domingo, 6 de agosto de 2017

OS PIONEIROS DA CULTURA DO CAFÉ

     Nem sempre os produtos agrícolas que fazem em determinada época a riqueza duma região são dela originários ou nela foram inicialmente cultivados. Quase sempre ali chegam após várias experiências em outras partes e como resultado de diversas tentativas anteriores que se malograram ou ficaram contidas dentro de certos limites. No decurso da história econômica dos povos, esse fenômeno tem sido constantemente observado.
     Foram os antigos colonizadores portugueses mestres na transplantação de grãos e frutos preciosos, e de tal modo alguns deles se tornaram aqui e ali tão opimos e abundantes que hoje são tomados como autóctones. A maioria de nossas melhores frutas veio de terras estranhas: a ata, pinha ou fruta de conde, da África; a goiaba branca ou vermelha, das Antilhas; o abacate, da América Central; a manga e a jaca, da Índia; a fruta-pão, da Oceania; o cáqui, do Japão; a carambola, da China. Entre suas colônias da África e da Ásia, também, os navegadores lusos permutaram plantas. A história dessas transplantações ainda está por ser feita e, quando o for, nos dará uma interessantíssima visão da obra civilizadora de Portugal no mundo.
     Dentro desse panorama, o caso do café é digno de nota, é típico, porque demonstra a tese com que iniciamos este rápido estudo. A cultura dessa rubiácea da Etiópia, que os jornais classificaram como preciosa, desenvolveu-se extraordinariamente nas províncias, hoje Estados, do Centro-Sul do País: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, alastrando rumo ao Oeste e invadindo agora o Paraná; mas não foi aí que teve início. É já ponto pacífico da história do café no Brasil que ele veio do Extremo-Norte, através do Nordeste, para o Sul, onde se fixou e atingiu o apogeu. Sua marcha está definitivamente documentada.
     A 27 de maio de 1727, chegava a Belém do Pará o capitão-tenente Francisco de Melo Palheta, trazendo, às escondidas, de Caiena, na Guiana Francesa, cinco mudas de cafeeiros, as primeiras que se plantaram no nosso País. Cerca de quatro anos mais tarde, a 25 de janeiro de 1751, a "Gazeta de Lisboa Ocidental" estampava em suas páginas a notícia de que tinha dado entrada no porto daquela cidade, vindo do Norte do Brasil, um carregamento de café, superior em qualidade ao do Levante, acrescentando que, no lugar onde fora colhido, prudentemente não indicado, havia já carga do mesmo produto para vinte navios.
     As primeiras plantações de café no Brasil, segundo se sabe, foram feitas com entusiasmo e proveito na região amazonense do Rio Branco, no Pará e no Maranhão, desde a introdução das mudas de Melo Palheta, na primeira metade do Século XVIII. Até 1748 chegaram, conforme notícias da citada Gazeta, muitos carregamentos de café brasileiro a Lisboa. Mas, dentro de pouco tempo, esse comércio fenecia porque as colheitas minguavam, até que cessou de todo. Foi então, sem dúvida, que começaram nas zonas nordestinas, a principiar pelo Ceará, novas tentativas da cultura do cafeeiro.
     No ano de 1747, o capitão-mor da vila de Sobral e da ribeira do Acaracu, hoje Acaraú, no norte da capitania do Ceará Grande, tronco de ilustre família, José de Xerez Furna Uchoa, plantou no sítio de sua propriedade, "Santa Úrsula", na serra da Meruoca, um pé de café, que viveu 114 anos, pois, conforme afirma o historiador cearense Barão de Studart, ainda existia em 1861. Foi ele que forneceu sementes para os cafezais plantados naquela serra e na da Ibiapaba, que lhe fica próximo. Sua história é muito interessante.
     O capitão-mor José de Xerez Furna Uchoa, potentado sertanejo, era natural da vila de Goiana, em Pernambuco, localidade que deu grande número dos mais antigos povoadores do Ceará, fidalgo de quatro costados, com brasão de armas e vasta parentela em Portugal. Numa viagem que fez à Metrópole para conhecê-la, de 1743 a 1746 mais ou menos, foi até Paris, onde, visitando o famoso Jardim das Plantas, deparou alguns cafeeiros presenteados ao rei Luís XV por navegadores holandeses que os haviam trazido do Oriente. José de Xerez Furna Uchoa teve logo a ideia de plantar o precioso arbusto nas suas terras da Meruoca e não descansou enquanto não a viu vitoriosa.
     Exercia o governo da França sob a égide real o famoso duque de Choiseul, ministro todo-poderoso como o marquês de Pombal no Reino Lusitano e o conde de Aranha na Espanha, aliado, pode-se dizer, do primeiro na luta contra os jesuítas. Naturalmente, por intermédio da representação diplomática portuguesa na capital da França, conseguiu Furna Uchoa forte recomendação para o duque, diante da qual lhe mandou entregar duas daquelas mudas de café oferecidas ao seu rei. Trouxe-as o capitão-mor para o Nordeste do Brasil com os maiores cuidados. Todavia, uma delas não resistiu à demorada travessia do Atlântico. A outra foi a que durou 114 anos rio sítio Santa Úrsula. Assim, o primeiro cafeeiro do Ceará veio diretamente de Paris e pertenceu a Luís XV.
     A tentativa de Furna Uchoa não leve imitadores naquelas priscas eras. Durante quase um século, 97 anos exatamente, não se difundiu no Ceará, fora da Meruoca, o cultivo do café. Só em 1824, dois anos após a Independência, Antônio Pereira de Queirós, dono do sitio Munguaípe, e Filipe Castelo Branco, proprietário do sítio Bagaço, ambos na serra de Baturité, iniciaram o plantio da rubiácea. As mudas ou sementes usadas pelo primeiro desses agricultores eram procedentes da região do Cariri, ao sul da província, limítrofe com a de Pernambuco. As do segundo tinham vindo do Pará. Foi esse o começo das plantações de café, à sombra, de Baturité, que mais tarde se tornariam sobejamente conhecidas pela superior qualidade do seu produto. Até hoje os cafezais da citada serra continuam a produzir ótimo café, que é consumido no Ceará, onde mal chega para as encomendas. Dali o plantio se espalhou pelas outras serras frescas da redondeza: Aratanha, Pacatuba, Maranguape.
     As sementes vindas do Cariri eram de procedência pernambucana, pois na zona chamada do agreste, na província de Pernambuco, a cultura cafeeira já vinha sendo experimentada desde alguns anos antes de 1824. Mais ou menos por essa mesma época, o cafeeiro foi plantado na Paraíba, onde até nossos dias goza de justa fama o café de Mamanguape, rival em cheiro e sabor ao de Baturité.
     Desta sorte, vê-se que foram os nortistas e nordestinos os primeiros do cultivo do cafeeiro em nosso País; no Pará em 1727, no Ceará em 1747, vinte anos depois. No começo do Século XIX, ele introduzido no Sul, onde o esperava glorioso desenvolvimento.
     É interessante que tenhamos devido às primeiras mudas de café à França: as de Caiena e a de Paris.



- Gustavo Barroso em À MARGEM DA HISTÓRIA DO CEARÁ, editado em 1962 pela UFC, tendo sua segunda edição, de onde foi copiado este capítulo, em 2004, sob os auspícios da FUNCET-PMF.

Gustavo Dodt Barroso, que nasceu em Fortaleza em 1888, foi advogado, político, contista, museólogo, folclorista, ensaísta, cronista, arqueólogo, memorialista e romancista. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi o criador do Museu Histórico Nacional, em 1922, por ocasião das comemorações do Centenário da Independência, iniciativa do então presidente Epitácio Pessoa, tendo dirigido a instituição desde a fundação até a sua morte, em 1959.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

FLORENCE NIGHTINGALE


Os Nightingale no exterior
A grande carruagem deu uma guinada quando os seis exaustos cavalos alcançaram o topo do caminho, mas estas estradas italianas não eram nada se comparadas àquelas que a família atravessara na França. Papai nem sequer levantou os olhos do livro de poesia grega que vinha lendo. Mamãe, enrolada em mantas e meio adormecida, estremeceu sem alarme. Florence olhava fixamente o cair da noite enquanto sua irmã, Parthenope, continuava amuada.
     Corria o mês de fevereiro de 1838, e os Nightingale estavam viajando pela Europa. A carruagem tinha espaço interno suficiente para acomodar nove ou dez pessoas e fora guarnecida com pouquíssimos itens para aumentar o conforto geral da família. Os criados iam sentados no teto, mas, sempre que o tempo melhorava e paisagens espetaculares se apresentavam, Florence e a irmã se juntavam a eles.

Florence Nightingale nasceu em uma família rica. Não precisava trabalhar para sobreviver. A família podia se dar ao luxo de viajar pela Europa por sete meses seguidos com carruagem própria e seis criados. A carruagem dos Nightingale era maior que a desta pintura. Acomodava onze pessoas com bagagem e era conduzida por seis cavalos. (Pintura de Heywood Hardy)

     A despeito do tamanho da carruagem, as estradas apavorantes e as pousadas repletas de pulgas tornavam a viagem uma grande aventura, que demandava coragem e energia. Entretanto, os Nightingale vinham se divertindo muito, especialmente Florence, cujo diário explodia de entusiasmo com tudo o que experimentara desde que partiram da Inglaterra, em setembro do ano anterior. Tudo ali oferecia um contraste tão maravilhoso à vida doméstica... "como se um dos sonhos das Mil e uma Noites se tornasse realidade".
     Apesar da vida agitada que a família levava na Inglaterra, às voltas com as atribulações proporcionadas por incontáveis primos, tias e tios, Florence achava aquela existência enfadonha. Aos 18 anos, era uma moça bonita e inteligente — muito mais que sua ressentida irmã, Parthenope. Mas Florence era uma estranha mistura de mente clara e extrema sensibilidade. Muito cedo se recolheu em fantasias que, ela sabia, ameaçavam dominar sua vida.

Parthenope e Flo. Jovens finas e recatadas, preenchiam o tempo com livros, música, bordado e talvez com alguma visita discreta às famílias pobres. Florence queria mais — muito, muito mais. Vivia apavorada com a inutilidade da vida de tantas mulheres ricas. 

     Parthenope, ou Parthe, como era chamada, era um ano mais velha e muito mais parecida com a extrovertida mãe do que com o estudioso pai. Ela não apreciava as longas aulas de grego, latim, alemão, francês, história e filosofia impostas pelo senhor Nightingale. Ficava ainda mais exasperada pelo fato de Flo não apenas gostar de todos esses assuntos, mas de superá-la em todos eles.
     Quando chegaram a Nice, na costa meridional da França, onde viviam muitos ingleses, Florence foi tomada pela paixão por bailes e danças. De Gênova, uma cidade costeira da Itália, ela gostou ainda mais. Tratava-se de um local estimulante, e havia mais bailes, mais concertos e mais óperas, além de paisagens esplêndidas para se ver — e mais jovens afáveis para admirar as duas irmãs. Especialmente Florence, que era "muito notada". Mais adiante estava a cidade de Florença, o lugar onde nascera a 12 de maio de 1820.
     A cidade se mostraria ainda mais bonita e excitante do que Florence imaginara. O passado parecia tão vivo quanto o presente — havia palácios e igrejas magníficas por todos os lugares, pinturas e estátuas quase tão vivas quanto as pessoas extremamente bem-vestidas que vinham de longe para admirá-las. E música. A cidade parecia vibrar com a música — e Florence era louca por música.
     Os bailes obscureciam tudo o que havia se passado antes. Florence, arrebatada pela música e pela alegria, dançava até o amanhecer. O inverno transcorria numa agitação de bailes e visitas à ópera — um farfalhar de sedas e fitas, concertos e música. E, com a primavera, vieram as festas ao ar livre e os bailes sob o frescor verdejante das árvores.

Uma mulher, duas mentes
Depois de um passeio de verão pelos lindos lagos italianos, a família seguiu para Genebra, na Suíça. A cidade estava repleta de refugiados políticos, e Florence começou a entrar em contato com um mundo totalmente diferente daquele que ela habitara até ali. Tratava-se de um mundo de pobreza, sofrimento, coragem e determinação. Aquele seu lado que lutava contra as fantasias e que ansiava pelo desafio da realidade parecia vir à tona.
     Havia adorado o divertimento, a agitação e a beleza, mas havia uma outra parte dentro dela que exigia disciplina e ordem. Seus diários transbordavam de entusiasmo, e eram meticulosos, com listas de nomes, datas, distâncias e cuidadosas observações a respeito de tudo que lhe despertara o interesse.

Um desenho da casa de campo de Embley, em Hampshire, feito por Parthenope. Vivendo em meio a tanta riqueza, teria sido fácil para Florence fechar os olhos ao mundo de pobreza e sofrimento que havia para além dos portões da propriedade. 

     Entre os detalhes das recepções, bailes, paisagens e pinturas, havia anotações a respeito da penosa situação dos pobres. A diversão e a frivolidade não a haviam cegado para a miséria das pessoas que viviam nas regiões em guerra. Fora levada para a Europa a fim de aprender — e havia aprendido mais do que dança, música, pintura e arquitetura.
     Florence, por todos aqueles longos meses de viagem, havia mantido um segredo — um segredo que haveria de moldar toda a sua existência dali para a frente.
     Em 7 de fevereiro de 1837, Florence escreveu numa nota particular: "Deus falou comigo e me chamou para servi-lo". Desse momento em diante, Florence se convenceu de que um dia tudo ficaria claro para ela, e quando esse dia chegasse deveria obedecer, fosse qual fosse a tarefa revelada. Tinha certeza de que havia um objetivo especial para sua existência. Porém, dezesseis anos se passariam antes que uma vida de dedicação aos necessitados tomasse forma.

A sombra do lar
A princípio, o retorno para a Inglaterra, em 1839, não ofereceu grandes mudanças ao estilo de vida de Florence. Seus pais não tinham conhecimento de seu tormento interior, e os Nightingale se dividiam entre as duas propriedades que possuíam no campo e a cidade de Londres. Todos os que conheciam Florence se espantavam com sua aparência jovial, com o brilho de seu cabelo, com sua graça e seu gênio. Era cheia de vida, inteligente, admirada. Vivia rindo e dançando. Henry Nicholson, o irmão de sua melhor amiga, Marianne, queria se casar com ela, e Marianne fazia de tudo para persuadir Florence a aceitar o pedido de Henry. A mãe, Fanny, alimentava grandes expectativas — um casamento brilhante, uma propriedade no campo e uma casa em Londres, e quem sabe o nascimento de uma grande anfitriã. Florence havia tirado o "chamado" da cabeça. Algumas vezes, chegava a esquecê-lo. Porém, à medida que o ano avançava, essa lembrança começou a atormentá-la.

Um retrato da jovem Florence lendo ao pé da janela de Lea Hurst, uma das graciosas residências dos Nightingale. Flo parecia uma jovem muito calma, não demonstrando o turbilhão que era sua mente. 

     Esperava-se que as jovens bem educadas de seu tempo fossem tranquilas, gentis, respeitavelmente religiosas e que se ocupassem com pequenas coisas. Os criados faziam o serviço, os homens da casa saíam para o mundo a fim de se dedicar a uma profissão — e quase não havia esperança de que uma moça seguisse uma carreira de verdade.
     Ainda assim, parecia aceitável que as mulheres da classe operária se escravizassem no calor e no barulho das fábricas desde o amanhecer até a noite, que se empregassem no terrível e cansativo trabalho de fabricar correntes, que fossem forçadas a se prostituir porque o salário que recebiam para costurar os vestidos e as camisas dos milionários não dava para nada.

Enquanto Florence ansiava pela oportunidade de fazer algo de útil, a grande maioria das mulheres vivia na pobreza. Ao contrário de Florence, eram forçadas a trabalhar muito por uma ninharia.

     Entretanto, as mulheres abastadas também sofriam, de um jeito diferente. Sua vida era estreita, enfadonha e inútil. Os homens, em sua maioria, ficavam de fato nervosos com mulheres de opiniões fortes, e muito mais se elas tivessem ambições. Muitas conseguiam ser bem-sucedidas como pintoras e escritoras — mas mesmo essas tinham grandes dificuldades para triunfar. Esperava-se que fizessem bons casamentos, que criassem famílias, que fossem esposas submissas e compreensivas.
     Mas Florence era um ser humano educado e consciencioso, e sentia que estava sufocando entre as xícaras de chá e os vasos de samambaia, as conversas polidas e intermináveis, as longas noites que passava ao redor da lareira quando não havia nenhum convite para jantar ou dançar. Florence queria gritar até botar a casa abaixo, mas mordia a língua e ficava mais e mais deprimida. É claro que também começou a se sentir debilitada fisicamente. A família mandou-a passar uma temporada com a tia Mai, em Londres. Mais sociabilidade, e não menos, eles pensavam, era o remédio certo para aquele inexplicável desânimo.

Uma fotografia rara de Florence Nightingale. Quando escapou da família, passou a se vestir com mais simplicidade, virando as costas para a sociedade empolada de sua infância

     A rainha Vitória estava para se casar com seu adorado Albert, e Flo parecia partilhar essa felicidade. Por todas as aparências externas, ela estava bem melhor; ninguém podia ver seu desespero. Sentia que estava preenchendo os dias com coisas estúpidas e inúteis. Uma parte de seu ser ainda podia obter prazer dessas coisas, mas, no fundo, a consciência de que o tempo passava — um tempo desperdiçado — a corroía. Será que sua vida seria assim para sempre?

Matemática
Desesperada para ter alguma coisa positiva para fazer, Florence se atirou ao estudo da matemática, o que propiciou a sua mente cansada e confusa algo em que se concentrar, algo claro, preciso e disciplinado. Tia Mai entendeu sua necessidade. "Flo e eu temos acordado às 6, acendemos a lareira e nos sentamos confortavelmente para nosso trabalho", escreveu a Fanny. "E eu acho que se ela tivesse alguma coisa que lhe exigisse toda a capacidade, algo que pudesse perseguir de forma regular e vigorosa por algumas horas, passaria os dias muito mais feliz".
     Mas sua mãe, Fanny, não aprovava. O destino de Florence, em sua firme opinião, era casar e se tornar a rainha do lar. Que serventia teria a matemática numa situação dessas? Mesmo o intelectual senhor Nightingale pensava que a filosofia era algo muito mais sensato e relevante.

Fanny Nightingale, a mãe de Florence, nunca entendeu seu sonho de ajudar os outros. Gostava do lado fútil da vida.

     Mas Flo estava começando a desenvolver a teimosia que viria a ser sua salvação. Aferrou-se à matemática.
     Não houve jeito. Logo ela estava de volta a sua casa, onde se sentia cada vez mais infeliz. Lutou para continuar a estudar o que queria. Trancada no quarto, estudava grego, filosofia e matemática, trabalhando naquelas horas frias em que o resto da casa ainda não havia acordado. Sentia que estava se afogando em pequenas coisas, que seu tempo era consumido por inumeráveis tarefas pequenas. Tinha apenas 22 anos e, como uma moça solteira, estava sempre à disposição. Era seu dever tornar-se alguém útil. Estava sempre ocupada, mas de alguma forma ocupada em não fazer nada que tivesse algum valor real. Sua vida lhe parecia sem sentido, rumando para lugar nenhum.

Acordando
Florence viveu em uma época em que havia um abismo enorme entre os ricos e os pobres.

Muitas das pessoas religiosas daquela época acreditavam que Deus havia decidido como cada indivíduo deveria viver. Os ricos acreditavam que Deus aprovava seu sucesso e sua riqueza e que tinha, em sua sabedoria, criado as classes mais baixas para fazer todo o serviço desagradável. Aqueles com consciência percebiam que os pobres viviam com fome. Os contrastes poderiam ser muito chocantes. 

     Diferentemente das pessoas ricas desse tempo, Florence não fechava os olhos a toda essa miséria. Durante os verões passados em uma das casas de campo dos Nightingale, visitou os pobres, levando sopa e dinheiro. Então olhava para a mesa dos abastados: estavam abarrotadas de alimentos. Olhava para aquelas ricas senhoras que desperdiçavam sua vida: usavam vestidos costurados por garotas famintas que se esfalfavam o dia inteiro, atravessando também a noite na labuta, à luz dos candelabros.
     Ela escreveu: "Minha mente se encontra tomada pela ideia dos sofrimentos do homem... Mal posso pensar em outra coisa. Todas as pessoas que vejo estão sendo consumidas pela preocupação, pela pobreza ou pela doença". Precisava ser útil, mas o que podia fazer? Ajudar os pobres, de verdade, não seria considerado apropriado.

Esta pintura a óleo mostra o ambiente social de Florence. Os homens administravam tudo. O que se esperava dela era que ficasse bonita e que cantasse. Não podia sequer gostar de cozinhar, pois havia criados para isso. Florence foi uma das primeiras mulheres a romper com esse estado de coisas. Disse não ao casamento e sofreu muito com o rompimento com a família e com a sociedade. Pagou um preço pessoal alto para ter uma carreira própria. (Tela de George Smith) 


Encontrando uma missão
Então, em 1844, aos 24 anos, Florence percebeu exatamente o que poderia fazer: trabalhar nos hospitais, entre os doentes. Hoje, essa seria uma atitude louvável. Naquela época, uma visão absolutamente impossível.

Caricatura de uma enfermeira bêbada, dormindo. Naquele tempo, as enfermeiras tinham péssima reputação. Eram tidas como mal educadas e preguiçosas — a escória da sociedade. Com essas informações é possível entender por que a família de Florence se alarmou com a perspectiva dela trabalhar em um hospital. 

     Os hospitais eram locais para se temer, locais em que ninguém gostaria de entrar. Eram escuros, mal administrados e sujos. Pacientes com toda sorte de doenças se amontoavam na mesma enfermaria, às vezes na mesma cama. Era muito comum ver um homem com a perna quebrada repartir o colchão com um paciente que estava morrendo de tuberculose. O conceito de higiene não era sequer compreendido. Os pisos de madeira de alguns hospitais nunca eram esfregados, e as paredes estavam repletas de umidade e fungos. Amigos e familiares dos pacientes levavam gim às escondidas. Os colchões viviam encharcados, e as roupas de cama normalmente não eram trocadas antes que o próximo paciente chegasse.
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"Em geral, havia apenas uma 'enfermeira' para cada enfermaria, que limpava, espanava, acendia a lareira, pegava o carvão e trabalhava das 6 da manhã às 6 da tarde sem férias regulares. Depois de cumpridas essas tarefas, podia cuidar dos doentes. Os pacientes que tinham condições de dar gorjetas conseguiam mais atenção. Aqueles que não tinham dinheiro morriam esperando por cuidados."
Elizabeth Burton,
The Early Victorians at Home
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    Os médicos não lavavam as mãos antes das cirurgias e não trocavam as roupas antes de entrar na sala de operação, protegendo-se contra o sangue com o mesmo casaco que usaram em inúmeras operações anteriores. As enfermeiras, longe de serem anjos de piedade, tinham a reputação de bêbadas, atrapalhadas e sujas. As pessoas viravam o nariz para elas — apenas a pior espécie de mulheres trabalhava na imundície dos hospitais. Nenhuma dama se exporia aos sons e às visões de lugares desse tipo. Florence não ousava sequer mencionar o assunto diante da família.

O primeiro passo
No verão de 1844, um filantropista americano, doutor Samuel Howe, foi passar uma temporada com a família, e Florence lhe pediu conselhos — seria possível a uma mulher respeitável como ela tornar-se enfermeira? Embora difícil, ele achou que "seria uma coisa muito boa" e encorajou suas ambições. Mais um ano se passava e ela ainda não havia encontrado um jeito. Florence sabia que precisava ser treinada para ter alguma utilidade e decidiu que iria a uma enfermaria para aprender o oficio.

Desde a primeira vez que pisou em um hospital, Florence percebeu que o único meio de mudar o sistema hospitalar era fazer das enfermeiras pessoas respeitáveis. Ao longo da vida, transformaria a enfermagem em uma das mais respeitadas profissões. Mais tarde escreveu: “Um paciente com frio e febre, fraco, mal alimentado, com escaras não está sofrendo da doença, mas da falta de enfermagem adequada”. 

     Sua mãe ficou horrorizada, desgostosa. Parthe ficou histérica. Sua Florence em um hospital? Estava fora de questão.

Flo começa a lutar
Em 1845, Florence estava à beira do desespero completo. "Cheguei ao fundo do poço", escreveu. A despeito da pressão da família e dos amigos, ela tinha recusado a proposta de casamento de Henry Nicholson. Agora estava decidida a seguir sua vocação. Secretamente, começou a estudar os relatórios hospitalares — qualquer coisa que lhe chegasse às mãos e que lhe informasse sobre como os hospitais eram administrados e o que era necessário para que melhorassem. Muito antes do amanhecer, já estava sentada à escrivaninha, escrevendo, escrevendo, escrevendo — implorando aos amigos relatórios dos hospitais alemães e franceses, qualquer resquício de informação que pudessem juntar.

O Médico dos Pobres, uma pintura de J. Leonard. Longas jornadas de trabalho em casa e nas fábricas resultavam em problemas de saúde muitos sérios para a população. Foi o trabalho de homens como este médico da pintura que inspirou Florence a devotar a vida a ajudar os necessitados. 

     Na hora do café da manhã, penteava o cabelo, punha os papéis de lado e descia as escadas para viver a vida chata e monótona de filha de uma casa rica. Ninguém suspeitava de sua vida secreta de estudos. Então, em outubro de 1846, aos 26 anos, um amigo lhe mandou informações sobre uma instituição de diaconisas — senhoras muito parecidas com enfermeiras — em Kaiserswerth, Alemanha, onde mulheres religiosas e respeitáveis cuidavam dos doentes. Era uma luz no fim do túnel. Certamente sua mãe não se oporia a uma visita a um lugar de tão boa reputação.
     Ainda assim, naquele momento, Florence não ousou mencionar nada. O estresse de manter o curso secreto e árduo de seus estudos e a luta contra um profundo desespero a estavam deixando doente.

A volta a Roma
No final de 1847, com 27 anos, Florence teve um colapso nervoso. Amigos consternados, Charles e Selina Bracebridge queriam levá-la para Roma na esperança de que uma mudança de ares lhe fizesse bem.
     Os seis meses que Florence passou lá lhe devolveram a saúde. Deram-lhe também a amizade de Sidney Herbert, um homem que no futuro seria mais importante para ela do que qualquer outro — não porque se envolveriam romanticamente, mas porque realizariam um grande trabalho juntos.

Sidney Herbert. Por toda a vida foi um amigo leal a Florence e, como Secretário de Guerra, convidou-a para organizar as enfermeiras na Guerra da Criméia. Ele literalmente trabalhou até a morte a seu serviço. 

     O tempo que dispendeu em Roma não foi apenas de prazeres. Florence conseguiu passar bastante tempo em um feliz e bem administrado orfanato e viu como um lugar daqueles podia
e devia ser organizado. Como sempre, anotou cuidadosamente tudo o que via e aprendia.
     Ainda assim, logo que voltou para casa, não conseguiu descobrir um meio de escapar. A estada em Roma havia sido gloriosa, mas não resolvera nenhum de seus problemas. A mãe e a irmã continuavam a censurá-la incessantemente. Com a vida que levavam, não podiam entender por que Florence não aceitava e não gostava daquele mundo.

Não ao casamento
Em 1849, Florence se entregaria mais uma vez ao desespero, e mais uma vez quase chegaria ao suicídio. Tinha recusado o casamento com o irmão de Marianne — não fora difícil recusá-lo. Mas agora amava profundamente um outro homem, Richard Monckton Milnes, que conhecera em 1842. Ele era inteligente e, como Florence diria mais tarde, "o homem que eu adorei".
     Mas ela sabia que agora, mais do que nunca, o casamento não fora feito para ela. Casar-se seria o mesmo que impedir-se de ser útil.
     Com um tremendo esforço, naquele verão recusou outra proposta de casamento.
     Isso a despedaçou.
     A mãe ficou furiosa ao extremo.
     Florence decidiu visitar o Egito com alguns amigos e tentou manter um interesse educado por tudo o que via. Tomou notas e leu muito, mas era como se apenas uma parte de sua mente estivesse ocupada. O resto vivia atormentado por uma sensação de fracasso.
     Todo o tormento que viveu no Egito deu-lhe uma nova determinação. A 31 de julho, ela chegou a Kaiserswerth, na Alemanha. Viajando pela Europa, o pastor desse vilarejo havia percebido que era preciso ter melhores enfermeiras. Ele havia aberto um hospital local, perguntando: "Nossas jovens mulheres cristãs não estariam dispostas a um ato de caridade, trabalhando como enfermeiras?" Ali Florence pôde observar respeitáveis mulheres religiosas cuidando dos doentes.

Sempre que podia, Florence visitava os hospitais em segredo. Era comum ver duas pessoas na mesma cama. Pacientes com toda sorte de doenças se amontoavam em enfermarias sujas e desorganizadas. O cheiro era tão horrível que os hospitais eram borrifados com perfume. Os médicos cobriam o nariz com lenços. Mais tarde, Florence Nightingale escreveria: "O primeiro objetivo de um hospital deve ser não maltratar os doentes". 

     Conseguiu ficar por duas semanas e partiu "sentindo-me muito corajosa, como se nada mais pudesse me perturbar outra vez".
     Havia sido uma temporada muito curta, mas tudo o que viu inspirou-a a escrever um panfleto sobre o trabalho das senhoras de Kaiserswerth. Queria persuadir mulheres como ela a se engajarem em um trabalho, em vez de desperdiçar os dias com chás e passeios de carruagem.
     Voltou para casa no dia 31 de agosto com Athena, sua coruja de estimação, no bolso, e com o coração alegre.
     Florence seria recebida com amargas recriminações.
     Parthe reagiu com a histeria costumeira. A mãe, Fanny, explodiu com Florence, dizendo-lhe para jamais mencionar Kaiserswerth outra vez e acusando-a de haver desgraçado toda a família. Talvez tenha percebido que, apesar de todos os seus esforços, Florence lhe estava escapando, que a filha não iria desempenhar o papel que ela esperava.

Os seis meses de Parthe
Florence já era uma mulher de 30 anos e, desde que recebera o "chamado", aos 17, não parecia estar um milímetro mais perto de seu objetivo. Só queria a permissão dos pais para retornar a Kaiserswerth.
     Pode-se pensar que uma mulher adulta, educada e respeitada poderia fazer o que quisesse. Mas Florence estava em 1850, e não perto do século 21. Num lar vitoriano de classe média, todas as filhas solteiras viviam sob a dominação dos pais como se fossem crianças.
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"Os casamentos tardios, o pequeno número de matrimônios, as guerras e as migrações criaram um celeiro de mão-de-obra de solteironas. Em todas as áreas, elas sofriam pressões para não competir com o macho dominante. Se não se casassem, deveriam ficar em casa para ajudar a mãe a preparar os chás ou levar sopa e geléia para os pobres."
Madeleine Masson,
A Pictorial History of Nursing
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     Agora as coisas haviam piorado para Florence. Parthe se tornava cada vez mais histérica. O pai e a mãe declararam que Florence não tinha coração e era insensível com a devotada e querida irmã. Florence havia passado um ano longe de casa, sozinha, e Parthe não havia tido nada. Os pais pediram que ela compensasse aquele ano de liberdade egoísta devotando-se completamente a Parthe pelos próximos seis meses. Florence, mais uma vez, se rendeu.
     Quando os meses de escravidão expiraram, Florence foi imediatamente passar uns tempos com Sidney Herbert e a esposa. Os Herbert eram solidários com seu desejo de romper com a família e a encorajaram em sua vontade de se tornar enfermeira.
     Florence passou uma temporada com a doutora Elizabeth Blackwell, uma das primeiras mulheres a se formar médica. Com ela, Florence aprendeu que uma mulher podia conseguir muitas coisas desde que se decidisse. Percebeu que precisava tomar medidas práticas para desempenhar sua missão.
     Seu primeiro passo foi aceitar o fato de que a família jamais concordaria com sua vontade. "Não devo esperar que eles me ofereçam, nem solidariedade, nem ajuda", escreveu em junho de 1851. "Há tanto tempo imploro pela solidariedade deles que mal posso resignar-me a esta situação... Há muito tempo sou tratada como uma criança, e há muito tempo permito ser tratada assim".

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"Qual o meu objetivo neste mundo, o que fiz na última quinzena? Li Daughter at Home para papai e dois capítulos de Mackintosh, e um volume de Sybil para mamãe. Aprendi sete melodias de cor. Escrevi várias cartas. Fiz oito visitas. E isso é tudo."
Florence Nightingale,
de seu diário, 1846
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    Duas semanas depois de escrever isso, Florence já havia feito planos para voltar a Kaiserswerth. Embora os pais a houvessem proibido de dizer para onde ia e por quê, não podiam mais impedi-la. A mãe e a irmã a acompanharam até a Alemanha, fingindo para o resto do mundo que levavam Florence para uma temporada de três meses em um spa de Carlsbad.

Kaiserswerth
Ali, a vida era árdua. A comida era simples e rala. As estudantes se levantavam às 5 horas da manhã e as refeições demoravam apenas 10 minutos. Os dias eram preenchidos com frequentes momentos de oração, quando todas se ajoelhavam em uma sala e se ofereciam a Deus. Mas Florence se sentia feliz. Feliz como nunca antes se sentira.
     Havia escapado. Aos 31 anos de idade finalmente estava fazendo o que queria.
     Sentindo-se com a autoestima elevada e com um objetivo de vida, Florence escreveu uma última carta de súplica e explicação à família. "Deem-me tempo, confiem em mim", implorou. "Confiem em mim, ajudem-me... Preciso de sua bênção", escreveu. Nem a irmã, nem a mãe responderam. Florence nunca mais pediria ajuda ou compreensão.

Uma das primeiras fotografias de Florence. Ela era tímida, modesta e bondosa. Porém, no período de conflito com a família, desenvolveu a determinação que iria ajudá-la nos anos de batalha que teria pela frente. 


"Cassandra"
Florence voltou de Kaiserswerth com a mãe e a irmã. Estava cheia de planos para aprender enfermagem a sério num grande hospital-escola de Londres.
     Porém, ao chegar em casa, encontrou o pai com dores terríveis causadas por uma enfermidade nos olhos. Ele precisava dos cuidados de Florence e ela não podia se recusar. Tinha que acompanhar o pai numa viagem de tratamento. De certo modo, essa jornada se transformaria no ponto de virada. Quando voltaram para casa, o senhor Nightingale já era um aliado de Florence na luta contra Parthe e contra a mãe.
     Nesse período, Florence escreveu um ensaio intitulado Cassandra. Nele, descrevia com grande amargor um dia típico na vida da filha de uma próspera família vitoriana. "Jamais podemos perseguir um objetivo sequer por duas horinhas, pois nunca estamos sozinhas", ela se queixava. "E na vida doméstica e social as pessoas são obrigadas, para não passarem pelo constrangimento de serem consideradas rabugentas, a fazer um comentário a cada dois minutos".

Presa outra vez
Presa à família mais uma vez, a desesperada Florence, uma protestante devotada, pediu conselhos ao chefe da Igreja Católica Romana, o cardeal Manning. Este deu a entender que, embora ela fosse protestante, sua melhor esperança era receber treinamento como enfermeira em um hospital administrado pelas irmãs de caridade católicas, em Paris.
     A Inglaterra era um lugar de fidelidades religiosas apaixonadas, e, quando Parthe e Fanny descobriram o plano de Florence, começaram a ter novos e ainda mais violentos ataques de histeria.
     Os ataques de Parthe eram tão severos que ela foi levada a uma consulta com o médico da rainha, Sir James Clark. Em agosto de 1852, ele conseguiu que ela fosse passar um tempo em sua casa na Escócia, onde poderia ser observada por algumas semanas. O doutor Clark logo chegou a uma conclusão. Chamou Florence e lhe explicou que ela deveria se separar de Parthe; que, para o próprio bem da irmã, Parthe precisava aprender a viver sozinha, sem Florence. Para o bem dela, Florence teria de sair de casa.

Flo encontra a liberdade
Florence jamais havia percebido que todas as vezes que se rendia a Parthe não estava lhe fazendo nenhum bem. Agora, depois do conselho do doutor Clark, entendeu que seria melhor para todos que ignorasse os ataques de Parthe sempre que possível, e passou a cuidar da própria vida.
     Decidiu ir para Paris, onde pretendia ficar no hospital das irmãs de caridade católicas, vestida como uma freira, mas vivendo separadamente das irmãs. Teria apenas um mês para se preparar.
     Todas as energias reprimidas entraram em ação. Ela visitou hospitais, enfermarias, casas de caridade, instituições. Assistiu a operações. Andava pelas enfermarias com os médicos e observava-os examinando os pacientes com todos os tipos de doenças.

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"Nem sempre as enfermeiras lavavam os pacientes; jamais podiam lavar seus pés — e só conseguiam uma gota de água com muita dificuldade, o suficiente apenas para borrifar as mãos e o rosto. As camas dos pacientes eram sujas. Era muito comum colocar um doente sobre o lençol que havia sido usado pelo paciente anterior, e os colchões em geral eram de estopa, viviam encharcados e quase nunca eram lavados."
Florence Nightingale, 1845,
numa visita a um hospital
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     Florence fez circular um questionário pelos hospitais da França, da Alemanha e da Inglaterra, comparando as respostas que chegavam, fazendo anotações, gráficos e listas. Finalmente, todo o conhecimento adquirido naqueles anos de estudo secreto ganhavam agora uma utilidade. Tornou-se uma expert no assunto — seus dons para a organização, a pesquisa e a tomada de decisões estavam dando frutos.

O primeiro emprego de Florence
Em 1853, Florence aceitou o posto de superintendente do Instituto para o Cuidado de Senhoras Carentes Doentes de Londres. Foi contratada para reorganizar completamente o instituto. Pela primeira vez Florence iria ter uma ocupação profissional. Poderia realizar o trabalho para o qual se preparara durante toda a vida.
     Essas notícias jogaram Parthe e a mãe num novo e selvagem ataque de nervos. Elas se lamentaram, choraram, reprovaram Flo, recusaram-se a comer, recolheram-se à cama. O pai se mudou.
     Flo fechou os ouvidos, e o pai, seu novo aliado, decidiu ajudá-la, dando-lhe uma permissão que a tornava independente. A mãe ficou furiosa.
     Florence estabeleceu-se em uma residência própria em Londres. A família fez objeções, mas ela se recusou a desistir. Era dona do próprio nariz, afinal.

Rua Harley nº 1
Em agosto de 1853, aos 33 anos, Florence Nightingale começou a verdadeira carreira de superintendente do Instituto para o Cuidado de Mulheres Carentes Doentes, na rua Harley nº 1.
     Era como se aqueles longos anos "perdidos" de repente irrompessem em conquistas. Florence atirou-se de corpo e alma à organização do hospital. Tinha apenas dez dias para equipar uma casa vazia, pronta para receber os pacientes. Instalou água quente em todos os andares. A cozinha foi equipada com elevadores para transportar a comida aos quartos. Instalou também um sistema de campainhas. Assim, todos os doentes podiam chamar a enfermeira dos próprios quartos.

Em 1854, um surto de cólera varreu as favelas de Londres. Florence Nightingale ajudou voluntariamente prostitutas imundas e aterrorizadas com a mesma atenção com que cuidava dos pacientes do Instituto para o Cuidado das Senhoras Doentes. Florence pegou muitas delas nos braços, enquanto morriam — não havia muito mais a fazer. Décadas depois, faria uma campanha por melhores condições sanitárias nas favelas, e Londres nunca mais seria assolada pela cólera. 

     Os funcionários ficaram muito surpresos. Estavam esperando uma reorganização — mas nem de longe algo parecido com aquilo. Florence estava muitos anos à frente das ideias vitorianas nessa questão — e a infindável luta contra a família ensinara-lhe a não aceitar um não como resposta.
     A comissão ficou estupefata com aquelas extraordinárias exigências, e começou a se perguntar se Florence Nightingale havia sido a escolha correta. Sutilmente, Florence fez tudo o que queria. Conhecia os fatos. Conhecia os números. Era possível fazer e precisava ser feito. Agora, livre das amarras da família, estava provando ser uma mulher formidável. Nunca tinha ideias vagas — sabia exatamente como tudo deveria ser, como o sistema de campainhas deveria funcionar, quanto carvão era necessário. Verificava a despensa. Verificava a roupa de cama. Ninguém conseguia esconder nada da senhorita Nightingale.

Rumo ao topo
O tesoureiro se recusou a deixar que ela visse as contas todas as semanas. Ela deixou bem claro que iria vê-las todas as semanas. E conseguiu.
     Nada era tão insignificante que não merecesse sua atenção. Os lençóis comidos pelos ratos, as poltronas estragadas mal cheirosas, os travesseiros rasgados, tudo foi para o lixo. Comprou cortinas velhas e transformou-as em colchas. Adquiriu lotes de escovas, espanadores e vassouras. A cozinha do hospital passou a fazer geleias por um quarto do preço dos mercados.

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“A comissão, composta de pessoas ricas e respeitáveis, ficou espantada quando a nova superintendente entrou em ação. Suas exigências eram revolucionárias. (...) Apesar de as visitas que fez aos hospitais terem sido breves, sua mente perspicaz e seu poder de observação fizeram-na perceber rapidamente como a logística da enfermagem poderia ser melhorada. Era um gênio da administração. Uma comissão impressionada com aquele desempenho deixou-a fazer o que queria."
Madeleine Masson,
A Pictorial History of Nursing
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     A comissão ficou tonta. E os funcionários também. Muitos fugiram ou pediram demissão por vontade própria. Florence contratou uma enfermeira-chefe mais eficiente e trabalhadora. Seu principal problema era encontrar enfermeiras bem treinadas. Era um trabalho muito duro: Florence encontrou fortes resistências, teve de tomar decisões impopulares, mas era imensamente feliz.
     Apesar de exigente, era muito amada. Esfregava os pés dos doentes se os encontrava com frio, era solidária com mulheres desesperançadas, sem amigos e sem dinheiro. Chegou até a mandar algumas, às suas custas, para tentar uma recuperação na praia.

Uma pintura feita para mostrar a atenção que Florence dedicava a todos. Ela fazia com que todos fossem lavados, que as feridas fossem tratadas e que cada um recebesse roupas limpas e boa alimentação. 

     Era estranho. Florence era uma enfermeira maravilhosa — mas havia nela um traço de frieza que assustava um pouco as pessoas. Era como se o tempo de emoções fortes que havia tido com a mãe e a irmã a tivessem tornado desconfiada da brandura. E brandura não iria construir hospitais eficientes. Precisava espremer o cérebro até o fim para reformá-los.
     Em pouquíssimo tempo, Florence se firmou como especialista em sua área, e o trabalho na rua Harley simplesmente não lhe era mais suficiente.
     Preparou relatórios bem fundamentados e bem apresentados sobre os maus procedimentos da rede hospitalar inglesa. Tornava-se mais e mais reconhecida como autoridade nessas questões.
     Apesar da onipresente objeção da família, Florence, num gesto sábio, manteve-se afastada deles. Não era mais uma marionete que respondia a cada puxão da corda. Tinha um trabalho para fazer e iria fazê-lo. No final de 1854, elaborou um plano para recrutar filhas de agricultores e treiná-las como enfermeiras seguindo a linha de Kaiserswerth.
     Num país onde as mulheres mal tinham começado a lutar pela liberdade, Florence Nightingale estava se equiparando aos homens.

A Guerra da Criméia
Enquanto isso, toda a Inglaterra lia sobre o triunfo do exército inglês na Criméia. A Grã-Bretanha lutava junto com a França ao lado dos aliados turcos em sua guerra contra a Rússia.

As mulheres dão adeus aos soldados. As tropas estavam superconfiantes ao embarcar para a Guerra da Criméia. Depois de uma semana lá, e antes da primeira batalha, mais de mil homens já haviam morrido doentes. 

     Florence não poderia adivinhar, ao ler sobre as vitórias do exército em Sebastopol, que logo se juntaria aos soldados. Não para lutar contra os russos, mas contra as doenças e a desorganização, contra a sujeira e o frio.
     A experiência de Florence Nightingale, sua inteligência, coragem e determinação seriam utilizadas ao máximo pelos próximos anos. Essas qualidades mudariam não apenas o modo como as pessoas encaravam as enfermeiras, mas também o tratamento que dispensavam às mulheres.
     Como em todas as guerras, muitos seres humanos encontraram uma morte horrível e desnecessária. Ainda assim, algo de bom surgiu em meio a todo o horror — muito mais respeito pelo soldado comum e uma abrangente reforma na organização militar e na administração dos hospitais. Florence Nightingale foi a peça-chave nessas mudanças.
     Ela entrou para a história como "A Dama do Lampião", a enfermeira que andava por entre os feridos da Guerra da Criméia.
     O exército britânico era o melhor do mundo. Jamais seria vencido: era o que todos acreditavam, na Grã-Bretanha, em 1854. Os soldados de uniformes esplêndidos marchavam em direção aos navios que os levariam à península da Criméia, no mar Negro, ao som de bandas e sob a agitação das bandeiras.
     Esse elegante exército seria derrotado — não por outro exército, mas pela doença, pela falta de organização, pelo frio e pela fome.

Muitas tropas desembarcaram em Marna, na Bulgária. O acampamento ficava num lugar conhecido pela cólera, e mais de mil doentes foram enviados a Scutari.

     Em junho, as tropas britânicas seguiram em direção norte para ajudar os turcos, que se encontravam sitiados. A área escolhida para o acampamento era um notório terreno fértil para o cólera — uma epidemia surgiu quase que imediatamente. Todas as noites os soldados britânicos podiam ouvir o som dos cadáveres que eram atirados ao mar. Em menos de três semanas, o exército fora reduzido à inutilidade total.
     Então, as forças britânicas concentraram a atenção no objetivo principal: Sebastopol. Uma vez que não havia navios suficientes para transportar todos os homens e o equipamento pelo mar Negro até a península da Criméia, os líderes militares decidiram levar apenas as tropas. Os animais de carga, as tendas, os fogões de acampamento, os remédios e toda a parafernália médica foram deixados para trás.
     Houve permissão de três dias para o transporte das tropas pelo mar Negro, mas eles levaram dezessete dias. Nos navios, quase não havia comida nem água, e o cólera continuava a ceifar vidas.
     Quando os homens chegaram à terra, em setembro, tiveram ordens para deixar as mochilas para trás. Estavam simplesmente fracos demais para carregá-las. A falta de suprimentos já os havia levado a beber das poças imundas das praias. Os soldados jaziam ao relento, torturados pela diarreia.

A agonia da vitória
Assim, as primeiras batalhas da Criméia foram feitas com homens exauridos pela doença e sedentos. Entretanto, esse exército de inválidos havia conseguido atravessar o rio Alma, subir as colinas e forçar o exército russo a recuar para a cidade de Sebastopol. Houve baixas apavorantes nessa luta.

Rota da esquadra britânica até Sebastopol, na Criméia. França, Turquia e Grã-Bretanha eram aliadas contra a Rússia. 

     Para os feridos, teria sido melhor que tivessem morrido logo. Todos os suprimentos médicos haviam ficado para trás. Não havia ataduras, nem anestésicos, nem qualquer tipo de ajuda. Não havia velas nem lampiões; os médicos trabalhavam à luz do luar, enquanto os doentes jaziam a céu aberto, sobre a palha coberta de esterco.
     Mais tarde, os doentes e os feridos foram embarcados em navios-hospitais que os levaram de volta a Scutari. Mil e quinhentos homens, fracos e exaustos, foram empilhados em um navio projetado para transportar apenas 250. Porém, quando os feridos de guerra começaram a chegar, o hospital já estava lotado. Antes que um único tiro tivesse sido disparado na Guerra da Criméia, a epidemia de cólera já havia transformado o atendimento médico do exército em um caos.

As principais batalhas tiveram lugar em Balaclava, lnkerman e Sebastopol, ao norte do mar Negro. Os feridos embarcavam para uma viagem de 480 quilômetros até o hospital de Scutari.

     O Hospital Militar não podia fornecer alimentação porque não havia cozinha. Não havia camas nem lençóis; não havia copos para levar aos homens febris um gole de água sequer. Não havia mesas, nem cadeiras. Andavam por ali uns poucos médicos, mas não dispunham de nenhuma mesa de operação. O Hospital Militar era apenas o esqueleto de um prédio, cheio de homens que, jogados pelo chão e enrolados em mantas sujas e ensanguentadas, pediam aos berros algo para beber — quando ainda tinham forças para isso.

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"Havia então a questão dos hospitais do exército, que nem sequer existiam. Se por acaso uma batalha acontecesse perto de uma cidade, como no caso de Waterloo, os hospitais civis eram utilizados, embora fossem pequenos demais para dar conta do fluxo de feridos e moribundos. Além do mais, não havia enfermeiras especializadas. Existiam apenas serventes, mas muitas eram tão velhas que mal podiam levantar as macas."
Elizabeth Burton,
The Early Victorians at Home
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Notícias do front
Essa situação não era nenhuma novidade para os militares. Porém, o resto da Grã-Bretanha ficou em estado de choque ao receber as notícias.
     Era preciso fazer alguma coisa. E rápido. Os franceses tinham mais cirurgiões e irmãs de caridade para ajudá-los no campo de batalha. Os britânicos não tinham nada. Quem poderiam mandar para dar um jeito nas coisas, para cuidar daqueles homens?

Desmoralizadas, batidas pelo frio, as tropas eram levadas de volta a Balaclava. Muitos morreram a caminho do hospital — às vezes congelados na sela. Mesmo quando retornavam à base, suas chances eram remotas. As infecções e a alimentação inadequada matariam milhares mais. 

     Para Sidney Herbert, o velho e fiel amigo de Florence e agora Secretário de Guerra, havia uma única resposta: Florence em pessoa. A 15 de outubro, Sidney Herbert enviou uma carta a Florence pedindo-lhe que organizasse um corpo de enfermeiras e que fosse para Scutari o mais rapidamente possível.
     Ali estava o trabalho que Florence sentia ser a missão de Deus para ela. Sabia, como Herbert sabia, que essa função só ela poderia realizar.
     Surpreendentemente, até a família a apoiou: "É uma missão nobre e grandiosa", escreveu Parthe. "Só se pode acreditar que ela foi feita para isso".
     Florence aceitou a proposta de Herbert e, aos 34 anos, era nomeada superintendente da Instituição de Enfermagem Feminina dos Hospitais Gerais Ingleses na Turquia. Decidiu-se que quarenta enfermeiras a acompanhariam.
     Foi difícil encontrar enfermeiras adequadas. Porém, de alguma forma, Florence conseguiu juntar 38 mulheres — um grupo heterogêneo, mas o melhor possível. Algumas eram enfermeiras profissionais, outras eram freiras, sendo que as cinco mais eficientes eram irmãs de um convento católico. A 21 de outubro de 1854, o grupo se pôs a caminho.

Florence chega a Scutari
A 5 de novembro de 1854, Florence e seu grupo chegaram ao Hospital Militar, em Scutari.
     Florence vinha preocupada com o que encontraria, mas nenhuma das descrições haviam-na preparado para o caos e o sofrimento que presenciou. Os corredores nus davam em enfermarias imundas. O átrio central era um charco mal cheiroso. Havia lixo e sujeira por todos os cantos, e 6 quilômetros de camas — se é que alguém poderia chamar aquilo de camas. Os doentes jaziam a centímetros de distância uns dos outros. Aquilo era um foco de doenças infecciosas.

O Hospital Militar, em Scutari, antes que os 20 mil feridos chegassem. Scutari era literalmente um quartel e não um hospital. Havia seis quilômetros de halls sujos, que se transformariam em seis quilômetros de camas apinhadas. Havia ratos, vazamentos e nenhuma água corrente. Os banheiros estavam entupidos. Florence chegou com quarenta enfermeiras. Apenas doze sobreviveriam. 

     Florence precisava agir com cautela. Todo o staff médico estava sob forte controle das autoridades militares. Um passo em falso e ela e as enfermeiras seriam mandadas de volta para casa.
     A organização entrara em colapso. Para tudo era necessário um requerimento por escrito e uma nota de autorização, assinada por dois médicos. Valiosos suprimentos de alimento se perdiam ou apodreciam porque os procedimentos corretos não eram aplicados — ou porque ninguém queria liberá-los. Todo oficial que não seguisse os procedimentos regulares estaria em sérios apuros. Então começaram a ter medo de autorizar o que quer que fosse.
     Os soldados eram tidos como "escória", "brutos", "patifes" pelos oficiais. Aconselharam Florence a não "estragá-los". Ela se viu diante de pessoas interessadas apenas nas questões burocráticas, como o lorde Stratford de Redclyffe Canning, o embaixador britânico em Constantinopla. Ele era muito influente, mas vivia no luxo de um palácio e simplesmente ignorava a miséria, a dor e a sujeira que os soldados eram obrigados a enfrentar.

Regras e regulamentos
Não havia nada no Hospital Militar. Nenhuma mesa de operação. Nenhum remédio. Nenhuma mobília. Ratos e moscas infestavam os quartos das enfermeiras — e não havia lampiões nem velas. À noite, deitavam-se no escuro, ouvindo o rastejar dos ratos.
     Os médicos se ressentiam da presença de Florence e a ignoravam. Ela sabia que precisava conquistar sua confiança antes de fazer qualquer coisa. Deu instruções cuidadosas às enfermeiras. Apesar da angústia de ter de deixar de lado os feridos, elas deviam esperar até que fossem oficialmente solicitadas a ajudar.
     Um novo e enorme lote de homens, terrivelmente feridos na batalha de Balaclava, chegou em 6 de novembro. Ainda assim Florence controlou as enfermeiras. Pegaram todos os lençóis que encontraram, fizeram ataduras, travesseiros e camisas. E esperaram.
     Mesmo quando pediam a Florence que fizesse alguma coisa, ela se forçava a seguir os regulamentos. Só na cozinha agia com mais liberdade. Ficou espantada com o que encontrou lá. Não havia panelas nem chaleiras. O chá era feito nas caldeiras de cobre que haviam acabado de cozinhar a carne.
     Florence pôs mãos à obra. Havia levado vinho, extrato de carne e fogões portáteis. Atinha-se a todas as regras, de modo que ninguém poderia fazer objeções a seus atos. Não se dava nada a nenhum paciente sem uma permissão assinada pelo médico, mas, aos poucos, aqueles pobres homens, doentes e famintos, começaram a receber alimentos que os ajudavam a melhorar em vez de piorar.
     Ninguém sabe por quanto tempo essa situação poderia ter perdurado, mas no dia 9 de novembro daquele ano uma grande quantidade de feridos desembarcou em Scutari. Os médicos e os oficiais foram obrigados a reconhecer a presença de Florence e a aceitar sua ajuda e a das enfermeiras.

A grande tarefa tem início
Os britânicos sofreram uma derrota na batalha de Balaclava. O acampamento vizinho tornou-se um pântano de sujeira — cadáveres e membros amputados dos feridos flutuavam no mar. O cólera se espalhou entre os soldados.

Roll Call, o famoso quadro de Lady Butler, esposa de um oficial em serviço, que retratou o sofrimento e a coragem de homens comuns na guerra. Esta pintura mostra a contagem dos sobreviventes depois da batalha de Balaclava.

     Seguiu-se a batalha de Inkerman. Embora os britânicos tivessem vencido, ela apenas aumentou o número de feridos. O inverno estava chegando. Os homens escavavam o solo congelado, com as mãos sangrando, para encontrar algumas raízes mortas com que fazer um fogo. Não tinham onde cozinhar. Para dormir, havia apenas a lama congelada. A única estrada estava bloqueada.

Os britânicos sofreram muito nos primeiros confrontos. Dois mil homens foram mortos na batalha de Inkerman. Os feridos aguentaram muitas privações. Eram carregados em macas grosseiras até a costa, onde esperavam dias por um navio que os transportasse a um hospital. Mesmo que sobrevivessem à jornada, muitos morreriam mais tarde, pois os ferimentos eram terríveis. 

     Doença, gangrena — era o inferno sobre a terra: e uma torrente de vítimas chegava para aumentar ainda mais a multidão que já estava em Scutari.
     Florence passou a admirar o staff médico militar. Eles ficavam em pé 24 horas por dia, mas ainda assim não conseguiam fazer nenhum progresso naquele fluxo constante de pacientes. Os homens eram jogados por todos os lugares, com a cabeça apoiada sobre as botas por falta de travesseiros. Florence estimou que pelo menos mil homens sofriam de disenteria. Havia apenas vinte urinóis, que eram esvaziados em enormes tanques — mas os serventes se esquivavam dessa função desagradável, e os urinóis ficavam às vezes 24 horas sem serem esvaziados.
     Como se esse sofrimento não fosse o bastante, a 14 de novembro despencou uma tempestade que derrubou todas as tendas que o exército havia montado, deixando os soldados sem nenhum teto. Todos os navios foram afundados, inclusive um que acabara de chegar com uma carga ansiosamente esperada de roupas de inverno e provisões.

Florence assume o controle
A 30 de novembro, a administração do hospital sucumbiu. Agora os oficiais simplesmente tinham de reconhecer a presença de Florence — pois ela recebia donativos privados das casas de caridade da Grã-Bretanha, além de ter a habilidade para conseguir os suprimentos essenciais.
     Ela assumiu o controle em silêncio, determinada a evitar as confrontações sempre que pudesse. Por fim, a ninguém era permitido se esquivar de qualquer tarefa, por mais desagradável que fosse.

Os cegos, os inválidos e os feridos voltam do front. De agora em diante suas vidas dependeriam de boa comida e de boas condições hospitalares — o que Florence Nightingale lutava com todas as forças para conseguir. 

     A roupa de cama jamais havia sido lavada — e todas as camisas continham montes de vermes. Florence exigiu tanques de água quente — e eles foram instalados. Os urinóis foram esvaziados e limpos. Como na rua Harley, Florence dava muita importância aos detalhes. Fez um inventário de todos os itens de que necessitava — bandejas, mesas, relógios, toalhas, sabão, xícaras, pratos e talheres — e conseguiu tudo.
     No início de dezembro, lorde Raglan avisou que estava mandando mais quinhentos feridos e doentes para o já superlotado hospital. Florence precisava desesperadamente de espaço. Uma das alas do hospital havia sido bastante prejudicada por um incêndio, e foi deixada de lado até a ruína completa. Florence pressionou as autoridades para que o local fosse colocado em condições de uso. Com lorde Stratford e os trabalhadores turcos encarregados dos reparos, a obra simplesmente não andava, até que Florence tomou a empreitada a seu próprio encargo, pagando tudo do próprio bolso e com os donativos que recebia.

The Thin Red Line, o 93º regimento escocês em Balaclava, numa pintura de Caton Woodville. Durante a guerra, a Grã-Bretanha e a França perderam 82 mil soldados. A doença e o inverno da Criméia mataram mais que a espada e o rifle. 

     Tudo o que deveria vir através de suprimentos do exército vinha agora aos cuidados da senhorita Nightingale. Os oficiais militares, a essa altura, estavam encolerizados, mas Florence os ignorava e seguia em frente.

"Uma calamidade sem precedentes"
A campanha do inverno viu despontar tragédia em cima de tragédia. Em janeiro de 1855, a questão dos feridos tornou-se apavorante. Segundo Florence, vivia-se ali "uma calamidade sem precedentes em toda a história da humanidade". A quantidade de feridos multiplicou-se rapidamente até chegar a níveis alarmantes. Nesse mês, havia 12 mil homens no hospital. Florence enfrentava situações terríveis. Ainda assim conseguiu pensar friamente no que precisava ser feito. Elaborou planos sistemáticos e cuidadosamente analisados para a reorganização inteligente dos hospitais. Pensava tanto no presente quanto no futuro.

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"Sua calma, sua capacidade e seu dinamismo a elevaram à condição de uma deusa. Os homens a adoravam. (...) Os médicos vieram a se tornar absolutamente dependentes dela..."
Cecil Woodham Smith,
Florence Nightingale
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     Um dos principais motivos de ansiedade era o número de mortes no Hospital Militar, que crescia sempre, a despeito das melhoras realizadas. Era muito mais provável que os homens morressem no Hospital Militar do que se ficassem nos cruéis e gélidos hospitais regimentais das colinas que circundavam Sebastopol. Ignorando tudo o que se fazia, os números continuavam aumentando. No final de dezembro, irrompeu uma epidemia. Em menos de três semanas, quatro cirurgiões, três enfermeiras e centenas de soldados estavam mortos.
     O relato detalhado dessa situação apavorante foi publicado na imprensa britânica, e o povo começou a exigir que se investigasse a gigantesca tragédia da Criméia. Essa onda de indignação forçou os governantes a enviar para lá, no final de fevereiro de 1855, uma comissão sanitária.

Ao ler sobre aquele sofrimento, os britânicos doaram lençóis, ataduras e alimentos. O problema era que oficiais médicos incompetentes não liberavam nada. Muitos dos soldados chamavam Florence de "A Dama do Martelo". Ela de fato invadia as despensas para aliviar os pacientes desesperados. 


Reformas no Hospital Militar
A comissão inspecionou o Hospital Militar de alto a baixo. Não era de admirar que a taxa de mortalidade fosse tão alta. Todo o prédio se assentava sobre uma rede de esgotos totalmente apodrecida — toda a estrutura estava contaminada pela deterioração, pela sujeira e pela doença. Qualquer movimentação do ar levaria a morte através das enfermarias apinhadas. Além disso, o sistema de fornecimento de água estava contaminado.
     Nas duas primeiras semanas dedicadas à eliminação daquele horror, 556 carrinhos de mão de lixo, 24 diferentes animais e mais dois cavalos também mortos foram removidos e incinerados.

Depois que a situação em Scutari ficou sob controle, Florence Nightingale visitou as estações médicas das frentes de batalha. Andou sob todas as condições climáticas, pagando o alto preço de ficar doente

     As condições do hospital melhoraram, mas ainda aconteciam muitos erros, pela má execução do trabalho e pela falta de organização. Pode-se citar como exemplo o caso de um navio que transportava várias centenas de soldados feridos. O transporte demorou quinze dias. Por duas semanas, os homens ficaram no convés sem nada para protegê-los do frio do inverno. O responsável, doutor Lawson, foi repreendido mais tarde, para depois ser nomeado Oficial Médico Sênior do Hospital Militar. Florence ficou chocada com o fato de os oficiais que se opunham a qualquer reforma e que impediam seu trabalho serem os mais reconhecidos e recompensados, principalmente depois da guerra.

A dama do lampião
Na primavera de 1855, Florence estava exausta. Muitas vezes passava oito horas seguidas de joelhos diante de uma maca, fazendo curativos. Não dispunha de nenhuma das drogas e das ataduras de um hospital moderno — precisava se virar com o que tinha.
     A única coisa que a mantinha na luta era com certeza a incrível bravura dos homens. Eles tentavam não se queixar nunca, não demonstrar a agonia, o medo e a saudade que sentiam do lar. Se no passado Florence havia granjeado a reputação de fria, hoje ninguém, a não ser os teimosos oficiais, a via dessa forma. Os homens sempre se lembravam de sua paciência, de sua bondade, até mesmo de sua alegria. Ficava ao lado deles nas cirurgias. Dava-lhes esperança pelo simples fato de andar entre eles, falando com um, sorrindo para outro.

Florence Nightingale ficou famosa como “A Dama do Lampião”, tornando-se uma lenda viva. Os feridos a adoravam, pois ela se importava com o que acontecia, lutando por melhorar a situação de todos. Eles haviam visto coisas terríveis nas batalhas e aquela mulher de fala mansa lembrava-lhes que ainda havia bondade no mundo. 

     Se não os visse durante o dia, fazia as rondas noturnas, iluminando o caminho pelos quilômetros de camas com um lampião turco. Um soldado escreveu para casa contando que os homens beijavam a sombra que ela projetava na parede ao passar.

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"Que conforto era vê-la passar serenamente. Ela podia falar com um, inclinar a cabeça e sorrir para muitos outros; mas não podia fazer isso com todos. Nós éramos algumas centenas; mas podíamos beijar sua sombra, como se fosse ela, e então, reconfortados, deitar nossas cabeças sobre os travesseiros."
De um soldado,
no Hospital Militar
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     Por outro lado, o respeito que nutria por eles mudaria para sempre a postura europeia diante dos "soldados comuns". Muito tempo depois de Scutari, Florence ainda lutaria para melhorar a vida deles.
 
A febre da Criméia
Florence trabalhava em tudo o que lhe chegasse às mãos, e, tendo o Hospital Militar ficado em condições satisfatórias, decidiu que já era tempo de visitar os hospitais da Criméia. Pagaria caro por isso. Faltaram-lhe as forças quando inspecionava as condições em Balaclava, caindo de cama com a febre da Criméia. Ficou entre a vida e a morte por duas semanas, mas, mesmo nos momentos de delírio, escreveu, escreveu e escreveu — listas, ordens, recomendações.
     Quando Florence finalmente pôde sair do quarto, as pessoas ficaram chocadas com sua mudança. Estava pálida e muitíssimo magra, com o nariz proeminente destacado no rosto. Nunca mais voltaria a ser a mulher vigorosa de outrora.

O que restou de um exército volta para casa. Eles haviam embarcado para a guerra com bandas tocando e bandeiras sendo agitadas. Venceram suas batalhas — mas foram derrotados pela imundície, pelas doenças e pela má organização. Florence salvou muitos, mas seu trabalho pioneiro asseguraria que milhares de outras pessoas receberiam nos anos seguintes o tratamento merecido

     Na volta ao trabalho, muitos problemas a esperavam. O exército, as enfermeiras e as freiras pareciam estar travando uma guerra particular, cujo peso desabou sobre a pobre Florence.
     A família decidiu que alguém deveria ir a Scutari fazer companhia a ela. A tia Mai se candidatou e, a 16 de setembro de 1855, chegou com um experiente caixeiro. Tia Mai ficou horrorizada com a fragilidade e a palidez de Flo — e pela amarga inimizade e mesquinharia que a cercavam. Estabeleceu-se, ajudando no trabalho burocrático. Escreveu a respeito de Florence: "Ela adquiriu uma calma admirável. Não se irrita, não se apressa, nem faz confusão, aconteça o que acontecer. Nada interfere em seu trabalho. Nem a alimentação nem o cansaço nem a febre".

O Fundo Nightingale
Na Inglaterra, Florence era vista como a luz da Criméia. O país estava enfestado de souvenirs da senhorita Nightingale — canecos e pratos, bustos de cerâmica, poemas e biografias imprecisas.

A febre Florence se espalhou pelo país! Souvenirs com apelos sentimentais de todos os tipos foram produzidos. 

     Uma corrida de cavalos recebeu seu nome, assim como um barco salva-vidas. Florence, sensata como sempre, permaneceu indiferente. Havia lidado com a crua realidade e sabia quanto ainda precisava ser feito.
     Várias contribuições em dinheiro foram feitas para uma apresentação, "algo do tipo chá para madames", escreveu Parthe maldosamente. Mas as doações foram tantas que decidiu-se pela criação do Fundo Nightingale, que ajudaria a estabelecer um instituto para treinamento de enfermeiras. Sugeriu-se que os soldados contribuíssem com um dia de salário para o fundo. As tropas doaram quase 9 mil libras (mais de 200 mil libras em dinheiro de hoje).
     A mãe de Florence, Fanny, sucumbiu à emoção. Escreveu à filha para dizer-lhe que se sentia orgulhosa. Florence, colocando o passado de lado, respondeu: "Minha reputação não me deu qualquer vantagem em meu trabalho; mas, se ela a deixa satisfeita, então isso é suficiente".

Guerra de palavras
Em dezembro, o chefe do corpo médico, doutor Hall, encaminhou ao fornecedor-chefe um relatório que acusava Florence de insubordinação e as enfermeiras, de desonestidade, extravagância, desobediência, ineficiência e imoralidade. Tratava-se de um amontoado de mentiras e Florence ficou apavorada.

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"Ninguém pode imaginar o que são os horrores da guerra. Não são as feridas e o sangue, ou a febre, infecciosa e sorrateira, ou a disenteria, crônica ou aguda, ou o frio, o calor e a fome. São a intoxicação, a brutalidade da embriaguez, a desmoralização e a desordem de parte dos subalternos; e o ciúme, as mesquinharias, a indiferença e o egoísmo brutal da parte dos superiores".
Florence Nightingale
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     Deflagrou-se então uma guerra de palavras, cartas e reuniões entre o governo e as pessoas que tentavam sujar o nome de Florence.
     Porém, no início de 1856, uma comissão para o suprimento do exército britânico da Criméia apresentou um relatório ao Parlamento, confirmando todas as alegações de Florence. Surpreendentemente, porém, o doutor Hall foi nomeado Cavaleiro Comandante de Bath, C.C.B. "Comandante de Crimes Bestiais na Criméia, suponho", escreveu Florence com amargura. "Vivo num estado de fúria. Vi os homens caminharem por aquele longo e tenebroso inverno sem outra proteção a não ser um cobertor sujo e velhas calças do regimento, quando sabíamos que os depósitos estavam cheios de roupas quentes; esqueletos vivos devorados pelos vermes, feridos, sem esperança, sem fala, morrendo à medida que encostavam a cabeça no travesseiro sem dizer palavra... Podemos admitir a promoção dos homens que causaram essa calamidade colossal, nós que vimos tudo?"
     O governo triunfou, e em 16 de março de 1856, emitiu-se um despacho que estabelecia a posição de Florence. Dizia: "A senhorita Nightingale é reconhecida pelo governo de Sua Majestade como superintendente geral do Instituto de Enfermagem Feminina dos Hospitais do Exército".
     Sua palavra seria lei. Todos os inimigos foram derrotados de uma só tacada.

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"Ninguém pode sentir pelo exército o que eu sinto. As pessoas precisavam ter visto aquele longo e tenebroso inverno para saber o que era aquilo. Eu jamais esquecerei".
Florence Nightingale
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A volta à Inglaterra
Apesar de exausta, Florence estava triunfante. E logo depois, em 29 de abril de 1856, a paz seria declarada. A luta terminara, mas não a ameaça da doença. Era fundamental que se transportassem os homens de volta antes que o verão chegasse trazendo o calor que fomentava o cólera. A 16 de julho de 1856, o último paciente deixou o Hospital Militar. O trabalho de Florence chegara ao fim.
     A 28 de julho, ela e tia Mai foram para a França. Florence deixou tia Mai em Paris e embarcou secretamente para a Inglaterra. Queria evitar as multidões e as grandes recepções que haviam sido planejadas para sua volta. Na manhã de sua chegada, foi ao convento de Bermondsey e passou todo o tempo rezando em silêncio. À tarde, dirigiu-se desapercebidamente para a casa de campo da família.
     A guerra estava acabada, as recompensas choviam sobre ela, mas Florence não podia esquecer. A organizadora eficiente e capaz, de força de vontade aparentemente indestrutível, escreveu em seu diário:
     "Oh, meus pobres homens, sou uma péssima mãe, pois volto à casa e os deixo em seus túmulos na Criméia — 73% de oito regimentos em seis meses, só de doenças. Quem pensa nisso agora?"

Florence, a heroína
Florence estava exausta, suas forças drenadas pelas lutas que enfrentara na Criméia. Tinha apenas 36 anos, mas com certeza achava que seu trabalho estava terminado — agora podia descansar, recuperar-se, ter um pouco de tempo para si mesma. Florence Nightingale não percebeu que o principal trabalho de sua vida estava apenas começando. Teria ainda quase quarenta anos de trabalho ativo pela frente.
     Nos primeiros meses depois da guerra, ela se viu mergulhada em cartas de congratulações, propostas de casamento, demonstrações histéricas de admiração. Odiava ser uma celebridade e odiava o que chamava "frufru com o meu nome". Então, recusava-se a dar autógrafos, não concedia entrevistas, não respondia aos admiradores, não saía em público. Depois de um tempo as pessoas pararam de esperar que reagisse com "frufrus" e a vida se acalmou.

O romantismo vitoriano encobriu as reais conquistas de Florence Nightingale. Observe a pintura em que Florence caminha à luz do luar com uma braçada de flores! Os oficiais incompetentes que haviam enfrentado a enfermeira dura e determinada da Criméia não se lembravam deste lado de Florence Nightingale. 

     Os vitorianos criaram uma imagem sentimental de Florence Nightingale. Era "A Dama do Lampião" — uma mulher boa, gentil, de coração mole, que se inclinava sobre a cama dos doentes e moribundos para oferecer-lhes conforto e esperança. Mas esse era apenas um lado do caráter de Florence. Ela também era uma mulher extremamente inteligente, diplomática e de vontade firme. Quando "A Dama do Lampião" abraçava uma causa, era uma fortaleza de determinação.

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"Duas figuras heroicas emergiram da Criméia, o soldado e a enfermeira. Nos dois casos, houve uma mudança radical na estima do público; e, nos dois casos, essa transformação é devida à senhorita Nightingale."
Cecil Woodham Smith,
Florence Nightingale
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     Causas era o que não lhe faltavam depois do que havia visto na Guerra da Criméia. Já sabia que as enfermeiras precisavam receber treinamento adequado. Mas sua experiência em Scutari convenceu-a de uma vez por todas de que era preciso encontrar uma forma de tornar a enfermagem uma profissão respeitada, com padrões de conduta e realização pelos quais todas as enfermeiras pudessem se guiar. Também sabia que os hospitais precisavam mudar — muitas das mortes de Scutari foram provocadas apenas e tão-somente pelas condições do hospital. Florence passara anos estudando os hospitais de toda a Europa — ninguém conhecia mais o que neles se passava ou o que precisava ser feito para reformá-los. Nos anos que se seguiram, ela atacaria esse problema e muitos outros, da administração dos asilos de pobres de Liverpool às condições de vida e de saúde de toda a Índia. Porém, queria primeiro mudar o exército britânico.


     As lembranças de Scutari e de Balaclava a assombravam, mas aquele sofrimento todo não ensinara nada às autoridades médicas militares. O mesmo sistema perdurava nos hospitais e nos acampamentos, o sistema que havia sido a raiz do caos e do sofrimento da Criméia. Florence não podia ignorar esses fatos.

A rainha Vitória ajuda
Então, uma maravilhosa oportunidade apareceu. A rainha e o príncipe Albert queriam ouvir toda aquela história de sua própria boca. Florence pôs-se a trabalhar para juntar provas que pudessem convencê-los da necessidade de uma reforma no Exército. Visitou hospitais militares para inspecionar as condições, frequentemente, por mais de doze horas por dia. Ao chegar em casa, punha-se a escrever novamente. Nessa época, e pelas três décadas seguintes, chegava a trabalhar 22 horas seguidas.
     Em setembro, apenas dois meses depois de retornar da Criméia, Florence foi a Balmoral, na Escócia, para um encontro com a rainha e com o príncipe Albert. Eles ficaram encantados com ela e ouviram com atenção tudo o que Florence explicou.

A rainha Vitória tinha profunda admiração pelas conquistas de Florence na Guerra da Criméia. Deu a ela este broche, onde se lê “Abençoados os Piedosos”. A rainha manifestou inestimável apoio à campanha de reformas do serviço médico do Exército. 

     "Gostaria de tê-la no Ministério da Guerra", escreveu a rainha ao comandante-em-chefe.
     Eles pediram que ela voltasse.
     Era um começo, e agora Florence teria de vencer as resistências dos principais ministros de Estado. Como não era do meio, não poderia alterar procedimentos básicos do Exército sem ser uma política importante. E, como mulher, não podia ser política.
     O único caminho que se lhe abria era trabalhar através de alguns dos líderes da época. Isso ela conseguiu. Sidney Herbert e outros quatro homens importantes devotaram todo o tempo livre a suas causas. Eles a respeitavam como a especialista em condições hospitalares. E, com sua modéstia e seu jeito metódico, adoravam trabalhar para Florence.
     As negociações demandaram mais seis meses de cansativas visitas a hospitais e de relatórios — transformando Florence em uma sombra.

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"Ninguém que não trabalhasse com ela (Florence) diariamente poderia conhecê-la, ter uma ideia de sua força, de sua clareza, de seu espírito benevolente. Foi uma das criaturas mais dotadas que Deus pôs no mundo".
Dr. John Sutherland,
membro da comissão sanitária de 1857

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A reforma no Exército
Afinal, em maio de 1857, uma comissão para estudar toda a questão do serviço médico do Exército começou a funcionar. O preço foi alto. Florence realizava esse trabalho estafante porque ele era vital, não porque o tivesse escolhido.
     Mudara. Agora era mais brilhante do que nunca nas discussões, mais eficiente, mais preparada, mais persistente na argumentação, escrupulosamente justa, com sagacidade matemática — mas estava chegando aos limites de sua capacidade às custas de todo prazer.

Uma comissão (todos homens) foi formada em 1857 para estudar o serviço médico militar. Muitos dos membros não apenas admiravam Florence Nightingale, como aprendiam com ela. Sua crítica ao Exército era implacável.

     O verão de 1857 foi um pesadelo para Florence - como se não bastasse trabalhar noite e dia para instruir os políticos da comissão, ainda escrevia relatórios confidenciais sobre suas experiências. Tudo isso enquanto a mãe e Parthe sentavam-se confortavelmente, dizendo uma à outra para não ficar exausta com a arrumação das flores.
     Florence levou apenas seis meses para terminar o relatório confidencial de mil páginas Notas sobre Questões Que Afetam a Saúde, a Eficiência e a Administração Hospitalar do Exército Britânico. Tratava-se de um volume incrivelmente claro e profundo. Cada ínfimo detalhe que aprendera na Guerra da Criméia estava lá — cada afirmação se assentava sobre sólidas provas.
     Basicamente, Florence Nightingale argumentava mais em favor da prevenção do que da cura. Naquele tempo, essa era uma ideia nova, e muitos políticos e médicos militares achavam que era revolucionária e definitivamente excêntrica. Opunham-se a Florence e a seus aliados.
     Ela foi forçada a provar que os soldados estavam morrendo por causa de suas condições de vida. Havia inspecionado dezenas de hospitais e quartéis e agora os mostrava como lugares úmidos, imundos e abafados, com esgotos sujos e suprimento de água contaminada. Mostrou que a dieta dos soldados era pobre. Coletou dados que provavam que a taxa de mortalidade dos soldados em tempos de paz era duas vezes maior que a da população civil.
     Mostrou que, embora o Exército recrutasse apenas os homens fortes, todos os anos morriam 1,5 mil deles por negligência, pela alimentação pobre e pelas doenças. Declarou: "Nossos soldados se alistam para a morte", e esse se tornou o grito de guerra de seus seguidores.

Uma caricatura da época, que mostra como os soldados eram vistos pela imprensa — bêbados e preguiçosos. Florence os via de forma diferente — pessoas comuns, levadas ao Exército pela pobreza e tratadas de forma abominável.

     A opinião pública também estava a seu lado. Quanto mais os antirreformistas fincavam pé, mais aumentava a pressão pelas reformas.
     Florence não conseguiu uma vitória fácil sobre os oponentes, mas as mudanças vieram. Logo alguns quartéis foram reconstruídos e em três anos a taxa de mortalidade cairia pela metade.
     O árduo trabalho da comissão terminara, mas Florence continuaria estudando, planejando e pressionando por reformas no serviço médico militar por mais trinta anos.

Colapso
A 11 de agosto Florence entrou em colapso — há quatro anos não ficava sozinha e agora ansiava por silêncio. Mantinha-se viva à base de chá. Estava tão doente que alguém chegou a escrever seu obituário e um jornal estava pronto para publicá-lo no minuto em que ela morresse.
     E ainda havia tanto por fazer... Ela não podia morrer. Precisava de mais tempo.

Este diagrama mostra o modo detalhado como Florence apresentava suas pesquisas. Ela provou que para cada soldado morto na Guerra da Criméia outros sete morriam de doenças infecciosas que se poderiam evitar. Florence foi a pioneira da medicina preventiva. Comida melhor, limpeza e ventilação preveniam a doença e a morte, e ela provou isso com pesquisas esmeradas.

     Florence se recolheu. Quanto retornou a Londres tia Mai a acompanhou. Tia Mai já havia ficado ao lado de Florence em outras ocasiões difíceis; chegara até a trabalhar na Criméia. Agora, com sua ajuda, Florence pôde finalmente virar o jogo com a irmã e a mãe. Cada vez que elas tentavam visitá-la, Florence tinha um "ataque", e tia Mai escrevia cartas dramáticas, dizendo que a vida da sobrinha "estava por um fio" e implorando para que elas permanecessem à distância. E ficar longe foi o que finalmente fizeram.

Uma proposta para Parthe
A tentativa de Florence de manter a família a distância foi facilitada por um homem chamado Harry Verney. Depois de fazer-lhe várias visitas durante o verão de 1857, ele a pediu em casamento. Florence, nem é preciso dizer, recusou.
     Sir Harry transferiu sua afeição para Parthenope, a irmã mais velha de Florence, e em 1858 eles anunciaram seu noivado. Fanny e Parthe passaram a se ocupar com os preparativos para a cerimônia.
     Pouco depois do casamento da irmã, Florence mudou-se para o anexo do hotel Burlington, que era espaçoso e tranquilo. Florence não via mais os amigos, não ia a festas nem a concertos. Tia Mai cuidava dela. Florence planejara o próprio funeral, mas, em um sofá semi-reclinado, conseguiu trabalhar mais arduamente do que nunca.
     Agora as pessoas começaram a pedir-lhe que aplicasse seus conhecimentos nos hospitais civis, que ela achava "tão ruins ou piores" que os militares. Em 1859, Flo publicou um livro intitulado Notas sobre os Hospitais. Ele mostrava ao mundo por que as pessoas temiam ser levadas aos hospitais e como os problemas poderiam ser resolvidos.

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"Suas Notas sobre Hospitais (1859) revolucionaram a teoria da construção e da administração hospitalar. Ela foi logo reconhecida como uma especialista nessas questões, e seus conselhos fluíam incessantemente, de tal modo que não havia mais nenhum grande hospital que não apresentasse alguma evidência de sua mente brilhante".
Lythan Strachey,
Eminent Victorians (Vitorianos Eminentes)

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     Florence estabeleceu a então revolucionária teoria de que, com a simples melhora das construções e da manutenção, a taxa de mortalidade hospitalar seria reduzida. Mais janelas, mais ventilação, melhores redes de esgoto, mais espaço e limpeza regular dos pisos, das paredes e das camas eram medidas básicas que deveriam ser adotadas por todos os hospitais.
     Logo Florence se transformaria em uma especialista em construção hospitalar, e todo o mundo começou a construir hospitais de acordo com suas especificações. Flo escreveu centenas e centenas de cartas em um sofá em Londres, questionando sobre pias e panelas, fechaduras e lavanderias. Nenhum detalhe era pequeno o bastante para não merecer sua consideração. Saiu-se com ideias para distribuir de forma mais eficiente a roupa de cama, o melhor método de manter a comida quente, a distância correta entre as camas. Ela propunha mudar a administração dos hospitais de cima a baixo.
     Florence foi bem-sucedida. Hospitais à moda Nightingale foram construídos no mundo inteiro. Além disso, continuou a servir como conselheira para planos hospitalares por mais de quarenta anos. Os hospitais de hoje, floridos, limpos e agradáveis (a autora refere-se aos hospitais dos países desenvolvidos, evidentemente. N. da T.), são um resultado direto de seu trabalho.

"Notas sobre Enfermagem"
Um dos hospitais em que trabalhou como conselheira foi o St. Thomas, de Londres. Enquanto os aconselhava sobre a melhor maneira de construir um hospital, percebeu que aquele seria um bom lugar para estabelecer uma escola de enfermagem.
     Enquanto as negociações caminhavam, escreveu um pequeno livro sobre enfermagem para ser usado por mulheres comuns. Publicado em 1859, apenas quatro anos depois da Criméia, Notas sobre Enfermagem: o Que Ela É e o Que Não É, foi um sucesso instantâneo. Sidney Herbert escreveu que ele era "mais interessante do que um romance"; um escritor contou que a filha e uma amiga, numa série de visitas, encontraram um exemplar em todas as casas.

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"Uma enfermeira que voltava do norte encontrou uma cesta com lanches no vagão do trem que tomaria; outra, que estivera doente, recebeu um bilhete: ‘Eu pago tudo’: Todas as estagiárias eram convidadas para o chá pessoalmente e recebiam um presente, com frequência um bolo. Uma dessas moças, que usava sua melhor roupa para a circunstância, ouviu que a pobreza das roupas dos convidados determinaria o tamanho do bolo. Voltou a vestir suas roupas velhas e saiu do chá com um bolo grande o suficiente para alimentar as 36 estagiárias".
Elspeth Huxley,
Florence Nightingale

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     Como todo o trabalho de Florence, essas notas eram revolucionárias, embora não contivessem nada que não seja aceito hoje como noções básicas de higiene.
     Florence também descreveu com grande sensibilidade o sofrimento, tanto físico quanto mental, de uma pessoa doente, e atacou o conceito convencional que se fazia das enfermeiras. "Parece uma ideia comumente aceita pelos homens e até mesmo pelas próprias mulheres", escreveu, "o fato de que só uma desilusão amorosa ou a incapacidade para qualquer outra tarefa levam uma mulher a se tornar uma boa enfermeira".

As enfermeiras Nightingale
Para consertar esse estado de coisas, Florence precisava apresentar ao mundo um tipo diferente de enfermeira. Muitos médicos da época eram contra o treinamento profissional de enfermagem. Achavam que se podia aprender tudo com a experiência e com uma instrução simples no local de trabalho. As mulheres ainda eram tidas como o sexo frágil e estúpido — mesmo com o exemplo de Florence diante de todos. Porém, seis meses depois de publicar Notas, ela conseguiria, com recursos do Fundo Nightingale, criar uma Escola de Treinamento para Enfermeiras, ligada ao hospital St. Thomas.
     As enfermeiras Nightingale foram treinadas para ensinar outras e para assumir cargos onde pudessem estabelecer os altos padrões de Florence.

Florence Nightingale e algumas de suas enfermeiras. O perfeccionismo era um dos segredos de seu sucesso. Vira o resultado de planos inconsistentes na Criméia e, pelo resto da vida, lutou por altos padrões. Nenhum detalhe era insignificante. Tinha opinião sobre tudo, desde o tamanho das salas de operação até o tom da pintura. De alguma forma passou a paixão pelo cuidado e pelo perfeccionismo para outros. E jamais perdeu a bondade. Todas as enfermeiras recebiam flores e bilhetes carinhosos de Nightingale.

     Todas as candidatas eram escolhidas a dedo e deviam apresentar boas referências. Recebiam uniformes limpos e bonitos. A disciplina era rígida, mas as aceitas tinham quartos separados. Florence lhes enviava flores, livros, mapas e quadros para tornar a escola um local agradável para viver e trabalhar. Jamais uma enfermeira tivera a oportunidade de estudar assim.
     Em poucos meses choviam pedidos de enfermeiras Nightingale — a Escola de Treinamento era um sucesso. Logo sua reputação se espalharia. Em quinze anos, hospitais de todo o mundo as requisitavam para abrir novas escolas. Em 1867 enviaram um grupo para Sydney, na Austrália, e no início de 1880 as enfermeiras dos grandes hospitais da Grã-Bretanha, do Canadá, da Alemanha, da Suécia e dos Estados Unidos eram ex-alunas de Florence.

Hoje as enfermeiras são altamente especializadas e respeitadas. Sua imagem pública guarda quilômetros de distância daquela de suas antepassadas, tidas como bêbadas. Florence é reconhecida em todo o mundo como a pioneira da moderna enfermagem.

     Um dia, as enfermeiras foram consideradas bêbadas incorrigíveis e libertinas. Hoje a enfermagem é uma das mais respeitadas profissões do mundo. Essa mudança se deve em grande parte a Florence Nightingale e a sua cega determinação.

Tempo de perdas
Em 1860 Florence começou a se sentir cada vez mais sozinha. Primeiro, um colega que projetava os novos Regulamentos Médicos do Exército morreu de repente. Tia Mai voltou para casa. Finalmente, Sidney Herbert ficou tão doente que foi forçado a abdicar do Ministério da Guerra. Cega pela ânsia de mais e mais progressos, ela não o perdoou. Achava que ele a havia traído.
     Dois meses depois Sidney Herbert morreu. Suas últimas palavras foram: "Pobre Florence... pobre Florence... nosso trabalho conjunto inacabado".

Florence envelheceu de modo tranquilo. Os dias da "Dama do Lampião" iam longe. Mas ainda trabalhava para a enfermagem, para o Exército e para os pobres. Era infinitamente boa para as enfermeiras, dando-lhes a mesma atenção que dispensara às senhoras doentes de sua juventude e aos soldados de quem cuidara na Guerra da Criméia.

     Florence ficou aterrorizada com a notícia. Ele havia aguentado sua raiva e suas reprovações, havia trabalhado incessantemente por suas causas. "Jamais esquecerei o temperamento angelical de Herbert", escreveu ela.
     A morte de Herbert foi uma perda grave para Florence, não apenas por ter sido um grande e querido amigo, mas também porque era a porta de entrada do Ministério da Guerra. Sempre trabalhou com ele e através dele. Sem Herbert, estava acabada — sua morte significava a interrupção das reformas do Exército. Ao se recuperar, Florence soube que dali em diante deveria direcionar todo o seu conhecimento e a sua paixão para outro lugar.
     Em 1861 explodiu a guerra civil americana, e Florence foi solicitada a ajudar para o caso de a Grã-Bretanha se envolver no conflito.
     A fim de organizar tudo a tempo, Florence tinha de trabalhar dia e noite e entrou em colapso de novo. Ninguém esperava que ela sobrevivesse, mas em janeiro de 1862 já podia se sentar na cama, embora não pudesse andar. Ficaria seis anos sem sair do quarto.
     Havia um fluxo constante de visitantes ilustres. Políticos, administradores de hospitais, todos a visitavam para pedir conselhos ou instrução. Florence conduzia os assuntos importantes do sofá — em geral cercada por três gatos! Jamais perdeu de vista os detalhes. Era incansável. Escrevia cartas, livros e relatórios até a madrugada.
     Florence ficou impossibilitada de andar pelos cinquenta anos de vida que ainda lhe restaram. Quando trabalhava demais ou quando ficava irritada (geralmente por causa da família), seu estado piorava. Não se sabia ao certo qual era seu problema, mas ela sofria de fraqueza, fadiga e falta de ar.
     Recusava-se a receber visitas, a menos que estivessem relacionadas com o trabalho. "Sistema de confinamento solitário de Flo" era como um dos amigos descrevia seu modo de vida. Ele usou a expressão "sistema" porque daí em diante Florence decidiu ficar isolada e acamada de propósito — sabia ser esse o único jeito de ter tempo e forças para continuar trabalhando por seus objetivos.

Mais trabalho do que nunca
E trabalho não faltava. Embora raramente visse os remetentes, Florence recebia um fluxo constante de papéis de vários oficiais do governo. Se um ministro precisasse de conselho especializado, consultava a senhorita Nightingale. Se um oficial do governo precisasse de uma regulamentação sanitária, ele a pedia a Florence. Sabia que a teria em pouco tempo e, melhor ainda, pronta para uso imediato. Nesse tempo ela era especialista não apenas em questões de saúde e hospitalares, mas também em legislação e burocracia do governo.

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"Sua posição era fantástica. Ela era a comandante-em-chefe. Colecionava fatos e os verificava, tirava conclusões e as colocava no papel para finalmente ensinar o que aprendera aos homens, que eram seus porta-vozes".
Cecil Woodham Smith,
Florence Nightingale

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     No silêncio e no conforto de seu quarto, ela criou mandados, regulamentações e minutas; escreveu memorandos e cartas. E, é claro, listou instruções. Seu brilhantismo para a administração era tal que muitas de suas inovações ficaram em uso até muito tempo depois de sua morte. Em 1947, um comitê de investigação comentou que a contabilidade dos Serviços Médicos do Exército funcionava muito bem, quando métodos muito mais novos falhavam e tinham de ser interrompidos. Perguntaram quem tinha inventado aquele sistema. A resposta: Florence Nightingale.
     Aos 42 anos, Florence estava convencida de que tinha pouco tempo mais de vida. Entretanto, viveria até os 90, e pelo menos durante trinta desses anos seria uma das pessoas mais poderosas do país. Suas campanhas por reformas continuariam, exigindo melhorias das condições de vida dos soldados, dos hospitais e do treinamento de enfermeiras. Conseguiu reformas de alcance mundial, sem nenhuma ajuda ou posicionamento oficial do governo — deitada no sofá!

O exército na Índia
Chegara o momento de Florence Nightingale desviar a atenção para a Índia. Esse projeto a ocuparia durante mais de trinta anos. A saúde do exército britânico no subcontinente, então uma enorme e vital parcela do império britânico, precisava ser melhorada. As estatísticas revelavam que por anos a fio a taxa de mortalidade do exército na Índia tinha sido de 69 por mil — mortes causadas não pelo calor, mas pela falta de esgotos e de água potável. Os quartéis viviam apinhados. As doenças hospitalares eram terríveis.
     As tropas indianas estavam num estado ainda pior. Aqueles pobres homens não tinham ração, nem quartel, nem banheiros, nem banho, nem cozinha — nada. Os indianos comuns também viviam na imundície total.
     Florence se deu conta de que a questão era resolver as condições sanitárias de toda a Índia. Tratava-se de uma missão extremamente intimidadora. Confinada na cama, preparou outro enorme relatório, com 2 mil páginas, tão brilhante quanto tudo aquilo que produzira antes.
     No entanto, atrasos se seguiam a atrasos. O ano de 1864 terminou, 1865 começou e nada havia sido feito pela Índia.

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"Sua voz, suas maneiras e seus movimentos eram tão suaves, que era difícil alguém sentir seu caráter inquebrantável ao se aproximar dela. Seus poderes eram impressionantes..."
Elizabeth Gaskell,
romancista inglesa

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     Florence estava, de novo, desesperada. Não podia se mover sem ajuda e ainda se sentia profundamente comprometida com as causas que defendia. Seus nervos estavam em estado deplorável. Não podia suportar ninguém no quarto, nenhum movimento, nenhum som.
     Depois de treze meses de clausura, quando preparou um outro relatório sobre a questão indiana, Florence finalmente conseguiu alguma coisa — a criação de um Departamento Sanitário no Ministério da Índia. De agora em diante seriam feitos relatórios anuais.
     Enquanto isso, trabalhava em outros projetos. Ainda estava profundamente envolvida com a reorganização da enfermagem, a Lei de Assistência Social, a reforma hospitalar, os partos e o treinamento de enfermeiras. Sua carga de trabalho era gigantesca e mais do que nunca ela era respeitada e influente. Estava com 47 anos.

A reforma dos asilos de pobres
E agora surgia a questão dos asilos de pobres. Em dezembro de 1864, um mendigo havia morrido no asilo Holborn, em Londres — por causa da "imundície provocada por grossa negligência". Florence deu graças a Deus pela morte do pobre homem, pois ela lhe dava argumentos para lutar contra a Junta de Assistência Social.

A situação dos asilos de pobres era tão terrível que as pessoas preferiam morrer de fome a pedir abrigo em um deles.

     Na Grã-Bretanha, a ameaça de ser levado para um asilo era um pesadelo que se abatia sobre os muito pobres. Os vitorianos raciocinavam que, se esses lugares fossem bastante horrorosos, as pessoas lutariam ainda mais para não parar lá. Porém, péssimas safras, doenças, tragédias familiares e a velhice empurravam os pobres para essas instituições, por mais sombrias que fossem. Maridos eram separados das mulheres e os internos sentiam-se humilhados e um fardo para a sociedade. As condições desses lugares eram aterrorizantes.
     Em 1865, permitiu-se que as enfermeiras Nightingale entrassem na enfermaria do asilo de Liverpool em fase experimental. Pela primeira vez os pobres seriam tratados por profissionais treinados. Os resultados foram encorajadores, e Florence pressionou por uma lei do Parlamento que obrigasse a uma reforma ampla dos asilos de pobres.

Os asilos de pobres serviam aos desvalidos. Os aleijados, os loucos, os órfãos e os doentes pobres — todos ficavam ali, em meio à sujeira. Florence passou anos lutando por reformas e pelo treinamento de enfermeiras especializadas.

     Em 1867, quando a Lei de Assistência Social Metropolitana foi aprovada, ela escreveu: "Conseguimos algumas coisas; a remoção de 2 mil lunáticos, oito casos de febre e varíola e todas as crianças que estavam fora dos asilos" — além de outras reformas. "Isso é só o começo, logo conseguiremos mais". Tornara-se mais obstinada do que nunca.

De volta ao St. Thomas
Depois de uma investigação a respeito da queda dos padrões da Escola de Treinamento Nightingale, Florence percebeu, na primavera de 1872, que era preciso reformas e reorganização. Decidiu mudar-se para perto do hospital e devotar sua vida a ele e à escola de enfermagem.
     Seus planos foram por água abaixo quando teve de se concentrar em cuidar da família. Pelos próximos três anos, dividiu seu tempo entre eles e o trabalho de reorganização da Escola Nightingale. 
      A 10 de janeiro de 1874 seu pai caiu das escadas e morreu.
     Agora, o fardo de ter de lidar com todos os problemas da família e com a total responsabilidade pela mãe caiu sobre ela. Ainda perturbada pela morte do pai, escreveu: "Minha vida parece um grande naufrágio".
     Nos anos tranquilos que se seguiram, trabalhou sem parar. Mantinha o controle da Escola Nightingale, e o progresso e o sucesso de suas enfermeiras eram uma fonte constante de alegria. Deliciava-se com as cartas que chegavam de todas as partes do mundo.

O grande quadro de Fildes mostra os desesperados aguardando a admissão nas casas de caridade. As inscrições nas paredes falam dos crimes a que essas tristes, famintas e congeladas criaturas seriam levadas. Florence comprometeu-se profundamente com a reforma dos asilos.

     Conseguira muita coisa. O papel da mulher mudara para sempre. As atitudes em relação aos soldados comuns foram transformadas. Parto, construção hospitalar, o tratamento dado aos pobres — todas essas importantes reformas devemos a Florence Nightingale.
        E ela ainda vivia motivada, apoiando reformas e melhoras.

Fracasso na Índia
Mas sentia que falhara em um lugar. Na Índia. Depois de mais quatro anos de trabalho minucioso, escreveu em seu diário: "Se eu pudesse fazer alguma coisa pela Índia...!"
     Em sua biografia, Cecil Woodham Smith diz que, por volta de 1879, "ela (Florence) tinha chegado a um profundo desespero: não havia progressos na Índia; depois de vinte anos de sacrifícios e esforços, não havia conseguido melhorar nada".
     No entanto, havia escrito para todos os oficiais médicos da Índia, tendo redigido um estudo detalhado de seus relatórios. Bastava mais higiene e suprimentos de água potável para que a taxa de mortalidade no Exército se reduzisse drasticamente. Para Florence, o sofrimento e a pobreza de cidadãos comuns era um pesadelo.
     Em junho daquele ano, seu principal aliado, o vice-rei da Índia, morreu, e o trabalho proposto foi arquivado. Não se criou qualquer comissão para estudar a irrigação; não se puseram em prática as recomendações sanitárias feitas quinze anos antes. Toda a reforma falhara.
     Então, em 2 de fevereiro de 1880 sua mãe, Fanny, morreu. Florence, aos 60, estava livre finalmente.
     Em 1879, escrevera: "Você sabe qual foi o pior período de minha vida? Não os da Guerra da Criméia. Não os cinco anos em que Sidney Herbert esteve à frente do Ministério da Guerra, quando eu trabalhava 22 horas por dia, mas os últimos cinco anos e nove meses, desde a morte de meu pai".
     Entretanto, de alguma forma, aqueles anos terríveis haviam curado todas as velhas feridas.

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"Embora eu seja conhecido como o fundador da Cruz Vermelha e como aquele que deu origem à Convenção de Genebra, na verdade tudo isso se deve a uma mulher. O que me inspirou a ir para a Itália na guerra de 1859, foi o trabalho da senhorita Florence Nightingale na Criméia".
Henry Dunant,
Prêmio Nobel da Paz de 1901

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     O fato de ter de cuidar da pobre Fanny e de conseguir finalmente conhecer melhor a irmã deu a Florence um sentimento de tranquilidade e aceitação. A família recorria a ela sempre que precisava de consolo e de conselhos. Nem mesmo suas derrotas pareciam perturbá-la como antes.
     Devotou décadas a suas causas.
     A despeito da sensação recorrente de fracasso, Florence tinha muitas provas do contrário. A Índia passava agora por novas reformas.
     Sentia-se muito melhor — mas sua vida ainda girava em torno do trabalho. Não atendia ninguém que a visitasse sem ter marcado antes.
     Durante todo o tempo que viveu, presenciou mudanças incríveis na medicina — clorofórmio, éter, o trabalho de Lister com antissépticos, as revelações de Pasteur sobre os micróbios. Os hospitais haviam sido transformados. Sua vida e seu trabalho eram como uma ponte entre dois séculos. Já com 73 anos de idade, preparou uma conferência sobre boa e má enfermagem para a Exposição de Chicago sobre o Trabalho da Mulher. Sua reserva de conhecimentos, acumulada por toda uma vida de pesquisas e experiências, era formidável.
     O mundo de Scutari estava a anos-luz de distância.

A velhice
Depois de uma vida tempestuosa, a velhice de Florence Nightingale foi feliz e pacífica. Estava cercada de pessoas que amava. Suas recompensas chegaram tarde, mas vieram afinal.

Florence Nightingale na velhice, serena e bonita. Ela combinava em sua personalidade o melhor de duas virtudes — firmeza e bondade. Sempre foi amada, quase venerada. Muitos políticos e jovens enfermeiras literalmente deram a vida por Florence e suas causas.

     Continuou a manter o controle sobre a administração de sua casa; tinha cinco empregados, sem contar a camareira particular e o velho mensageiro que entregava notas e cartas suas por toda a Londres. A casa vivia, é claro, imaculada e organizada nos mínimos detalhes. Havia sempre flores em todos os vasos; e a cama da senhorita Nightingale apresentava sempre lençóis limpíssimos.
     Também se deliciava entrevistando jovens que queriam ser enfermeiras, apreciando seus comentários e analisando seu caráter.
     Nesse tempo, Parthe e ela já haviam colocado de lado suas diferenças. Florence cuidou de Parthe nos últimos anos de vida da irmã, quando esta ficou doente, sem nunca perder a paciência, apesar de suas inconveniências.
     Depois da morte de Parthe, em 1890, Florence, destemida diante dos anos que avançavam, começou a treinar inspetores sanitários. Também continuou escrevendo cartas e interferindo da melhor forma possível nas questões públicas.
     Sua vista começou a falhar e ela ficou quase cega, mas, exceto por isso, sua saúde estava melhor do que nunca. Vivia alegre e mostrava essa alegria no rosto, um rosto redondo, bochechudo, muito mais suave que o de quarenta anos atrás. Não demonstrava mais desespero diante da vida, não mais esperava morrer. "Há tantos motivos para viver", escreveu em 1895. "Perdi muito com fracassos e desilusões, mas, sabe, a vida me é muito mais preciosa agora que estou velha".

Um memorial adequado
Gradual e silenciosamente, a infatigável senhorita Nightingale começou a se apagar. O corpo que até então havia passado por tantas situações, que havia suportado as agruras da guerra na Criméia e inumeráveis doenças, não desistia facilmente. Em 1901 estava completamente cega. Os filhos dos primos liam em voz alta para ela. Em troca, ela recitava poemas famosos ou então cantava para eles com uma voz tão doce quanto a que possuía naqueles dias distantes que passou na Itália.

O quarto em que Florence passou os últimos anos de vida. Morreu aí, aos 90 anos.

     Mais tarde sua mente entrou em colapso total — em 1906, os empregados da casa tiveram de informar o Ministério da Índia de que não havia mais sentido em enviar a Florence relatórios sobre questões sanitárias.
     Em novembro de 1907 o rei Eduardo VII concedeu a Florence a Ordem do Mérito — era a primeira vez que uma mulher a recebia. A Ordem foi entregue por um representante do rei em sua casa de Londres, mas Florence mal conseguiu entender o que estava acontecendo. Depois de murmurar: "Muito gentil, muito gentil", voltou a dormir.
     Em 1909, o Relatório da Assistência Social fez recomendações assegurando que todas as reformas propostas por Florence seriam levadas a efeito. Então, em maio de 1910, veio o jubileu da Escola de Treinamento Nightingale, que foi comemorado com um encontro no Carnegie Hall de Nova York. A essa altura, mais de mil escolas de treinamento haviam sido fundadas só nos Estados Unidos, e as conquistas de Florence foram aclamadas no encontro.
     No entanto, ela não tornou conhecimento de nada disso. Foi ficando cada vez mais fraca e, no dia 13 de agosto de 1910, aos 90 anos, dormiu para não mais acordar.


Enfermeiras lotaram ônibus e mais ônibus para prestar homenagens a Florence Nightingale em seu funeral, em 1910. Ela se mostrara, acima de qualquer dúvida, uma das pessoas mais influentes e amadas de seu tempo.

     De acordo com seus próprios desejos, Florence foi enterrada sem barulho e sem a mínima pompa, perto da residência da família, em Embley. Seu caixão foi carregado por seis sargentos do Exército britânico.
     Apenas uma pequena cruz marca seu túmulo.
     “F.N. Nasceu em 1820. Morreu em 1910".
     Ela não queria uma lembrança maior do que essa.

Claydon House, onde Florence viveu seus últimos dias. Ela veio de um ambiente de conforto e dignidade e não precisaria ter olhado para os pobres e para os sofredores, ficando protegida em seu mundo abastado.




Glossário

Anestésico: Uma droga para suprimir a dor, permitindo ao médico operar uma pessoa sob seu efeito.
Anglicano: Um membro da Igreja da Inglaterra, que funciona sob as ordens do arcebispo da Cantuária.
Caserna: Local em que os soldados vivem. Antigamente, quase não havia saneamento.
Cólera: Grave infecção do aparelho digestivo causada pela água contaminada. Os principais sintomas são cólicas estomacais, diarreias e vômitos. No tempo de Florence, era quase sempre fatal.
Criméia, Guerra da: De 1854 a 1856, essa guerra envolveu a Grã-Bretanha, a Turquia, a Sardenha e a França contra o império russo. A Rússia tentava expandir seu território até o mar Negro, às custas da Turquia. A maior parte dos combates se deu em Varna, que hoje fica na Bulgária, e na península da Criméia.
Disenteria: Outra doença grave do aparelho digestivo, causada pela água contaminada. O principal sintoma é a diarreia, que apresenta sangue ou muco (um fluido viscoso).
Epidemia: Surto de qualquer doença infecciosa que se espalha rapidamente.
Estatística: Um conjunto de fatos e números sobre um tópico qualquer, que permite uma visão geral do assunto. Florence era brilhante em matéria de coletar dados sobre saúde e hospitais.
Mandado judicial: Um documento que autoriza uma pessoa ou um grupo a fazer alguma coisa.
Parasitas: Qualquer pequeno animal ou inseto prejudicial aos humanos. Eles variam de ratazanas e camundongos, que comem e contaminam nossos alimentos, a moscas, piolhos e outros insetos que vivem do sangue humano. Os parasitas aparecem sempre quando não há condições sanitárias adequadas.
Península: Um pedaço de terra que é quase uma ilha. Liga-se ao continente por uma estreita faixa de terra conhecida como istmo.
Protestantes: Cristãos que não reconhecem a autoridade do papa. Em geral, pertencem às Igrejas que se fundamentam nos sistemas elaborados por Lutero e Calvino.
Saneamento: Hoje em dia, relaciona-se mais a sistemas de drenagem e de esgotos, mas na época de Florence abrangia tudo o que se relacionava com alp saúde pública.
Tifo: Uma doença altamente infecciosa. Os principais sintomas são febre alta, manchas arroxeadas na pele e dores de cabeça fortíssimas.

Vitoriano: A rainha Vitória governou a Grã-Bretanha de 1838 a 1901. Esse período ficou caracterizado por ideias, posturas e estilos conservadores, geralmente descritos pela palavra "vitoriano".




Datas Importantes

1820 12 de maio: Florence Nightingale nasce em Florença, Itália.
1837 7 de fevereiro: Florence sente a "chamada divina" para ajudar os outros.
1844 Florence percebe a vocação para trabalhar com os doentes no hospital.
1845 Florence tenta fazer treinamento na Enfermaria de Salisbury, mas é derrotada pela   oposição da família.
1846-1853 Florence estuda sobre hospitais e saneamento em segredo.
1847 Depois de uma doença, Florence vai para Roma. Conhece Sidney Herbert e sua esposa.
1849 Richard Monckton Milnes pede Florence em casamento. Em novembro, Florence está à beira de um colapso nervoso. Os Bracebridge levam-na para o Egito e para a Grécia.
1850 Julho: os Bracebridge conseguem que ela visite Kaiserswerth por duas semanas.
1851 Julho: Florence finalmente vai trabalhar no Kaiserswerth por três meses. Seu pai teve de aceitar sua vontade de ser enfermeira.
1853 Abril: Florence aceita o posto de superintendente de um hospital particular de Londres. O pai concorda.
1854 A Grã-Bretanha, a França e a Turquia declaram guerra à Rússia. Agosto: durante uma epidemia de cólera, Florence trabalha como voluntária no hospital Middlesex, em Londres. Setembro: os exércitos aliados desembarcam na Criméia. 15 de outubro: Sidney Herbert (Secretário de Guerra) pede a Florence para liderar um grupo de enfermeiras em Scutari. 5 de novembro: o grupo chega ao Hospital Militar, em Scutari. Dezembro: o sistema de apoio ao Exército é interrompido. Florence cuida de todo o serviço médico aos soldados.
1855 Florence se propõe a melhorar os serviços e as provisões médicas, apesar de estar trabalhando até vinte horas por dia. 10 de maio: Florence pega a febre da Criméia. 29 de novembro: na Grã-Bretanha, nasce o Fundo Nightingale.
1856 29 de abril: declara-se a paz. 16 de julho: o último paciente deixa o hospital de Scutari. 28 de julho: Florence volta à Inglaterra e trabalha para reformar o sistema de saúde do exército. Setembro: ela conhece a rainha Vitória e pede uma comissão real para a organização médica do exército.
1857 5 de maio: criada a Comissão Sanitária Real para a Saúde do Exército. Florence trabalha incansavelmente. Também está escrevendo suas Notas sobre Questões Que Afetam a Saúde, a Eficiência e a Administração Hospitalar do Exército Britânico.
1858 Parthe se casa com Sir Harry Verney. Dezembro: Florence publica uma edição popular de suas Notas.
1859 Maio: emite-se o mandado que cria a comissão sanitária da Índia. Dezembro: Notas sobre Enfermagem é publicado. 1860 24 de junho: é aberta a Escola de Treinamento Nightingale.
1861 2 de agosto: Herbert morre. Florence fica chocada. Inaugurada em Liverpool a primeira escola de treinamento para enfermeiras. No King's College Hospital, abre-se a Escola de Treinamento Nightingale para parteiras.
1862 Florence esboça o sistema de custos para o Serviço Médico do Exército.
1867 Ela se torna a conselheira número 1 do Ministério do Exército para questões de saúde.
1864 Janeiro: Florence (com outros) completa seu Sugestões a Respeito de Trabalhos Sanitários Exigidos para a Melhoria das Estações da Índia. Fevereiro: Florence recruta enfermeiras para trabalhar na enfermaria do asilo de Liverpool.
1865 Florence começa a trabalhar na reforma administrativa do asilo de pobres.
1866 Novembro: Florence escreve um relatório sobre a reforma dos asilos de pobres e o submete a um inquérito do governo.
1867 Março: aprovada a Lei de Assistência Social Metropolitana. Junho: depois do fechamento da Escola Nightingale de Treinamento de Parteiras devido a uma epidemia, Florence começa a coletar dados sobre mortalidade infantil. Leva três anos.
1870 Julho: durante a Guerra Franco-Prussiana, é fundada a Cruz Vermelha britânica. Florence pede doações. Mais tarde, recebe condecorações por todo o seu trabalho.
1872 Julho: Florence visita sua família. Sente que deve ajudar, pois seus pais estão velhos.
1873 Abril/maio: Florence e um cirurgião do St. Thomas montam um novo plano de instrução para a Escola Nightingale. Ela se envolve ainda mais com as alunas.
1874 10 de janeiro: morre o pai de Florence. Ela tem de cuidar da mãe.
1876 Florence escreve ao The Times sobre enfermagem de bairro. Reimpresso, o folheto atinge duas edições.
1877 Em 1877 há um sério período de fome na Índia. Em 1878-1879, 1879 Florence faz       campanha pela irrigação e pela verdade sobre a fome, escrevendo incontáveis artigos e cartas.
1880 2 de fevereiro: morre a mãe.
1883 Parthe fica doente. Florence assume o controle.
1887 Índia: promovem-se sistemas de irrigação e uma reforma agrária; permite-se a entrada de enfermeiras nos hospitais militares.
1890 Maio: Parthenope morre.
1896 Florence nunca mais sai do quarto.
1901 Florence perde a visão: fica em coma quase o tempo todo.
1907 Eduardo VII confere-lhe a Ordem do Mérito, a primeira dada a uma mulher.

1910 13 de Agosto: Florence morre dormindo.







Título da série:

Personagens que mudaram o mundo

Os grandes humanistas

Título deste volume: FLORENCE NIGHTINGALE

Autora deste volume: Pam Brown

Editora da obra original: Helen Exley

Tradução: Ibraíma Dafonte Tavares

Edição: Esníder Pizzo

Copyright © Pam Brown, 1988 — Copyright Exley Publications, 1988
Publicado pela primeira vez na Grã-Bretanha por Exley Publications Ltd, 16 Chalk Hill, Watford, 1988

Copyright © 1993 by Editora Globo S.A. para a língua portuguesa, em território brasileiro.