Os Nightingale no
exterior
A grande carruagem deu uma
guinada quando os seis exaustos cavalos alcançaram o topo do caminho, mas estas
estradas italianas não eram nada se comparadas àquelas que a família
atravessara na França. Papai nem sequer levantou os olhos do livro de poesia
grega que vinha lendo. Mamãe, enrolada em mantas e meio adormecida, estremeceu
sem alarme. Florence olhava fixamente o cair da noite enquanto sua irmã,
Parthenope, continuava amuada.
Corria o mês de fevereiro de 1838, e os
Nightingale estavam viajando pela Europa. A carruagem tinha espaço interno
suficiente para acomodar nove ou dez pessoas e fora guarnecida com pouquíssimos
itens para aumentar o conforto geral da família. Os criados iam sentados no teto,
mas, sempre que o tempo melhorava e paisagens espetaculares se apresentavam,
Florence e a irmã se juntavam a eles.
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Florence Nightingale nasceu em
uma família rica. Não precisava trabalhar para sobreviver. A família podia se
dar ao luxo de viajar pela Europa por sete meses seguidos com carruagem própria
e seis criados. A carruagem dos Nightingale era maior que a desta pintura.
Acomodava onze pessoas com bagagem e era conduzida por seis cavalos. (Pintura
de Heywood Hardy)
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A despeito do tamanho da carruagem, as
estradas apavorantes e as pousadas repletas de pulgas tornavam a viagem uma
grande aventura, que demandava coragem e energia. Entretanto, os Nightingale
vinham se divertindo muito, especialmente Florence, cujo diário explodia de
entusiasmo com tudo o que experimentara desde que partiram da Inglaterra, em setembro
do ano anterior. Tudo ali oferecia um contraste tão maravilhoso à vida
doméstica... "como se um dos sonhos das Mil e uma Noites se tornasse realidade".
Apesar da vida agitada que a família
levava na Inglaterra, às voltas com as atribulações proporcionadas por
incontáveis primos, tias e tios, Florence achava aquela existência enfadonha.
Aos 18 anos, era uma moça bonita e inteligente — muito mais que sua ressentida
irmã, Parthenope. Mas Florence era uma estranha mistura de mente clara e
extrema sensibilidade. Muito cedo se recolheu em fantasias que, ela sabia,
ameaçavam dominar sua vida.
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Parthenope e Flo. Jovens finas e
recatadas, preenchiam o tempo com livros, música, bordado e talvez com alguma
visita discreta às famílias pobres. Florence queria mais — muito, muito mais.
Vivia apavorada com a inutilidade da vida de tantas mulheres ricas.
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Parthenope, ou Parthe, como era chamada,
era um ano mais velha e muito mais parecida com a extrovertida mãe do que com o
estudioso pai. Ela não apreciava as longas aulas de grego, latim, alemão, francês,
história e filosofia impostas pelo senhor Nightingale. Ficava ainda mais
exasperada pelo fato de Flo não apenas gostar de todos esses assuntos, mas de superá-la
em todos eles.
Quando chegaram a Nice, na costa
meridional da França, onde viviam muitos ingleses, Florence foi tomada pela
paixão por bailes e danças. De Gênova, uma cidade costeira da Itália, ela
gostou ainda mais. Tratava-se de um local estimulante, e havia mais bailes,
mais concertos e mais óperas, além de paisagens esplêndidas para se ver — e
mais jovens afáveis para admirar as duas irmãs. Especialmente Florence, que era
"muito notada". Mais adiante estava a cidade de Florença, o lugar
onde nascera a 12 de maio de 1820.
A cidade se mostraria ainda mais bonita e excitante
do que Florence imaginara. O passado parecia tão vivo quanto o presente — havia
palácios e igrejas magníficas por todos os lugares, pinturas e estátuas quase
tão vivas quanto as pessoas extremamente bem-vestidas que vinham de longe para
admirá-las. E música. A cidade parecia vibrar com a música — e Florence era
louca por música.
Os bailes obscureciam tudo o que havia se passado
antes. Florence, arrebatada pela música e pela alegria, dançava até o
amanhecer. O inverno transcorria numa agitação de bailes e visitas à ópera — um
farfalhar de sedas e fitas, concertos e música. E, com a primavera, vieram as
festas ao ar livre e os bailes sob o frescor verdejante das árvores.
Uma mulher, duas mentes
Depois de um passeio de verão
pelos lindos lagos italianos, a família seguiu para Genebra, na Suíça. A cidade
estava repleta de refugiados políticos, e Florence começou a entrar em contato
com um mundo totalmente diferente daquele que ela habitara até ali. Tratava-se
de um mundo de pobreza, sofrimento, coragem e determinação. Aquele seu lado que
lutava contra as fantasias e que ansiava pelo desafio da realidade parecia vir
à tona.
Havia adorado o divertimento, a agitação e
a beleza, mas havia uma outra parte dentro dela que exigia disciplina e ordem.
Seus diários transbordavam de entusiasmo, e eram meticulosos, com listas de nomes,
datas, distâncias e cuidadosas observações a respeito de tudo que lhe
despertara o interesse.
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Um desenho da casa de campo de
Embley, em Hampshire, feito por Parthenope. Vivendo em meio a tanta riqueza,
teria sido fácil para Florence fechar os olhos ao mundo de pobreza e sofrimento
que havia para além dos portões da propriedade.
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Entre os detalhes das recepções, bailes,
paisagens e pinturas, havia anotações a respeito da penosa situação dos pobres.
A diversão e a frivolidade não a haviam cegado para a miséria das pessoas que
viviam nas regiões em guerra. Fora levada para a Europa a fim de aprender — e
havia aprendido mais do que dança, música, pintura e arquitetura.
Florence, por todos aqueles longos meses
de viagem, havia mantido um segredo — um segredo que haveria de moldar toda a
sua existência dali para a frente.
Em 7 de fevereiro de 1837, Florence
escreveu numa nota particular: "Deus falou comigo e me chamou para
servi-lo". Desse momento em diante, Florence se convenceu de que um dia
tudo ficaria claro para ela, e quando esse dia chegasse deveria obedecer, fosse
qual fosse a tarefa revelada. Tinha certeza de que havia um objetivo especial
para sua existência. Porém, dezesseis anos se passariam antes que uma vida de
dedicação aos necessitados tomasse forma.
A sombra do lar
A princípio, o retorno para a
Inglaterra, em 1839, não ofereceu grandes mudanças ao estilo de vida de Florence.
Seus pais não tinham conhecimento de seu tormento interior, e os Nightingale se
dividiam entre as duas propriedades que possuíam no campo e a cidade de
Londres. Todos os que conheciam Florence se espantavam com sua aparência
jovial, com o brilho de seu cabelo, com sua graça e seu gênio. Era cheia de
vida, inteligente, admirada. Vivia rindo e dançando. Henry Nicholson, o irmão
de sua melhor amiga, Marianne, queria se casar com ela, e Marianne fazia de
tudo para persuadir Florence a aceitar o pedido de Henry. A mãe, Fanny, alimentava
grandes expectativas — um casamento brilhante, uma propriedade no campo e uma
casa em Londres, e quem sabe o nascimento de uma grande anfitriã. Florence
havia tirado o "chamado" da cabeça. Algumas vezes, chegava a esquecê-lo.
Porém, à medida que o ano avançava, essa lembrança começou a atormentá-la.
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Um retrato da jovem Florence
lendo ao pé da janela de Lea Hurst, uma das graciosas residências dos
Nightingale. Flo parecia uma jovem muito calma, não demonstrando o turbilhão
que era sua mente.
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Esperava-se que as jovens bem educadas de
seu tempo fossem tranquilas, gentis, respeitavelmente religiosas e que se
ocupassem com pequenas coisas. Os criados faziam o serviço, os homens da casa
saíam para o mundo a fim de se dedicar a uma profissão — e quase não havia
esperança de que uma moça seguisse uma carreira de verdade.
Ainda assim, parecia aceitável que as
mulheres da classe operária se escravizassem no calor e no barulho das fábricas
desde o amanhecer até a noite, que se empregassem no terrível e cansativo
trabalho de fabricar correntes, que fossem forçadas a se prostituir porque o
salário que recebiam para costurar os vestidos e as camisas dos milionários não
dava para nada.
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Enquanto Florence ansiava pela
oportunidade de fazer algo de útil, a grande maioria das mulheres vivia na
pobreza. Ao contrário de Florence, eram forçadas a trabalhar muito por uma
ninharia.
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Entretanto, as mulheres abastadas também
sofriam, de um jeito diferente. Sua vida era estreita, enfadonha e inútil. Os
homens, em sua maioria, ficavam de fato nervosos com mulheres de opiniões
fortes, e muito mais se elas tivessem ambições. Muitas conseguiam ser
bem-sucedidas como pintoras e escritoras — mas mesmo essas tinham grandes
dificuldades para triunfar. Esperava-se que fizessem bons casamentos, que
criassem famílias, que fossem esposas submissas e compreensivas.
Mas Florence era um ser humano educado e consciencioso,
e sentia que estava sufocando entre as xícaras de chá e os vasos de samambaia,
as conversas polidas e intermináveis, as longas noites que passava ao redor da
lareira quando não havia nenhum convite para jantar ou dançar. Florence queria
gritar até botar a casa abaixo, mas mordia a língua e ficava mais e mais deprimida.
É claro que também começou a se sentir debilitada fisicamente. A família
mandou-a passar uma temporada com a tia Mai, em Londres. Mais sociabilidade, e
não menos, eles pensavam, era o remédio certo para aquele inexplicável
desânimo.
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Uma fotografia rara de Florence
Nightingale. Quando escapou da família, passou a se vestir com mais
simplicidade, virando as costas para a sociedade empolada de sua infância.
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A rainha Vitória estava para se casar com
seu adorado Albert, e Flo parecia partilhar essa felicidade. Por todas as
aparências externas, ela estava bem melhor; ninguém podia ver seu desespero.
Sentia que estava preenchendo os dias com coisas estúpidas e inúteis. Uma parte
de seu ser ainda podia obter prazer dessas coisas, mas, no fundo, a consciência
de que o tempo passava — um tempo desperdiçado — a corroía. Será que sua vida
seria assim para sempre?
Matemática
Desesperada para ter alguma coisa
positiva para fazer, Florence se atirou ao estudo da matemática, o que
propiciou a sua mente cansada e confusa algo em que se concentrar, algo claro,
preciso e disciplinado. Tia Mai entendeu sua necessidade. "Flo e eu temos
acordado às 6, acendemos a lareira e nos sentamos confortavelmente para nosso
trabalho", escreveu a Fanny. "E eu acho que se ela tivesse alguma
coisa que lhe exigisse toda a
capacidade, algo que pudesse perseguir de forma regular e vigorosa por algumas
horas, passaria os dias muito mais feliz".
Mas sua mãe, Fanny, não aprovava. O
destino de Florence, em sua firme opinião, era casar e se tornar a rainha do
lar. Que serventia teria a matemática numa situação dessas? Mesmo o intelectual
senhor Nightingale pensava que a filosofia era algo muito mais sensato e
relevante.
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Fanny Nightingale, a mãe de
Florence, nunca entendeu seu sonho de ajudar os outros. Gostava do lado fútil
da vida.
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Mas Flo estava começando a desenvolver a
teimosia que viria a ser sua salvação. Aferrou-se à matemática.
Não houve jeito. Logo ela estava de volta
a sua casa, onde se sentia cada vez mais infeliz. Lutou para continuar a
estudar o que queria. Trancada no quarto, estudava grego, filosofia e
matemática, trabalhando naquelas horas frias em que o resto da casa ainda não
havia acordado. Sentia que estava se afogando em pequenas coisas, que seu tempo
era consumido por inumeráveis tarefas pequenas. Tinha apenas 22 anos e, como
uma moça solteira, estava sempre à disposição. Era seu dever tornar-se alguém
útil. Estava sempre ocupada, mas de alguma forma ocupada em não fazer nada que
tivesse algum valor real. Sua vida lhe parecia sem sentido, rumando para lugar
nenhum.
Acordando
Florence viveu em uma época em
que havia um abismo enorme entre os ricos e os pobres.
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Muitas das pessoas religiosas
daquela época acreditavam que Deus havia decidido como cada indivíduo deveria
viver. Os ricos acreditavam que Deus aprovava seu sucesso e sua riqueza e que
tinha, em sua sabedoria, criado as classes mais baixas para fazer todo o
serviço desagradável. Aqueles com consciência percebiam que os pobres viviam
com fome. Os contrastes poderiam ser muito chocantes.
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Diferentemente das pessoas ricas desse
tempo, Florence não fechava os olhos a toda essa miséria. Durante os verões
passados em uma das casas de campo dos Nightingale, visitou os pobres, levando
sopa e dinheiro. Então olhava para a mesa dos abastados: estavam abarrotadas de
alimentos. Olhava para aquelas ricas senhoras que desperdiçavam sua vida: usavam
vestidos costurados por garotas famintas que se esfalfavam o dia inteiro,
atravessando também a noite na labuta, à luz dos candelabros.
Ela escreveu: "Minha mente se
encontra tomada pela ideia dos sofrimentos do homem... Mal posso pensar em
outra coisa. Todas as pessoas que vejo estão sendo consumidas pela preocupação,
pela pobreza ou pela doença". Precisava ser útil, mas o que podia fazer?
Ajudar os pobres, de verdade, não seria considerado apropriado.
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Esta pintura a óleo mostra o
ambiente social de Florence. Os homens administravam tudo. O que se esperava
dela era que ficasse bonita e que cantasse. Não podia sequer gostar de
cozinhar, pois havia criados para isso. Florence foi uma das primeiras mulheres
a romper com esse estado de coisas. Disse não ao casamento e sofreu muito com o
rompimento com a família e com a sociedade. Pagou um preço pessoal alto para
ter uma carreira própria. (Tela de George Smith)
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Encontrando uma missão
Então, em 1844, aos 24 anos,
Florence percebeu exatamente o que poderia fazer: trabalhar nos hospitais, entre
os doentes. Hoje, essa seria uma atitude louvável. Naquela época, uma visão
absolutamente impossível.
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Caricatura de uma enfermeira
bêbada, dormindo. Naquele tempo, as enfermeiras tinham péssima reputação. Eram
tidas como mal educadas e preguiçosas — a escória da sociedade. Com essas
informações é possível entender por que a família de Florence se alarmou com a
perspectiva dela trabalhar em um hospital.
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Os hospitais eram locais para se temer,
locais em que ninguém gostaria de entrar. Eram escuros, mal administrados e
sujos. Pacientes com toda sorte de doenças se amontoavam na mesma enfermaria,
às vezes na mesma cama. Era muito comum ver um homem com a perna quebrada
repartir o colchão com um paciente que estava morrendo de tuberculose. O
conceito de higiene não era sequer compreendido. Os pisos de madeira de alguns
hospitais nunca eram esfregados, e as paredes estavam repletas de umidade e
fungos. Amigos e familiares dos pacientes levavam gim às escondidas. Os
colchões viviam encharcados, e as roupas de cama normalmente não eram trocadas
antes que o próximo paciente chegasse.
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"Em geral, havia apenas uma
'enfermeira' para cada enfermaria, que limpava, espanava, acendia a lareira,
pegava o carvão e trabalhava das 6 da manhã às 6 da tarde sem férias regulares.
Depois de cumpridas essas tarefas, podia cuidar dos doentes. Os pacientes que
tinham condições de dar gorjetas conseguiam mais atenção. Aqueles que não
tinham dinheiro morriam esperando por cuidados."
Elizabeth Burton,
The Early Victorians at Home
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Os médicos não lavavam as mãos antes das cirurgias
e não trocavam as roupas antes de entrar na sala de operação, protegendo-se
contra o sangue com o mesmo casaco que usaram em inúmeras operações anteriores.
As enfermeiras, longe de serem anjos de piedade, tinham a reputação de bêbadas,
atrapalhadas e sujas. As pessoas viravam o nariz para elas — apenas a pior
espécie de mulheres trabalhava na imundície dos hospitais. Nenhuma dama se
exporia aos sons e às visões de lugares desse tipo. Florence não ousava sequer
mencionar o assunto diante da família.
O primeiro passo
No verão de 1844, um
filantropista americano, doutor Samuel Howe, foi passar uma temporada com a família,
e Florence lhe pediu conselhos — seria possível a uma mulher respeitável como
ela tornar-se enfermeira? Embora difícil, ele achou que "seria uma coisa
muito boa" e encorajou suas ambições. Mais um ano se passava e ela
ainda não havia encontrado um jeito.
Florence sabia que
precisava ser
treinada para ter alguma utilidade e decidiu que iria a uma enfermaria para
aprender o oficio.
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Desde a primeira vez que pisou em
um hospital, Florence percebeu que o único meio de mudar o sistema hospitalar
era fazer das enfermeiras pessoas respeitáveis. Ao longo da vida, transformaria
a enfermagem em uma das mais respeitadas profissões. Mais tarde escreveu: “Um
paciente com frio e febre, fraco, mal alimentado, com escaras não está sofrendo
da doença, mas da falta de enfermagem adequada”.
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Sua mãe ficou horrorizada, desgostosa.
Parthe ficou histérica. Sua Florence em um hospital? Estava fora de questão.
Flo começa a lutar
Em 1845, Florence estava à beira
do desespero completo. "Cheguei ao fundo do poço", escreveu. A despeito
da pressão da família e dos amigos, ela tinha recusado a proposta de casamento
de Henry Nicholson. Agora estava decidida a seguir sua vocação. Secretamente,
começou a estudar os relatórios hospitalares — qualquer coisa que lhe chegasse
às mãos e que lhe informasse sobre como os hospitais eram administrados e o que
era necessário para que melhorassem. Muito antes do amanhecer, já estava sentada
à escrivaninha, escrevendo, escrevendo, escrevendo — implorando aos amigos
relatórios dos hospitais alemães e franceses, qualquer resquício de informação
que pudessem juntar.
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O Médico dos Pobres, uma pintura
de J. Leonard. Longas jornadas de trabalho em casa e nas fábricas resultavam em
problemas de saúde muitos sérios para a população. Foi o trabalho de homens
como este médico da pintura que inspirou Florence a devotar a vida a ajudar os
necessitados.
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Na hora do café da manhã, penteava o
cabelo, punha os papéis de lado e descia as escadas para viver a vida chata e
monótona de filha de uma casa rica. Ninguém suspeitava de sua vida secreta de
estudos. Então, em outubro de 1846, aos 26 anos, um amigo lhe mandou
informações sobre uma instituição de diaconisas — senhoras muito parecidas com
enfermeiras — em Kaiserswerth, Alemanha, onde mulheres religiosas e
respeitáveis cuidavam dos doentes. Era uma luz no fim do túnel. Certamente sua mãe não se oporia a uma
visita a um lugar de tão boa reputação.
Ainda assim, naquele momento, Florence não
ousou mencionar nada. O estresse de manter o curso secreto e árduo de seus
estudos e a luta contra um profundo desespero a estavam deixando doente.
A volta a Roma
No final de 1847, com 27 anos,
Florence teve um colapso nervoso. Amigos consternados, Charles e Selina
Bracebridge queriam levá-la para Roma na esperança de que uma mudança de ares
lhe fizesse bem.
Os seis meses que Florence passou lá lhe
devolveram a saúde. Deram-lhe também a amizade de Sidney Herbert, um homem que
no futuro seria mais importante para ela do que qualquer outro — não porque se
envolveriam romanticamente, mas porque realizariam um grande trabalho juntos.
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Sidney Herbert. Por toda a vida
foi um amigo leal a Florence e, como Secretário de Guerra, convidou-a para
organizar as enfermeiras na Guerra da Criméia. Ele literalmente trabalhou até a
morte a seu serviço.
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O tempo que dispendeu em Roma não foi
apenas de prazeres. Florence conseguiu passar bastante tempo em um feliz e bem administrado
orfanato e viu como um lugar daqueles podia
e devia ser organizado. Como sempre,
anotou cuidadosamente tudo o que via e aprendia.
Ainda assim, logo que voltou para casa,
não conseguiu descobrir um meio de escapar. A estada em Roma havia sido
gloriosa, mas não resolvera nenhum de seus problemas. A mãe e a irmã
continuavam a censurá-la incessantemente. Com a vida que levavam, não podiam
entender por que Florence não aceitava e não gostava daquele mundo.
Não ao casamento
Em 1849, Florence se entregaria
mais uma vez ao desespero, e mais uma vez quase chegaria ao suicídio. Tinha
recusado o casamento com o irmão de Marianne — não fora difícil recusá-lo. Mas
agora amava profundamente um outro homem, Richard Monckton Milnes, que
conhecera em 1842. Ele era inteligente e, como Florence diria mais tarde,
"o homem que eu adorei".
Mas ela sabia que agora, mais do que
nunca, o casamento não fora feito para ela. Casar-se seria o mesmo que
impedir-se de ser útil.
Com um tremendo esforço, naquele verão
recusou outra proposta de casamento.
Isso a despedaçou.
A mãe ficou furiosa ao extremo.
Florence decidiu visitar o Egito com
alguns amigos e tentou manter um interesse educado por tudo o que via. Tomou
notas e leu muito, mas era como se apenas uma parte de sua mente estivesse
ocupada. O resto vivia atormentado por uma sensação de fracasso.
Todo o tormento que viveu no Egito deu-lhe
uma nova determinação. A 31 de julho, ela chegou a Kaiserswerth, na Alemanha.
Viajando pela Europa, o pastor desse vilarejo havia percebido que era preciso
ter melhores enfermeiras. Ele havia aberto um hospital local, perguntando:
"Nossas jovens mulheres cristãs não estariam dispostas a um ato de caridade,
trabalhando como enfermeiras?" Ali Florence pôde observar respeitáveis
mulheres religiosas cuidando dos doentes.
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Sempre que podia, Florence
visitava os hospitais em segredo. Era comum ver duas pessoas na mesma cama.
Pacientes com toda sorte de doenças se amontoavam em enfermarias sujas e
desorganizadas. O cheiro era tão horrível que os hospitais eram borrifados com
perfume. Os médicos cobriam o nariz com lenços. Mais tarde, Florence
Nightingale escreveria: "O primeiro objetivo de um hospital deve ser não
maltratar os doentes".
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Conseguiu ficar por duas semanas e partiu
"sentindo-me muito corajosa, como se nada mais pudesse me perturbar outra
vez".
Havia sido uma temporada muito curta, mas
tudo o que viu inspirou-a a escrever um panfleto sobre o trabalho das senhoras
de Kaiserswerth. Queria persuadir mulheres como ela a se engajarem em um
trabalho, em vez de desperdiçar os dias com chás e passeios de carruagem.
Voltou para casa no dia 31 de agosto com
Athena, sua coruja de estimação, no bolso, e com o coração alegre.
Florence seria recebida com amargas
recriminações.
Parthe reagiu com a histeria costumeira. A
mãe, Fanny, explodiu com Florence, dizendo-lhe para jamais mencionar
Kaiserswerth outra vez e acusando-a de haver desgraçado toda a família. Talvez
tenha percebido que, apesar de todos os seus esforços, Florence lhe estava
escapando, que a filha não iria desempenhar o papel que ela esperava.
Os seis meses de Parthe
Florence já era uma mulher de 30
anos e, desde que recebera o "chamado", aos 17, não parecia estar um
milímetro mais perto de seu objetivo. Só queria a permissão dos pais para
retornar a Kaiserswerth.
Pode-se pensar que uma mulher adulta,
educada e respeitada poderia fazer o que quisesse. Mas Florence estava em 1850,
e não perto do século 21. Num lar vitoriano de classe média, todas as filhas solteiras
viviam sob a dominação dos pais como se fossem crianças.
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"Os casamentos tardios, o
pequeno número de matrimônios, as guerras e as migrações criaram um celeiro de
mão-de-obra de solteironas. Em todas as áreas, elas sofriam pressões para não
competir com o macho dominante. Se não se casassem, deveriam ficar em casa para
ajudar a mãe a preparar os chás ou levar sopa e geléia para os pobres."
Madeleine Masson,
A Pictorial
History of Nursing
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Agora as coisas haviam piorado para
Florence. Parthe se tornava cada vez mais histérica. O pai e a mãe declararam
que Florence não tinha coração e era insensível com a devotada e querida irmã.
Florence havia passado um ano longe de casa, sozinha, e Parthe não havia tido
nada. Os pais pediram que ela compensasse aquele ano de liberdade egoísta
devotando-se completamente a Parthe pelos próximos seis meses. Florence, mais
uma vez, se rendeu.
Quando os meses de escravidão expiraram,
Florence foi imediatamente passar uns tempos com Sidney Herbert e a esposa. Os
Herbert eram solidários com seu desejo de romper com a família e a encorajaram
em sua vontade de se tornar enfermeira.
Florence passou uma temporada com a
doutora Elizabeth Blackwell, uma das primeiras mulheres a se formar médica. Com
ela, Florence aprendeu que uma mulher podia conseguir muitas coisas desde que
se decidisse. Percebeu que precisava tomar medidas práticas para desempenhar
sua missão.
Seu primeiro passo foi aceitar o fato de
que a família jamais concordaria com sua vontade. "Não devo esperar que
eles me ofereçam, nem solidariedade, nem ajuda", escreveu em junho de
1851. "Há tanto tempo imploro pela solidariedade deles que mal posso resignar-me
a esta situação... Há muito tempo sou tratada como uma criança, e há muito
tempo permito ser tratada assim".
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"Qual o meu objetivo neste
mundo, o que fiz na última quinzena? Li Daughter at Home para papai e dois capítulos de Mackintosh, e
um volume de Sybil para mamãe. Aprendi sete melodias de cor. Escrevi várias
cartas. Fiz oito visitas. E isso é tudo."
Florence Nightingale,
de seu diário, 1846
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Duas semanas depois de escrever isso,
Florence já havia feito planos para voltar a Kaiserswerth. Embora os pais a
houvessem proibido de dizer para onde ia e por quê, não podiam mais impedi-la.
A mãe e a irmã a acompanharam até a Alemanha, fingindo para o resto do mundo
que levavam Florence para uma temporada de três meses em um spa de Carlsbad.
Kaiserswerth
Ali, a vida era árdua. A comida
era simples e rala. As estudantes se levantavam às 5 horas da manhã e as
refeições demoravam apenas 10 minutos. Os dias eram preenchidos com frequentes
momentos de oração, quando todas se ajoelhavam em uma sala e se ofereciam a
Deus. Mas Florence se sentia feliz. Feliz como nunca antes se sentira.
Havia escapado. Aos 31 anos de idade
finalmente estava fazendo o que queria.
Sentindo-se com a autoestima elevada e com
um objetivo de vida, Florence escreveu uma última carta de súplica e explicação
à família. "Deem-me tempo, confiem em mim", implorou. "Confiem
em mim, ajudem-me... Preciso de sua bênção", escreveu. Nem a irmã, nem a
mãe responderam. Florence nunca mais pediria ajuda ou compreensão.
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Uma das primeiras fotografias de
Florence. Ela era tímida, modesta e bondosa. Porém, no período de conflito com
a família, desenvolveu a determinação que iria ajudá-la nos anos de batalha que
teria pela frente.
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"Cassandra"
Florence voltou de Kaiserswerth
com a mãe e a irmã. Estava cheia de planos para aprender enfermagem a sério num
grande hospital-escola de Londres.
Porém, ao chegar em casa, encontrou o pai
com dores terríveis causadas por uma enfermidade nos olhos. Ele precisava dos
cuidados de Florence e ela não podia se recusar. Tinha que acompanhar o pai
numa viagem de tratamento. De certo modo, essa jornada se transformaria no
ponto de virada. Quando voltaram para casa, o senhor Nightingale já era um
aliado de Florence na luta contra Parthe e contra a mãe.
Nesse período, Florence escreveu um ensaio
intitulado Cassandra. Nele, descrevia
com grande amargor um dia típico na vida da filha de uma próspera família
vitoriana. "Jamais podemos perseguir um objetivo sequer por duas horinhas,
pois nunca estamos sozinhas", ela se queixava. "E na vida doméstica e
social as pessoas são obrigadas, para não passarem pelo constrangimento de
serem consideradas rabugentas, a fazer um comentário a cada dois minutos".
Presa outra vez
Presa à família mais uma vez, a
desesperada Florence, uma protestante devotada, pediu conselhos ao chefe da
Igreja Católica Romana, o cardeal Manning. Este deu a entender que, embora ela
fosse protestante, sua melhor esperança era receber treinamento como enfermeira
em um hospital administrado pelas irmãs de caridade católicas, em Paris.
A Inglaterra era um lugar de fidelidades
religiosas apaixonadas, e, quando Parthe e Fanny descobriram o plano de
Florence, começaram a ter novos e ainda mais violentos ataques de histeria.
Os ataques de Parthe eram tão severos que
ela foi levada a uma consulta com o médico da rainha, Sir James Clark. Em
agosto de 1852, ele conseguiu que ela fosse passar um tempo em sua casa na
Escócia, onde poderia ser observada por algumas semanas. O doutor Clark logo
chegou a uma conclusão. Chamou Florence e lhe explicou que ela deveria se
separar de Parthe; que, para o próprio bem da irmã, Parthe precisava aprender a
viver sozinha, sem Florence. Para o bem dela, Florence teria de sair de casa.
Flo encontra a
liberdade
Florence jamais havia percebido
que todas as vezes que se rendia a Parthe não estava lhe fazendo nenhum bem.
Agora, depois do conselho do doutor Clark, entendeu que seria melhor para todos
que ignorasse os ataques de Parthe sempre que possível, e passou a cuidar da
própria vida.
Decidiu ir para Paris, onde pretendia
ficar no hospital das irmãs de caridade católicas, vestida como uma freira, mas
vivendo separadamente das irmãs. Teria apenas um mês para se preparar.
Todas as energias reprimidas entraram em
ação. Ela visitou hospitais, enfermarias, casas de caridade, instituições.
Assistiu a operações. Andava pelas enfermarias com os médicos e observava-os
examinando os pacientes com todos os tipos de doenças.
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"Nem sempre as enfermeiras
lavavam os pacientes; jamais podiam lavar seus pés — e só conseguiam uma gota
de água com muita dificuldade, o suficiente apenas para borrifar as mãos e o
rosto. As camas dos pacientes eram sujas. Era muito comum colocar um doente
sobre o lençol que havia sido usado pelo paciente anterior, e os colchões em
geral eram de estopa, viviam encharcados e quase nunca eram lavados."
Florence Nightingale,
1845,
numa visita a um
hospital
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Florence fez circular um questionário
pelos hospitais da França, da Alemanha e da Inglaterra, comparando as respostas
que chegavam, fazendo anotações, gráficos e listas. Finalmente, todo o conhecimento
adquirido naqueles anos de estudo secreto ganhavam agora uma utilidade.
Tornou-se uma expert no assunto —
seus dons para a organização, a pesquisa e a tomada de decisões estavam dando
frutos.
O primeiro emprego de
Florence
Em 1853, Florence aceitou o posto
de superintendente do Instituto para o Cuidado de Senhoras Carentes Doentes de
Londres. Foi contratada para reorganizar completamente o instituto. Pela
primeira vez Florence iria ter uma ocupação profissional. Poderia realizar o trabalho
para o qual se preparara durante toda a vida.
Essas notícias jogaram Parthe e a mãe num
novo e selvagem ataque de nervos. Elas se lamentaram, choraram, reprovaram Flo,
recusaram-se a comer, recolheram-se à cama. O pai se mudou.
Flo fechou os ouvidos, e o pai, seu novo
aliado, decidiu ajudá-la, dando-lhe uma permissão que a tornava independente. A
mãe ficou furiosa.
Florence estabeleceu-se em uma residência
própria em Londres. A família fez objeções, mas ela se recusou a desistir. Era
dona do próprio nariz, afinal.
Rua Harley nº 1
Em agosto de 1853, aos 33 anos,
Florence Nightingale começou a verdadeira carreira de superintendente do
Instituto para o Cuidado de Mulheres Carentes Doentes, na rua Harley nº 1.
Era como se aqueles longos anos
"perdidos" de repente irrompessem em conquistas. Florence atirou-se
de corpo e alma à organização do hospital. Tinha apenas dez dias para equipar
uma casa vazia, pronta para receber os pacientes. Instalou água quente em todos
os andares. A cozinha foi equipada com elevadores para transportar a comida aos
quartos. Instalou também um sistema de campainhas. Assim, todos os doentes
podiam chamar a enfermeira dos próprios quartos.
|
Em 1854, um surto de cólera
varreu as favelas de Londres. Florence Nightingale ajudou voluntariamente
prostitutas imundas e aterrorizadas com a mesma atenção com que cuidava dos
pacientes do Instituto para o Cuidado das Senhoras Doentes. Florence pegou
muitas delas nos braços, enquanto morriam — não havia muito mais a fazer.
Décadas depois, faria uma campanha por melhores condições sanitárias nas
favelas, e Londres nunca mais seria assolada pela cólera.
|
Os funcionários ficaram muito surpresos.
Estavam esperando uma reorganização — mas nem de longe algo parecido com
aquilo. Florence estava muitos anos à frente das ideias vitorianas nessa
questão — e a infindável luta contra a família ensinara-lhe a não aceitar um não como resposta.
A comissão ficou estupefata com aquelas extraordinárias
exigências, e começou a se perguntar se Florence Nightingale havia sido a escolha
correta. Sutilmente, Florence fez tudo o que queria. Conhecia os fatos.
Conhecia os números. Era possível fazer e precisava ser feito. Agora, livre das
amarras da família, estava provando ser uma mulher formidável. Nunca tinha ideias
vagas — sabia exatamente como tudo deveria
ser, como o sistema de campainhas deveria funcionar, quanto carvão era
necessário. Verificava a despensa. Verificava a roupa de cama. Ninguém conseguia
esconder nada da senhorita
Nightingale.
Rumo ao topo
O tesoureiro se recusou a deixar
que ela visse as contas todas as semanas. Ela deixou bem claro que iria vê-las todas as semanas. E conseguiu.
Nada era tão insignificante que não
merecesse sua atenção. Os lençóis comidos pelos ratos, as poltronas estragadas
mal cheirosas, os travesseiros rasgados, tudo foi para o lixo. Comprou cortinas
velhas e transformou-as em colchas. Adquiriu lotes de escovas, espanadores e
vassouras. A cozinha do hospital passou a fazer geleias por um quarto do preço
dos mercados.
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“A comissão, composta de pessoas
ricas e respeitáveis, ficou espantada quando a nova superintendente entrou em
ação. Suas exigências eram revolucionárias. (...) Apesar de as visitas que fez
aos hospitais terem sido breves, sua mente perspicaz e seu poder de observação
fizeram-na perceber rapidamente como a logística da enfermagem poderia ser
melhorada. Era um gênio da administração. Uma comissão impressionada com aquele
desempenho deixou-a fazer o que queria."
Madeleine Masson,
A Pictorial
History of Nursing
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A comissão ficou tonta. E os funcionários
também. Muitos fugiram ou pediram demissão por vontade própria. Florence
contratou uma enfermeira-chefe mais eficiente e trabalhadora. Seu principal problema
era encontrar enfermeiras bem treinadas. Era um trabalho muito duro: Florence
encontrou fortes resistências, teve de tomar decisões impopulares, mas era
imensamente feliz.
Apesar de exigente, era muito amada.
Esfregava os pés dos doentes se os encontrava com frio, era solidária com
mulheres desesperançadas, sem amigos e sem dinheiro. Chegou até a mandar
algumas, às suas custas, para tentar uma recuperação na praia.
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Uma pintura feita para mostrar a
atenção que Florence dedicava a todos. Ela fazia com que todos fossem lavados,
que as feridas fossem tratadas e que cada um recebesse roupas limpas e boa
alimentação.
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Era estranho. Florence era uma enfermeira maravilhosa
— mas havia nela um traço de frieza que assustava um pouco as pessoas. Era como
se o tempo de emoções fortes que havia tido com a mãe e a irmã a tivessem
tornado desconfiada da brandura. E brandura não iria construir hospitais eficientes.
Precisava espremer o cérebro até o fim para reformá-los.
Em pouquíssimo tempo, Florence se firmou
como especialista em sua área, e o trabalho na rua Harley simplesmente não lhe
era mais suficiente.
Preparou relatórios bem fundamentados e
bem apresentados sobre os maus procedimentos da rede hospitalar inglesa.
Tornava-se mais e mais reconhecida como autoridade nessas questões.
Apesar da onipresente objeção da família, Florence,
num gesto sábio, manteve-se afastada deles. Não era mais uma marionete que
respondia a cada puxão da corda. Tinha um trabalho para fazer e iria fazê-lo.
No final de 1854, elaborou um plano para recrutar filhas de agricultores e
treiná-las como enfermeiras seguindo a linha de Kaiserswerth.
Num país onde as mulheres mal tinham começado
a lutar pela liberdade, Florence Nightingale estava se equiparando aos homens.
A Guerra da Criméia
Enquanto isso, toda a Inglaterra
lia sobre o triunfo do exército inglês na Criméia. A Grã-Bretanha lutava junto
com a França ao lado dos aliados turcos em sua guerra contra a Rússia.
|
As mulheres dão adeus aos
soldados. As tropas estavam superconfiantes ao embarcar para a Guerra da
Criméia. Depois de uma semana lá, e antes da primeira batalha, mais de mil
homens já haviam morrido doentes.
|
Florence não poderia adivinhar, ao ler
sobre as vitórias do exército em Sebastopol, que logo se juntaria aos soldados.
Não para lutar contra os russos, mas contra as doenças e a desorganização,
contra a sujeira e o frio.
A experiência de Florence Nightingale, sua
inteligência, coragem e determinação seriam utilizadas ao máximo pelos próximos
anos. Essas qualidades mudariam não apenas o modo como as pessoas encaravam as
enfermeiras, mas também o tratamento que dispensavam às mulheres.
Como em todas as guerras, muitos seres
humanos encontraram uma morte horrível e desnecessária. Ainda assim, algo de
bom surgiu em meio a todo o horror — muito mais respeito pelo soldado comum e
uma abrangente reforma na organização militar e na administração dos hospitais.
Florence Nightingale foi a peça-chave nessas mudanças.
Ela entrou para a história como "A
Dama do Lampião", a enfermeira que andava por entre os feridos da Guerra
da Criméia.
O exército britânico era o melhor do
mundo. Jamais seria vencido: era o que todos acreditavam, na Grã-Bretanha, em
1854. Os soldados de uniformes esplêndidos marchavam em direção aos navios que
os levariam à península da Criméia, no mar Negro, ao som de bandas e sob a
agitação das bandeiras.
Esse elegante exército seria derrotado —
não por outro exército, mas pela doença, pela falta de organização, pelo frio e
pela fome.
|
Muitas tropas desembarcaram em
Marna, na Bulgária. O acampamento ficava num lugar conhecido pela cólera, e
mais de mil doentes foram enviados a Scutari.
|
Em junho, as tropas britânicas seguiram em
direção norte para ajudar os turcos, que se encontravam sitiados. A área
escolhida para o acampamento era um notório terreno fértil para o cólera — uma epidemia
surgiu quase que imediatamente. Todas as noites os soldados britânicos podiam
ouvir o som dos cadáveres que eram atirados ao mar. Em menos de três semanas, o
exército fora reduzido à inutilidade total.
Então, as forças britânicas concentraram a
atenção no objetivo principal: Sebastopol. Uma vez que não havia navios
suficientes para transportar todos os homens e o equipamento pelo mar Negro até
a península da Criméia, os líderes militares decidiram levar apenas as tropas.
Os animais de carga, as tendas, os fogões de acampamento, os remédios e toda a
parafernália médica foram deixados para trás.
Houve permissão de três dias para o
transporte das tropas pelo mar Negro, mas eles levaram dezessete dias. Nos
navios, quase não havia comida nem água, e o cólera continuava a ceifar vidas.
Quando os homens chegaram à terra, em setembro,
tiveram ordens para deixar as mochilas para trás. Estavam simplesmente fracos
demais para carregá-las. A falta de suprimentos já os havia levado a beber das
poças imundas das praias. Os soldados jaziam ao relento, torturados pela diarreia.
A agonia da vitória
Assim, as primeiras batalhas da
Criméia foram feitas com homens exauridos pela doença e sedentos. Entretanto,
esse exército de inválidos havia conseguido atravessar o rio Alma, subir as
colinas e forçar o exército russo a recuar para a cidade de Sebastopol. Houve
baixas apavorantes nessa luta.
|
Rota da esquadra britânica até
Sebastopol, na Criméia. França, Turquia e Grã-Bretanha eram aliadas contra a
Rússia.
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Para os feridos, teria sido melhor que
tivessem morrido logo. Todos os suprimentos médicos haviam ficado para trás.
Não havia ataduras, nem anestésicos, nem qualquer tipo de ajuda. Não havia
velas nem lampiões; os médicos trabalhavam à luz do luar, enquanto os doentes
jaziam a céu aberto, sobre a palha coberta de esterco.
Mais tarde, os doentes e os feridos foram embarcados
em navios-hospitais que os levaram de volta a Scutari. Mil e quinhentos homens,
fracos e exaustos, foram empilhados em um navio projetado para transportar
apenas 250. Porém, quando os feridos de guerra começaram a chegar, o hospital
já estava lotado. Antes que um único tiro tivesse sido disparado na Guerra da
Criméia, a epidemia de cólera já havia transformado o atendimento médico do
exército em um caos.
|
As principais batalhas tiveram
lugar em Balaclava, lnkerman e Sebastopol, ao norte do mar Negro. Os feridos embarcavam
para uma viagem de 480 quilômetros até o hospital de Scutari.
|
O Hospital Militar não podia fornecer alimentação
porque não havia cozinha. Não havia camas nem lençóis; não havia copos para
levar aos homens febris um gole de água sequer. Não havia mesas, nem cadeiras.
Andavam por ali uns poucos médicos, mas não dispunham de nenhuma mesa de
operação. O Hospital Militar era apenas o esqueleto de um prédio, cheio de
homens que, jogados pelo chão e enrolados em mantas sujas e ensanguentadas,
pediam aos berros algo para beber — quando ainda tinham forças para isso.
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"Havia então a questão dos
hospitais do exército, que nem sequer existiam. Se por acaso uma batalha
acontecesse perto de uma cidade, como no caso de Waterloo, os hospitais civis
eram utilizados, embora fossem pequenos demais para dar conta do fluxo de
feridos e moribundos. Além do mais, não havia enfermeiras especializadas.
Existiam apenas serventes, mas muitas eram tão velhas que mal podiam levantar
as macas."
Elizabeth Burton,
The Early
Victorians at Home
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Notícias do front
Essa situação não era nenhuma
novidade para os militares. Porém, o resto da Grã-Bretanha ficou em estado de
choque ao receber as notícias.
Era preciso fazer alguma coisa. E rápido.
Os franceses tinham mais cirurgiões e irmãs de caridade para ajudá-los no campo
de batalha. Os britânicos não tinham nada. Quem poderiam mandar para dar um
jeito nas coisas, para cuidar daqueles homens?
|
Desmoralizadas, batidas pelo
frio, as tropas eram levadas de volta a Balaclava. Muitos morreram a caminho do
hospital — às vezes congelados na sela. Mesmo quando retornavam à base, suas
chances eram remotas. As infecções e a alimentação inadequada matariam milhares
mais.
|
Para Sidney Herbert, o velho e fiel amigo
de Florence e agora Secretário de Guerra, havia uma única resposta: Florence em
pessoa. A 15 de outubro, Sidney Herbert enviou uma carta a Florence pedindo-lhe
que organizasse um corpo de enfermeiras e que fosse para Scutari o mais
rapidamente possível.
Ali estava o trabalho que Florence sentia
ser a missão de Deus para ela. Sabia, como Herbert sabia, que essa função só
ela poderia realizar.
Surpreendentemente, até a família a
apoiou: "É uma missão nobre e grandiosa", escreveu Parthe. "Só
se pode acreditar que ela foi feita para isso".
Florence aceitou a proposta de Herbert e,
aos 34 anos, era nomeada superintendente da Instituição de Enfermagem Feminina
dos Hospitais Gerais Ingleses na Turquia. Decidiu-se que quarenta enfermeiras a
acompanhariam.
Foi difícil encontrar enfermeiras
adequadas. Porém, de alguma forma, Florence conseguiu juntar 38 mulheres — um
grupo heterogêneo, mas o melhor possível. Algumas eram enfermeiras
profissionais, outras eram freiras, sendo que as cinco mais eficientes eram
irmãs de um convento católico. A 21 de outubro de 1854, o grupo se pôs a
caminho.
Florence chega a
Scutari
A 5 de novembro de 1854, Florence
e seu grupo chegaram ao Hospital Militar, em Scutari.
Florence vinha preocupada com o que
encontraria, mas nenhuma das descrições haviam-na preparado para o caos e o
sofrimento que presenciou. Os corredores nus davam em enfermarias imundas. O
átrio central era um charco mal cheiroso. Havia lixo e sujeira por todos os
cantos, e
6 quilômetros de camas — se é que alguém poderia chamar aquilo de
camas. Os doentes jaziam a centímetros de distância uns dos outros. Aquilo era
um foco de doenças infecciosas.
|
O Hospital Militar, em Scutari,
antes que os 20 mil feridos chegassem. Scutari era literalmente um quartel e
não um hospital. Havia seis quilômetros de halls sujos, que se transformariam
em seis quilômetros de camas apinhadas. Havia ratos, vazamentos e nenhuma água
corrente. Os banheiros estavam entupidos. Florence chegou com quarenta
enfermeiras. Apenas doze sobreviveriam.
|
Florence precisava agir com cautela. Todo
o staff médico estava sob forte controle das autoridades militares. Um passo em
falso e ela e as enfermeiras seriam mandadas de volta para casa.
A organização entrara em colapso. Para
tudo era necessário um requerimento por escrito e uma nota de autorização,
assinada por dois médicos. Valiosos suprimentos de alimento se perdiam ou
apodreciam porque os procedimentos corretos não eram aplicados — ou porque
ninguém queria liberá-los. Todo oficial que não seguisse os procedimentos
regulares estaria em sérios apuros. Então começaram a ter medo de autorizar o
que quer que fosse.
Os soldados eram tidos como
"escória", "brutos", "patifes" pelos oficiais.
Aconselharam Florence a não "estragá-los". Ela se viu diante de
pessoas interessadas apenas nas questões burocráticas, como o lorde Stratford
de Redclyffe Canning, o embaixador britânico em Constantinopla. Ele era muito
influente, mas vivia no luxo de um palácio e simplesmente ignorava a miséria, a
dor e a sujeira que os soldados eram obrigados a enfrentar.
Regras e regulamentos
Não havia nada no Hospital
Militar. Nenhuma mesa de operação. Nenhum remédio. Nenhuma mobília. Ratos e
moscas infestavam os quartos das enfermeiras — e não havia lampiões nem velas.
À noite, deitavam-se no escuro, ouvindo o rastejar dos ratos.
Os médicos se ressentiam da presença de
Florence e a ignoravam. Ela sabia que precisava conquistar sua confiança antes
de fazer qualquer coisa. Deu instruções cuidadosas às enfermeiras. Apesar da
angústia de ter de deixar de lado os feridos, elas deviam esperar até que fossem oficialmente
solicitadas a ajudar.
Um novo e enorme lote de homens,
terrivelmente feridos na batalha de Balaclava, chegou em 6 de novembro. Ainda
assim Florence controlou as enfermeiras. Pegaram todos os lençóis que
encontraram, fizeram ataduras, travesseiros e camisas. E esperaram.
Mesmo quando pediam a Florence que fizesse
alguma coisa, ela se forçava a seguir os regulamentos. Só na cozinha agia com
mais liberdade. Ficou espantada com o que encontrou lá. Não havia panelas nem
chaleiras. O chá era feito nas caldeiras de cobre que haviam acabado de
cozinhar a carne.
Florence pôs mãos à obra. Havia levado
vinho, extrato de carne e fogões portáteis. Atinha-se a todas as regras, de
modo que ninguém poderia fazer objeções a seus atos. Não se dava nada a nenhum
paciente sem uma permissão assinada pelo médico, mas, aos poucos, aqueles
pobres homens, doentes e famintos, começaram a receber alimentos que os
ajudavam a melhorar em vez de piorar.
Ninguém sabe por quanto tempo essa
situação poderia ter perdurado, mas no dia 9 de novembro daquele ano uma grande
quantidade de feridos desembarcou em Scutari. Os médicos e os oficiais foram
obrigados a reconhecer a presença de Florence e a aceitar sua ajuda e a das
enfermeiras.
A grande tarefa tem
início
Os britânicos sofreram uma
derrota na batalha de Balaclava. O acampamento vizinho tornou-se um pântano de
sujeira — cadáveres e membros amputados dos feridos flutuavam no mar. O cólera
se espalhou entre os soldados.
|
Roll Call, o famoso quadro de
Lady Butler, esposa de um oficial em serviço, que retratou o sofrimento e a
coragem de homens comuns na guerra. Esta pintura mostra a contagem dos
sobreviventes depois da batalha de Balaclava.
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Seguiu-se a batalha de Inkerman. Embora os
britânicos tivessem vencido, ela apenas aumentou o número de feridos. O inverno
estava chegando. Os homens escavavam o solo congelado, com as mãos sangrando,
para encontrar algumas raízes mortas com que fazer um fogo. Não tinham onde
cozinhar. Para dormir, havia apenas a lama congelada. A única estrada estava
bloqueada.
|
Os britânicos sofreram muito nos
primeiros confrontos. Dois mil homens foram mortos na batalha de Inkerman. Os
feridos aguentaram muitas privações. Eram carregados em macas grosseiras até a
costa, onde esperavam dias por um navio que os transportasse a um hospital. Mesmo
que sobrevivessem à jornada, muitos morreriam mais tarde, pois os ferimentos
eram terríveis.
|
Doença, gangrena — era o inferno sobre a
terra: e uma torrente de vítimas chegava para aumentar ainda mais a multidão
que já estava em Scutari.
Florence passou a admirar o staff médico
militar. Eles ficavam em pé 24 horas por dia, mas ainda assim não conseguiam
fazer nenhum progresso naquele fluxo constante de pacientes. Os homens eram jogados
por todos os lugares, com a cabeça apoiada sobre as botas por falta de
travesseiros. Florence estimou que pelo menos mil homens sofriam de disenteria.
Havia apenas vinte urinóis, que eram esvaziados em enormes tanques — mas os
serventes se esquivavam dessa função desagradável, e os urinóis ficavam às
vezes 24 horas sem serem esvaziados.
Como se esse sofrimento não fosse o
bastante, a 14 de novembro despencou uma tempestade que derrubou todas as
tendas que o exército havia montado, deixando os soldados sem nenhum teto.
Todos os navios foram afundados, inclusive um que acabara de chegar com uma
carga ansiosamente esperada de roupas de inverno e provisões.
Florence assume o
controle
A 30 de novembro, a administração
do hospital sucumbiu. Agora os oficiais simplesmente tinham de reconhecer a
presença de Florence — pois ela recebia donativos privados das casas de
caridade da Grã-Bretanha, além de ter a habilidade para conseguir os
suprimentos essenciais.
Ela assumiu o controle em silêncio,
determinada a evitar as confrontações sempre que pudesse. Por fim, a ninguém
era permitido se esquivar de qualquer tarefa, por mais desagradável que fosse.
|
Os cegos, os inválidos e os
feridos voltam do front. De agora em diante suas vidas dependeriam de boa
comida e de boas condições hospitalares — o que Florence Nightingale lutava com
todas as forças para conseguir.
|
A roupa de cama jamais havia sido lavada —
e todas as camisas continham montes de vermes. Florence exigiu tanques de água
quente — e eles foram instalados. Os urinóis foram esvaziados e limpos. Como na
rua Harley, Florence dava muita importância aos detalhes. Fez um inventário de
todos os itens de que necessitava — bandejas, mesas, relógios, toalhas, sabão,
xícaras, pratos e talheres — e conseguiu tudo.
No início de dezembro, lorde Raglan avisou
que estava mandando mais quinhentos feridos e doentes para o já superlotado
hospital. Florence precisava desesperadamente de espaço. Uma das alas do
hospital havia sido bastante prejudicada por um incêndio, e foi deixada de lado
até a ruína completa. Florence pressionou as autoridades para que o local fosse
colocado em condições de uso. Com lorde Stratford e os trabalhadores turcos
encarregados dos reparos, a obra simplesmente não andava, até que Florence tomou
a empreitada a seu próprio encargo, pagando tudo do próprio bolso e com os
donativos que recebia.
|
The Thin Red Line, o 93º
regimento escocês em Balaclava, numa pintura de Caton Woodville. Durante a
guerra, a Grã-Bretanha e a França perderam 82 mil soldados. A doença e o
inverno da Criméia mataram mais que a espada e o rifle.
|
Tudo o que deveria vir através de
suprimentos do exército vinha agora aos cuidados da senhorita Nightingale. Os
oficiais militares, a essa altura, estavam encolerizados, mas Florence os
ignorava e seguia em frente.
"Uma calamidade
sem precedentes"
A campanha do inverno viu
despontar tragédia em cima de tragédia. Em janeiro de 1855, a questão dos
feridos tornou-se apavorante. Segundo Florence, vivia-se ali "uma
calamidade sem precedentes em toda a história da humanidade". A quantidade
de feridos multiplicou-se rapidamente até chegar a níveis alarmantes. Nesse
mês, havia 12 mil homens no hospital. Florence enfrentava situações terríveis.
Ainda assim conseguiu pensar friamente no que precisava ser feito. Elaborou
planos sistemáticos e cuidadosamente analisados para a reorganização
inteligente dos hospitais. Pensava tanto no presente quanto no futuro.
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"Sua calma, sua capacidade e
seu dinamismo a elevaram à condição de uma deusa. Os homens a adoravam. (...)
Os médicos vieram a se tornar absolutamente dependentes dela..."
Cecil Woodham Smith,
Florence Nightingale
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Um dos principais motivos de ansiedade era
o número de mortes no Hospital Militar, que crescia sempre, a despeito das
melhoras realizadas. Era muito mais provável que os homens morressem no
Hospital Militar do que se ficassem nos cruéis e gélidos hospitais regimentais
das colinas que circundavam Sebastopol. Ignorando tudo o que se fazia, os
números continuavam aumentando. No final de dezembro, irrompeu uma epidemia. Em
menos de três semanas, quatro cirurgiões, três enfermeiras e centenas de
soldados estavam mortos.
O relato detalhado dessa situação
apavorante foi publicado na imprensa britânica, e o povo começou a exigir que
se investigasse a gigantesca tragédia da Criméia. Essa onda de indignação
forçou os governantes a enviar para lá, no final de fevereiro de 1855, uma
comissão sanitária.
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Ao ler sobre aquele sofrimento, os
britânicos doaram lençóis, ataduras e alimentos. O problema era que oficiais
médicos incompetentes não liberavam nada. Muitos dos soldados chamavam Florence
de "A Dama do Martelo". Ela de fato invadia as despensas para aliviar
os pacientes desesperados.
|
Reformas no Hospital
Militar
A comissão inspecionou o Hospital
Militar de alto a baixo. Não era de admirar que a taxa de mortalidade fosse tão
alta. Todo o prédio se assentava sobre uma rede de esgotos totalmente
apodrecida — toda a estrutura estava contaminada pela deterioração, pela
sujeira e pela doença. Qualquer movimentação do ar levaria a morte através das
enfermarias apinhadas. Além disso, o sistema de fornecimento de água estava
contaminado.
Nas duas primeiras semanas dedicadas à eliminação
daquele horror, 556 carrinhos de mão de lixo, 24 diferentes animais e mais dois
cavalos também mortos foram removidos e incinerados.
|
Depois que a situação em Scutari ficou sob controle,
Florence Nightingale visitou as estações médicas das frentes de batalha. Andou
sob todas as condições climáticas, pagando o alto preço de ficar doente.
|
As condições do hospital melhoraram, mas
ainda aconteciam muitos erros, pela má execução do trabalho e pela falta de
organização. Pode-se citar como exemplo o caso de um navio que transportava
várias centenas de soldados feridos. O transporte demorou quinze dias. Por duas
semanas, os homens ficaram no convés sem nada para protegê-los do frio do
inverno. O responsável, doutor Lawson, foi repreendido mais tarde, para depois
ser nomeado Oficial Médico Sênior do Hospital Militar. Florence ficou chocada
com o fato de os oficiais que se opunham a qualquer reforma e que impediam seu
trabalho serem os mais reconhecidos e recompensados, principalmente depois da
guerra.
A dama do lampião
Na primavera de 1855, Florence
estava exausta. Muitas vezes passava oito horas seguidas de joelhos diante de
uma maca, fazendo curativos. Não dispunha de nenhuma das drogas e das ataduras
de um hospital moderno — precisava se virar com o que tinha.
A única coisa que a mantinha na luta era
com certeza a incrível bravura dos homens. Eles tentavam não se queixar nunca,
não demonstrar a agonia, o medo e a saudade que sentiam do lar. Se no passado
Florence havia granjeado a reputação de fria, hoje ninguém, a não ser os
teimosos oficiais, a via dessa forma. Os homens sempre se lembravam de sua
paciência, de sua bondade, até mesmo de sua alegria. Ficava ao lado deles nas
cirurgias. Dava-lhes esperança pelo simples fato de andar entre eles, falando
com um, sorrindo para outro.
|
Florence Nightingale ficou famosa
como “A Dama do Lampião”, tornando-se uma lenda viva. Os feridos a adoravam,
pois ela se importava com o que acontecia, lutando por melhorar a situação de
todos. Eles haviam visto coisas terríveis nas batalhas e aquela mulher de fala
mansa lembrava-lhes que ainda havia bondade no mundo.
|
Se não os visse durante o dia, fazia as
rondas noturnas, iluminando o caminho pelos quilômetros de camas com um lampião
turco. Um soldado escreveu para casa contando que os homens beijavam a sombra
que ela projetava na parede ao passar.
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"Que conforto era vê-la
passar serenamente. Ela podia falar com um, inclinar a cabeça e sorrir para
muitos outros; mas não podia fazer isso com todos. Nós éramos algumas centenas;
mas podíamos beijar sua sombra, como se fosse ela, e então, reconfortados, deitar
nossas cabeças sobre os travesseiros."
De um soldado,
no Hospital Militar
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Por outro lado, o respeito que nutria por
eles mudaria para sempre a postura europeia diante dos "soldados
comuns". Muito tempo depois de Scutari, Florence ainda lutaria para
melhorar a vida deles.
A febre da Criméia
Florence trabalhava em tudo o que
lhe chegasse às mãos, e, tendo o Hospital Militar ficado em condições satisfatórias,
decidiu que já era tempo de visitar os hospitais da Criméia. Pagaria caro por
isso. Faltaram-lhe as forças quando inspecionava as condições em Balaclava,
caindo de cama com a febre da Criméia. Ficou entre a vida e a morte por duas
semanas, mas, mesmo nos momentos de delírio, escreveu, escreveu e escreveu —
listas, ordens, recomendações.
Quando Florence finalmente pôde sair do
quarto, as pessoas ficaram chocadas com sua mudança. Estava pálida e muitíssimo
magra, com o nariz proeminente destacado no rosto. Nunca mais voltaria a ser a
mulher vigorosa de outrora.
|
O que restou de um exército volta
para casa. Eles haviam embarcado para a guerra com bandas tocando e bandeiras
sendo agitadas. Venceram suas batalhas — mas foram derrotados pela imundície,
pelas doenças e pela má organização. Florence salvou muitos, mas seu trabalho
pioneiro asseguraria que milhares de outras pessoas receberiam nos anos
seguintes o tratamento merecido.
|
Na volta ao trabalho, muitos problemas a esperavam.
O exército, as enfermeiras e as freiras pareciam estar travando uma guerra
particular, cujo peso desabou sobre a pobre Florence.
A família decidiu que alguém deveria ir a
Scutari fazer companhia a ela. A tia Mai se candidatou e, a 16 de setembro de
1855, chegou com um experiente caixeiro. Tia Mai ficou horrorizada com a fragilidade
e a palidez de Flo — e pela amarga inimizade e mesquinharia que a cercavam.
Estabeleceu-se, ajudando no trabalho burocrático. Escreveu a respeito de Florence:
"Ela adquiriu uma calma admirável. Não se irrita, não se apressa, nem faz
confusão, aconteça o que acontecer. Nada interfere em seu trabalho. Nem a
alimentação nem o cansaço nem a febre".
O Fundo Nightingale
Na Inglaterra, Florence era vista
como a luz da Criméia. O país estava enfestado de
souvenirs da senhorita Nightingale — canecos e pratos, bustos de cerâmica,
poemas e biografias imprecisas.
|
A febre Florence se espalhou pelo
país! Souvenirs com apelos sentimentais de todos os tipos foram produzidos.
|
Uma corrida de cavalos recebeu seu nome,
assim como um barco salva-vidas. Florence, sensata como sempre, permaneceu
indiferente. Havia lidado com a crua realidade e sabia quanto ainda precisava
ser feito.
Várias contribuições em dinheiro foram
feitas para uma apresentação, "algo do tipo chá para madames",
escreveu Parthe maldosamente. Mas as doações foram tantas que decidiu-se pela
criação do Fundo Nightingale, que ajudaria a estabelecer um instituto para
treinamento de enfermeiras. Sugeriu-se que os soldados contribuíssem com um dia
de salário para o fundo. As tropas doaram quase 9 mil libras (mais de 200 mil
libras em dinheiro de hoje).
A mãe de Florence, Fanny, sucumbiu à
emoção. Escreveu à filha para dizer-lhe que se sentia orgulhosa. Florence,
colocando o passado de lado, respondeu: "Minha reputação não me deu
qualquer vantagem em meu trabalho; mas, se ela a deixa satisfeita, então isso é
suficiente".
Guerra de palavras
Em dezembro, o chefe do corpo
médico, doutor Hall, encaminhou ao fornecedor-chefe um relatório que acusava
Florence de insubordinação e as enfermeiras, de desonestidade, extravagância,
desobediência, ineficiência e imoralidade. Tratava-se de um amontoado de
mentiras e Florence ficou apavorada.
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"Ninguém pode imaginar o que
são os horrores da guerra. Não são as feridas e o sangue, ou a febre,
infecciosa e sorrateira, ou a disenteria, crônica ou aguda, ou o frio, o calor
e a fome. São a intoxicação, a brutalidade da embriaguez, a desmoralização e a
desordem de parte dos subalternos; e o ciúme, as mesquinharias, a indiferença e
o egoísmo brutal da parte dos superiores".
Florence Nightingale
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Deflagrou-se então uma guerra de palavras,
cartas e reuniões entre o governo e as pessoas que tentavam sujar o nome de
Florence.
Porém, no início de 1856, uma comissão
para o suprimento do exército britânico da Criméia apresentou um relatório ao
Parlamento, confirmando todas as alegações de Florence. Surpreendentemente,
porém, o doutor Hall foi nomeado Cavaleiro Comandante de Bath, C.C.B.
"Comandante de Crimes Bestiais na Criméia, suponho", escreveu
Florence com amargura. "Vivo num estado de fúria. Vi os homens caminharem
por aquele longo e tenebroso inverno sem outra proteção a não ser um cobertor
sujo e velhas calças do regimento, quando sabíamos que os depósitos estavam
cheios de roupas quentes; esqueletos vivos devorados pelos vermes, feridos, sem
esperança, sem fala, morrendo à medida que encostavam a cabeça no travesseiro
sem dizer palavra... Podemos admitir a promoção dos homens que causaram essa
calamidade colossal, nós que vimos tudo?"
O governo triunfou, e em 16 de março de
1856, emitiu-se um despacho que estabelecia a posição de Florence. Dizia:
"A senhorita Nightingale é reconhecida pelo governo de Sua Majestade como
superintendente geral do Instituto de Enfermagem Feminina dos Hospitais do
Exército".
Sua palavra seria lei. Todos os inimigos
foram derrotados de uma só tacada.
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"Ninguém pode sentir pelo
exército o que eu sinto. As pessoas precisavam ter visto aquele longo e
tenebroso inverno para saber o que era aquilo. Eu jamais esquecerei".
Florence Nightingale
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A volta à Inglaterra
Apesar de exausta, Florence
estava triunfante. E logo depois, em 29 de abril de 1856, a paz seria declarada.
A luta terminara, mas não a ameaça da doença. Era fundamental que se
transportassem os homens de volta antes que o verão chegasse trazendo o calor
que fomentava o cólera. A 16 de julho de 1856, o último paciente deixou o
Hospital Militar. O trabalho de Florence chegara ao fim.
A 28 de julho, ela e tia Mai foram para a
França. Florence deixou tia Mai em Paris e embarcou secretamente para a
Inglaterra. Queria evitar as multidões e as grandes recepções que haviam sido
planejadas para sua volta. Na manhã de sua chegada, foi ao convento de Bermondsey
e passou todo o tempo rezando em silêncio. À tarde, dirigiu-se
desapercebidamente para a casa de campo da família.
A guerra estava acabada, as recompensas
choviam sobre ela, mas Florence não podia esquecer. A organizadora eficiente e
capaz, de força de vontade aparentemente indestrutível, escreveu em seu diário:
"Oh, meus pobres homens, sou uma
péssima mãe, pois volto à casa e os deixo em seus túmulos na Criméia — 73% de
oito regimentos em seis meses, só de doenças. Quem pensa nisso agora?"
Florence, a heroína
Florence estava exausta, suas
forças drenadas pelas lutas que enfrentara na Criméia. Tinha apenas 36 anos,
mas com certeza achava que seu trabalho estava terminado — agora podia
descansar, recuperar-se, ter um pouco de tempo para si mesma. Florence Nightingale
não percebeu que o principal trabalho de sua vida estava apenas começando.
Teria ainda quase quarenta anos de trabalho ativo pela frente.
Nos primeiros meses depois da guerra, ela
se viu mergulhada em cartas de congratulações, propostas de casamento, demonstrações
histéricas de admiração. Odiava ser uma celebridade e odiava o que chamava
"frufru com o meu nome". Então, recusava-se a dar autógrafos, não
concedia entrevistas, não respondia aos admiradores, não saía em público.
Depois de um tempo as pessoas pararam de esperar que reagisse com
"frufrus" e a vida se acalmou.
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O romantismo vitoriano encobriu
as reais conquistas de Florence Nightingale. Observe a pintura em que Florence
caminha à luz do luar com uma braçada de flores! Os oficiais incompetentes que
haviam enfrentado a enfermeira dura e determinada da Criméia não se lembravam
deste lado de Florence Nightingale.
|
Os vitorianos criaram uma imagem
sentimental de Florence Nightingale. Era "A Dama do Lampião" — uma
mulher boa, gentil, de coração mole, que se inclinava sobre a cama dos doentes
e moribundos para oferecer-lhes conforto e esperança. Mas esse era apenas um
lado do caráter de Florence. Ela também era uma mulher extremamente
inteligente, diplomática e de vontade firme. Quando "A Dama do
Lampião" abraçava uma causa, era uma fortaleza de determinação.
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"Duas figuras heroicas emergiram da Criméia, o soldado e a
enfermeira. Nos dois casos, houve uma mudança radical na estima do público; e,
nos dois casos, essa transformação é devida à senhorita Nightingale."
Cecil Woodham Smith,
Florence Nightingale
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Causas era o que não lhe faltavam depois
do que havia visto na Guerra da Criméia. Já sabia que as enfermeiras precisavam
receber treinamento adequado. Mas sua experiência em Scutari convenceu-a de uma
vez por todas de que era preciso encontrar uma forma de tornar a enfermagem uma
profissão respeitada, com padrões de conduta e realização pelos quais todas as
enfermeiras pudessem se guiar. Também sabia que os hospitais precisavam mudar —
muitas das mortes de Scutari foram provocadas apenas e tão-somente pelas condições
do hospital. Florence passara anos estudando os hospitais de toda a Europa —
ninguém conhecia mais o que neles se passava ou o que precisava ser feito para
reformá-los. Nos anos que se seguiram, ela atacaria esse problema e muitos
outros, da administração dos asilos de pobres de Liverpool às condições de vida
e de saúde de toda a Índia. Porém, queria primeiro mudar o exército britânico.
As lembranças de Scutari e de Balaclava a
assombravam, mas aquele sofrimento todo não ensinara nada às autoridades médicas
militares. O mesmo sistema perdurava nos hospitais e nos acampamentos, o
sistema que havia sido a raiz do caos e do sofrimento da Criméia. Florence não
podia ignorar esses fatos.
A rainha Vitória ajuda
Então, uma maravilhosa oportunidade
apareceu. A rainha e o príncipe Albert queriam ouvir toda aquela história de
sua própria boca. Florence pôs-se a trabalhar para juntar provas que pudessem
convencê-los da necessidade de uma reforma no Exército. Visitou hospitais militares
para inspecionar as condições, frequentemente, por mais de doze horas por dia.
Ao chegar em casa, punha-se a escrever novamente. Nessa época, e pelas três
décadas seguintes, chegava a trabalhar 22 horas seguidas.
Em setembro, apenas dois meses depois de
retornar da Criméia, Florence foi a Balmoral, na Escócia, para um encontro com
a rainha e com o príncipe Albert. Eles ficaram encantados com ela e ouviram com
atenção tudo o que Florence explicou.
|
A rainha Vitória tinha profunda
admiração pelas conquistas de Florence na Guerra da Criméia. Deu a ela este
broche, onde se lê “Abençoados os Piedosos”. A rainha manifestou inestimável
apoio à campanha de reformas do serviço médico do Exército.
|
"Gostaria de tê-la no Ministério da
Guerra", escreveu a rainha ao comandante-em-chefe.
Eles pediram que ela voltasse.
Era um começo, e agora Florence teria de
vencer as resistências dos principais ministros de Estado. Como não era do
meio, não poderia alterar procedimentos básicos do Exército sem ser uma
política importante. E, como mulher, não podia ser política.
O único caminho que se lhe abria era
trabalhar através de alguns dos líderes da época. Isso ela conseguiu. Sidney
Herbert e outros quatro homens importantes devotaram todo o tempo livre a suas
causas. Eles a respeitavam como a
especialista em condições hospitalares. E, com sua modéstia e seu jeito
metódico, adoravam trabalhar para Florence.
As negociações demandaram mais seis meses
de cansativas visitas a hospitais e de relatórios — transformando Florence em
uma sombra.
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"Ninguém que não trabalhasse
com ela (Florence) diariamente poderia conhecê-la, ter uma ideia de sua força,
de sua clareza, de seu espírito benevolente. Foi uma das criaturas mais dotadas
que Deus pôs no mundo".
Dr. John Sutherland,
membro da comissão
sanitária de 1857
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A reforma no Exército
Afinal, em maio de 1857, uma
comissão para estudar toda a questão do serviço médico do Exército começou a
funcionar. O preço foi alto. Florence realizava esse trabalho estafante porque
ele era vital, não porque o tivesse escolhido.
Mudara. Agora era mais brilhante do que
nunca nas discussões, mais eficiente, mais preparada, mais persistente na
argumentação, escrupulosamente justa, com sagacidade matemática — mas estava chegando
aos limites de sua capacidade às custas de todo prazer.
|
Uma comissão (todos homens) foi
formada em 1857 para estudar o serviço médico militar. Muitos dos membros não
apenas admiravam Florence Nightingale, como aprendiam com ela. Sua crítica ao
Exército era implacável.
|
O verão de 1857 foi um pesadelo para
Florence - como se não bastasse trabalhar noite e dia para instruir os
políticos da comissão, ainda escrevia relatórios confidenciais sobre suas
experiências. Tudo isso enquanto a mãe e Parthe sentavam-se confortavelmente,
dizendo uma à outra para não ficar exausta com a arrumação das flores.
Florence levou apenas seis meses para
terminar o relatório confidencial de mil páginas Notas sobre Questões Que Afetam a Saúde, a Eficiência e a Administração
Hospitalar do Exército Britânico. Tratava-se de um volume incrivelmente
claro e profundo. Cada ínfimo detalhe que aprendera na Guerra da Criméia estava
lá — cada afirmação se assentava sobre sólidas provas.
Basicamente, Florence Nightingale
argumentava mais em favor da prevenção do que da cura. Naquele tempo, essa era
uma ideia nova, e muitos políticos e médicos militares achavam que era
revolucionária e definitivamente excêntrica. Opunham-se a Florence e a seus
aliados.
Ela foi forçada a provar que os soldados
estavam morrendo por causa de suas condições de vida. Havia inspecionado
dezenas de hospitais e quartéis e agora os mostrava como lugares úmidos,
imundos e abafados, com esgotos sujos e suprimento de água contaminada. Mostrou
que a dieta dos soldados era pobre. Coletou dados que provavam que a taxa de
mortalidade dos soldados em tempos de paz
era duas vezes maior que a da população civil.
Mostrou que, embora o Exército recrutasse
apenas os homens fortes, todos os anos morriam 1,5 mil deles por negligência,
pela alimentação pobre e pelas doenças. Declarou: "Nossos soldados se
alistam para a morte", e esse se tornou o grito de guerra de seus seguidores.
|
Uma caricatura da época, que
mostra como os soldados eram vistos pela imprensa — bêbados e preguiçosos.
Florence os via de forma diferente — pessoas comuns, levadas ao Exército pela
pobreza e tratadas de forma abominável.
|
A opinião pública também estava a seu
lado. Quanto mais os antirreformistas fincavam pé, mais aumentava a pressão
pelas reformas.
Florence não conseguiu uma vitória fácil
sobre os oponentes, mas as mudanças vieram. Logo alguns quartéis foram reconstruídos
e em três anos a taxa de mortalidade cairia pela metade.
O árduo trabalho da comissão terminara,
mas Florence continuaria estudando, planejando e pressionando por reformas no
serviço médico militar por mais trinta anos.
Colapso
A 11 de agosto Florence entrou em
colapso — há quatro anos não ficava sozinha e agora ansiava por silêncio.
Mantinha-se viva à base de chá. Estava tão doente que alguém chegou a escrever
seu obituário e um jornal estava pronto para publicá-lo no minuto em que ela
morresse.
E ainda havia tanto por fazer... Ela
não podia morrer. Precisava de mais
tempo.
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Este diagrama mostra o modo
detalhado como Florence apresentava suas pesquisas. Ela provou que para cada
soldado morto na Guerra da Criméia outros sete morriam de doenças infecciosas
que se poderiam evitar. Florence foi a pioneira da medicina preventiva. Comida
melhor, limpeza e ventilação preveniam a doença e a morte, e ela provou isso
com pesquisas esmeradas.
|
Florence se recolheu. Quanto retornou a
Londres tia Mai a acompanhou. Tia Mai já havia ficado ao lado de Florence em
outras ocasiões difíceis; chegara até a trabalhar na Criméia. Agora, com sua
ajuda, Florence pôde finalmente virar o jogo com a irmã e a mãe. Cada vez que
elas tentavam visitá-la, Florence tinha um "ataque", e tia Mai
escrevia cartas dramáticas, dizendo que a vida da sobrinha "estava por um
fio" e implorando para que elas permanecessem à distância. E ficar longe
foi o que finalmente fizeram.
Uma proposta para
Parthe
A tentativa de Florence de manter
a família a distância foi facilitada por um homem chamado Harry Verney. Depois
de fazer-lhe várias visitas durante o verão de 1857, ele a pediu em casamento.
Florence, nem é preciso dizer, recusou.
Sir Harry transferiu sua afeição para
Parthenope, a irmã mais velha de Florence, e em 1858 eles anunciaram seu
noivado. Fanny e Parthe passaram a se ocupar com os preparativos para a
cerimônia.
Pouco depois do casamento da irmã,
Florence mudou-se para o anexo do hotel Burlington, que era espaçoso e
tranquilo. Florence não via mais os amigos, não ia a festas nem a concertos.
Tia Mai cuidava dela. Florence planejara o próprio funeral, mas, em um sofá
semi-reclinado, conseguiu trabalhar mais arduamente do que nunca.
Agora
as pessoas começaram a pedir-lhe que aplicasse seus conhecimentos nos hospitais
civis, que ela achava "tão ruins
ou piores" que os militares. Em 1859, Flo publicou um livro intitulado
Notas sobre os Hospitais. Ele mostrava
ao mundo por que as pessoas temiam ser levadas aos hospitais e como os
problemas poderiam ser resolvidos.
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"Suas Notas sobre Hospitais (1859) revolucionaram a teoria da
construção e da administração hospitalar. Ela foi logo reconhecida como uma
especialista nessas questões, e seus conselhos fluíam incessantemente, de tal
modo que não havia mais nenhum grande hospital que não apresentasse alguma evidência
de sua mente brilhante".
Lythan Strachey,
Eminent
Victorians (Vitorianos Eminentes)
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Florence estabeleceu a então
revolucionária teoria de que, com a simples melhora das construções e da
manutenção, a taxa de mortalidade hospitalar seria reduzida. Mais janelas, mais
ventilação, melhores redes de esgoto, mais espaço e limpeza regular dos pisos,
das paredes e das camas eram medidas básicas que deveriam ser adotadas por
todos os hospitais.
Logo Florence se transformaria em uma
especialista em construção hospitalar, e todo o mundo começou a construir
hospitais de acordo com suas especificações. Flo escreveu centenas e centenas
de cartas em um sofá em Londres, questionando sobre pias e panelas, fechaduras
e lavanderias. Nenhum detalhe era pequeno o bastante para não merecer sua
consideração. Saiu-se com ideias para distribuir de forma mais eficiente a
roupa de cama, o melhor método de manter a comida quente, a distância correta
entre as camas. Ela propunha mudar a administração dos hospitais de cima a
baixo.
Florence foi bem-sucedida. Hospitais à
moda Nightingale foram construídos no mundo inteiro. Além disso, continuou a
servir como conselheira para planos hospitalares por mais de quarenta anos. Os
hospitais de hoje, floridos, limpos e agradáveis (a autora refere-se aos hospitais dos países desenvolvidos, evidentemente.
N. da T.), são um resultado direto de seu trabalho.
"Notas sobre
Enfermagem"
Um dos hospitais em que trabalhou
como conselheira foi o St. Thomas, de Londres. Enquanto os aconselhava sobre a
melhor maneira de construir um hospital, percebeu que aquele seria um bom lugar
para estabelecer uma escola de enfermagem.
Enquanto as negociações caminhavam,
escreveu um pequeno livro sobre enfermagem para ser usado por mulheres comuns.
Publicado em 1859, apenas quatro anos depois da Criméia,
Notas sobre Enfermagem: o Que Ela É e o Que Não É, foi um sucesso instantâneo.
Sidney Herbert escreveu que ele era "mais interessante do que um
romance"; um escritor contou que a filha e uma amiga, numa série de
visitas, encontraram um exemplar em todas as casas.
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"Uma enfermeira que voltava
do norte encontrou uma cesta com lanches no vagão do trem que tomaria; outra,
que estivera doente, recebeu um bilhete: ‘Eu pago tudo’: Todas as estagiárias
eram convidadas para o chá pessoalmente e recebiam um presente, com frequência
um bolo. Uma dessas moças, que usava sua melhor roupa para a circunstância,
ouviu que a pobreza das roupas dos convidados determinaria o tamanho do bolo.
Voltou a vestir suas roupas velhas e saiu do chá com um bolo grande o
suficiente para alimentar as 36 estagiárias".
Elspeth Huxley,
Florence Nightingale
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Como todo o trabalho de Florence, essas
notas eram revolucionárias, embora não contivessem nada que não seja aceito
hoje como noções básicas de higiene.
Florence também descreveu com grande sensibilidade
o sofrimento, tanto físico quanto mental, de uma pessoa doente, e atacou o
conceito convencional que se fazia das enfermeiras. "Parece uma ideia
comumente aceita pelos homens e até mesmo pelas próprias mulheres",
escreveu, "o fato de que só uma desilusão amorosa ou a incapacidade para
qualquer outra tarefa levam uma mulher a se tornar uma boa enfermeira".
As enfermeiras
Nightingale
Para consertar esse estado de
coisas, Florence precisava apresentar ao mundo um tipo diferente de enfermeira.
Muitos médicos da época eram contra o treinamento profissional de enfermagem.
Achavam que se podia aprender tudo com a experiência e com uma instrução
simples no local de trabalho. As mulheres ainda eram tidas como o sexo frágil e
estúpido — mesmo com o exemplo de Florence diante de todos. Porém, seis meses
depois de publicar Notas, ela
conseguiria, com recursos do Fundo Nightingale, criar uma Escola de Treinamento
para Enfermeiras, ligada ao hospital St. Thomas.
As enfermeiras Nightingale foram treinadas
para ensinar outras e para assumir cargos onde pudessem estabelecer os altos
padrões de Florence.
|
Florence Nightingale e algumas de
suas enfermeiras. O perfeccionismo era um dos segredos de seu sucesso. Vira o resultado
de planos inconsistentes na Criméia e, pelo resto da vida, lutou por altos
padrões. Nenhum detalhe era insignificante. Tinha opinião sobre tudo, desde o
tamanho das salas de operação até o tom da pintura. De alguma forma passou a
paixão pelo cuidado e pelo perfeccionismo para outros. E jamais perdeu a
bondade. Todas as enfermeiras recebiam flores e bilhetes carinhosos de
Nightingale.
|
Todas as candidatas eram escolhidas a dedo
e deviam apresentar boas referências. Recebiam uniformes limpos e bonitos. A
disciplina era rígida, mas as aceitas tinham quartos separados. Florence lhes
enviava flores, livros, mapas e quadros para tornar a escola um local agradável
para viver e trabalhar. Jamais uma enfermeira tivera a oportunidade de estudar
assim.
Em poucos meses choviam pedidos de
enfermeiras Nightingale — a Escola de Treinamento era um sucesso. Logo sua reputação
se espalharia. Em quinze anos, hospitais de todo o mundo as requisitavam para
abrir novas escolas. Em 1867 enviaram um grupo para Sydney, na Austrália, e no
início de 1880 as enfermeiras dos grandes hospitais da Grã-Bretanha, do Canadá,
da Alemanha, da Suécia e dos Estados Unidos eram ex-alunas de Florence.
|
Hoje as enfermeiras são altamente
especializadas e respeitadas. Sua imagem pública guarda quilômetros de
distância daquela de suas antepassadas, tidas como bêbadas. Florence é
reconhecida em todo o mundo como a pioneira da moderna enfermagem.
|
Um dia, as enfermeiras foram consideradas
bêbadas incorrigíveis e libertinas. Hoje a enfermagem é uma das mais
respeitadas profissões do mundo. Essa mudança se deve em grande parte a
Florence Nightingale e a sua cega determinação.
Tempo de perdas
Em 1860 Florence começou a se
sentir cada vez mais sozinha. Primeiro, um colega que projetava os novos
Regulamentos Médicos do Exército morreu de repente. Tia Mai voltou para casa.
Finalmente, Sidney Herbert ficou tão doente que foi forçado a abdicar do
Ministério da Guerra. Cega pela ânsia de mais e mais progressos, ela não o
perdoou. Achava que ele a havia traído.
Dois meses depois Sidney Herbert morreu.
Suas últimas palavras foram: "Pobre Florence... pobre Florence... nosso
trabalho conjunto inacabado".
|
Florence envelheceu de modo tranquilo.
Os dias da "Dama do Lampião" iam longe. Mas ainda trabalhava para a
enfermagem, para o Exército e para os pobres. Era infinitamente boa para as
enfermeiras, dando-lhes a mesma atenção que dispensara às senhoras doentes de
sua juventude e aos soldados de quem cuidara na Guerra da Criméia.
|
Florence ficou aterrorizada com a notícia.
Ele havia aguentado sua raiva e suas reprovações, havia trabalhado
incessantemente por suas causas. "Jamais esquecerei o temperamento
angelical de Herbert", escreveu ela.
A morte de Herbert foi uma perda grave
para Florence, não apenas por ter sido um grande e querido amigo, mas também
porque era a porta de entrada do Ministério da Guerra. Sempre trabalhou com ele
e através dele. Sem Herbert, estava acabada — sua morte significava a
interrupção das reformas do Exército. Ao se recuperar, Florence soube que dali
em diante deveria direcionar todo o seu conhecimento e a sua paixão para outro
lugar.
Em 1861 explodiu a guerra civil americana,
e Florence foi solicitada a ajudar para o caso de a Grã-Bretanha se envolver no
conflito.
A fim de organizar tudo a tempo, Florence
tinha de trabalhar dia e noite e entrou em colapso de novo. Ninguém esperava
que ela sobrevivesse, mas em janeiro de 1862 já podia se sentar na cama, embora
não pudesse andar. Ficaria seis anos sem sair do quarto.
Havia um fluxo constante de visitantes
ilustres. Políticos, administradores de hospitais, todos a visitavam para pedir
conselhos ou instrução. Florence conduzia os assuntos importantes do sofá — em
geral cercada por três gatos! Jamais perdeu de vista os detalhes. Era
incansável. Escrevia cartas, livros e relatórios até a madrugada.
Florence ficou impossibilitada de andar
pelos cinquenta anos de vida que ainda lhe restaram. Quando trabalhava demais
ou quando ficava irritada (geralmente por causa da família), seu estado
piorava. Não se sabia ao certo qual era seu problema, mas ela sofria de
fraqueza, fadiga e falta de ar.
Recusava-se a receber visitas, a menos que
estivessem relacionadas com o trabalho. "Sistema de confinamento solitário
de Flo" era como um dos amigos descrevia seu modo de vida. Ele usou a
expressão "sistema" porque daí em diante Florence decidiu ficar
isolada e acamada de propósito — sabia ser esse o único jeito de ter tempo e
forças para continuar trabalhando por seus objetivos.
Mais trabalho do que
nunca
E trabalho não faltava. Embora raramente
visse os remetentes, Florence recebia um fluxo constante de papéis de vários
oficiais do governo. Se um ministro precisasse de conselho especializado,
consultava a senhorita Nightingale. Se um oficial do governo precisasse de uma
regulamentação sanitária, ele a pedia a Florence. Sabia que a teria em pouco
tempo e, melhor ainda, pronta para uso imediato. Nesse tempo ela era
especialista não apenas em questões de saúde e hospitalares, mas também em
legislação e burocracia do governo.
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"Sua posição era fantástica.
Ela era a comandante-em-chefe. Colecionava fatos e os verificava, tirava
conclusões e as colocava no papel para finalmente ensinar o que aprendera aos
homens, que eram seus porta-vozes".
Cecil Woodham Smith,
Florence Nightingale
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No silêncio e no conforto de seu quarto,
ela criou mandados, regulamentações e minutas; escreveu memorandos e cartas. E,
é claro, listou instruções. Seu brilhantismo para a administração era tal que
muitas de suas inovações ficaram em uso até muito tempo depois de sua morte. Em
1947, um comitê de investigação comentou que a contabilidade dos Serviços
Médicos do Exército funcionava muito bem, quando métodos muito mais novos falhavam
e tinham de ser interrompidos. Perguntaram quem tinha inventado aquele sistema.
A resposta: Florence Nightingale.
Aos 42 anos, Florence estava convencida de
que tinha pouco tempo mais de vida. Entretanto, viveria até os 90, e pelo menos
durante trinta desses anos seria uma das pessoas mais poderosas do país. Suas
campanhas por reformas continuariam, exigindo melhorias das condições de vida
dos soldados, dos hospitais e do treinamento de enfermeiras. Conseguiu reformas
de alcance mundial, sem nenhuma ajuda ou posicionamento oficial do governo —
deitada no sofá!
O exército na Índia
Chegara o momento de Florence Nightingale
desviar a atenção para a Índia. Esse projeto a ocuparia durante mais de trinta
anos. A saúde do exército britânico no subcontinente, então uma enorme e vital
parcela do império britânico, precisava ser melhorada. As estatísticas
revelavam que por anos a fio a taxa de mortalidade do exército na Índia tinha
sido de 69 por mil — mortes causadas não pelo calor, mas pela falta de esgotos
e de água potável. Os quartéis viviam apinhados. As doenças hospitalares eram
terríveis.
As tropas indianas estavam num estado
ainda pior. Aqueles pobres homens não tinham ração, nem quartel, nem banheiros,
nem banho, nem cozinha — nada. Os indianos comuns também viviam na imundície
total.
Florence se deu conta de que a questão era
resolver as condições sanitárias de toda
a Índia. Tratava-se de uma missão extremamente intimidadora. Confinada na
cama, preparou outro enorme relatório, com 2 mil páginas, tão brilhante quanto
tudo aquilo que produzira antes.
No entanto, atrasos se seguiam a atrasos.
O ano de 1864 terminou, 1865 começou e nada havia sido feito pela Índia.
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"Sua voz, suas maneiras e
seus movimentos eram tão suaves, que era difícil alguém sentir seu caráter
inquebrantável ao se aproximar dela. Seus poderes eram impressionantes..."
Elizabeth Gaskell,
romancista inglesa
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Florence estava, de novo, desesperada. Não
podia se mover sem ajuda e ainda se sentia profundamente comprometida com as
causas que defendia. Seus nervos estavam em estado deplorável. Não podia
suportar ninguém no quarto, nenhum movimento, nenhum som.
Depois de treze meses de clausura, quando preparou
um outro relatório sobre a questão indiana, Florence finalmente conseguiu
alguma coisa — a criação de um Departamento Sanitário no Ministério da Índia.
De agora em diante seriam feitos relatórios anuais.
Enquanto isso, trabalhava em outros
projetos. Ainda estava profundamente envolvida com a reorganização da
enfermagem, a Lei de Assistência Social, a reforma hospitalar, os partos e o
treinamento de enfermeiras. Sua carga de trabalho era gigantesca e mais do que
nunca ela era respeitada e influente. Estava com 47 anos.
A reforma dos asilos de
pobres
E agora surgia a questão dos
asilos de pobres. Em dezembro de 1864, um mendigo havia morrido no asilo
Holborn, em Londres — por causa da "imundície provocada por grossa
negligência". Florence deu graças a Deus pela morte do pobre homem, pois
ela lhe dava argumentos para lutar contra a Junta de Assistência Social.
|
A situação dos asilos de pobres
era tão terrível que as pessoas preferiam morrer de fome a pedir abrigo em um
deles.
|
Na Grã-Bretanha, a ameaça de ser levado
para um asilo era um pesadelo que se abatia sobre os muito pobres. Os
vitorianos raciocinavam que, se esses lugares fossem bastante horrorosos, as
pessoas lutariam ainda mais para não parar lá. Porém, péssimas safras, doenças,
tragédias familiares e a velhice empurravam os pobres para essas instituições, por
mais sombrias que fossem. Maridos eram separados das mulheres e os internos
sentiam-se humilhados e um fardo para a sociedade. As condições desses lugares
eram aterrorizantes.
Em 1865, permitiu-se que as enfermeiras
Nightingale entrassem na enfermaria do asilo de Liverpool em fase experimental.
Pela primeira vez os pobres seriam tratados por profissionais treinados. Os resultados
foram encorajadores, e Florence pressionou por uma lei do Parlamento que
obrigasse a uma reforma ampla dos asilos de pobres.
|
Os asilos de pobres serviam aos
desvalidos. Os aleijados, os loucos, os órfãos e os doentes pobres — todos
ficavam ali, em meio à sujeira. Florence passou anos lutando por reformas e
pelo treinamento de enfermeiras especializadas.
|
Em 1867, quando a Lei de Assistência
Social Metropolitana foi aprovada, ela escreveu: "Conseguimos algumas
coisas; a remoção de 2 mil lunáticos, oito casos de febre e varíola e todas as
crianças que estavam fora dos asilos" — além de outras reformas.
"Isso é só o começo, logo conseguiremos mais". Tornara-se mais obstinada
do que nunca.
De volta ao St. Thomas
Depois de uma investigação a
respeito da queda dos padrões da Escola de Treinamento Nightingale, Florence
percebeu, na primavera de 1872, que era preciso reformas e reorganização.
Decidiu mudar-se para perto do hospital e devotar sua vida a ele e à escola de
enfermagem.
Seus planos foram por água abaixo quando
teve de se concentrar em cuidar da família. Pelos próximos três anos, dividiu
seu tempo entre eles e o trabalho de reorganização da Escola Nightingale.
A 10 de janeiro de 1874 seu pai caiu das
escadas e morreu.
Agora, o fardo de ter de lidar com todos
os problemas da família e com a total responsabilidade pela mãe caiu sobre ela.
Ainda perturbada pela morte do pai, escreveu: "Minha vida parece um grande
naufrágio".
Nos anos tranquilos que se seguiram,
trabalhou sem parar. Mantinha o controle da Escola Nightingale, e o progresso e
o sucesso de suas enfermeiras eram uma fonte constante de alegria. Deliciava-se
com as cartas que chegavam de todas as partes do mundo.
|
O grande quadro de Fildes mostra
os desesperados aguardando a admissão nas casas de caridade. As inscrições nas
paredes falam dos crimes a que essas tristes, famintas e congeladas criaturas
seriam levadas. Florence comprometeu-se profundamente com a reforma dos asilos.
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Conseguira muita coisa. O papel da mulher mudara
para sempre. As atitudes em relação aos soldados comuns foram transformadas.
Parto, construção hospitalar, o tratamento dado aos pobres — todas essas
importantes reformas devemos a Florence Nightingale.
E ela ainda vivia motivada, apoiando
reformas e melhoras.
Fracasso na Índia
Mas sentia que falhara em um
lugar. Na Índia. Depois de mais quatro anos de trabalho minucioso, escreveu em
seu diário: "Se eu pudesse fazer alguma coisa pela Índia...!"
Em sua biografia, Cecil Woodham Smith diz
que, por volta de 1879, "ela (Florence) tinha chegado a um profundo
desespero: não havia progressos na Índia; depois de vinte anos de sacrifícios e
esforços, não havia conseguido melhorar nada".
No entanto, havia escrito para todos os
oficiais médicos da Índia, tendo redigido um estudo detalhado de seus
relatórios. Bastava mais higiene e suprimentos de água potável para que a taxa
de mortalidade no Exército se reduzisse drasticamente. Para Florence, o
sofrimento e a pobreza de cidadãos comuns era um pesadelo.
Em junho daquele ano, seu principal
aliado, o vice-rei da Índia, morreu, e o trabalho proposto foi arquivado. Não
se criou qualquer comissão para estudar a irrigação; não se puseram em prática
as recomendações sanitárias feitas quinze anos antes. Toda a reforma falhara.
Então, em 2 de fevereiro de 1880 sua mãe,
Fanny, morreu. Florence, aos 60, estava livre finalmente.
Em 1879, escrevera: "Você sabe qual
foi o pior período de minha vida? Não os da Guerra da Criméia. Não os cinco
anos em que Sidney Herbert esteve à frente do Ministério da Guerra, quando eu
trabalhava 22 horas por dia, mas os últimos cinco anos e nove meses, desde a
morte de meu pai".
Entretanto, de alguma forma, aqueles anos
terríveis haviam curado todas as velhas feridas.
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"Embora eu seja conhecido
como o fundador da Cruz Vermelha e como aquele que deu origem à Convenção de
Genebra, na verdade tudo isso se deve a uma mulher. O que me inspirou a ir para
a Itália na guerra de 1859, foi o trabalho da senhorita Florence Nightingale na
Criméia".
Henry Dunant,
Prêmio Nobel da Paz de
1901
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O fato de ter de cuidar da pobre Fanny e
de conseguir finalmente conhecer melhor a irmã deu a Florence um sentimento de
tranquilidade e aceitação. A família recorria a ela sempre que precisava de
consolo e de conselhos. Nem mesmo suas derrotas pareciam perturbá-la como
antes.
Devotou décadas a suas causas.
A despeito da sensação recorrente de
fracasso, Florence tinha muitas provas do contrário. A Índia passava agora por
novas reformas.
Sentia-se muito melhor — mas sua vida
ainda girava em torno do trabalho. Não atendia ninguém que a visitasse sem ter
marcado antes.
Durante todo o tempo que viveu, presenciou
mudanças incríveis na medicina — clorofórmio, éter, o trabalho de Lister com antissépticos,
as revelações de Pasteur sobre os micróbios. Os hospitais haviam sido
transformados. Sua vida e seu trabalho eram como uma ponte entre dois séculos.
Já com 73 anos de idade, preparou uma conferência sobre boa e má enfermagem
para a Exposição de Chicago sobre o Trabalho da Mulher. Sua reserva de
conhecimentos, acumulada por toda uma vida de pesquisas e experiências, era
formidável.
O mundo de Scutari estava a anos-luz de
distância.
A velhice
Depois de uma vida tempestuosa, a
velhice de Florence Nightingale foi feliz e pacífica. Estava cercada de pessoas
que amava. Suas recompensas chegaram tarde, mas vieram afinal.
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Florence Nightingale na velhice,
serena e bonita. Ela combinava em sua personalidade o melhor de duas virtudes —
firmeza e bondade. Sempre foi amada, quase venerada. Muitos políticos e jovens
enfermeiras literalmente deram a vida por Florence e suas causas.
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Continuou a manter o controle sobre a
administração de sua casa; tinha cinco empregados, sem contar a camareira
particular e o velho mensageiro que entregava notas e cartas suas por toda a
Londres. A casa vivia, é claro, imaculada e organizada nos mínimos detalhes.
Havia sempre flores em todos os vasos; e a cama da senhorita Nightingale
apresentava sempre lençóis limpíssimos.
Também se deliciava entrevistando jovens
que queriam ser enfermeiras, apreciando seus comentários e analisando seu
caráter.
Nesse tempo, Parthe e ela já haviam
colocado de lado suas diferenças. Florence cuidou de Parthe nos últimos anos de
vida da irmã, quando esta ficou doente, sem nunca perder a paciência, apesar de
suas inconveniências.
Depois da morte de Parthe, em 1890,
Florence, destemida diante dos anos que avançavam, começou a treinar inspetores
sanitários. Também continuou escrevendo cartas e interferindo da melhor forma
possível nas questões públicas.
Sua vista começou a falhar e ela ficou
quase cega, mas, exceto por isso, sua saúde estava melhor do que nunca. Vivia
alegre e mostrava essa alegria no rosto, um rosto redondo, bochechudo, muito
mais suave que o de quarenta anos atrás. Não demonstrava mais desespero diante
da vida, não mais esperava morrer. "Há tantos motivos para viver",
escreveu em 1895. "Perdi muito com fracassos e desilusões, mas, sabe, a
vida me é muito mais preciosa agora que estou velha".
Um memorial adequado
Gradual e silenciosamente, a
infatigável senhorita Nightingale começou a se apagar. O corpo que até então
havia passado por tantas situações, que havia suportado as agruras da guerra na
Criméia e inumeráveis doenças, não desistia facilmente. Em 1901 estava
completamente cega. Os filhos dos primos liam em voz alta para ela. Em troca,
ela recitava poemas famosos ou então cantava para eles com uma voz tão doce
quanto a que possuía naqueles dias distantes que passou na Itália.
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O quarto em que Florence passou
os últimos anos de vida. Morreu aí, aos 90 anos.
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Mais tarde sua mente entrou em colapso
total — em 1906, os empregados da casa tiveram de informar o Ministério da Índia
de que não havia mais sentido em enviar a Florence relatórios sobre questões
sanitárias.
Em novembro de 1907 o rei Eduardo VII
concedeu a Florence a Ordem do Mérito — era a primeira vez que uma mulher a
recebia. A Ordem foi entregue por um representante do rei em sua casa de
Londres, mas Florence mal conseguiu entender o que estava acontecendo. Depois
de murmurar: "Muito gentil, muito gentil", voltou a dormir.
Em 1909, o Relatório da Assistência Social
fez recomendações assegurando que todas as reformas propostas por Florence
seriam levadas a efeito. Então, em maio de 1910, veio o jubileu da Escola de
Treinamento Nightingale, que foi comemorado com um encontro no Carnegie Hall de
Nova York. A essa altura, mais de mil escolas de treinamento haviam sido
fundadas só nos Estados Unidos, e as conquistas de Florence foram aclamadas no
encontro.
No entanto, ela não tornou conhecimento de
nada disso. Foi ficando cada vez mais fraca e, no dia 13 de agosto de 1910, aos
90 anos, dormiu para não mais acordar.
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Enfermeiras lotaram ônibus e mais
ônibus para prestar homenagens a Florence Nightingale em seu funeral, em 1910.
Ela se mostrara, acima de qualquer dúvida, uma das pessoas mais influentes e
amadas de seu tempo.
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De acordo com seus próprios desejos,
Florence foi enterrada sem barulho e sem a mínima pompa, perto da residência da
família, em Embley. Seu caixão foi carregado por seis sargentos do Exército
britânico.
Apenas uma pequena cruz marca seu túmulo.
“F.N. Nasceu em 1820. Morreu em 1910".
Ela não queria uma lembrança maior do que
essa.
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Claydon House, onde Florence
viveu seus últimos dias. Ela veio de um ambiente de conforto e dignidade e não
precisaria ter olhado para os pobres e para os sofredores, ficando protegida em
seu mundo abastado.
Glossário
Anestésico: Uma droga para suprimir a dor, permitindo ao médico
operar uma pessoa sob seu efeito.
Anglicano: Um membro da Igreja da Inglaterra, que funciona sob as
ordens do arcebispo da Cantuária.
Caserna: Local em que os soldados vivem. Antigamente, quase não
havia saneamento.
Cólera: Grave infecção do aparelho digestivo causada pela água
contaminada. Os principais sintomas são cólicas estomacais, diarreias e
vômitos. No tempo de Florence, era quase sempre fatal.
Criméia, Guerra da: De 1854 a 1856, essa guerra envolveu a
Grã-Bretanha, a Turquia, a Sardenha e a França contra o império russo. A Rússia
tentava expandir seu território até o mar Negro, às custas da Turquia. A maior
parte dos combates se deu em Varna, que hoje fica na Bulgária, e na península da
Criméia.
Disenteria: Outra doença grave do aparelho digestivo, causada pela
água contaminada. O principal sintoma é a diarreia, que apresenta sangue ou
muco (um fluido viscoso).
Epidemia: Surto de qualquer doença infecciosa que se espalha
rapidamente.
Estatística: Um conjunto de fatos e números sobre um tópico
qualquer, que permite uma visão geral do assunto. Florence era brilhante em
matéria de coletar dados sobre saúde e hospitais.
Mandado judicial: Um documento que autoriza uma pessoa ou um grupo
a fazer alguma coisa.
Parasitas: Qualquer pequeno animal ou inseto prejudicial aos
humanos. Eles variam de ratazanas e camundongos, que comem e contaminam nossos
alimentos, a moscas, piolhos e outros insetos que vivem do sangue humano. Os
parasitas aparecem sempre quando não há condições sanitárias adequadas.
Península: Um pedaço de terra que é quase uma ilha. Liga-se ao
continente por uma estreita faixa de terra conhecida como istmo.
Protestantes: Cristãos que não reconhecem a autoridade do papa. Em
geral, pertencem às Igrejas que se fundamentam nos sistemas elaborados por
Lutero e Calvino.
Saneamento: Hoje em dia, relaciona-se mais a sistemas de drenagem e
de esgotos, mas na época de Florence abrangia tudo o que se relacionava com alp
saúde pública.
Tifo: Uma doença altamente infecciosa. Os principais sintomas são
febre alta, manchas arroxeadas na pele e dores de cabeça fortíssimas.
Vitoriano: A rainha Vitória governou a Grã-Bretanha de 1838 a 1901.
Esse período ficou caracterizado por ideias, posturas e estilos conservadores,
geralmente descritos pela palavra "vitoriano".
Datas Importantes
1820 12 de maio: Florence Nightingale nasce em Florença, Itália.
1837 7 de fevereiro: Florence sente a "chamada divina"
para ajudar os outros.
1844 Florence percebe a vocação para trabalhar com os doentes no
hospital.
1845 Florence tenta fazer treinamento na Enfermaria de Salisbury,
mas é derrotada pela oposição da
família.
1846-1853 Florence estuda sobre hospitais e saneamento em segredo.
1847 Depois de uma doença, Florence vai para Roma. Conhece Sidney
Herbert e sua esposa.
1849 Richard Monckton Milnes pede Florence em casamento. Em
novembro, Florence está à beira de um colapso nervoso. Os Bracebridge levam-na
para o Egito e para a Grécia.
1850 Julho: os Bracebridge conseguem que ela visite Kaiserswerth
por duas semanas.
1851 Julho: Florence finalmente vai trabalhar no Kaiserswerth por
três meses. Seu pai teve de aceitar sua vontade de ser enfermeira.
1853 Abril: Florence aceita o posto de superintendente de um
hospital particular de Londres. O pai concorda.
1854 A Grã-Bretanha, a França e a Turquia declaram guerra à Rússia.
Agosto: durante uma epidemia de cólera, Florence trabalha como voluntária no
hospital Middlesex, em Londres. Setembro: os exércitos aliados desembarcam na
Criméia. 15 de outubro: Sidney Herbert (Secretário de Guerra) pede a Florence
para liderar um grupo de enfermeiras em Scutari. 5 de novembro: o grupo chega
ao Hospital Militar, em Scutari. Dezembro: o sistema de apoio ao Exército é
interrompido. Florence cuida de todo o serviço médico aos soldados.
1855 Florence se propõe a melhorar os serviços e as provisões
médicas, apesar de estar trabalhando até vinte horas por dia. 10 de maio:
Florence pega a febre da Criméia. 29 de novembro: na Grã-Bretanha, nasce o
Fundo Nightingale.
1856 29 de abril: declara-se a paz. 16 de julho: o último paciente
deixa o hospital de Scutari. 28 de julho: Florence volta à Inglaterra e
trabalha para reformar o sistema de saúde do exército. Setembro: ela conhece a
rainha Vitória e pede uma comissão real para a organização médica do exército.
1857 5 de maio: criada a Comissão Sanitária Real para a Saúde do
Exército. Florence trabalha incansavelmente. Também está escrevendo suas Notas sobre Questões Que Afetam a Saúde, a
Eficiência e a Administração Hospitalar do Exército Britânico.
1858 Parthe se casa com Sir Harry Verney. Dezembro: Florence
publica uma edição popular de suas Notas.
1859 Maio: emite-se o mandado que cria a comissão sanitária da
Índia. Dezembro: Notas sobre Enfermagem é
publicado. 1860 24 de junho: é aberta a Escola de Treinamento Nightingale.
1861 2 de agosto: Herbert morre. Florence fica chocada. Inaugurada
em Liverpool a primeira escola de treinamento para enfermeiras. No King's
College Hospital, abre-se a Escola de Treinamento Nightingale para parteiras.
1862 Florence esboça o sistema de custos para o Serviço Médico do
Exército.
1867 Ela se torna a conselheira número 1 do Ministério do Exército
para questões de saúde.
1864 Janeiro: Florence (com outros) completa seu Sugestões a Respeito de Trabalhos Sanitários
Exigidos para a Melhoria das Estações da Índia. Fevereiro: Florence recruta
enfermeiras para trabalhar na enfermaria do asilo de Liverpool.
1865 Florence começa a trabalhar na reforma administrativa do asilo
de pobres.
1866 Novembro: Florence escreve um relatório sobre a reforma dos
asilos de pobres e o submete a um inquérito do governo.
1867 Março: aprovada a Lei de Assistência Social Metropolitana.
Junho: depois do fechamento da Escola Nightingale de Treinamento de Parteiras
devido a uma epidemia, Florence começa a coletar dados sobre mortalidade
infantil. Leva três anos.
1870 Julho: durante a Guerra Franco-Prussiana, é fundada a Cruz
Vermelha britânica. Florence pede doações. Mais tarde, recebe condecorações por
todo o seu trabalho.
1872 Julho: Florence visita sua família. Sente que deve ajudar,
pois seus pais estão velhos.
1873 Abril/maio: Florence e um cirurgião do St. Thomas montam um
novo plano de instrução para a Escola Nightingale. Ela se envolve ainda mais
com as alunas.
1874 10 de janeiro: morre o pai de Florence. Ela tem de cuidar da
mãe.
1876 Florence escreve ao The
Times sobre enfermagem de bairro. Reimpresso, o folheto atinge duas
edições.
1877 Em 1877 há um sério período de fome na Índia. Em 1878-1879,
1879 Florence faz campanha pela
irrigação e pela verdade sobre a fome, escrevendo incontáveis artigos e cartas.
1880 2 de fevereiro: morre a mãe.
1883 Parthe fica doente. Florence assume o controle.
1887 Índia: promovem-se sistemas de irrigação e uma reforma agrária;
permite-se a entrada de enfermeiras nos hospitais militares.
1890 Maio: Parthenope morre.
1896 Florence nunca mais sai do quarto.
1901 Florence perde a visão: fica em coma quase o tempo todo.
1907 Eduardo VII confere-lhe a Ordem do Mérito, a primeira dada a
uma mulher.
1910 13 de Agosto: Florence morre dormindo.
Título da série:
Personagens que mudaram
o mundo
Os grandes humanistas
Título deste volume: FLORENCE
NIGHTINGALE
Autora deste volume: Pam Brown
Editora da obra original: Helen Exley
Tradução: Ibraíma Dafonte Tavares
Edição: Esníder Pizzo
Copyright ©
Pam Brown, 1988 — Copyright Exley Publications, 1988
Publicado pela primeira vez na Grã-Bretanha por Exley
Publications Ltd, 16 Chalk Hill, Watford, 1988
Copyright © 1993 by Editora Globo S.A. para a língua
portuguesa, em território brasileiro.
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