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Por que o senhor não sai dessas
barras e experimenta andar sem elas? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Quem é o senhor? — rosnou o
homem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Apenas um inglês de passagem
por aqui, mas também perdi ambas as pernas e só tenho um joelho, não dois como
o senhor. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O homem deu um arranco para fora
e Bader ficou ao lado dele, ajudando-o a andar cambaleando para um lado e para
outro pela sala. Passado algum tempo, o paciente conseguiu dar os seus dois
primeiros passos sem auxílio, e a sua atitude mudou completamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Diabo — disse ele. — Quase meti
uma bala na cabeça quando acordei hoje de manhã, mas agora acho que está tudo
bem outra vez. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em Chicago, Bader leu uma notícia
sobre um menino de dez anos que teve ambas as pernas amputadas abaixo do
joelho. Douglas passou uma hora e meia à beira do leito dele, mostrando-lhe que
as pernas não têm tanta importância assim. Depois o pai do menino disse,
preocupado: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— Ele ainda não avalia a
gravidade da situação. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
— E é uma coisa que ele <i>nunca</i> deve avaliar — replicou Bader com
exaltação. - O senhor tem de fazer com que ele sinta que isto é outro jogo que
ele precisa aprender, e não algo que o deixará aleijado. Se o amedrontar, ele
estará desde logo derrotado. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em resumo, é essa a filosofia de
Douglas Bader. Ela diz respeito não apenas a pernas, mas também à própria vida.<o:p></o:p></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1982585626126525116.post-42624223960637349152014-08-13T17:43:00.000-03:002014-08-13T17:51:32.084-03:00CHARLIE CHAPLIN<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><i><b>"Chaplin transformou a comédia-pastelão em veemente crítica social, sem perder sua incrível habilidade para fazer rir". ( J.B. Priestlev )</b></i><br />
<br />
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiW-I2kdHTWUb-tyctgTVLSK4HnmU3qxB8NwoIV1WblOWGqpVR53kdpgCfUADMKqZsURMhUtmPSMav8n3t0sTdBqfO1G2J4ZERRvxsK1-sTdaf7c6f0VhsIqgIPLDGc8yFXS-lsMOCikDAS/s1600/Chaplin+01a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiW-I2kdHTWUb-tyctgTVLSK4HnmU3qxB8NwoIV1WblOWGqpVR53kdpgCfUADMKqZsURMhUtmPSMav8n3t0sTdBqfO1G2J4ZERRvxsK1-sTdaf7c6f0VhsIqgIPLDGc8yFXS-lsMOCikDAS/s1600/Chaplin+01a.jpg" height="640" width="448" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Um pôster francês de Charlie
Chaplin (o Carlitos, como também era conhecido no Brasil) como o Vagabundo
(Tramp). Pessoas de todos os lugares reconheciam-no como o Vagabundo e sua
popularidade era — e ainda é — internacional. Aqui, o Vagabundo está com um olhar
triste e desamparado: um perdido no mundo. Mas, apesar das dificuldades da
vida, ele sempre venceu no final, tornando-se um símbolo para os pobres, os
desafortunados e os perdedores.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<b><br /></b>
<b>Chaplin nasceu no teatro <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charles Spencer Chaplin — este o
nome completo de Charlie Chaplin — nasceu em Londres, no dia 16 de abril de
1889. Era o segundo filho de Hannah, que, ao se casar com Charles, o pai dele,
já tinha Sydney. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O pai de Chaplin era um bom ator
de musicais, apesar de não ser um grande nome. Hannah também era atriz de
teatro de variedades. Excelente mímica, era dona de uma voz doce e charmosa,
mas sem grande alcance. Tinha pavor de vaias e gozações, que já haviam acabado
com os espetáculos e até com a carreira de muitos atores. Embora não fossem
propriamente ricos, o <i>music hall</i>
proporcionava aos Chaplin uma vida confortável. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os musicais começaram nos bares dos
becos, onde artistas amadores representavam cenas que divertiam e deliciavam o
público. Os atores vinham dos mesmos becos onde viviam seus espectadores. A vida
desses atores era difícil, mas fazia vislumbrar uma chance de fama e fortuna
para jovens ambiciosos como Hannah e Charles Chaplin; muito melhor isso do que
serem empregados domésticos ou trabalhadores das terríveis fábricas da época. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No final do século 19, o teatro
de variedades atingiu o auge na Inglaterra: havia mais de duzentas peças em
cartaz, das quais 36 eram encenadas em Londres. Numa época em que não havia
rádio nem televisão, era natural que as pessoas afluíssem ao teatro. Não havia
lugar melhor para esquecer as adversidades da vida daquela Inglaterra
vitoriana. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os espectadores podiam apreciar
engolidores de fogo, bailarinas, amestradores de leões, trapezistas, atores e
mágicos e se unir ao coro das músicas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Um país dividido <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A rainha Vitória era rica e
poderosa e seu império estendia-se mundo afora. Mas, assim como havia uma
imensa riqueza, havia também uma pobreza extrema no país. Lentamente, a
situação foi melhorando — os ricos não estavam mais apavorados com a perspectiva
de que as "classes baixas" mergulhassem a Inglaterra na revolução,
como havia acontecido em outros países da Europa —, mas para milhares de pessoas
ainda era extremamente difícil ganhar o próprio pão e garantir a sobrevivência.
<o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjinyD9uma_ies2KAkZ1LaCB2Gz2q3srmAk6iiUw-T1uqwq7AXwhJdYyrn-xg-K8nDhOrlVs7ulnSZWhO0zpLT4XPomxtTUUKealLDehUa2LjKUNHBDRaXSndqzo6gUbogYiDx3UglrhNiH/s1600/Chaplin+02a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjinyD9uma_ies2KAkZ1LaCB2Gz2q3srmAk6iiUw-T1uqwq7AXwhJdYyrn-xg-K8nDhOrlVs7ulnSZWhO0zpLT4XPomxtTUUKealLDehUa2LjKUNHBDRaXSndqzo6gUbogYiDx3UglrhNiH/s1600/Chaplin+02a.jpg" height="512" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">A London Bridge (Ponte de Londres) em 1892; a capital fervilhava. Londres era uma cidade industrial e de negócios, onde ricos e pobres conviviam. As estreitas ruas pavimentadas ganhavam vida com o cheiro das comidas dos mercados, os gritos dos cocheiros e as carruagens puxadas a cavalo. </span></td></tr>
</tbody></table>
<br />
Londres, na época, vivia sob o
estrépito dos cascos de cavalos. Eram fiacres, carroças de cerveja, vagões de
carvão, carrinhos de leiteiros e ocasionalmente a pompa soturna de um rico
funeral, que cortavam a cidade, todos eles agitando plumas e flores. As ruas
estavam cheias de vida. Moças vendiam flores, enquanto homens tocavam o realejo
com macaquinhos montados em cima do aparelho. Crianças pulavam corda, brincavam
de pula-sela, jogavam bolinha de gude ou subiam nos postes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como Charlie andava pelas ruas
com a mãe, convivia com a mais extrema pobreza — crianças descalças, mendigos
cegos, pessoas acotoveladas nas portas —, mas, ainda assim, isso significava
pouco para ele. Sua família estava, até então, sã e salva. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Tempos difíceis <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entre uma apresentação e outra,
os atores dos musicais eram estimulados a beber com o público para o bar fazer
movimento. Com isso o pai de Charlie, como muitos outros atores, passou da
alegre camaradagem para o alcoolismo. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAS-vGFCUiqwK_8V55e4VOwXMhCDc90HJwww5C_lzNhyphenhyphenTQYfD1d8sRuVwXPGDnw8rxzRJKmborIJFxVRw1Hg_ez7g7KOibxCRyZ4QcuO2iD45FvxWlI0eJPNbgHLiRZP-vsB2o3Q0ukbeF/s1600/Chaplin+03a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAS-vGFCUiqwK_8V55e4VOwXMhCDc90HJwww5C_lzNhyphenhyphenTQYfD1d8sRuVwXPGDnw8rxzRJKmborIJFxVRw1Hg_ez7g7KOibxCRyZ4QcuO2iD45FvxWlI0eJPNbgHLiRZP-vsB2o3Q0ukbeF/s1600/Chaplin+03a.jpg" height="400" width="196" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;"> Charles Chaplin, o pai de Charlie, era bem conhecido nos music halls com músicas como Oui! Tray Bong!, mas a bebida destruiu sua carreira. </span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Lenta, mas firmemente, a bebida
foi destruindo o seu casamento. O medo e a angústia crescentes germinavam em
Hannah. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando o casal viajou aos Estados
Unidos para apresentações da companhia, Hannah fez novos amigos. Entre eles
estava um cantor muito elegante e famoso: Leo Dryden. Ela sucumbiu aos seus
galanteios e se apaixonou. O bom senso voou pela janela. Em agosto de 1892,
Hannah deu à luz a um filho de Leo, George Dryden Wheeler. Até então, Leo
Dryden havia lhe dado alguma ajuda financeira, mas, assim que o filho nasceu,
desapareceu de sua vida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O casamento de Hannah com Charles
havia terminado, e ela estava agora com três filhos para criar. Charlie tinha três
anos e meio e Sydney quase oito. Hannah sempre foi muito carinhosa e cheia de
cuidados com as crianças, dispensando o mesmo amor ao bebê e aos meninos mais
velhos. Eram pobres, mas tinham um ao outro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Certo dia, sem qualquer aviso,
Dryden apareceu em sua casa, pegou George, então um bebê de 6 meses, e foi
embora. Hannah não pôde fazer nada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sem o bebê, sua vida se
arruinara. Não possuía recursos nem alguém a quem recorrer. As antigas esperanças
haviam desaparecido, mas Hannah era indomável. Sem ela, Charlie Chaplin teria
se tornado mais uma criança perdida na Londres vitoriana. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHTZoxQv17gK1PF7iR3OtrCa5OQJt_QN3Ript1El9-zNaQGx0pWO1k4UrF1eDNgspFJIddkIGvryWnaHfkSjQCSu6BEuGL6oqU6aBAks8g7ta9wBz5-ANymCRAS3MtFuUVB5QeHHiiY9uY/s1600/Chaplin+03c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHTZoxQv17gK1PF7iR3OtrCa5OQJt_QN3Ript1El9-zNaQGx0pWO1k4UrF1eDNgspFJIddkIGvryWnaHfkSjQCSu6BEuGL6oqU6aBAks8g7ta9wBz5-ANymCRAS3MtFuUVB5QeHHiiY9uY/s1600/Chaplin+03c.jpg" height="400" width="275" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;"> Hannah Chaplin, mãe de Charlie, usava o nome de Lily como cantora e bailarina. No final de sua carreira, o palco foi um lugar cruel e desmoralizante para ela; a platéia queria uma voz grossa e áspera, não sua voz doce e suave. O público atirou-lhe frutas para mostrar sua desaprovação, afastando Hannah do palco para sempre. </span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pobre e só, Hannah voltou-se para
a religião em busca de consolo. Ganhava um pouco trabalhando como enfermeira em
residências e costurando para senhoras da igreja. Como todos aqueles que enfrentavam
dificuldades na época, seu maior temor era ser obrigada a viver num asilo de
pobres.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>A primeira apresentação de Carlitos <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o dinheiro simplesmente havia
terminado e Hannah tinha de fazer alguma coisa. Estava temerosa de enfrentar o
implacável público dos musicais, mas seu talento era a única coisa que tinha a
oferecer. Em desespero, decidiu voltar ao palco. O seu temor, porém, se
confirmaria: sua voz falhou completamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A pobre Hannah lutou para
continuar cantando sob os assovios e as vaias. Mas logo deixou o palco. O
diretor estava desesperado com o tumulto. Viu o pequeno Charlie nos bastidores:
era o que tinha de melhor à mão. Pegou Charlie e conduziu-o ao palco. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Carlitos tinha, então, 5 anos de
idade. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><i>"Eu me lembro das ruas do
bairro de Lambeth, a New Cut e a Lambeth Walk, e da Vauxhall Road. Eram ruas
desagradáveis, e não se poderia dizer que fossem pavimentadas com ouro.
Contudo, as pessoas que ali moravam eram feitas do melhor metal". </i>Charlie
Chaplin, a respeito de Londres, em 1943</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
A visão daquela pequena criança
iluminada pela luz dos refletores acima da plateia fez os espectadores caírem
na gargalhada. Como Charlie crescera entre atores e profissionais do teatro,
firmou-se no palco e começou a cantar.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O tumulto na plateia se dissipou
e moedas foram sendo atiradas ao palco, com pedidos de bis. Quando Charlie
disse calmamente que só continuaria depois de recolher todas as moedas,
provocou outra gargalhada estrondosa no público. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Todo sorrisos, o diretor
assegurou-lhe que todas as moedas seriam recolhidas; Charlie, então,
prosseguiu. Ele estava se divertindo muito e, assim, dançou, cantou e
representou, até Hannah tirá-lo do palco. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois daquela noite, ela faria
apenas mais uma apresentação, mas para Charlie seria o início de uma carreira
brilhante, que o fez famoso em todo o mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Pobreza <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pouco a pouco, Hannah foi forçada
a vender todos os seus pequenos tesouros — e até as peças e os objetos mais
necessários. A vida teria se tornado miserável se Hannah não tivesse
introduzido um pouco de magia nela. O pobre quarto da família parecia ter se
transformado em um reluzente palco. Ela cantava e dançava para sua plateia de
duas crianças, além de representar peças de teatro para elas. Contava-lhes histórias
da Bíblia que as levavam às lágrimas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hannah não só mantinha Charlie e
Sydney limpos, alimentados, vestidos e aquecidos no inverno como também lhes proporcionava
pequenos deleites, como uma revista de histórias em quadrinhos ou um arenque no
café da manhã. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sua preocupação em manter os
filhos decentemente vestidos não era bem-sucedida. Ela fazia roupas para os
meninos com os tecidos de seus vestidos de teatro, e eles eram alvo de caçoadas
nas ruas por onde passavam com aqueles terninhos excêntricos. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUAJxlVqfUjckrR0pVYH6xyCNQ0yKlN3wJtnaW0QejF-UxeuwE7qrchyUPAnrxABn68Iseto-G6i-seB2aYwwFEC3HFd-acU9D1LHLQlTdb043_Uq_faLwhJ96kCv_00bxD3oICLOQJNhg/s1600/Chaplin+05a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUAJxlVqfUjckrR0pVYH6xyCNQ0yKlN3wJtnaW0QejF-UxeuwE7qrchyUPAnrxABn68Iseto-G6i-seB2aYwwFEC3HFd-acU9D1LHLQlTdb043_Uq_faLwhJ96kCv_00bxD3oICLOQJNhg/s1600/Chaplin+05a.jpg" height="400" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Famosa pintura sobre a pobreza da
era vitoriana, de Luke Fildes, chamada Sem Lar e com Fome. Foram as lembranças
da miséria de sua família que Chaplin carregou para tantos de seus filmes. A
pobreza deu a ele o desejo apaixonado de ver os miseráveis saírem da indigência
e a força para lutar contra as injustiças sociais. Isso está caracterizado em
seu personagem Vagabundo, cuja coragem levou esperança e humor a muita gente
para rir dos próprios problemas.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sydney tentava ganhar algum
dinheiro vendendo jornais nos bondes puxados a cavalo: saltava os degraus do
veículo em movimento para oferecer o seu produto. Um dia encontrou uma
carteira, ao descer correndo pelo estribo do bonde. Não havia nome nem endereço
anotados, e parecia estar cheia de trocados. Foi só quando chegou em casa que
Hannah descobriu um compartimento interno que continha 7 soberanos de ouro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então ela decidiu que teriam seu
dia de glória. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Correu com os meninos para a rua
e tomaram um barco — foi um dia de mariscos, balas de hortelã, pães doces,
limonada e muita diversão... com os garotos usando roupa nova de qualidade, de
forma a não sofrerem gozações pelos trajes feitos com as roupas do baú do
teatro de variedades. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esses dias de glória eram poucos
e raros, mas, quando o dinheiro era curto, Hannah mostrava aos filhos como se
divertir sem ele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ela se sentava no parapeito da
janela para observar os passantes e, através de sua aparência e modo de andar e
vestir, inventava histórias para distrair Charlie e Sydney. Às vezes
representava por mímica tudo o que estava vendo na rua: sem uma palavra, apenas
com o uso das mãos e da expressão facial, contava histórias aos meninos. <o:p></o:p><br />
<br />
<i style="font-size: x-large;">"Para mim, minha mãe foi a mais esplêndida mulher que
conheci... Desde então, pelo mundo afora, encontrei muita gente, mas jamais vi
uma mulher mais refinada do que minha mãe. Se consegui ser alguma coisa, eu
devo a ela".</i><span style="font-size: large;"> Charlie Chaplin, Photoplay, 1915</span><br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie herdou essas habilidades
da mãe, captou os sons e as cenas da vida de Londres, usando-os ao longo de sua
vida profissional. Ao se tornar milionário e internacionalmente famoso como
ator, Chaplin atribuiria o desenvolvimento de sua carreira ao talento da mãe e
às histórias que ela lhe contava na infância. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>As escolas de Norwood <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Muito provavelmente, Hannah e
seus filhos compunham uma estranha família. Era como se tivessem construído um
muro ao redor deles e agora esse muro começasse a ruir. Hannah começou a sofrer
de dores de cabeça frequentes e violentas. Seu estado se agravou tanto que foi
obrigada a se internar por um mês em uma enfermaria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não havia mais nada a fazer —
Sydney foi obrigado a ir para um asilo de pobres. De lá foi mandado para uma
escola de crianças carentes no oeste de Norwood. A escola era bastante moderna,
mas tinha o estigma da instituição de caridade. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2DuuM3G_TB1iUe31pBsIeVf_G78tgp0_oBmqnDieHyJz0wpC2eL_QtEnUiBN_e75Rk8_qEArtvmZhnYMYohUHsT2-2Uh6e0U6TfzBs1nveAM7tt-TFmxdKs9DYHPLXhtntQzZ6RxSpsjK/s1600/Chaplin+04a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2DuuM3G_TB1iUe31pBsIeVf_G78tgp0_oBmqnDieHyJz0wpC2eL_QtEnUiBN_e75Rk8_qEArtvmZhnYMYohUHsT2-2Uh6e0U6TfzBs1nveAM7tt-TFmxdKs9DYHPLXhtntQzZ6RxSpsjK/s1600/Chaplin+04a.jpg" height="640" width="448" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Fotografia tirada na Hanwell
School, destinada a crianças pobres. Com 7 anos e meio, Charlie está no meio do
grupo: na terceira fila, é o terceiro garoto a partir da esquerda. Chaplin
passou parte da infância em orfanatos e escolas para crianças carentes. Os
prédios eram limpos e modernos, mas as crianças, separadas dos pais, eram
criadas sem carinho.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Permaneceu lá por três meses e, ao
mesmo tempo em que Charles pai era-despojado do pátrio-poder, por absoluto
descaso para com as crianças, Hannah ainda não havia se recuperado totalmente
para poder recebê-las em casa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie foi mandado para a casa
de parentes e teve uma semana ou duas de estudos. Na verdade, ele nunca
receberia uma verdadeira educação formal. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim que Hannah se recuperou, os
garotos voltaram para casa, mas suas dores de cabeça também voltaram e ela teve
de ser internada novamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Outra separação <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As autoridades estavam perplexas.
O pai dos meninos estava bem de vida, mas não auxiliava em nada na sua criação.
Havia apenas uma coisa a fazer. "Devido à ausência do pai e à doença da
mãe", as crianças foram enviadas à Escola para Crianças Pobres do Centro
de Londres, em Hanwell. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As regras eram rígidas. Os
meninos tiveram de ser separados por causa da idade. Charlie estava com 7 e
Sydney com 11 anos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sydney tinha sido um verdadeiro
pai para seu irmão mais novo, e a boa comida, os esportes e a piscina não
seriam suficientes para compensar a separação dos dois. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A pior coisa que aconteceu a
Charlie foi pegar piolhos e ter de raspar o cabelo e cobrir o couro cabeludo
com iodo. Sentia-se como um pária. Outra situação desastrosa foi a injusta
acusação de se comportar mal, sendo castigado com três fortes batidas de
palmatória. Em sua autobiografia, porém, Chaplin recorda sentimentos e situações
muito agradáveis, apesar das circunstâncias desfavoráveis. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No dia 18 de janeiro de 1898,
depois de dezoito meses na Hanwell, Charlie voltou para casa. Dois dias depois
Sydney também retornava. Estavam desesperadamente pobres, mudando de um quarto
miserável para outro, cada um pior que o último.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUSdzwXHe0vR2L1KoMcodUTpnVjN8jwF-bQSnmGrNe0a85KFCNPo1ZAdBpVRB7cTxVvHPXnT9O_re5IZMUuQ-l4XDlNVPVTRUETOi-OnQFfFB6aPrNWB14u8ZuIZuUHW0y63ugMet7vyi0/s1600/Chaplin+06a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUSdzwXHe0vR2L1KoMcodUTpnVjN8jwF-bQSnmGrNe0a85KFCNPo1ZAdBpVRB7cTxVvHPXnT9O_re5IZMUuQ-l4XDlNVPVTRUETOi-OnQFfFB6aPrNWB14u8ZuIZuUHW0y63ugMet7vyi0/s1600/Chaplin+06a.jpg" height="400" width="161" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">O guarda ferroviário, um
personagem típico do teatro de variedades da década de 1880. Os figurinos eram
bastante simples, de modo que o personagem fosse imediatamente identificado. A
atuação de Chaplin em teatros de variedades, durante a adolescência, foi um
treinamento perfeito para o cinema mudo. Tornou-se um gênio da mímica — o maior
do mundo.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<b><br /></b>
<b>Um dia de liberdade</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não muito depois tiveram de
voltar para o internato. Hannah não tinha autorização para visitar os filhos,
mas não era mulher de se deixar intimidar por regras. Informou às autoridades
que no momento dispunha de dinheiro suficiente para montar casa novamente — e
Sydney e Charlie deviam ser entregues a ela nos portões do internato. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os três foram ao Kennington Park,
um parque malcuidado, de grama gasta, cuja única atração era uma grande fonte. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sydney havia economizado 9 pence
(9 centavos de libra esterlina, a moeda inglesa). Depois de muita discussão,
eles gastaram o dinheiro em pouco mais de 200 gramas de cerejas, 2 pence de
bolinhos, 1 penny (1 centavo de libra esterlina) de arenque e meio penny em
duas xícaras de chá, sendo tudo dividido escrupulosamente entre eles. Sydney
fez uma bola de jornal e barbante, e eles jogaram a tarde inteira até Hannah
chamá-los para voltarem para casa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De volta para o internato! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hannah não tinha recursos para
manter um novo lar. As autoridades ficaram estarrecidas com o atrevimento dela.
O livro de regras não previa qualquer punição para tal descaramento. Para
alegria de Hannah, os meninos tiveram de passar o fim de semana no asilo junto
com a mãe. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Duas semanas mais tarde, porém,
ela foi transferida do asilo para o hospital. A notícia foi dada aos filhos na
Escola de Norwood da seguinte forma: devido aos problemas, a mãe deles tinha
ficado louca e eles seriam enviados para a casa do pai. Foi um dia terrível e
assustador. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjisCw07c9dWgEm7Ad6gyJEpLJyGf24uhc2rYNW3AZW5OsW6jEzu3EGc3RfJlnB_LU0vplRenXzTkbIGVWAAZhP3OjwEOz2hWZYoXnP1rwp4ehHHiymMoTp7NVbVfvh1XtZGPITCtOJIFTv/s1600/Chaplin+06c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjisCw07c9dWgEm7Ad6gyJEpLJyGf24uhc2rYNW3AZW5OsW6jEzu3EGc3RfJlnB_LU0vplRenXzTkbIGVWAAZhP3OjwEOz2hWZYoXnP1rwp4ehHHiymMoTp7NVbVfvh1XtZGPITCtOJIFTv/s1600/Chaplin+06c.jpg" height="400" width="156" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"> Uma fotografia antiga, de um
artista de music hall com maquiagem teatral carregada. A maquiagem e as roupas
davam brilho e animação ao personagem. As representações eram exageradas para
se obter melhor resultado.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Nova mudança</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os meninos foram levados para a
casa do pai no furgão de pão. Charlie vivia com uma mulher triste e devota
chamada Louise, mas tanto ela como ele estavam constantemente bêbados. Como
Hannah havia declarado, aquela não era uma casa para crianças. Quando não
bebia, o pai era maravilhoso — mas o problema é que raramente ele estava
sóbrio. As crianças ficaram aterrorizadas com a desordem, os gritos e as brigas
dos dois.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma noite, o pequeno Charlie
voltou para casa e encontrou-a trancada. Não sabia o que fazer. A manhã parecia
muito distante, e não havia ninguém a quem ele pudesse recorrer. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHNU6KzDz6Z27QeIhDr-L4Timt9zUJfmiVVh0I-J56OwxsLA1ViQT9SATIIKm_HtTRHJKLuToM7T3hrrfr00pcwHRfpdLm5XFLwiOicGY68qTkI6F-VVYzjHLqRaT_aamwREnJCXTLb4uB/s1600/Chaplin+07a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHNU6KzDz6Z27QeIhDr-L4Timt9zUJfmiVVh0I-J56OwxsLA1ViQT9SATIIKm_HtTRHJKLuToM7T3hrrfr00pcwHRfpdLm5XFLwiOicGY68qTkI6F-VVYzjHLqRaT_aamwREnJCXTLb4uB/s1600/Chaplin+07a.jpg" height="400" width="318" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"> A vida na Londres vitoriana era
repleta de privações — famílias inteiras eram obrigadas a mudar de um quartinho
para outro, sem posses nem comida. Quando o aluguel não podia ser pago, a
ameaça do asilo e do internato pairava pesadamente sobre elas</span>.<o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A fim de passar o tempo, ele
perambulou pelas ruas sombrias, afastando-se das vielas mais escuras. Bêbados
cambaleavam de encontro a ele, casais passavam a seu lado sem lhe dar atenção,
tagarelando e rindo. Das janelas abertas ouvia-se o som de choro de bebês, de
cantorias e de gritos. O garoto sentiu-se terrivelmente só. Finalmente ele se
viu frente a uma taberna: luzes brilhavam através das vidraças, e a porta
aberta deixava entrever a madeira polida e o bronze lustroso. Deixou-se ficar
ali, invejando as pessoas que se encontravam lá dentro, aquecidas e
acompanhadas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alguém começou a tocar uma
clarineta. Solitário, o garoto ouvia, encantado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pareceu-lhe o som mais lindo e tranquilizador
que já havia ouvido. Aqueles poucos minutos do lado de fora de um bar londrino
abriram seu coração para a música. Nunca mais esqueceria aquele momento. Um
dia, ele também comporia músicas que deliciariam o mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Um instante de orgulho <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hannah era uma mulher incrível.
Uma pessoa que, contra todas as expectativas, estava bem de novo e, uma vez
mais, pronta para montar um lar para os filhos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eles mudaram para um quarto que
dava os fundos para uma fábrica de picles e que ficava ao lado dos horrores de
um matadouro. O mau cheiro era insuportável, mas eles estavam juntos novamente.
Charles passou a dar algum dinheiro a Hannah, provavelmente para se certificar
que os filhos não voltariam para sua casa. <o:p></o:p><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj10E5pp0X87J6frkgeIbL5xqdiwzc92CGpbi0Ka0ZFRA-q_rAOzn6Ia1hiV299vqhPkqOFozQujKQRcK4SeLvfddMZex3CNtRgyKXYFEPV_BFaKFihj0hhI5s2ItX30fhs3_TJjhfFM_AJ/s1600/Chaplin+07c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj10E5pp0X87J6frkgeIbL5xqdiwzc92CGpbi0Ka0ZFRA-q_rAOzn6Ia1hiV299vqhPkqOFozQujKQRcK4SeLvfddMZex3CNtRgyKXYFEPV_BFaKFihj0hhI5s2ItX30fhs3_TJjhfFM_AJ/s1600/Chaplin+07c.jpg" height="323" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"> Essas crianças não estão na fila
para assistir a um musical. Ou ver uma artista famosa. Estão esperando por uma
refeição grátis. Mesmo se houvesse mais pessoas que comida, valia a pena
tentar, pois essa era a única maneira que muitas crianças de Londres tinham de
se alimentar.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
Muito a contragosto, o pequeno
Charlie foi mandado para a escola. Ele não era muito bom em leitura e escrita,
mas teve um instante de triunfo. A sua declamação de "Miss Priscilla's
Cat" recebeu os aplausos da escola inteira... e ele foi levado de classe
em classe para que todos pudessem ver a sua atuação. De repente ele se sentiu
alguém de valor, não apenas uma criança maltrapilha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No dia 25 de novembro de 1898,
porém, Charlie deixou a escola para sempre. Tinha 9 anos, mas sua infância
havia terminado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Os Garotos de Lancashire <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hannah sustentava a família com
trabalho por encomenda. Uma vez por semana sua patroa levava várias peças de
tecido para ela fazer blusas. O pedalar e o zumbido da máquina de costura
enchiam os dias da família. Hannah não podia se atrasar no aluguel da máquina.
A sobrevivência dos três dependia dela. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A comida era comprada em
quantidades muito pequenas. Os meninos despencavam escadaria abaixo para
apanhar um prato de verduras ou um pedaço de carne para o jantar, ou até um
peixe em conserva para aumentar um pouco a refeição fria. Um saquinho de
biscoitos amanhecidos era um tesouro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O salário de Sydney ajudava. Sempre
inteligente e esperto, ele agora era entregador de telegramas, usando um
uniforme com botões dourados e boné. <o:p></o:p><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><i>“Aqueles foram dias difíceis, com
toda certeza. Às vezes, nós (Os Oito Garotos de Lancashire) quase pegávamos no
sono no palco, mas, ao darmos uma olhada para Jackson, na coxia, podíamos vê-lo
fazendo caretas extraordinárias que mostravam os dentes, distorciam o rosto e o
corpo, mostrando que ele queria que nós tomássemos coragem e sorríssemos. A
nossa resposta era imediata; mas o nosso sorriso ia se apagando lentamente, até
que dávamos, de novo, uma olhadela para Jackson. Éramos apenas crianças e não
tínhamos aprendido ainda a arte de arrancar energia do corpo para acabar com o
desânimo”. "Mas foi um bom treino, tornando-nos aptos para o trabalho duro
que enfrentaríamos antes que a deusa do sucesso começasse a distribuir seus
favores".</i> Charlie Chaplin, 1912</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Estava claro para Charlie que ele
tinha de ganhar a vida, e já sabia como. Desde pequenino, não tinha nenhuma
imagem romântica da vida de teatro, mas o que queria mesmo era ser artista.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charles, pai, ainda estava no
negócio, apesar de a bebida ter destruído a chance de uma carreira brilhante.
Podia não ter sido um bom pai, mas agora, finalmente, havia alguma coisa que
podia fazer e que não lhe custaria nada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, persuadiu William Jackson
a levar o filho para a trupe de crianças que sapateavam, Os Oito Garotos de
Lancashire. Como o grupo fugia do comum, estava obtendo um enorme sucesso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>O aprendizado no palco <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi uma escolha feliz. Jackson
era um homem gentil, que cuidava de seus garotos, mas insistia em uma
disciplina profissional e em um alto padrão de qualidade. Foi uma excelente
base para o futuro de Charlie no palco. Ensaios, espetáculos na matinê e à
noite deixavam os meninos muito cansados, mas eles eram profissionais. Seu
trabalho era divertir — e fazer rir como eles riam. Se a dança começasse a
perder brilho, Jackson já estava nos bastidores gesticulando — e o sorriso dos
meninos reaparecia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os Garotos de Lancashire dividiam
a cena com alguns dos maiores atores da época. Charlie ia retendo na memória
tudo aquilo que via. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Natal foi comemorado com
quadros de transformistas, balés acrobáticos, figurinos fulgurantes e
comédia-pastelão. O rei dos demônios foi atirado de um alçapão, como um
relâmpago envolto em fumaça vermelha, enquanto a rainha das fadas desceu
graciosamente do alto.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjV2TNxqAahoqCwnwM17hE49mVj49FY0G2CaItLg-t2KqWa3A7XBQGTP2cKFeCAIgOxzdPZGspXZ_ViJLiBk9mlwv_FOfnUo3Fdv5d9dhnQqvvvrRHDuNG6cJ_PvN4ZVGVdj2zTZj8rcGk1/s1600/Chaplin+08a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjV2TNxqAahoqCwnwM17hE49mVj49FY0G2CaItLg-t2KqWa3A7XBQGTP2cKFeCAIgOxzdPZGspXZ_ViJLiBk9mlwv_FOfnUo3Fdv5d9dhnQqvvvrRHDuNG6cJ_PvN4ZVGVdj2zTZj8rcGk1/s1600/Chaplin+08a.jpg" height="400" width="326" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"> As músicas, os figurinos, a
atmosfera excitante... Os music halls levavam a plateia para bem longe de sua
vida miserável. Eram o lugar ideal para esquecer problemas e rir um pouco,
exatamente o que o cinema seria para a geração seguinte.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Charlie também já havia
presenciado à exaustão, desde que nascera, a tensão e as injúrias por trás de
atuações maravilhosas. Ele fazia parte de um mundo que cheirava a gim e
maquiagem, poeira e suor, tigres e leões-marinhos, querosene e linhaça. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os primeiros passos de Chaplin no
teatro haviam sido coroados de sucesso; porém, em apenas dois anos, seus dias
com os garotos haviam terminado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então, às noites, ele ficava
sentado em casa observando Hannah inclinada sobre a máquina de costura, com os
dedos guiando o tecido junto à implacável agulha e os olhos vermelhos de
cansaço. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os dias mágicos no palco parecia
haver terminado para Charlie Chaplin. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Na escuridão <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então, outra desgraça desaba
sobre eles. Charles Chaplin, pai, destruído pela bebida, morre com apenas 37
anos de idade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sydney estava sempre no mar e
Charlie sentia que precisava ganhar alguma coisa para ajudar em casa enquanto
seu irmão estivesse fora. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIPWJZrcYGAehS8IdBohrVX3JwDT0W8dRrPyw4XyNyyopUvzr5TfnlMiR9U1ia0Upd8Btjja4GJGItwhzPt8fK7ZU5ND1yewXkktPacOh26UkcUywTkStXv8fk_zmaVKx4itCW3bO-gz9n/s1600/Chaplin+08c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIPWJZrcYGAehS8IdBohrVX3JwDT0W8dRrPyw4XyNyyopUvzr5TfnlMiR9U1ia0Upd8Btjja4GJGItwhzPt8fK7ZU5ND1yewXkktPacOh26UkcUywTkStXv8fk_zmaVKx4itCW3bO-gz9n/s1600/Chaplin+08c.jpg" height="400" width="228" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"> No século 19, os palhaços usavam
uma grande variedade de trajes. O personagem da ilustração é Scaramouche, que,
de muitas formas, lembra o Vagabundo de Chaplin: é um mímico triste e
vulnerável. Os dois atores apresentavam as mesmas performances e despertavam os
mesmos sentimentos de piedade e simpatia no público.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Comprou narcisos baratos no
mercado, fez pequenos buquês de 1 <i>penny</i>
e dirigiu-se à região dos bares. A faixa de luto em seu braço e seu olhar
triste e sombrio enterneceu o coração de muitas mulheres, o que lhe renderia
algum trocado extra. Mas sua mãe descobriu e pôs um fim nesse trabalho. "A
bebida matou seu pai, e o dinheiro vindo de bares só pode nos trazer
azar", disse-lhe Hannah. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas embolsou o lucro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Bolo e sorvete <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Começava o ano de 1901. Com 11
anos de idade, Charlie estava determinado a arranjar um emprego. Foi mensageiro
de médico, pajem e até assoprador de vidro em uma fábrica, onde, apesar de o
calor ser forte demais para sua idade, ele só faltou um dia. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRY72ANDtKJwiYhB17t7OSBtUKiNxFuzCYRC577ZjreWH35IaDRu_FC2jmfK33Rn4cORG0aNnZ9MJGqzdZowC1fjwToyFwJUWeaGJDRaZfuHcWGq3Wyc3EZcHd6tATZEDwS2uc9fxPjQoc/s1600/Chaplin+09a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRY72ANDtKJwiYhB17t7OSBtUKiNxFuzCYRC577ZjreWH35IaDRu_FC2jmfK33Rn4cORG0aNnZ9MJGqzdZowC1fjwToyFwJUWeaGJDRaZfuHcWGq3Wyc3EZcHd6tATZEDwS2uc9fxPjQoc/s1600/Chaplin+09a.jpg" height="400" width="190" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"> O engraxate era uma figura comum
na Londres vitoriana: uma maneira de ganhar algum dinheiro. Aos 14 anos,
Charlie ficou completamente só e desamparado, mas sempre havia trabalho avulso
a ser feito em troca de umas moedas. Charlie dedicou-se a ajudar entalhadores
de madeira, a assoprar vidros e a entregar telegramas.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sydney voltou do mar com o
salário e algum extra de gorjetas — o suficiente para transformar o verão. Anos
mais tarde, Chaplin diria: "Foi nossa época de bolo e sorvete". Entre
biscoitos, bolinhos, peixe e pãezinhos recheados, os dias passaram como num
delicioso sonho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Logo, porém, Sydney teve de
voltar ao mar, e a pobreza novamente dominou sua vida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie tentou vender sua roupa
velha no mercado, mas estava tão puída que nem os mais miseráveis se
interessavam por ela. Começou a fazer barquinhos de madeira, mas o cheiro forte
da cola perturbava o trabalho de Hannah e ele teve de parar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hannah estava mudada. Apesar do
pouco dinheiro, sua casa sempre fora limpa e brilhante; ultimamente, porém,
estava se tornando cada vez mais empoeirada e suja. Charlie não compreendia o
que estava acontecendo e muitas vezes ralhava com ela. Mas não era apatia o que
causava a mudança. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>A doença volta <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Certa manhã de verão, enfastiado
daquela desmazelada e exígua água-furtada, Charlie saiu para visitar amigos.
Por volta de meio-dia, estava voltando para casa, quando algumas crianças o
abordaram. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Sua mãe ficou louca. Ela
está empunhando pedaços de carvão e dizendo que são presentes de aniversário
para as crianças". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie precipitou-se escada
acima e encontrou a mãe sentada em seu costumeiro lugar, junto à janela. Lançou
para ele um olhar desnorteado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Estava procurando por Sydney.
Eles o afastaram de mim". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie já tinha visto sua mãe
doente antes, mas nunca como agora. Como ela cambaleasse, Charlie, com 14 anos
de idade, teve de levá-la ao hospital, amparando-a em seus braços ao longo de
quase 2 quilômetros até os portões de ferro. Os pedestres olhavam para eles com
reprovação, pensando que ela estivesse bêbada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No grande e despojado quarto, um
médico acalmou Hannah e examinou-a gentilmente. Ao final, disse a Charlie que
ela não estava nada bem. Hannah foi internada no hospital e seis dias mais
tarde, transferida para o asilo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Sozinho <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não querendo ser cuidado pelo
Estado novamente, Charlie disse aos funcionários que iria viver com parentes.
Na verdade, voltou ao velho quarto sozinho para esperar a volta de Sydney.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hannah, como sempre, tentava
afastá-lo do pior. Mas, ainda assim, Charlie encontrou roupa suja de molho,
nenhuma comida, meio pacote de chá e três moedas de meio <i>penny</i>. Havia um saquinho de balas de hortelã sobre a mesa, que ela
havia comprado como um tesouro para ele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nas semanas seguintes, Charlie
perambulou pelas ruas de Londres, tão só quanto naquela noite em que seu pai
deixara-o para fora de casa. Por sorte, encontrou alguns amistosos entalhadores
e começou a trabalhar para eles. Na firma, o chefe deu-lhe 2 <i>pence</i> para comprar pão e cascas de
queijo. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbKkdlw19AvGbbYGvKxUHIxl83G79xbY57cs7ux4awTsmM4Na5Q8v2kKhmEh-9nKRCAHLAxJHNRA4kK2LoJYMesBELB5-InCWqdnNVqeE89lusuDmLhVho4srVzqaOlz97G2P-bQaPKl2W/s1600/Chaplin+09c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbKkdlw19AvGbbYGvKxUHIxl83G79xbY57cs7ux4awTsmM4Na5Q8v2kKhmEh-9nKRCAHLAxJHNRA4kK2LoJYMesBELB5-InCWqdnNVqeE89lusuDmLhVho4srVzqaOlz97G2P-bQaPKl2W/s1600/Chaplin+09c.jpg" height="316" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;"> O mercado era o coração de Londres. Bancas enfileiravam-se ao longo das ruas, e vendedores ambulantes apregoavam suas mercadorias aos gritos, enquanto caminhavam de porta em porta. </span></td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim que Sydney chegou, os dois
garotos foram visitar a mãe. Foi um grande choque ver a mudança que ocorrera em
Hannah. Longe da família e de seu ambiente, ela parecia totalmente perdida e
desamparada. Charlie ficou transtornado por muito tempo com o que ela lhe
dissera em sua confusão mental: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Se você tivesse me dado uma
xícara de chá, eu teria ficado boa".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Charlie encontra seu caminho <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mesmo nas piores fases, Charlie
sempre acreditou que havia algo especial encerrado dentro dele. Agora, roto e
esfarrapado, estava determinado a começar de novo. Armou-se de coragem e foi
procurar um dos mais importantes agentes teatrais de Londres. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No escritório, o empregado olhou
para o menino de 14 anos. Era miúdo, de traços delicados, mãos e pés pequenos,
cabelos pretos e ondulados, dentes magníficos — um garoto de boa aparência e
cheio de energia. Resolveu colocar Charles Spencer Chaplin em sua agenda. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pouco tempo depois um cartão
chegou ao alojamento de Charlie. Com o coração saltando no peito, ele foi ao
escritório. Não tinha experiência alguma e estavam lhe oferecendo um bom papel
em uma nova montagem de <i>Sherlock Holmes</i>.
O conhecido ator H.A. Saintsbury fazia o papel principal. Havia uma
oportunidade, também, de outro papel na própria peça de Saintsbury, <i>Jim, um Romance de Cockayne</i>, que seria
encenada antes que a produção de <i>Holmes</i>
ficasse pronta. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie foi encaminhado para o
amplo e distinto Green Room Club para se encontrar com o ator. A vida que
levava tornara-o muito tímido — muitos o tomavam por insociável —, mas
Saintsbury gostou dele e deixou-o à vontade. Charlie ficou com os dois papéis. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjG6SKnuK0fELFkLf5yO-DwZXxFTUmnOX_Yeom17Nf0w1UfF_UDTNekh5Ov4OpYcnpEkbRt6pCnPqYV57RKl29ov_vcEFsfCRIjyPBa9Jsqh4GXr1zszbpHJYMWhnMZwcaP3kCcG_fXDKkV/s1600/Chaplin+10a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjG6SKnuK0fELFkLf5yO-DwZXxFTUmnOX_Yeom17Nf0w1UfF_UDTNekh5Ov4OpYcnpEkbRt6pCnPqYV57RKl29ov_vcEFsfCRIjyPBa9Jsqh4GXr1zszbpHJYMWhnMZwcaP3kCcG_fXDKkV/s1600/Chaplin+10a.jpg" height="640" width="286" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">A atuação de Chaplin em <i>Sherlock
Holmes</i>, com apenas 14 anos, foi um marco em sua carreira de ator. E, apesar de
as peças não obterem grande sucesso, o público reconheceu o seu talento desde o
início.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os ensaios eram completamente
diferentes do que vira até então, pois nunca trabalhara como ator, mas
Saintsbury era paciente e Charlie aprendia depressa. Como mal sabia ler, Sydney
lia o texto junto com ele e, em três dias, sua fala estava decorada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Jim</i> foi um horrível fracasso, exceto pelo fato de as críticas
destacarem "um ator de futuro" na peça: Charles Chaplin. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um deles escreveu: "Nunca vi
o garoto antes, mas espero ouvir falar muito dele no futuro". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Sherlock Holmes</i> estreou no dia 27 de julho de 1903, no enorme Pavilion
Theatre e, após curta temporada, começou a excursionar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie parecia ter mudado da
noite para o dia. Foi como se tivesse encontrado algo que lhe houvesse sido
destinado fazer. Querido, gentil e talentoso, Sydney também ficaria famoso no
palco, mas para ele esse era apenas um trabalho, uma parte de sua vida,
enquanto para Charlie o emprego era seu mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie convenceu o diretor a dar
um pequeno papel para Sydney. Hannah apresentou melhoras e por um certo período
os três excursionaram juntos, quando então pôde se deleitar com o sucesso dos
filhos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A terceira excursão de <i>Holmes</i> foi um péssimo negócio, pois a
companhia havia mudado de diretor. Charlie foi salvo por um telegrama, que lhe
oferecia um papel na peça de William Gillette, um grande ator americano. A peça
fracassou, mas Gillette gostou tanto da atuação de Charlie que lhe deu o papel
de Billy na sua montagem de <i>Sherlock
Holmes</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Isso significava o West End de
Londres, o lado melhor da capital — e dos espetáculos. Charlie tinha apenas 16
anos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Sucesso e fracasso <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie aprendeu muito com
Gillette, que era um excelente ator e um professor paciente. Acreditava que a
atuação no palco se desenvolvia a partir da observação da vida real — algo que
Hannah e Charlie entendiam muito bem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas para Hannah não havia mais
progresso. A insanidade contra a qual lutara por tanto tempo havia retornado,
mais violenta que nunca. Os filhos estavam fora e foram os amigos que a levaram
para o asilo. Desta vez não houve recuperação. Em seus momentos de lucidez,
escrevia aos filhos cartas corajosas, tentando ardentemente ser alegre e
enviando-lhes seu amor e carinho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sydney estava atuando em uma
comédia-pastelão chamada <i>Consertos</i>,
que envolvia grande quantidade de água, escadas, baldes, massa, papel e quedas.
Quando terminou a temporada de <i>Sherlock
Holmes</i>, Charlie juntou-se ao irmão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As coisas pareciam mudar com
muita rapidez e Charlie estava ansioso por conquistar algo além do horizonte.
No momento, ele atuava em uma peça bastante popular: <i>Casey's Court Circus</i>. O público adorava sua atuação, especialmente
quando se precipitava sobre o palco, com uma perna balançando no ar e a outra
derrapando pelos cantos. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfxVAZ1rK61ZoAyLuBD-SXAOUK_eZ0A2H4a_fcuj9FsoUPHewLFDefu5utIG3WIcL1LwUTL15phH7mKdiIS0vLUhpAVkZ0tM5QKmcP45zUlqjpU2e5vkkgt8YtIv2QdAmLXxk_6ma4Nm63/s1600/Chaplin+10c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfxVAZ1rK61ZoAyLuBD-SXAOUK_eZ0A2H4a_fcuj9FsoUPHewLFDefu5utIG3WIcL1LwUTL15phH7mKdiIS0vLUhpAVkZ0tM5QKmcP45zUlqjpU2e5vkkgt8YtIv2QdAmLXxk_6ma4Nm63/s1600/Chaplin+10c.jpg" height="640" width="316" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Charlie Chaplin, com 16 anos,
imitando um famoso médico charlatão. Chaplin era um mestre da imitação e da
mímica, e já mostrava esse talento desde o início de sua carreira. A inclinação
da cabeça, a expressão nos olhos e a posição da mão eram absolutamente perfeitas;
ele cuidava atentamente de cada detalhe, incluindo a maquiagem e o figurino.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o sucesso pode ser seguido
pelo fracasso. Inacreditavelmente, Charlie apresentou-se como um artista cômico
judeu. E teve uma atuação tão ruim que foi vaiado no palco. Chaplin já havia vivenciado
essa experiência com sua mãe, mas para ele era novidade. Tremia no camarim,
antes de entrar em cena, e nunca mais se sentiu totalmente à vontade nas
atuações ao vivo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Felicidade interrompida <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Agora era a vez de Sydney ajudar.
Era um astro em ascensão na bem-sucedida montagem de Comediantes Mudos, de Fred
Karno e convenceu o diretor a fazer um teste com Charlie durante duas semanas,
sem pagamento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Deram-lhe uma ponta, mas Chaplin
sabia que era sua grande chance. Deu o melhor de si em todos os detalhes da
atuação, acrescentando pequenos truques inesperados — e atingindo o sucesso dos
melhores astros, para deleite do público. Não conquistou a estima dos outros
atores, mas Karno reconheceu seu talento e Charlie foi integrado ao elenco. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw83CFx0Zvou5ITQ7urWeX09pcm_YzfNpGv8w3f7XwT2M116c1XFHluw1yrlNjlflf6ueWHbxmQWQ0pAK_aJHQGcD7hhVBuE3bnlwxVR9a4FAqCmP-_FftqCkPjt8QouvsWrY61am1n1iF/s1600/Chaplin+11a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw83CFx0Zvou5ITQ7urWeX09pcm_YzfNpGv8w3f7XwT2M116c1XFHluw1yrlNjlflf6ueWHbxmQWQ0pAK_aJHQGcD7hhVBuE3bnlwxVR9a4FAqCmP-_FftqCkPjt8QouvsWrY61am1n1iF/s1600/Chaplin+11a.jpg" height="304" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Cinco das companhias de Fred
Karno saíram de Londres em turnês, com a presença de Chaplin como um de seus
principais artistas. Multidões se aglomeravam para ver os atores em suas
viagens pelos Estados Unidos e Europa. As companhias e seus astros, como
acontece hoje com os artistas mais famosos da TV e da música, eram cercados
pelo público aonde quer que fossem.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin confundia o resto da
companhia com sua versatilidade. Mas um membro do grupo, Stan Laurel — que um
dia se reuniria a Oliver Hardy para montar uma das maiores duplas de
comediantes de todos os tempos (<i>O Gordo e
o Magro</i>) — gostou dele. Percebeu que Charlie era tímido e se dedicava inteiramente
ao trabalho. Sabia que poderia ser tão brincalhão, delicado e generoso como os
outros atores — mas seu trabalho vinha em primeiro lugar.<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era o ano de 1908. Charlie estava
com 19 anos e se apaixonou. Hetty Kelly tinha apenas 15, e seus pais cortaram o
romance antes mesmo que começasse. Mas a lembrança da bela Hetty o acompanharia
por toda a vida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Excursionando com Fred Karno <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Fred Karno era grosseiro,
ignorante, às vezes cruel, mas ele entendia de comédia. Disse a Chaplin que uma
pitada de sentimento podia dar bons resultados num quadro humorístico,
observação que ele seguiria à risca em seus filmes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1910, quando Karno realizou
sua primeira turnê pelos Estados Unidos, Chaplin foi incluído no grupo. Ele
emplacou em cheio com os americanos. Foi considerado pela crítica dos Estados
Unidos como "um dos melhores artistas de pantomima jamais vistos". <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf5a3tfW5dDhg5yoGjrrQXaKijdEOL9-gbFyrhsaOR6cRaHAvhPWwtW5rUQLIpNYhw9oscJQ39ZxzNJKV9R4hFA_eTBMGPcV397LzM4Bk9pxeOjJrsGJomQgLlNXhYJvpqaZY6t2Fv7z0e/s1600/Chaplin+12a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgf5a3tfW5dDhg5yoGjrrQXaKijdEOL9-gbFyrhsaOR6cRaHAvhPWwtW5rUQLIpNYhw9oscJQ39ZxzNJKV9R4hFA_eTBMGPcV397LzM4Bk9pxeOjJrsGJomQgLlNXhYJvpqaZY6t2Fv7z0e/s1600/Chaplin+12a.jpg" height="400" width="287" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Datada de 1890, esta máquina
mostrava, em movimento, as imagens de atrações comuns nos palcos da época:
malabaristas e mímicos.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A companhia ficou fora 21 meses
e, quando Chaplin voltou, Sydney estava casado. A próxima turnê aos Estados
Unidos teria início dentro de cinco meses, mas Charlie estava muito
insatisfeito com a forma com que eram organizadas as excursões. No entanto, a
turnê foi um enorme sucesso — e Chaplin também. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Estavam em Filadélfia, quando
receberam o seguinte telegrama: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Há um homem chamado Chaffin
ou qualquer coisa parecida na companhia? Se houver, comunicar-se com Kessel e
Baumann..." <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Intrigado, Chaplin tirou um dia
para visitar esses misteriosos cavalheiros em Nova York. Para seu assombro,
soube que haviam assistido a sua cena e estavam lhe oferecendo a oportunidade
de substituir um astro na companhia cinematográfica Keystone. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era maio de 1913 — e a vida de
Chaplin estava para mudar inteiramente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Chaplin descobre o cinema <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O cinema — ou cinematógrafo — foi
criado no ano em que Chaplin nasceu. A princípio, a plateia ficava aturdida ao
ver as cenas em movimento — sensação que durava apenas alguns instantes —, mas em
1913 o cinema estava se tornando um grande negócio. A Keystone produzia filmes
em grande quantidade, em detrimento da qualidade, para atender à demanda. Ainda
assim as pessoas acreditavam que era uma moda passageira que jamais
substituiria os espetáculos ao vivo. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5c9QOTk5Sa16m7wKcvuiIdxDuvhD5agujA5K3R07Tlumxc8TjCYpgcFX8Q2Aaio3wM1JjUAhBBB7DuPqXQ2WRjusvgUGzxvRQLSZVh4JqhcOAPA5LKgTKzx2lNxxMj3eytS_nszDQ7dgk/s1600/Chaplin+12c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5c9QOTk5Sa16m7wKcvuiIdxDuvhD5agujA5K3R07Tlumxc8TjCYpgcFX8Q2Aaio3wM1JjUAhBBB7DuPqXQ2WRjusvgUGzxvRQLSZVh4JqhcOAPA5LKgTKzx2lNxxMj3eytS_nszDQ7dgk/s1600/Chaplin+12c.jpg" height="400" width="255" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Uma câmera de 1889, com dezesseis
lentes: cada uma delas gravava imagens separadas em uma chapa fotográfica.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os estúdios não eram nem de longe
equipados como os de hoje. Na biografia <i>Chaplin
— Sua Vida e Arte</i>, David Robinson descreve assim o lugar para onde Chaplin
estava direcionando sua vida: "Uma área de menos de 15 metros quadrados,
confinada por uma cerca verde de madeira. No centro ficava o palco, encimado
por um pano branco para difundir a luz do sol. Um velho bangalô abrigava o
escritório e o camarim das mulheres; uma construção agrícola adaptada servia de
camarim para os homens". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E era só. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não havia som, mas nos filmes de
amor uma orquestra estava sempre a postos para criar a atmosfera propícia aos
atores. As filmadoras a manivela ficavam em posições fixas. O ator obedecia
mais à câmera do que a câmera ao ator. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Muitas das tomadas eram feitas
fora do estúdio, no jardim ou nas ruas próximas. Na época, tudo dependia do
sol, pois não havia iluminação própria para o local. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Keystone <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin ficou muito animado com a
proposta da Keystone, mas agora que estava em Hollywood começou a se questionar
se teria feito a escolha certa. Afinal de contas, ele era um comediante de
teatro. Durante vários dias esteve nervoso demais, até para ir ao estúdio. Deu
um telefonema urgente para Sennett, seu novo diretor, para vir ao seu encontro.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ficou completamente desalentado
com o que viu. Sua comédia sempre dependeu de ensaios, com ritmo e clareza
precisos e efeitos calculados. A Keystone não acreditava em tais sutilezas.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxrvKVh7teywaqhv07RPS-NLp4meMFnV0-1me2lu8PGEfXVKBQpBMNYeJuOM70k1B493-vHnL0LGar1XFmLLPJen-Dz_L0pN4fUrW-6oTpeEVER1JoDHlIPQOQhcvmnyjpocb2x0VAdVes/s1600/Chaplin+12e.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxrvKVh7teywaqhv07RPS-NLp4meMFnV0-1me2lu8PGEfXVKBQpBMNYeJuOM70k1B493-vHnL0LGar1XFmLLPJen-Dz_L0pN4fUrW-6oTpeEVER1JoDHlIPQOQhcvmnyjpocb2x0VAdVes/s1600/Chaplin+12e.jpg" height="400" width="395" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Ao ser rodado em uma determinada
velocidade, este disco mostrava o cavalo e o cavaleiro correndo. Esta é uma das
primeiras invenções que, aprimoradas, levaram ao equipamento usado hoje no
cinema.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Suas comédias se baseavam em
pancadaria, corridas e perseguições e usavam maquiagem grosseira. Mas Chaplin
não se deixaria abater. Ele tinha várias semanas para esperar e aproveitou o tempo
para olhar e aprender. Estava determinado a dominar o novo meio de comunicação.
Havia a oportunidade de dinheiro e sucesso — e ele estaria livre do
imprevisível público de teatro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>O primeiro filme <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em fevereiro de 1914 estreou o
primeiro filme de Chaplin, que continha um rolo com duração de 15 minutos.
Chamava-se <i>Carlitos Repórter</i>. Embora
ainda conhecesse muito pouco sobre cinema, ele entendia de comédia, e percebeu
que o diretor era, definitivamente, incompetente. Estava amargamente
desapontado com o resultado final do trabalho. Tudo o que havia sugerido fora
cortado na edição final. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mesmo assim o público gostou e
reconheceu em Chaplin — com a sobrecasaca e o chapéu-coco — "um comediante
de primeira". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A insatisfação serviu para
Charles Spencer Chaplin caprichar mais em futuras atuações.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWbgItz6w46Jb1NmZ0A3N_xCJKrFT3px7T0hxlF1GcECyNeLLawJrCI7pK2njHAkUcVJ2MtTKIVRwf9oFq1fNxJp566ESDCsB_0m3gkBeZ9OSLzuu7YWYwW0ViEiSXDdWazQkvc1EKUX6e/s1600/Chaplin+13a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWbgItz6w46Jb1NmZ0A3N_xCJKrFT3px7T0hxlF1GcECyNeLLawJrCI7pK2njHAkUcVJ2MtTKIVRwf9oFq1fNxJp566ESDCsB_0m3gkBeZ9OSLzuu7YWYwW0ViEiSXDdWazQkvc1EKUX6e/s1600/Chaplin+13a.jpg" height="640" width="492" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Charlie Chaplin era popular entre
as atrizes estreantes — bonito, jovem e talentoso, ganhava muito dinheiro e se
tornava mais famoso a cada dia. Sempre se apaixonava pela atriz jovem e bonita
com quem contracenava. No quarto casamento encontrou a felicidade.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sennett tinha uma fórmula certa
de economizar dinheiro em locações e extras. Levava a equipe para onde
estivesse acontecendo algum evento e deixava os atores se misturarem à
multidão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O segundo filme de Chaplin foi
rodado em uma corrida de automóvel para crianças. Disseram-lhe para vestir o
uniforme e fazer alguma coisa errada na pista.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Nasce o Vagabundo <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Escolheu um chapéu-coco menor que
a cabeça, um paletó apertado, calças grandes demais, botinas enormes e uma
bengalinha de cana-da-índia. Assim o Vagabundo fez sua primeira aparição nas
telas. Chaplin jamais poderia imaginar a fama que esse personagem conquistaria.
Mas desde o primeiro momento sabia qual seria seu comportamento: um homem sem
sorte que tenta corajosamente obter um pouco de dignidade. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><i>"Ele [Chaplin] era uma
figura estranha, mórbida, romântica, não demonstrando ter consciência da
grandeza que havia nele"</i>. Constance Collier</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Lembrou-se dos pobres
trabalhadores de sua infância, que branqueavam com giz o colarinho, manchavam
com tinta as mangas puídas e adornavam as bordas rasgadas de suas camisas para
parecerem respeitáveis. Recordou como homens, mulheres e crianças miseráveis
usavam um chapéu, mesmo em péssimo estado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Muito tempo depois, disse em uma
entrevista que tinha aprendido aquele jeito de caminhar trocando o passo, com
os pés voltados para fora, observando um velho bêbado, quando era criança. Em
todos os seus filmes ele utilizaria sempre elementos de sua infância. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrhvIqN6a2gynJM96L8528Ip350rCrOSe114-ckWnGLn9vbQgQCWsKVcGky8NpSOj25mKUqw9hPyKeGaE_Qo0bJxXeRxAylkPwixlFKKzU_xQ4joCakQFrZydJAGSQKDUPMOMRQg22KGx_/s1600/Chaplin+14a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrhvIqN6a2gynJM96L8528Ip350rCrOSe114-ckWnGLn9vbQgQCWsKVcGky8NpSOj25mKUqw9hPyKeGaE_Qo0bJxXeRxAylkPwixlFKKzU_xQ4joCakQFrZydJAGSQKDUPMOMRQg22KGx_/s1600/Chaplin+14a.jpg" height="574" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Muitos dos filmes de Charlie
Chaplin abordavam assuntos sérios — mas com um humor característico. Chaplin se
jogava na água, atirava tortas e corria pelas ruas de forma natural e
espontânea. Cada cena era esmeradamente trabalhada até obter o efeito que ele
desejava, não importando quantas vezes tivesse de ser repetida.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Vagabundo tinha futuro, mas
Chaplin ainda faria vários filmes até obter a caracterização definitiva do
personagem. Por longo tempo desempenhou todos os tipos de papéis. Ele era bom,
mas ainda um comediante entre muitos outros. Nesses primeiros trabalhos já
havia lampejos do charme e da imaginação dos seguintes. Os primeiros filmes
eram muito rápidos, rudes e às vezes violentos. Pancadarias, correrias e quedas
eram os ingredientes para fazer rir. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Experiência <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os dois primeiros rolos de <i>Mabel at the Wheel (Carlitos Banca o Tirano)</i>
foram filmados em abril de 1914. Desde fevereiro havia feito dez filmes e aprendido
muito — mas estava longe de se sentir satisfeito. Agora conhecia as
possibilidades do cinema, ainda que suas sugestões fossem ignoradas. Quando
Charlie ficou seguro de que estava certo, ele se sobrepôs aos outros, agarrou o
diretor Mack Sennett e exigiu um tratamento melhor. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwgV7JerIREK1hyphenhypheng8qZV5_lvCdnyKGNDuteapGKmrpSySmqgtErgPLdBSUE4crGzGaqg6aVIz-7iIfivPmxpxLZJ2rhtDLSZmkrZft-fQaDdaXEFrZxr7V1tjxPQH7VR2go9IqlZx4nDJ1/s1600/Chaplin+15a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwgV7JerIREK1hyphenhypheng8qZV5_lvCdnyKGNDuteapGKmrpSySmqgtErgPLdBSUE4crGzGaqg6aVIz-7iIfivPmxpxLZJ2rhtDLSZmkrZft-fQaDdaXEFrZxr7V1tjxPQH7VR2go9IqlZx4nDJ1/s1600/Chaplin+15a.jpg" height="300" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Cena de um filme de 1915. Chaplin
aparece sem seu famoso bigode; a câmera à direita fotografa os atores. Com a
Keystone, Chaplin desenvolveu um estilo particular de atuar e dirigiu quase todos
os filmes de que participou.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sennett era importante e quase o
pôs no olho da rua — mas o público o amava e os distribuidores pediam cada vez
mais filmes de Chaplin. Assim, Sennett viu-se forçado a dar o que ele
reclamava. Desde então, até o último filme rodado no estúdio da Keystone,
Chaplin dirigiu todos aqueles em que aparecia, com uma única exceção. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Num espaço de tempo
inacreditavelmente curto, Charles Chaplin fez aquilo a que se havia proposto:
tornar-se uma celebridade no cinema... mas estava pagando o seu preço. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando começou a trabalhar na
Keystone, ele se reunia aos outros integrantes da companhia para um drinque
depois das filmagens ou para assistir a uma luta de boxe, mas, assim que a
pressão do trabalho aumentou, sua vida social foi abalada. Os tempos da Karno
estavam de volta. Para Charlie, o trabalho era mais importante que qualquer
outra coisa. Por isso ele ficava frequentemente sozinho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>"Negócio é negócio" <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O contrato de Chaplin com Sennett
estava chegando ao fim. Escreveu para Sydney, exultante e surpreso com sua
rápida escalada à fama:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Todo meu tempo é tomado por
filmagens. Escrevo, dirijo e atuo e, acredite-me, isso toma tempo. Bem, Syd, eu
me saí bem. Todos os cinemas expõem meu nome em letras grandes, isto é: ‘Chas
Chaplin (sic) em cartaz hoje'. Já lhe disse que neste país tenho uma grande
bilheteria. Os diretores me dizem que recebo cerca de cinquenta cartas por
semana de homens e mulheres de todas as partes do mundo. É maravilhoso verificar
como me tornei popular em tão pouco tempo. No próximo ano, espero ganhar muita
grana". <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><i>"Durante anos eu me
especializei em um tipo de comédia: a pantomima. Eu a avaliei, aferi, estudei.
Seria capaz de estabelecer os princípios que governam as reações da platéia.
São com certeza o ritmo e o tempo. Diálogos, a meu ver, sempre reduzem a ação,
porque a ação deve seguir de perto as palavras".</i> Charlie Chaplin</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A falta de estudos não mais
afetaria Chaplin... ele era um astuto homem de negócios. Sabia que devia continuar
em frente. "O senhor Sennett é um homem encantador, e nós somos amigos,
mas negócio é negócio". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era um daqueles riscos que se
deve correr: depois de alguns desapontamentos e uma certa ansiedade, assinou
contrato com a companhia cinematográfica Essanay, de Chicago. Em dezembro de
1914, Chaplin se mudou para lá: seus dias de aprendiz no cinema haviam chegado
ao fim. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Essanay <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chicago já era uma cidade fria, mas,
quando Chaplin deparou com os métodos de produção da Essanay, seu coração
congelou. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Keystone podia ser meio louca às
vezes, mas pelo menos era viva e criativa. Essanay era simplesmente uma máquina
de fazer filme, muito mal organizada, dispendiosa e sovina ao mesmo tempo. No
entanto, contava com alguns bons comediantes, e, assim, Chaplin fez o possível
para não sentir que tinha sido um erro ter aceitado o negócio. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkkcl_FcDlP5bfwLETMZ9HiJ6FFzJVYlvDunVub2PXz2dbZOykCewpHbdsxqbpCQixmUoWj2Yu4TA6FSBqMdW2dtzZ8fv8sROJm0DdLh7DS3yTnaaGAvvddu0u8BnEHVnrqxhIL2oI_fGr/s1600/Chaplin+15c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkkcl_FcDlP5bfwLETMZ9HiJ6FFzJVYlvDunVub2PXz2dbZOykCewpHbdsxqbpCQixmUoWj2Yu4TA6FSBqMdW2dtzZ8fv8sROJm0DdLh7DS3yTnaaGAvvddu0u8BnEHVnrqxhIL2oI_fGr/s1600/Chaplin+15c.jpg" height="640" width="186" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Um elegante e requintado Chaplin.
Sem a roupa característica era difícil reconhecer o desolado Vagabundo ou
perceber o moleque de rua que ele fora na infância.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seus companheiros de trabalho
estavam fascinados por ele. Chaplin já era um astro, mas ainda vivia com
simplicidade e muito poucas posses. O seu trabalho, como sempre, era a sua
vida. Ele o via não como algo glamoroso ou excitante, mas como um trabalho a
ser executado da forma mais perfeita possível. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin assinou um contrato com o
estúdio para fazer catorze filmes. <i>His
New Job (Seu Novo Emprego)</i> foi filmado em apenas duas semanas e rendeu mais
dinheiro em pré-estreias que qualquer outro filme da Essanay. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o frio de Chicago era
demasiado para Chaplin.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então se transferiu para os
estúdios da Califórnia: deprimente, pequeno, mas quente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar de tudo, Chaplin conseguiu
fazer bons filmes. A comédia estava mudando. Em 1915, o público estourava de
rir em cenas que, muito provavelmente, o público de hoje acharia repetitivas e
abrutalhadas. Mas as legendas explicativas das mímicas de Chaplin, o lampejo de
seu sorriso e seu ritmo incrivelmente preciso são tão novos hoje como à época
em que foram filmados. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>O Pequeno Vagabundo <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>The Tramp (O Vagabundo)</i> representou um grande passo à frente. Foi
nesse filme que nasceu o Pequeno Vagabundo, personagem que vem à mente da
maioria das pessoas ao pensar em Charlie Chaplin, sendo confundido com a figura
do próprio ator. A verdade é que esse personagem falava direto ao coração:
pequeno e tímido, uma estranha combinação de homem e criança, delicado,
melancólico, travesso e valente — mas acima de tudo um sobrevivente. Um
personagem com o qual qualquer pessoa no mundo poderia se identificar. Sua
tristeza e seu tipo de comédia atravessaram fronteiras. Mesmo sem falar, todos
podiam compreendê-lo.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_9ZK55C6GQKCWbZqd0t07cU5s7SXhhOBOhKu-CzhAF0VmFEZa0lKBv9ybyDATpqh7uB9L47i6KL3SdWnFNec-rkVTZ6gfZDFpWjNGnSYmSbDGpWj1eJVsIqc5URR03hsGkNyi3kH5VIPE/s1600/Chaplin+19c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_9ZK55C6GQKCWbZqd0t07cU5s7SXhhOBOhKu-CzhAF0VmFEZa0lKBv9ybyDATpqh7uB9L47i6KL3SdWnFNec-rkVTZ6gfZDFpWjNGnSYmSbDGpWj1eJVsIqc5URR03hsGkNyi3kH5VIPE/s1600/Chaplin+19c.jpg" height="640" width="246" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Calças largas, paletó apertado,
chapéu-coco, sapatos de palhaço e um bigodinho eram a marca característica de
Carlitos. Em 1916, Chaplin era o ator mais famoso dos Estados Unidos, sendo
adorado no mundo inteiro. O pobre Vagabundo tornara-se, em pouco tempo, um dos
homens mais ricos do mundo.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin queria muito realizar um
longa-metragem intitulado <i>Life</i>, com o
qual pretendia introduzir grande dose de realismo e verdade à sua comédia. O
Vagabundo perambulava por um mundo desolado e pobre, o mesmo mundo que Chaplin
conheceu quando menino. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o estúdio não acreditou que o
filme desse dinheiro e Chaplin teve de abandonar o projeto. No entanto, Essanay
aproveitou algumas tomadas e colocou-as em outros filmes, o que deixou o ator
profundamente magoado e revoltado, uma vez que elas estavam completamente fora
de contexto. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin sempre quis que as
tomadas experimentais fossem destruídas, para não desiludir o público.
Lembrava-se das doces bailarinas e dos tristes e neuróticos comediantes de sua
juventude — e queria que os seus espectadores vissem apenas o final mágico. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Gênio <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Felizmente foi desobedecido.
Depois de sua morte, dois pesquisadores ingleses, Kevin Brownlow e David Gill,
resgataram quantidades enormes de rolos de filmes descartados e montaram um
documentário que mostrou ao público como Charlie Chaplin criava seus filmes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Só um gênio poderia ter
inutilizado algumas daquelas sequências. Não importava quanto tempo tivessem
gasto para fazê-las; se não satisfizessem a Chaplin, elas eram cortadas. Seus
filmes eram totalmente enxutos.<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDFhjPAHPgkBPNcSVewWoCdB-OjD5QtbcoyjAO-fz0cjT9aakpStfcaRniQTyGZG7FqtTMc6pJc1L6ESE_w-LTe3nkvfHdxV3wznLGXLpGqeS1c_zVgpwlF6JpONCNyyxrNN4oCNA6nibK/s1600/Chaplin+16a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDFhjPAHPgkBPNcSVewWoCdB-OjD5QtbcoyjAO-fz0cjT9aakpStfcaRniQTyGZG7FqtTMc6pJc1L6ESE_w-LTe3nkvfHdxV3wznLGXLpGqeS1c_zVgpwlF6JpONCNyyxrNN4oCNA6nibK/s1600/Chaplin+16a.jpg" height="400" width="330" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">A genialidade de Chaplin não se
limitava a fazer filmes; ele também era um talentoso homem de negócios. A
ilustração mostra o Vagabundo tratando de finanças. O dinheiro deu a Chaplin a
segurança que não teve na infância, mas o seu objetivo era fazer as pessoas
rirem com seus filmes, trabalho que desempenhou à perfeição. Chaplin nunca foi
movido por dinheiro, apesar de ter se tornado muito rico.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1936 ele disse ao grande
cineasta francês, Jean Cocteau, que um filme era como uma árvore: quando
balançada, tudo o que não era necessário caía, restando apenas a essência.
Quando cada centímetro de material supérfluo tivesse sido descartado, o filme
estaria pronto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essanay continuava a irritar
Chaplin. Fez um compacto: dois rolos humorísticos foram utilizados em <i>Carmen</i>. O estúdio emendou tomadas
externas de vários filmes e montou um longa-metragem. O resultado foi uma escrachada
mixórdia que causou tanto horror a Chaplin que ele ficou doente a ponto de não
sair da cama por dois dias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Fama <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie Chaplin tornara-se
famoso, e sofria com isso. Muitos filmes foram feitos por produtoras rivais, copiando
de forma descarada seus personagens. Até o irmão Sydney apareceu nas telas como
um Vagabundo meio sem graça. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A mania Charlie Chaplin parecia
dominar o mundo. O Vagabundo apareceu em histórias em quadrinhos, desenhos
animados, bonecos, livros, músicas. Na França dançava-se o One-Step Charlot. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o próprio Chaplin era o único
a não perceber o que acontecia: estava ocupado demais para isso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O fato é que nenhum ator de
cinema era tão famoso ou amado quanto ele. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><i>"Alguns consideram o cinema a grande arte do século 20,
mas a maioria aponta Chaplin como seu gênio primaz".</i> Leonard Maltin, no
artigo ‘Fãs do Cinema Mudo Encontram Um Vagabundo Perdido’.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em fevereiro de 1916, Chaplin foi
a Nova York e ficou estupefato com a recepção que teve ao longo da viagem. O
chefe de polícia foi obrigado a pedir-lhe para desembarcar do trem uma estação
antes da Grand Central, pois a multidão que o esperava era fabulosa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie tornara-se tão famoso que
todos os estúdios o queriam desesperadamente. Sydney era o seu agente e estava
determinado a conseguir o melhor cachê possível. No final, Chaplin assinou com
a Mutual por um valor desconcertante — o maior da história do cinema até então.
Ele tinha 27 anos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Em busca da perfeição <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie Chaplin dedicou-se a montar
uma pequena companhia de atores. Conhecia as suas possibilidades e sua posição
permitia-lhe fazer filmes do jeito que queria, ou seja, levando mais tempo nas
filmagens e usando mais rolos de filmes. Tornara-se mais implacável do que
nunca na busca da perfeição. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hoje em dia os filmes são tão
caros que têm de ser feitos com uma quantidade limitada de tomadas de cena, mas
Charlie cresceu em meio a uma arte viva. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com uma ideia em mente, começava
a filmar, mudava, filmava de novo, mudava os personagens, mudava o cenário e
então descartava todas as tomadas e começava tudo de novo. Frequentemente ia
para o estúdio sem qualquer ideia e simplesmente começava a filmar. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCGLZYLCksl1lfzVYN2IUPY3LqqZ3bZwZ44s3CFfcTMrlt7d9VTRaxbpEzJhQMM73ofIty5cOvHqWjZKGIh8FHC3Z1H6IByCVZN61G7D71Dyufojlm8tgzr5ETBajpkn5uaf8igkH4BgYG/s1600/Chaplin+17a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCGLZYLCksl1lfzVYN2IUPY3LqqZ3bZwZ44s3CFfcTMrlt7d9VTRaxbpEzJhQMM73ofIty5cOvHqWjZKGIh8FHC3Z1H6IByCVZN61G7D71Dyufojlm8tgzr5ETBajpkn5uaf8igkH4BgYG/s1600/Chaplin+17a.jpg" height="110" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">"A dança dos
pãezinhos"... A genialidade de Chaplin está presente nesta sequência de
seis tomadas, que fazem parte do filme <i>Em
Busca do Ouro</i>. Chaplin usa dois garfos e dois pãezinhos como se fossem dois
pés e os faz dançar. Eles apontam para a direita e para a esquerda, e as
feições de Chaplin reproduzem exatamente a expressão da bailarina. É mágico, é
Chaplin em um dos seus melhores momentos.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Precisava de atores que lhe permitissem
representar qualquer cena. Era como se, com isso, quisesse introjetar-se neles.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin era incrivelmente
versátil. Tocava violoncelo e violino, era ginasta, bailarino e patinador. Mas,
acima de tudo, era mímico. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma memorável sequência de <i>Casa de Penhores (The Pawnshops)</i>, de
1916 — na qual o agiota Charlie avalia um relógio — serve como exemplo. Ele
ouve "clinicamente" o relógio, com um estetoscópio, e em seguida ataca-o
com um martelo e uma broca. Depois disso, abre o relógio com um abridor de
latas, cheira o conteúdo e examina-o minuciosamente com uma lente de
relojoeiro. Não satisfeito, retira todo o mecanismo com um par de pinças e,
como a mola mestra parece investir furiosamente para a frente, ele a lubrifica.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Finda essa análise completa, ele
varre as ruínas do objeto para dentro do chapéu do freguês e dispensa-o com um
dar-de-ombros. O objeto não tinha valor de penhora. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>"O Imigrante" <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele agora era um mestre na sua
arte. Enquanto alguns artistas — escritores, pintores, cineastas — tinham a ideia
pronta antes de iniciar o trabalho e efetuavam pouquíssimas alterações
posteriores, atores como Charlie Chaplin produziam em grande quantidade, para
depois cortar até a forma final. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para a realização de <i>O Imigrante (The Immigrant),</i> em junho de
1917, foram empregados <i>mais de 12 mil
metros </i>de filme. Junto com seus assistentes, Charlie levou quatro dias e
quatro noites para cortá-los até obter os 60 metros exigidos. Examinou cada
cena umas cinquenta vezes antes de decidir exatamente onde cortar. No final,
Chaplin estava "sujo, pálido e sem colarinho, mas o filme estava
pronto". <i>O Imigrante</i> foi o
primeiro de uma série de grandes filmes de Chaplin que apontavam uma saída
social para a época. De 1917 até a Segunda Guerra Mundial, seus grandes filmes
focalizaram a injustiça — sendo que muitos deles provocavam uma reação
emocional profunda na plateia. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><i>"Seu público (de Chaplin)
nos Estados Unidos era composto, em sua maioria, por imigrantes europeus e seus
descendentes. Todos os dias eram tristes: o povo convivia com o desemprego, a
corrupção, um governo severo e uma classe alta elitista. Naquele pequeno
vagabundo que viam no cinema, encontravam um aliado e amigo. Quando deparavam
com garçons, barbeiros, estudantes ou policiais na tela, estavam vivendo o seu
dia-a-dia, só que o resultado era cômico".</i> <span lang="EN-US">Thomas Leeflang - The World of Comedy (O Mundo
da Comédia)<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>O Imigrante</i> abordou a situação difícil de todos os pobres dos
Estados Unidos. De muitas maneiras pode ser visto como um filme autobiográfico
— Chaplin chegou aos Estados Unidos como um estranho e descobriu o lado bom e o
lado mau que o país tinha a oferecer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse filme, Carlitos aparece a
bordo de um navio com unia mistura bizarra de imigrantes. Encontra Edna e a
mãe, que ficaram sem dinheiro, após terem sido roubadas por um jogador — é uma
cômica história de amor contra os terríveis sofrimentos que os imigrantes
tiveram de enfrentar. Atraídos por lendas de uma terra cheia de ouro e
oportunidades, acabaram sendo rejeitados nesse novo país. No filme, a Estátua
da Liberdade aparece ao fundo com o seguinte título: "Chegada à Terra da
Liberdade". Na verdade, a multidão de imigrantes que chegava era
imediatamente amontoada como gado pelos serviços de imigração. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>O eterno perdedor <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como o Vagabundo, Chaplin era o
eterno derrotado que sempre vencia no final. Ergueu uma ponte entre ricos e
pobres, bem-sucedidos e perdedores, permanecendo como o homenzinho que triunfa
diante de todas as adversidades. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikVEy3zvlHBtxocl9fL5-ZkF8b817iDnP5ERrIXtMD5h-Zgl4zl2fU4o7EDClG43D61hu8-PZ1_poX351tcfqFNhJY6B72yDDE_epQzNKStkysjuH7MaqMr_2z24W_OT4G_DJg2BaxArMD/s1600/Chaplin+18a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikVEy3zvlHBtxocl9fL5-ZkF8b817iDnP5ERrIXtMD5h-Zgl4zl2fU4o7EDClG43D61hu8-PZ1_poX351tcfqFNhJY6B72yDDE_epQzNKStkysjuH7MaqMr_2z24W_OT4G_DJg2BaxArMD/s1600/Chaplin+18a.jpg" height="434" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">O Vagabundo, o eterno perdedor,
sempre inspirou muita piedade. O público não podia ajudá-lo, mas carregava-o no
coração. Os filmes, porém, sempre terminavam com o Vagabundo conquistando a
mocinha ou ganhando dinheiro. Muitos dos filmes de Chaplin versam sobre sua
própria dor e raiva contra a perseguição às pessoas que não eram consideradas
"importantes". Foi essa temática que tornou seus filmes tão
duradouros.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin trouxe uma certa
dignidade aos desafortunados, dando-lhes a chance de rir deles próprios,
sabendo que sempre venceriam no final. Foi essa característica que deu a
Carlitos uma popularidade universal, pois ele rompeu todas as barreiras sociais
para o seu público. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Primeira Guerra Mundial </b><o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1914, ao ser deflagrada a
Primeira Guerra Mundial, muitos acharam que Chaplin deveria voltar à Inglaterra
— ele não era cidadão americano. Outros, porém, sabiam que os filmes de Charlie
Chaplin davam mais resultado — trazendo riso e esperança àqueles dias sombrios
e ao mesmo tempo dinheiro para os Estados Unidos — do que qualquer pequeno
soldado jamais poderia ter dado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin contribuiu para a guerra da
melhor forma possível: fazendo um filme. Em maio de 1918 — agora na First National
—, tiveram início as filmagens de <i>Ombro
Armas (Shoulder Arms). </i>A guerra já durava quatro anos e Chaplin tomou o que
aparentemente era uma surpreendente decisão. Iria rodar uma comédia <i>nas trincheiras</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Até aquele momento, a maioria dos
filmes não passava de um amontoado de incidentes desconexos, mal alinhavados.
Agora eles começariam a ser construídos de forma apropriada, como as peças de
teatro... e não mais seriam vistos como um entretenimento só para as massas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Ombro Armas</i> estava tão claro na cabeça de Chaplin que ele realizou
o filme em muito pouco tempo, quadro após quadro de maravilhosa comédia.
(Somente depois de 65 anos essas tomadas foram encontradas e incluídas em um
documentário para a televisão: <i>The
Unknown Chaplin — O Chaplin Desconhecido</i>.) <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de um mês, Chaplin
descartou todas as tomadas que havia feito, construiu novos cenários e
recomeçou. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No filme, apreendeu a terrível
realidade de cada soldado — a lama interminável da Bélgica e da Holanda, as
trincheiras encharcadas, os piolhos e os ratos, os bombardeios constantes e o
medo — e transformou todos esses elementos numa comédia que zombava da idiotice
da guerra. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Ombro Armas</i> estreou em outubro de 1918, um mês antes da assinatura
do armistício que marcou o fim da guerra. Ao voltar, as tropas combatentes
adoraram o filme. Autodenominaram-se o "Exército de Fred Karno".
Serem capaz de rir da insanidade da guerra era sua única verdadeira defesa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Casamento <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dois dias antes da estreia,
Chaplin casou-se com Mildred Harris, jovem com a mesma aparência infantil de
seu primeiro amor, Hetty Kelly. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnWy4DO9nZ_hNHGisTu4g5LO0I2i6Vm0kMRJ7oiXbhl-dAg0XyBIAhhyJdCw7flLerxlTgyPdjvKKmqPO8_NvZqER8QaeJX8MUXKlJrcUVCkZwtZL7v5gadl-Aad2FLSVlgsxhHOAhyphenhyphen4-h/s1600/Chaplin+19a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnWy4DO9nZ_hNHGisTu4g5LO0I2i6Vm0kMRJ7oiXbhl-dAg0XyBIAhhyJdCw7flLerxlTgyPdjvKKmqPO8_NvZqER8QaeJX8MUXKlJrcUVCkZwtZL7v5gadl-Aad2FLSVlgsxhHOAhyphenhyphen4-h/s1600/Chaplin+19a.jpg" height="400" width="221" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Mildred Harris e Charlie Chaplin
casaram-se em outubro de 1918. Mildred foi a primeira de suas quatro esposas.
Eles não foram felizes, pois, nos primeiros casamentos, Chaplin parecia buscar
sua paixão de infância, Hetty Kelly; e não conseguia encontrar o que procurava.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele era famoso, atraente e muito,
muito rico — e se apaixonava com grande facilidade —, o que o tornava alvo de
moças bonitas, ávidas por um papel em um filme e por dividir sua fortuna. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O problema era que a mente e o
coração de Charlie Chaplin eram dominados pelo trabalho. Por consequência,
abandonava seus amores tão rápido quanto se apaixonava. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O casamento com Mildred foi um
ato sem esperanças desde o início. Chaplin estava tão infeliz que até fazer um
filme transformara-se num pesadelo. Mas tomou uma decisão importante. Começou a
construir um estúdio independente, em sociedade com o homem que considerava seu
único verdadeiro amigo, Douglas Fairbanks, com a mulher de Fairbanks, Mary
Pickford, e com o cineasta D.W. Griffith. Seria chamado United Artists. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin e Mildred esperavam o
nascimento de seu primeiro bebê para os próximos dias. Se Chaplin alimentava
qualquer esperança de que um filho pudesse salvar seu casamento, estava
profundamente enganado. No dia 7 de julho de 1919, Mildred deu à luz um menino,
Norman Spencer, que viveu apenas três dias. Chaplin ficou inconsolável. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>"O Garoto" <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Havia apenas um modo de enfrentar
essa perda. Mergulhou no trabalho para produzir um novo longa-metragem: <i>O Garoto (The Kid). <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Finalmente, Chaplin encontrou o
ator perfeito para o papel principal: Jackie Coogan, de 4 anos de idade.
Chaplin estava assistindo ao espetáculo do pai de Jackie, um exótico bailarino.
No final do ato, ele trouxe o filho ao palco: o menino imitou o pai com tanta
graça que fez o teatro vir abaixo — exatamente como Chaplin havia feito uma
vez, na infância. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin encontrou-se com a
família no hotel em que estavam hospedados, e ele e o garotinho Jackie
começaram a trabalhar. Chaplin obteve uma maravilhosa interpretação de Jackie. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A história do vagabundo e do
garoto tocou o coração de todos, e o filme foi um enorme sucesso, entrando em
cartaz em cinquenta países. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEja_z96tA9ICfEJNzt3GWz91Zt0mgHdra98YnRUo2eW-INzZihftRYwlmhVlqO0LQHeeEdPvOHSLzFo6yzHJc3Ikhl118FUiEfosEmzWkjhMHRTfvPWF9CJzPlxnRf8gtgny1C3sS6QIXfv/s1600/Chaplin+20a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEja_z96tA9ICfEJNzt3GWz91Zt0mgHdra98YnRUo2eW-INzZihftRYwlmhVlqO0LQHeeEdPvOHSLzFo6yzHJc3Ikhl118FUiEfosEmzWkjhMHRTfvPWF9CJzPlxnRf8gtgny1C3sS6QIXfv/s1600/Chaplin+20a.jpg" height="640" width="370" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Jackie Coogan, como o Garoto e
Charlie Chaplin, como o Vagabundo, formaram uma dupla memorável. O filme era
muito mais que uma história triste e divertida — abordava o amor e a ligação entre
a criança e seu 'Pai'. Através de um feroz libelo contra os orfanatos que
conhecera na infância, Chaplin mostra a necessidade fundamental que uma criança
tem de fazer parte de uma família — mesmo que seja pequena ou inadequada. Os
dois não podiam ser separados.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>O Garoto</i> abordava outro problema social que afetava profundamente
Charlie Chaplin: o tratamento às crianças abandonadas. O pavor que sentiu ao
ser levado a um orfanato ficou gravado <i>para
sempre</i> em sua memória. A cena inicial do filme mostra Edna, "cujo
único pecado era a maternidade", deixando o hospital com seu bebê.
Pensando em se suicidar, ela deixa a criança no banco de trás de um automóvel
de luxo, com um bilhete pedindo a quem a encontrasse que cuidasse dela e a
protegesse. O carro, porém, é roubado e o bebê fica abandonado na calçada, onde
o Vagabundo o encontra e, com relutância, torna-se seu guardião. Foi a vez de o
Vagabundo aprender a cuidar de uma criança, transformando uma rede em berço e
um velho pote de café em mamadeira. Jackie Coogan era uma revelação infantil
aos 5 anos de idade. A amizade entre Chaplin e Jackie saiu das telas e se
transformou em uma comovente e carinhosa relação na vida real. O Garoto e o Vagabundo
discutiram negócios e conseguiram cutucar a lei em vigor, com muito humor. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><i>"O próprio Chaplin creditava
a resposta mundial à imagem do garoto, ao símbolo que ela representava — todos
os órfãos da última guerra. Jackie (Coogan) deu ao mundo algo de que o mundo
necessitava".</i> David Robinson, na biografia Chaplin: Sua Vida e Arte.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No filme, a mãe do Garoto, que
não o esquecera, torna-se uma famosa cantora de ópera. Ela passa pelo Garoto e
pelo Vagabundo na rua, em meio a uma briga, mas não reconhece o filho. A pista
da criança surge para ela quando o menino adoece e o Vagabundo, depois de
tentar curá-lo sozinho, descobre o médico que Edna consultara antes de ter o
bebê. Quando o médico pergunta a Carlitos se era o pai da criança, ele mostra o
bilhete que encontrara pregado à roupa do menino — o orfanato, então, é
notificado a fim de que a criança possa receber "atenção e cuidados
adequados". Foi assim que Edna reencontrou no Garoto a sua criança
abandonada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
David Robinson, em sua biografia
de Chaplin, descreve a cena seguinte como "a mais extraordinária do filme
e uma das mais memoráveis de toda a história do cinema". O garoto é
despachado como um objeto perdido em um vagão de órfãos. Angustiado, o Vagabundo,
seguido por um policial, pula sobre a capota do vagão e resgata seu "filho".
Ao salvar o garoto dos perigos do orfanato, o Vagabundo torna-se um herói. O
filme termina com o Garoto indo viver com a mãe e com o Vagabundo sendo
convidado a sua magnífica mansão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>O Garoto</i> foi um sucesso, sendo um filme diferente dos outros de
Charlie Chaplin: apresenta mais drama e muito pouca comédia. <o:p></o:p><br />
<i><br /></i>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><i>"Havia, pelo menos para mim,
mais emoção em uma única lágrima de O Garoto que em todo o conteúdo de uma
ópera... Eu não ria de Charlie até chorar. Na verdade, eu ria para não chorar,
o que é bem diferente". </i>Um crítico de cinema.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O público adorou-o por seu forte
apelo emotivo. A criança abandonada precisava de amor e o Vagabundo, pobre e
desqualificado como pai, foi a única pessoa capaz de suprir essa necessidade. O
amor que havia entre "pai" e "filho" era tão forte que não
podia ser quebrado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Divórcio <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A vida particular de Chaplin,
porém, continuava a se desintegrar. Em abril de 1920, Mildred entrou com o
pedido de divórcio e em novembro eles estavam oficialmente divorciados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Finalmente a vida parecia mais
serena, e, em 1921, Chaplin pediu a amigos que providenciassem a vinda de Hannah,
sua mãe, aos Estados Unidos. Para deleite dela, eles lhe providenciaram um
guarda-roupa novo e completo. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4Q1-HFBQAVUOMWRfL8TQcQvhN9qDwsg3XCkAEfkLNrb9QTPjTBexvQ9wohsHe2QqYBMhkiALHvMbFawygC8-eSNom8GLuype1wVKkmQkd05acYPSBI-bs7uX6etVCsDtcGUZlsULqVuic/s1600/Chaplin+23a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4Q1-HFBQAVUOMWRfL8TQcQvhN9qDwsg3XCkAEfkLNrb9QTPjTBexvQ9wohsHe2QqYBMhkiALHvMbFawygC8-eSNom8GLuype1wVKkmQkd05acYPSBI-bs7uX6etVCsDtcGUZlsULqVuic/s1600/Chaplin+23a.jpg" height="640" width="370" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Nos primeiros filmes, o Vagabundo
saía caminhando à distância, na cena final — significando, talvez, a esperança
de um futuro melhor, com um toque de tristeza. Pela primeira vez, em <i>Tempos Modernos</i>,
o Vagabundo não estava só.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sua mente ainda estava confusa,
mas ela aproveitou a viagem e, exceto pelo momento em que confundiu um
funcionário da alfândega com Jesus Cristo, seu comportamento foi normal. Depois
de tantos anos de pobreza e sofrimento, e dos anos passados em uma clínica para
doentes mentais, ela finalmente tinha a sua casa. Não se sentiu nem um pouco
desconcertada com a mudança e, apesar de inclinada a oferecer sorvete a cada
pessoa que passava, estava calma e feliz. Sorvete sempre havia sido um símbolo
de diversão em sua família! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Cenas antigas, novos horizontes <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No dia 22 de agosto de 1921,
Chaplin abandonou repentinamente o filme em que estava trabalhando e anunciou
que ia para a Europa. Cinco dias mais tarde, embarcou em um navio para Londres.
<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><i>"Quando Chaplin fez uma
curta visita a Londres, em 1921, recebeu mais de 73 mil cartas de fãs. O conto
de fadas do jovem "cockney" em Hollywood conquistou a imaginação do
público. O menino miserável tornara-se em pouco tempo milionário, passando a
conviver com pessoas como Einstein, Toscanini, Chou En-Lai, Cocteau, Churchill,
Sartre, Picasso e Gandhi. Seu patrimônio foi avaliado em mais de 500 milhões de
libras, após sua morte".</i> Thomas Leeflang, The World of Comedy</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Passado e presente se confundiam
em sua mente. Em 1910, ele havia viajado para os Estados Unidos com Fred Karno;
na época, era um jovem comediante, grato por um emprego. Agora, apenas onze
anos mais tarde, era talvez um dos homens mais famosos do mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A cada estação, durante a viagem
do porto até Londres, o povo aguardava para ver seu trem passar. Londres estava
abarrotada por uma animada multidão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Refugiou-se no hotel, onde entrou
pela porta dos fundos, e revisitou todos os lugares que havia conhecido nos
anos de fome e sofrimento de sua infância, os quais haviam sido recriados em
muitos de seus filmes. Parecia ser outro mundo, outro Chaplin, apesar de a
maioria das coisas quase não ter mudado. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEKz26BmJjifRFjLm1wd9JgF6ipEh0MtHxZLFsQVksE_6x3skFnpCdLWdlzshEMX25orKiGrPGBXCMNsYV_7mAdys11U8Ao8uW13CRFG05pkwnCvelPrHKWTnfJnEWQjQupVy6VNOoUx5v/s1600/Chaplin+20c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEKz26BmJjifRFjLm1wd9JgF6ipEh0MtHxZLFsQVksE_6x3skFnpCdLWdlzshEMX25orKiGrPGBXCMNsYV_7mAdys11U8Ao8uW13CRFG05pkwnCvelPrHKWTnfJnEWQjQupVy6VNOoUx5v/s1600/Chaplin+20c.jpg" height="640" width="288" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Chaplin frustrou-se com as
companhias cinematográficas e com os diretores e assumiu controle total sobre
seu trabalho. Dirigiu e editou suas produções: filmava milhares de metros de
filme, descartava todos e recomeçava a filmar. Aqui ele analisa o copião de <i>O Garoto</i>, filme que se tornaria um
clássico. Assim, ao seu talento de mímico e homem de negócios acrescentou o de
brilhante editor de cinema.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Estava com 32 anos de idade.
Encontrou pessoas que havia conhecido em outras circunstâncias, mas não era
mais o seu mundo, apesar de prosseguir na luta contra a pobreza e de sentir
piedade por todas as pessoas que eram oprimidas pela miséria. Encontrou-se
também com outro tipo de gente — pessoas famosas, escritores, atores e políticos.
E em posição de igualdade. Movido apenas por impulsos, mudou-se para a França e
para a Alemanha, mas, em outubro de 1921, estava de volta aos Estados Unidos.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: large;"><i>"Apesar da infância pobre,
aos 26 anos Chaplin era um astro conhecido no mundo inteiro. Provavelmente foi
a primeira pessoa a receber a badalação das massas, agora tão comum entre os
cantores de rock".</i> Madeline Sotheby, The Chaplin Story</span><o:p></o:p></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>"Em Busca do Ouro" <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em Los Angeles, Chaplin
dedicou-se a terminar os últimos filmes do seu contrato com a First National. O
estúdio havia lhe causado muitos problemas — houve um momento em que pensou em
vendê-lo por 10 milhões de dólares —, e ele queria ficar livre dele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim que terminou <i>Pastor de Almas (The Pilgrim)</i>, Chaplin
estava pronto para filmar para a United Artists. O novo filme era o
septuagésimo segundo de sua carreira. Seu papel era bem pequeno, o que confundiu
o público, mas no filme seguinte ele trouxe de volta o Vagabundo, de forma mais
criativa que nunca. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma vez mais escolheu os temas
mais desconcertantes como fonte inspiradora, e uma vez mais dedicou o seu gênio
humorístico para atacar uma grande injustiça social. Leu sobre os percalços dos
garimpeiros de ouro em Klondike e decidiu fazer <i>Em Busca do Ouro (The Gold Rush)</i>, um de seus mais importantes
filmes. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsgL-aA87Z1y1wD7xKClZvfdEs3lo4-tLn5ucRvAZl4yU1ev4Z89Dlb094NRKwEQG2g54bcCH2e4mQ8iYn_YVjGETZ3cCtn3O9V2dTbCfhEwhLN4ywxwsPpj-NOLeE23DuC_fzHJLV7uSM/s1600/Chaplin+21a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsgL-aA87Z1y1wD7xKClZvfdEs3lo4-tLn5ucRvAZl4yU1ev4Z89Dlb094NRKwEQG2g54bcCH2e4mQ8iYn_YVjGETZ3cCtn3O9V2dTbCfhEwhLN4ywxwsPpj-NOLeE23DuC_fzHJLV7uSM/s1600/Chaplin+21a.jpg" height="542" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">No filme <i>Em Busca do Ouro</i>,
Chaplin come sua bota. Com os cômicos maneirismos de quem come um prato
especial, ele demonstra realmente estar se deliciando com a refeição. (A bota
era na verdade feita de alcaçuz!) O realismo era demonstrado por suas
expressões, e a maneira com que mastigou cada bocado é outra tirada brilhante
de sua habilidade como mímico.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era recheado de invenções
cômicas, mas havia momentos patéticos também. O pobre Carlitos teve de
enfrentar inúmeros problemas para preparar um jantar para a jovem que amava e
para suas amigas. Ninguém compareceu. No final, Carlitos conquistou a moça e
encontrou ouro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não havia nenhum dos efeitos
eletrônicos de hoje. Tudo era obtido através da construção de elaborados
modelos, da invenção de mecanismos inteligentes, do cálculo das tomadas de
câmera — e do corte. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para as filmagens das montanhas e
das nevascas foram necessários 73 mil metros de tábuas, 7 mil metros de gesso,
285 toneladas de sal, cem barris de farinha e quatro carretas de confete.
Chaplin usou mais rolos do que de costume: rodou 70 mil metros de filme, que
foram reduzidos para 2,6 mil metros! <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9EJrq57qCV61UwnjFjzC9goUx_D9h2KIoWaFXMCUvmMlXh9rwqdCAtqt-6wf2Lpd70yUQnggzJ96n2OQyTUHIE-hOQrUHvQLy0N7vVX1PsMNi-odOzZWTi4m30u1k57UCbpP7wo8t2UNq/s1600/Chaplin+22c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9EJrq57qCV61UwnjFjzC9goUx_D9h2KIoWaFXMCUvmMlXh9rwqdCAtqt-6wf2Lpd70yUQnggzJ96n2OQyTUHIE-hOQrUHvQLy0N7vVX1PsMNi-odOzZWTi4m30u1k57UCbpP7wo8t2UNq/s1600/Chaplin+22c.jpg" height="400" width="291" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Famosos internacionalmente, os
filmes de Chaplin e os cartazes publicitários foram traduzidos em muitas línguas.<o:p></o:p></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlNGgLJN6Ec-jc6tQzNiYBwnWKjCgJimb60w2IUmYOrypx4z7L0Sox8-ow9DKYRpev8IUiWrunvZS17VR6XcVbYN-Hdla4GWoPZhIJrXTw5zNsFv8DvIAkglNWW1BDKYPDCgFTQ7nCntmB/s1600/Chaplin+22d.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlNGgLJN6Ec-jc6tQzNiYBwnWKjCgJimb60w2IUmYOrypx4z7L0Sox8-ow9DKYRpev8IUiWrunvZS17VR6XcVbYN-Hdla4GWoPZhIJrXTw5zNsFv8DvIAkglNWW1BDKYPDCgFTQ7nCntmB/s1600/Chaplin+22d.jpg" height="400" width="121" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
Mas, se nas telas a história de
Chaplin teve final feliz, na vida real foi bem diferente.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em novembro de 1924, Chaplin
casou-se com Lita Grey. Não era um casamento mais sábio do que o primeiro.
Tiveram dois filhos — Sydney e Charles —, mas o casamento ia de mal a pior e,
em 1926, Lita foi embora com as crianças. Charles superou a separação muito
bem, mas este seria outro período negro de sua vida. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Perfeição <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar da turbulência em sua vida
íntima, Chaplin prosseguiu e filmou <i>O
Circo (The Circus).</i> O trabalho era feito com dificuldade, quando em
setembro de 1927 um incêndio no estúdio destruiu totalmente o cenário. Mas ele
simplesmente continuou. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin levou apenas uma semana
para aprender a andar na corda bamba. O suspiro de alívio ao término das
filmagens transformou-se em suspiro de exasperação. O laboratório arruinou
todas as cenas respectivas — e ele teve de fazer todo o trabalho de novo. Ao
final, haviam sido produzidas setecentas tomadas na corda bamba — tudo isso
para apenas alguns minutos no filme. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Talvez as filmagens dentro da
jaula dos leões tenham sido mais apavorantes. Foram necessárias duzentas tomadas
para completar a sequência — e Chaplin diria mais tarde que o pavor em seu
rosto não era simplesmente encenação! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O divórcio de Lita e os impostos
deixaram Chaplin com necessidade premente de dinheiro. Terminado <i>O Circo</i>, iniciou em seguida <i>Luzes da Cidade (City Lights).</i> <o:p></o:p><br />
<i><br /></i>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEQ8BfMI8l1FeDMemNoFPaUe7KrztlnGH_QQHPBAB2idqpMgSjPNz8tAmh5mv8M7TeYRhDk7G9aJA5nd1KyMbykKgk_H_j07j4VsuqKEhXo4rVFJLtctjSbmxDmZERD6YAedAiwG4aoXC3/s1600/Chaplin+23c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEQ8BfMI8l1FeDMemNoFPaUe7KrztlnGH_QQHPBAB2idqpMgSjPNz8tAmh5mv8M7TeYRhDk7G9aJA5nd1KyMbykKgk_H_j07j4VsuqKEhXo4rVFJLtctjSbmxDmZERD6YAedAiwG4aoXC3/s1600/Chaplin+23c.jpg" height="640" width="435" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Cartaz anunciando o filme <i>Luzes da
Cidade</i>. Pôsteres com figuras estilizadas de Chaplin se espalhavam por toda a
parte, ao Iado de centenas de brinquedos e de imitações do Vagabundo. Ele era imensamente
popular. Todos queriam um pedaço da história de sucesso de Chaplin.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas haveria outro golpe. Em 28 de
agosto de 1928 sua mãe morreu. Hannah estava muito doente, mas, no dia anterior
à sua morte, ela e Chaplin haviam rido muito. À noite entrou em coma e só
retomou a consciência por um momento antes de morrer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Observar o sofrimento dela tinha
sido demais para ele. De pé ao lado da cama, viu a morte levar toda a confusão
e dor que ela havia vivido. Recordou as músicas e as histórias, o verão com
sorvete, e chorou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sobre Hannah, ele disse: "Se
não fosse por minha mãe, duvido que tivesse feito sucesso na pantomima. Ela foi
uma das maiores artistas de pantomima que já vi". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos três anos seguintes, Chaplin
fez três dos seus melhores filmes: <i>Luzes
da Cidade</i>, em 1931, <i>Tempos Modernos
(Modern Times),</i> em 1936, e <i>O Grande
Ditador (The Great Dictator),</i> em 1940. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O som chegou ao cinema, mas
Chaplin não acreditava nele. Acreditava que a linguagem da mímica podia
atravessar fronteiras de uma forma que as palavras faladas jamais conseguiriam.
Mesmo quando a Warner Brothers lançou <i>As
Luzes de Nova York (The Lights of New York),</i> o primeiro filme falado, no
momento em que Chaplin começava as filmagens de <i>Luzes da Cidade</i>, ele insistiu no silêncio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Luzes da Cidade</i> foi talvez o melhor de seus antigos filmes, mas
consumiu dois anos de trabalho e aborrecimentos para ser concluído. Nele, o
Vagabundo economiza dinheiro para curar uma vendedora de flores cega — que imagina
ser ele um milionário. Assim que ela volta a enxergar, o Vagabundo fica muito
nervoso ao contar-lhe quem deu o dinheiro... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin queria perfeição e
filmava pequenas cenas várias vezes. Uma vez terminado o trabalho, não se imaginava
a luta que fora para realizá-lo. Era um filme bem balanceado, repleto de humor
e ternura. Gastou 95 mil metros de filmes para reduzi-los a 2,5 mil metros. O
que restou foi uma obra-prima. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEje9xswDbH22M-J8qnxRdE5MyQdN8YvMmq57jc9cyCZ67ppNBzgIZ2EmrE2GGpnj9PoDvTAl7kpkIVG2_lxb1Bgl54WecCv67zPJiFdoPptIlB4YwNYWEVhqwU0J92p06eZr_sBywV-ht6A/s1600/Chaplin+22a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEje9xswDbH22M-J8qnxRdE5MyQdN8YvMmq57jc9cyCZ67ppNBzgIZ2EmrE2GGpnj9PoDvTAl7kpkIVG2_lxb1Bgl54WecCv67zPJiFdoPptIlB4YwNYWEVhqwU0J92p06eZr_sBywV-ht6A/s1600/Chaplin+22a.jpg" height="640" width="188" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Charlie voltou para Londres em
1921. A multidão aglomerou-se à porta do Ritz Hotel — não muito longe das ruas
miseráveis em que passou a infância.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A estreia em Londres foi em
fevereiro de 1931 — e Chaplin viajou até lá para presenciá-la. <o:p></o:p><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Velhos tempos <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desta vez, foi visitar sua antiga
escola em Hanwell, onde as recordações o assaltaram. A visita pareceu
trazer-lhe o passado de forma mais vívida, afastando os antigos pesadelos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin encontrou poucas lembranças
em seu país de origem e irritou-se com muitas pessoas por seu discurso sobre
"patriotismo". Já havia presenciado a que o patriotismo conduzia: à
ignorância cega e ao fanatismo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"O patriotismo é a maior
insanidade que o mundo já sofreu. Há poucos meses, estive por toda a Europa. O
patriotismo está irrompendo em todos os lugares e o resultado será outra guerra".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele estava certo... embora tenha
sido necessário esperar oito anos para que a nova guerra irrompesse. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin foi então para o Extremo
Oriente, onde seria recebido tão calorosamente quanto na Europa. O silêncio de
Carlitos não precisava de tradução. O Pequeno Vagabundo era um amigo universal.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>De volta a Hollywood <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin voltou a Hollywood em
junho de 1932. Estava com 43 anos e bastante desiludido com todo o sofrimento e
a miséria que havia presenciado em suas viagens. Tentou planejar um sistema
econômico que pudesse solucionar problemas universais como desemprego, pobreza
e injustiça. Não conhecia o suficiente para compreender a complexidade das
dificuldades, e o seu sistema poderia não dar certo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o que podia fazer era um
filme. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, sua produção seguinte foi <i>Tempos Modernos</i>. Nele, o Vagabundo
aparece em um mundo em que o dinheiro significa mais que o ser humano, que é
tratado como engrenagem de uma máquina gigantesca. No final ele foge com a
mulher que havia ajudado. Como sempre, o filme tinha como base a comédia, e
Chaplin teve a resposta dos 5 milhões de desempregados dos Estados Unidos. Nos
primeiros filmes, o Vagabundo era pobre, mas em <i>Tempos Modernos</i> ele é um entre os milhões de pessoas comuns que
enfrentavam as péssimas condições de trabalho nas fábricas, as greves, o baixo
salário e o desemprego. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alguns anos mais tarde, <i>Tempos Modernos</i> foi apresentado como
prova de que Chaplin era comunista. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSlwcXro8lFbDm95fYiqdlnC_ysCI1q0ixX22HHdNLKv78pClMjmtLFDw8i0VDNbPHDHaWRe4G0_rqFj3vS7K-n6x7f_X7qCtxXg9MvXshSzN03K2hviJqq5mNhLk-o7RvDCHbxhNe-Ono/s1600/Chaplin+24a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSlwcXro8lFbDm95fYiqdlnC_ysCI1q0ixX22HHdNLKv78pClMjmtLFDw8i0VDNbPHDHaWRe4G0_rqFj3vS7K-n6x7f_X7qCtxXg9MvXshSzN03K2hviJqq5mNhLk-o7RvDCHbxhNe-Ono/s1600/Chaplin+24a.jpg" height="492" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Em <i>Tempos Modernos</i>, Chaplin aborda a monotonia e o tédio nas linhas de
montagem da indústria moderna. Como na maioria de seus filmes, crítica, com
humor; um importante aspecto da sociedade.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin apaixona-se pela atriz
que faz o papel da moça desamparada no filme, Paulette Goddard, e eles se
casam. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em breve, Paulette descobriria
que não era fácil viver com Chaplin, um homem que se irritava por pequenas
coisas. Ela era uma jovem inteligente e talentosa e achou que seria difícil
submeter-se a isso. Sem alarde, construiu uma carreira própria e, em 1942,
depois de sete anos, o terceiro casamento de Chaplin chegava ao fim. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Segunda Guerra Mundial <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Começava o ano de 1938. Chaplin
acertara. A guerra estava para irromper. Na Alemanha, o partido nazista,
liderado por Adolf Hitler, obteve maioria. Grupos minoritários, compostos
especialmente de judeus, estavam sendo assassinados como parte de um plano para
"purificar a raça". Em comícios gigantescos, Hitler arrastava o povo
alemão ao frenesi do patriotismo e da ambição. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por estranho que pareça, poucas
pessoas fora da Alemanha percebiam o que estava acontecendo lá. Muitos viam
Hitler não como um perigoso fanático, mas como um palhaço pomposo. Chaplin teve
a oportunidade de observar acontecimentos na Alemanha e na Espanha que o
deixaram cada vez mais preocupado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em outubro de 1938, começou a
trabalhar em um filme chamado <i>O Grande
Ditador</i>, no qual tentava alertar a humanidade contra o perigo do magnetismo
popular de Hitler. Ele imitou este em dois papéis: no do ditador Heinkel e no
do alfaiate judeu, que era seu sósia. Os dias de improvisação e mudez haviam
terminado. Agora havia um roteiro — e som. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkHdmwD1X86GbHACQ_yohrbOIXSMeyy6tIpCzJu9RLZuAgCusz9n6M2WOvaOAeVxwn2RFIoeEv5-Tw1LYErqhAPcOyvNhnYfWplY4rtUHQQFjSO3vX8ADzTFFv_oB8RTNh4jx-o4eNMtAo/s1600/Chaplin+24c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkHdmwD1X86GbHACQ_yohrbOIXSMeyy6tIpCzJu9RLZuAgCusz9n6M2WOvaOAeVxwn2RFIoeEv5-Tw1LYErqhAPcOyvNhnYfWplY4rtUHQQFjSO3vX8ADzTFFv_oB8RTNh4jx-o4eNMtAo/s1600/Chaplin+24c.jpg" height="640" width="334" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">O <i>Grande Ditador</i> foi um filme sobre a atualidade, iniciado em I938,
numa tentativa de alertar a população contra o perigo da ideologia de Adolf
Hitler, num momento em que o mundo se encontrava em convulsão. Como sempre,
Chaplin usou a comédia para abordar assuntos sérios e profundos, mas pela
primeira vez chegou a lamentar uma realização. Mais tarde disse que não teria
feito o filme se soubesse dos campos de concentração que Hitler mandara
construir para matar milhões de judeus.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O filme era uma comédia
maravilhosa, mas Chaplin sentiu a necessidade da fala. O pequeno alfaiate, que troca
de lugar com Heinkel, faz um longo discurso implorando às forças armadas para
voltar à razão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Vamos lutar por um mundo
racional, um mundo onde ciência e progresso proporcionem a todos os homens a
felicidade. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi uma atitude sem esperança.
Quando o filme foi distribuído, em 1940, toda a Europa estava em guerra e o
mundo inteiro já se havia dado conta do que estava acontecendo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Perseguição <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Do outro lado do Atlântico, os
Estados Unidos não haviam entrado no conflito, mas, no dia 7 de dezembro de
1941, os japoneses atacam Pearl Harbor e os americanos são forçados a entrar na
guerra. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie Chaplin estava perturbado
pelo fato de os Estados Unidos, país que amava tanto, parecerem não se dar
conta dos sofrimentos dos aliados russos, que resistiam aos ferozes ataques dos
invasores alemães com incrível coragem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele não confiava no líder russo,
Stálin, mas respeitava profundamente o povo russo e pediu, em muitas assembleias,
"ajuda militar para a Rússia", irritando o público por tratá-los de
"camaradas". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin disse: "Não sou
comunista. Sou um ser humano e acho que conheço as reações do ser humano. Os
comunistas não são diferentes: quando perdem um braço ou uma perna sofrem tanto
quanto nós, e morrem da mesma forma que nós. E a mãe comunista é mãe como
qualquer outra: quando recebe notícias de que seus filhos não voltaram, ela chora
como as outras mães". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Vinte milhões de russos morreram
na guerra. Mesmo assim, as palavras de Chaplin voltaram-se contra ele anos
depois. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKnYh1fwGxQ3360UHfJ70ux6mzwfwtaQLl1iPSgXlGLpWlWTTxUCAdkGqCiICoXOYjYjjNzUVnm_TLFFFVali7xWGefHTNjpZHL_ggoynb1f5x8t7d4rwCbuxYYHTUwcYB-TAwNsbjGPZy/s1600/Chaplin+25a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKnYh1fwGxQ3360UHfJ70ux6mzwfwtaQLl1iPSgXlGLpWlWTTxUCAdkGqCiICoXOYjYjjNzUVnm_TLFFFVali7xWGefHTNjpZHL_ggoynb1f5x8t7d4rwCbuxYYHTUwcYB-TAwNsbjGPZy/s1600/Chaplin+25a.jpg" height="400" width="290" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Os cartazes publicitários
continuavam a aparecer no mundo todo, mesmo enquanto Chaplin respondia a um
desgastante processo. Seus filmes pareciam ter vida própria, independentemente
dos problemas pessoais de seu criador.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto isso, ele enfrentava
problemas pessoais. Uma mulher perturbada mentalmente, Joan Barry, bateu à sua
porta com um revólver, ameaçando matar-se e anunciando que ele era pai de seu
bebê. Embora fosse comprovadamente uma mentira, o processo ficou três longos
anos em julgamento. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjadzBWpYoGeZ5SzrcnA1A3MhFlaEK_coT0p2Dr2X8fKlU_ynlR7JIKwYRcrOPabCngx8qCv7TYyRy7j353kT8KS2HQrKaO6-ExG6vlS1yxYkPac84hL3fCqnKZJQ7Y6B62TE8PW9CE-CSM/s1600/Chaplin+25b.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjadzBWpYoGeZ5SzrcnA1A3MhFlaEK_coT0p2Dr2X8fKlU_ynlR7JIKwYRcrOPabCngx8qCv7TYyRy7j353kT8KS2HQrKaO6-ExG6vlS1yxYkPac84hL3fCqnKZJQ7Y6B62TE8PW9CE-CSM/s1600/Chaplin+25b.jpg" height="640" width="313" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas Chaplin não enfrentaria
sozinho essa situação. Em 1942, encontrou uma jovem, filha do grande dramaturgo
Eugene O'Neill. Tinha apenas 17 anos e meio, e os dois se apaixonaram
perdidamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seu nome era Oona. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ela irradiava serenidade,
delicadeza e timidez que a distinguiam, mas Chaplin também viu na jovem inteligência
e coragem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A mãe de Oona aprovou o plano de
casamento, mas, talvez impensadamente, o pai foi contra. Afinal de contas,
Chaplin tinha 54 anos e já havia se casado três vezes. Oona e Chaplin
resolveram esperar que ela completasse 18 anos para se casarem, pois, então,
não precisariam do consentimento do pai. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjX280f3ntmoUb98aRVc78ca0ShwJFGeSTqM5jv9qzPnA00Xo7E91s7bUbCcXpIp-iNKM64xM09EKlQD56Jv-nreb7Kgb8ME8KiswQvqr1UOIkX1MoIpnYtcTGspVZeUzY6CtKIfwUlDfH1/s1600/Chaplin+26c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjX280f3ntmoUb98aRVc78ca0ShwJFGeSTqM5jv9qzPnA00Xo7E91s7bUbCcXpIp-iNKM64xM09EKlQD56Jv-nreb7Kgb8ME8KiswQvqr1UOIkX1MoIpnYtcTGspVZeUzY6CtKIfwUlDfH1/s1600/Chaplin+26c.jpg" height="640" width="486" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">O amor e o grande apoio de sua
quarta mulher, Oona, deram força a Chaplin para enfrentar os momentos difíceis.
Embora muitos não aprovassem a união devido aos 36 anos de diferença entre
eles, foi este o relacionamento mais perfeito e duradouro da vida de Chaplin.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, a 16 de junho de 1943,
Chaplin e Oona casavam-se. Geraldine, a primeira filha do casal, nasceria no
dia 1º de agosto de 1944. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em janeiro de 1945, Chaplin
começou a trabalhar em <i>Monsieur Verdoux</i>,
mais uma vez uma comédia <i>noire</i>
baseada numa realidade macabra. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Vagabundo se fora. Em <i>Verdoux</i>, Chaplin aparece como um
sofisticado cavalheiro grisalho, que mata para melhorar sua renda. Foi a sua
mais amarga sátira: o outro personagem era Landru, um fabricante de armamentos
tratado como um homem de negócios respeitável, apesar de responsável pela morte
de milhares de pessoas. Verdoux, o pequeno assassino, é executado. O fabricante
de armas continua o seu negócio. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh94UP7VQBnc9PflaT4KiVY3PJKseQBzKbvfFw-scA5vU0_NwcJCuBYI6tkaiSwL2WLs0IfJe9MH1SA5KDq_revLt-_ARqD-EmX9a-NiRUpjiSi_EUHuDCfi_IVoqcNJJomT0LzpcjKAnDV/s1600/Chaplin+27a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh94UP7VQBnc9PflaT4KiVY3PJKseQBzKbvfFw-scA5vU0_NwcJCuBYI6tkaiSwL2WLs0IfJe9MH1SA5KDq_revLt-_ARqD-EmX9a-NiRUpjiSi_EUHuDCfi_IVoqcNJJomT0LzpcjKAnDV/s1600/Chaplin+27a.jpg" height="400" width="123" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Em <i>Monsieur Verdoux</i> não há qualquer sinal do Vagabundo.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Findo o caso Barry, Chaplin
parecia ter encontrado um período de paz e felicidade. Os Estados Unidos,
porém, estavam afetados por uma espécie de loucura: um medo obsessivo e
rancoroso do comunismo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Um cidadão do mundo <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em lugar de fazer-lhe perguntas
sobre o filme <i>Verdoux</i>, os repórteres
o acusavam de ser simpatizante do comunismo. E não deram atenção às tranquilas
e razoáveis respostas às suas questões. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De bom grado, Chaplin admitiu que
havia admirado a coragem dos russos durante a guerra e que tinha amigos
liberais. Disse também que tinha orgulho de amizades como a do ator negro Paul
Robeson e do dramaturgo Berthold Brecht, ambos comunistas. Chaplin sempre havia
sido grato aos Estados Unidos por tudo o que haviam proporcionado a ele, mas,
primeiro e acima de tudo, considerava-se um cidadão do mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Disse claramente: "Não sou comunista.
Sou um embaixador da paz". <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As pessoas perspicazes ficaram
aturdidas com a perseguição desencadeada e Chaplin se sentiu amparado por esse
apoio, mas a Comissão de Atividades Antiamericanas estava crescendo, ganhando
poder e um fanatismo histérico. Qualquer um que houvesse participado de uma
organização de esquerda, ou apenas simpatizado com qualquer uma delas, corria
risco de ser acusado de traidor da pátria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os Veteranos de Guerra Católicos
começaram a pedir a deportação de Chaplin. Nessa época, ele foi interrogado
durante quatro horas pelo FBI. Inquiriram-no sobre sua vida pessoal e sua
origem racial. Corajosamente se recusou a dizer, sem rodeios, que odiava os
comunistas.<o:p></o:p><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><i>"Sou um artista, não um político".</i> Charlie Chaplin</span><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar desse clima de
perseguição, ele inicia um novo filme. Não tinha condições de deixar o estúdio
ocioso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Luzes da Ribalta (Limelight)</i> começa a ser rodado, contando a
história de um ator de <i>music hall</i> de
meia-idade e de uma jovem a quem ele ajuda a obter sucesso. As lembranças de
Londres e a vida no palco que havia conhecido quando menino estão em <i>Luzes da Ribalta</i>. Era sentimental — mas
a comédia-pastelão e o sentimentalismo do velho <i>music hall</i> permeiam a maioria de seus filmes. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYaRg8UpI2m36pp8_g_Avc1BBEUa3BvMxTPhFa3TWMYcSAcE_W51iXEtRUgmAF7a4rVX3SjuwNRPV1MnnXq7210BCTsgTVkF2lONH_EUy_Rxj7TIqfoN1fNKj_ttYQmHrAL2rpWHGIl1Nr/s1600/Chaplin+28c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYaRg8UpI2m36pp8_g_Avc1BBEUa3BvMxTPhFa3TWMYcSAcE_W51iXEtRUgmAF7a4rVX3SjuwNRPV1MnnXq7210BCTsgTVkF2lONH_EUy_Rxj7TIqfoN1fNKj_ttYQmHrAL2rpWHGIl1Nr/s1600/Chaplin+28c.jpg" height="640" width="616" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"> Maquiando-se para o papel de um
comediante decadente em <i>Luzes da Ribalta</i>.
Chaplin dizia: "Trabalhar é viver — e eu amo viver".</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sydney e Oona apoiaram Chaplin.
Michael, o segundo filho do casal, nasceu em 1946, e Josephine, em 1949.
Victoria nasceria em 1951. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Macartismo <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O fanatismo anticomunista nos
Estados Unidos encontra um novo porta-voz, ainda mais lunático. Em 1950, o senador
Joseph McCarthy declara dispor de uma lista com duzentos nomes de comunistas no
Departamento de Estado. Nessa nova onda de histeria que assolava o país,
qualquer pessoa podia ser acusada de exercer atividades antiamericanas e ser
levada a julgamento, interrogada e aviltada por McCarthy e seu bando. O medo
crescia. Pessoas honestas, inteligentes, talentosas perdiam o emprego e tinham
a reputação destruída. Havia mentiras por toda a parte. Muitos usavam McCarthy
para saldar velhas dívidas — ou para salvar a própria pele, acusando inocentes.
<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZzdj23zkI5B312wDCnXMYQSsGAp7t4aPcjAvGSn7u1lSjegkYlPJ6qQ_TVU_imhFio6iaY5VwDp8gdeYWS3YO_KkULiqOQMJNYzoFMqt0PJj_w0NxCw-dIKD09H5P1DDm9mpICIlYItzx/s1600/Chaplin+26a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZzdj23zkI5B312wDCnXMYQSsGAp7t4aPcjAvGSn7u1lSjegkYlPJ6qQ_TVU_imhFio6iaY5VwDp8gdeYWS3YO_KkULiqOQMJNYzoFMqt0PJj_w0NxCw-dIKD09H5P1DDm9mpICIlYItzx/s1600/Chaplin+26a.jpg" height="290" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">Um forte sentimento coletivo anticomunista
nos Estados Unidos desencadeou, em 1950, uma terrível “caça às bruxas” aos
simpatizantes comunistas, liderada pelo senador McCarthy. Na foto, membros do
Comitê McCarthy durante o julgamento de um cidadão acusado de ser comunista. Por
acreditar firmemente na humanidade, Chaplin estava entre as muitas pessoas que
tiveram sua vida investigada. Foi, finalmente, exilado e só voltou aos Estados
Unidos vinte anos depois.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hollywood foi particularmente
vulnerável. Alguns homens e mulheres corajosos lutaram contra essa loucura —
mas muitos perderam tudo e nunca mais foram contratados pela indústria
cinematográfica. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim que terminou <i>Luzes da Ribalta</i>, Chaplin decidiu ir a
Londres para a estreia. No segundo dia de viagem, em alto-mar, recebe a notícia
de que estava proibido de voltar aos Estados Unidos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele fora exilado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Amor no exílio <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chaplin foi recebido
calorosamente em Londres e aclamado como gênio. Nos Estados Unidos, os ferozes
ataques prosseguiam, mas alguns jornais mantiveram a cabeça no lugar: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Chaplin é um artista, cujo
brilho e talento iluminaram o seu país de adoção e trouxeram alegria ao
mundo", escreveu o <i>The Nation</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O FBI, porém, continuava a
interrogar os seus empregados e familiares, em busca de material que pudesse
manchar o nome de Chaplin. Lita Grey, que fora sua esposa há 25 anos, foi
interrogada, mas, corajosamente, não disse nada que pudesse prejudicá-lo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como Chaplin não podia voltar,
resolveu ir com a família para a Suíça. Em janeiro de 1953 eles se estabeleceram
em uma bela casa em Corsier-sur-Vevey, que viria a ser a residência de Chaplin
até o fim da vida. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnWoPsea5uQUvmeZSyC4IOBBQjPZ1lM4kSMqRAhR4ZL3fWXZ7OO6G9rnRtkkVJBujt5LlrTEYwqF2JBDDIQspm4BzbyfVP3GwluN1DeIyCHFawI5J6EzwtEtCJ1hRA2-jfl0O0c0EkMKvQ/s1600/Chaplin+27c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnWoPsea5uQUvmeZSyC4IOBBQjPZ1lM4kSMqRAhR4ZL3fWXZ7OO6G9rnRtkkVJBujt5LlrTEYwqF2JBDDIQspm4BzbyfVP3GwluN1DeIyCHFawI5J6EzwtEtCJ1hRA2-jfl0O0c0EkMKvQ/s1600/Chaplin+27c.jpg" height="640" width="494" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"> Chaplin, na meia-idade, manteve o
charme e a elegância.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se os Estados Unidos o haviam
condenado, ele tinha sua família — agora com cinco filhos: Geraldine, Michael,
Josephine, Victoria e Eugene — e a aclamação do resto do mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Reconhecimento <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em maio de 1954 Charlie Chaplin
foi agraciado com o prêmio do Conselho Mundial de Paz. O dinheiro recebido foi
destinado aos pobres de Londres e Paris. Então começou a rodar um novo filme — <i>Um Rei em Nova York (A King in New York)</i>
— que, infelizmente, não obteve sucesso. Era um ataque ao macartismo e talvez a
amargura tivesse sufocado o gênio.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOSr3mqqGZ5oWX_bkT_KcfBip_vpSN_e8ZRs4x2FN4l_EbaXqGDKnRNHdEos1mkSThrhSKtr5PgSdtazeRLSberay9pWrEsUN77oFY5wg2_eq1LUgjA85Rdjyi7UXR4EIAw2odKuarsfpn/s1600/Chaplin+28a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOSr3mqqGZ5oWX_bkT_KcfBip_vpSN_e8ZRs4x2FN4l_EbaXqGDKnRNHdEos1mkSThrhSKtr5PgSdtazeRLSberay9pWrEsUN77oFY5wg2_eq1LUgjA85Rdjyi7UXR4EIAw2odKuarsfpn/s1600/Chaplin+28a.jpg" height="480" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"> Na estreia de <i>Um Rei em Nova York</i>, em Londres, a
multidão rompeu a barreira policial para se aproximar de Chaplin.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie e Oona tiveram mais três
filhos: Jane, em 1957, Annette, em 1959, e Christopher, em 1962. A família
Chaplin estava completa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele, que não recebera uma
educação apropriada, torna-se doutor honorário das universidades de Oxford e
Durham, em 1962. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No meio das alegrias também havia
tristezas. No dia de seu aniversário, em 1965, Charlie recebeu a notícia da
morte de seu irmão, Sydney. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1971, é condecorado em Paris
com a Grande Medalha de Vermeil e, em 1972, os Estados Unidos o redescobrem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>O perdão americano <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
McCarthy e seus capangas, que
haviam destruído a felicidade de tantos homens e mulheres, tornam-se totalmente
desacreditados em 1954, quando se descobre que haviam apresentado provas
falsas. <o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRzpwI4IHaQ7BA4WL-hCimj8FnbJWi4KazkSiCsdyuoEakQaA3_6MuWybLpuCmu5H1TUSz9ndbNO5s7mAwZ3T0Wbij168iDpEdoFARQy2HvdNeLbpSQJfm7Yq772yDjURPpB5OxW6p_MSg/s1600/Chaplin+29a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRzpwI4IHaQ7BA4WL-hCimj8FnbJWi4KazkSiCsdyuoEakQaA3_6MuWybLpuCmu5H1TUSz9ndbNO5s7mAwZ3T0Wbij168iDpEdoFARQy2HvdNeLbpSQJfm7Yq772yDjURPpB5OxW6p_MSg/s1600/Chaplin+29a.jpg" height="640" width="380" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">A fluidez de movimento, a dança e
o sorriso — apesar da idade avançada, Chaplin não perdeu a perícia. O público
se encantava, como sempre.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os Estados Unidos, então, abrem
os braços para Chaplin mais uma vez e ele é cumulado de prêmios. Los Angeles,
que o havia banido da sua Calçada da Fama, apressadamente reescreve seu nome
nela. Foi aclamado calorosamente em Nova York e agraciado com o Medalhão
Handel. Em Hollywood, recebeu o Oscar da Academia, sob grande aclamação. O
cortejo laudatório prosseguia. Em Veneza, a Praça São Marcos foi transformada
em um cinema ao ar livre para apresentar <i>Luzes
da Cidade</i>, e Charles foi o ganhador do Leão de Ouro do Festival de Cinema
de Veneza. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>Sir Charles Chaplin <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pouco antes de completar 86 anos,
em 1975, Charlie, que havia sido uma das crianças pobres de Londres, foi
condecorado pela rainha Elizabeth II. Passou a ser Sir Charles Spencer Chaplin.
<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi338p_haDVUFzig6a33kuaKJfG9RQxrCxje25_4eujq6tLyk4dV6QNF4n7wes8C8NzJ1UpVgszo344d543Is_n6HSdwwm7aNW3kEwjTi_V_EO4Fu-8S3qIYzdJsbGxmjd-yhyphenhyphenGXoveIJJn/s1600/Chaplin+28e.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi338p_haDVUFzig6a33kuaKJfG9RQxrCxje25_4eujq6tLyk4dV6QNF4n7wes8C8NzJ1UpVgszo344d543Is_n6HSdwwm7aNW3kEwjTi_V_EO4Fu-8S3qIYzdJsbGxmjd-yhyphenhyphenGXoveIJJn/s1600/Chaplin+28e.jpg" height="640" width="272" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"> Charles foi recepcionado e
premiado no mundo inteiro, especialmente nos Estados Unidos. O grande
comediante, que tanto fizera pelo cinema e pelo público de todo o mundo, era
novamente bem-vindo ao país que adotara como seu e ao qual tanto se dedicara.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de uma vida de muito
trabalho, grandes sucessos e grandes sofrimentos e provações, Chaplin parecia
entrar em uma época dourada. Com a idade avançada, estava mais fraco, porém
amava o trabalho como sempre. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
"Trabalhar é viver — e eu
amo viver", dizia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Charlie Chaplin falava em fazer
outro filme, mas estava muito velho e fraco para isso. Por muito tempo, Oona
cuidou dele sozinha, não queria que ninguém a ajudasse. Só no final foi
persuadida a aceitar a ajuda de uma enfermeira. <o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzLV2DUaamQAoif5-51xZOhKgMjPDXOBmZtt19qDbfZ8tsRifSJF9EXDGGb4T4QFEwOA87JDEV4B0qTfINTo0_Ol11IC2dhahhDF2z36lrRLGNiWDRaP0L3xTASlY09JAs3Oh2y8zNhVj2/s1600/Chaplin+29c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzLV2DUaamQAoif5-51xZOhKgMjPDXOBmZtt19qDbfZ8tsRifSJF9EXDGGb4T4QFEwOA87JDEV4B0qTfINTo0_Ol11IC2dhahhDF2z36lrRLGNiWDRaP0L3xTASlY09JAs3Oh2y8zNhVj2/s1600/Chaplin+29c.jpg" height="640" width="416" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;">A família Chaplin: Oona e Charlie
tiveram oito filhos e estiveram casados durante 34 felizes anos.</span><o:p></o:p></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A véspera de Natal de 1977 chegou
e a casa estava transbordando de filhos e netos. Papai Noel apareceu para
distribuir os presentes que se encontravam na árvore reluzente. Então, quando
foi para o quarto, Chaplin deixou a porta aberta para poder compartilhar os
ruídos de alegria e excitação que tomavam a casa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na manhã seguinte, quando foram
acordá-lo para lhe desejar Feliz Natal, encontraram-no morto. O grande Charles
Chaplin morreu dormindo. Tinha 88 anos de idade, vividos intensamente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para quem proporcionara tanto
riso e coragem ao mundo, esse era um belo dia para deixá-lo.<o:p></o:p><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyJ9gg2Yrb4CPfcLIqifwN7gg3XX9rr_tqJp3zgRMjsfHdUY1B5Nhvh60nfAKAFMqLKzc6wafZCP-kQjwwnT532yUKf06FzurG6DPCxylTGxdqGc5pP5Y0RGp-FWi5wmQPrl9t-pcHTqfV/s1600/Chaplin+25d.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyJ9gg2Yrb4CPfcLIqifwN7gg3XX9rr_tqJp3zgRMjsfHdUY1B5Nhvh60nfAKAFMqLKzc6wafZCP-kQjwwnT532yUKf06FzurG6DPCxylTGxdqGc5pP5Y0RGp-FWi5wmQPrl9t-pcHTqfV/s1600/Chaplin+25d.jpg" height="436" width="640" /></a></div>
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal">
<b>Datas importantes <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
1889 16 de abril:
Charles Spencer Chaplin — Charlie Chaplin — nasce em Londres. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1894 Aos 5 anos,
Chaplin faz sua primeira apresentação no palco. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1895 Hannah, mãe de
Chaplin, é internada na Enfermaria Lambeth. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1896 Chaplin e seu
irmão, Sydney, ingressam na Hanwell School, para crianças pobres. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1898 Aos 9 anos,
Chaplin abandona a escola. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em
dezembro, entra para o grupo Os Oito Garotos de Lancashire. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1903 Hannah é
internada no asilo Cane Hill. Ela seria internada várias vezes ao longo da
vida. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
6 de julho:
Chaplin estreia no papel de Sam na peça <i>Jim,
um Romance de Cockayne</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
27 de
julho: aos 14 anos, Chaplin estreia em Londres com a peça <i>Sherlock Holmes</i> e viaja<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
em turnê com a companhia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1908 Chaplin assina
seu primeiro contrato com Fred Karno. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1910 Chaplin viaja
pela primeira vez aos Estados Unidos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1913 Aos 24 anos,
Charlie Chaplin começa a trabalhar na Keystone, em Hollywood. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1914 Fevereiro: estreia
<i>Carlitos Repórter</i>, o primeiro de uma
série de 35 filmes que Chaplin fez<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
com Keystone. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Junho:
estoura a Primeira Guerra Mundial e Chaplin é criticado por não se alistar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dezembro: Chaplin se transfere para a
companhia Essanay, onde faz catorze filmes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1915 Abril: estreia
de <i>O Vagabundo</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1916 Chaplin assina
contrato com a Mutual Films Corporation e dez filmes são distribuídos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
neste
ano. Estava com 27 anos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1917 Junho: estreia
de <i>O Imigrante</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1918 Janeiro: Chaplin
inicia as filmagens de <i>Vida de Cachorro</i>
usando luz artificial pela<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
primeira vez. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Outubro: <i>Ombro Armas</i> entra em cartaz — um mês
antes do armistício da Primeira<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Guerra Mundial. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
23 de
outubro: aos 29 anos, Charles Chaplin casa-se com Mildred Harris. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US">1919 Com Douglas Fairbanks e Mary Pickford, Chaplin
cria a United Artists. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
1920 Novembro:
Charles Chaplin e Mildred Harris se divorciam. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1921 <i>O Garoto</i> entra em cartaz. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A mãe de
Chaplin, Hannah, vai morar com o filho nos Estados Unidos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1923 Chaplin discursa
na Associação Americana para a Saúde Infantil. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1924 Aos 35 anos,
Charles Chaplin casa-se com Lita Grey. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1925 Nasce o primeiro
filho de Chaplin e Lita: Charles Spencer Chaplin Junior. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Estreia <i>Em Busca do Ouro</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1926 Nasce Sydney
Earle Chaplin, o segundo filho do casal. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1927 Lita Grey pede o
divórcio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1936 Chaplin, aos 47,
casa-se com Paulette Goddard. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1938 Chaplin começa a
filmar <i>O Grande Ditador</i>, que
estrearia em 1940.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1939 Setembro: início
das Segunda Guerra Mundial. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1941 7 de dezembro:
os Estados Unidos entram na guerra. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1942 Charles Chaplin
e Paulette Goddard se divorciam. Chaplin conhece Oona O'Neill. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1943 16 de junho:
Chaplin e Oona se casam. Ela tem 18 anos e ele, 54. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1944 Agosto: nasce
Geraldine, a primeira dos oito filhos do casal. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1945 Janeiro: Chaplin
faz <i>Monsieur Verdoux</i>, o seu primeiro
filme falado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1947 Charles Chaplin
é acusado de atividades antiamericanas e de ser comunista. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1952 Chaplin é
exilado dos Estados Unidos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1953 Janeiro: a
família Chaplin muda-se para Corsey-sur Vevey, na Suíça. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1954 Maio: Charlie
recebe o prêmio do Conselho Mundial de Paz e destina o dinheiro aos<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
pobres
de Paris e Londres. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1962 Nasce
Christopher Chaplin, completando os oito filhos do casal: Geraldine, Michael,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Josephine, Victoria, Eugene, Annette e Jane.
Charlie recebe o título de doutor honoris<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
causa pelas universidades de Oxford e Durham,
na Inglaterra. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1971 Em Paris,
Chaplin recebe a Grande Medalha de Vermeil. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1972 Chaplin é redescoberto
pelos Estados Unidos: seu nome é gravado na Calçada da Fama,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
em Los Angeles, e ele recebe o Oscar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1975 4 de março:
Chaplin é condecorado pela rainha Elizabeth II. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
1977 25 de dezembro:
depois de ter realizado mais de oitenta filmes, Sir Charles Spencer<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Chaplin morre dormindo, aos 88 anos de idade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Filmes indicados </b><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
<i>O Garoto</i> — Charles
Chaplin (o Vagabundo), Jackie Coogan (o Garoto). Estreou em 1921, mas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
continua sendo um clássico do
cinema. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Em Busca do Ouro</i> —
Charles Chaplin (o Explorador Solitário), Georgia Hale (Georgia). Essa fina<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
comédia entrou em cartaz em 1925 e Chaplin
alcançou grande êxito,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
apesar de seus parcos recursos. Dizem que este
é o filme pelo qual<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Charles Chaplin gostaria de ser lembrado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Luzes da Cidade</i> —
Charles Chaplin (o Vagabundo), Virginia Cherrill (a Garota Cega). Com<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
componentes alegres e tristes, o filme estreou
em 1931. O Vagabundo é,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal">
ao
mesmo tempo, perdedor e vencedor, como na maioria das vezes.<o:p></o:p><br />
<br />
<br />
<br />
<span style="font-size: x-small;">CHARLIE CHAPLIN é um volume da Série <b>Personagens que mudaram o mundo - Os grandes humanistas</b></span><br />
<span style="font-size: x-small;">Autor deste volume: Anna Sproule</span><br />
<span style="font-size: x-small;">Editor da obra original: Helen Exley</span><br />
<span style="font-size: x-small;">Tradução: Matilde Leone</span><br />
<span style="font-size: x-small;">Edição: Esníder Pizzo</span><br />
<span style="font-size: x-small;">Copyright Anna Sproule, 1992 - Copyright Exley Publications, 1992</span><br />
<span style="font-size: x-small;">Copyright 1993 by Editora Globo S.A. para a língua portuguesa, em território brasileiro.</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
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</div>
<br />
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</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br /></div>
</div>
Adauto Motta Jrhttp://www.blogger.com/profile/02944423394297461934noreply@blogger.com3