Barro, o barro onipresente das planícies aluviais do sul da Mesopotâmia, foi o material com que se construiu a primeira civilização do mundo. O barro, moldado em blocos retangulares de tamanho uniforme, era usado na construção de casas, templos e muralhas. Nas tabuletas de barro amassado os cidadãos registravam suas transações comerciais, suas leis e os rituais de sua religião. Com o barro moldado e cozido produziam utensílios para cozinhar e armazenar. Figurinhas de argila, de seres humanos e de animais, representavam as imagens que os primeiros escultores tinham do mundo a seu redor. Mas acima de tudo, o barro oferecia a fértil camada superior do solo, que alimentava as colheitas das quais dependiam as cidades.
Se as safras de trigo e cevada quebravam, a cidade também ia à falência. E não apenas devido à falta de alimento, pois as colheitas significavam mais que simples sustento: os excedentes agrícolas liberavam os lavradores do trabalho do campo, permitindo que se tornassem artesãos ou comerciantes; a organização de projetos essenciais de irrigação gerava uma hierarquia de governantes e administradores; a exportação de grãos compensava a importação de artigos de luxo e o conseqüente aumento das riquezas atraía imigrantes e mercadores. Tudo que caracteriza uma cidade moderna reduzia-se, em última análise, ao barro.
Por volta de 3500 a.C. a civilização da Suméria, no Oriente Médio, começou a erguer-se do barro da Mesopotâmia, ao longo das águas generosas dos rios Tigre e Eufrates. Mas as cidades sumérias não foram as primeiras: já em 8000 a.C., cerca de 3 mil pessoas residiam em Jericó, cidade situada ao lado de uma fonte de água fresca no vale do rio Jordão. Mas a grande realização dos sumérios foi unir diversos povoados sob um só governante, com as mesmas leis, os mesmos deuses e a mesma cultura. Como pioneiros da civilização, os sumérios foram, por algum tempo, os únicos na Terra; outros, porém, haveriam de se seguir em breve. O barro do Egito, da China e da Índia era tão produtivo como o da Mesopotâmia e ao longo de alguns dos maiores rios do mundo – o Nilo, o Indus e o rio Amarelo – pequenas comunidades ribeirinhas floresciam e se transformavam em civilizações desenvolvidas.
Uma vez acesa a chama, era impossível extingui-la. As populações citadinas foram sempre aumentando em porcentagem, no total mundial, por vezes formando espetaculares centros de progresso humano: Roma, no século I d.C., foi a primeira cidade do mundo a ter um milhão de pessoas; Chang’na, capital da China imperial, atingiu a mesma população alguns séculos depois. Maravilhas de seu tempo, essas cidades e outras semelhantes eram apenas um presságio do que o futuro traria. Com o alvorecer da era industrial, a evolução da humanidade em direção à vida urbana transformou-se numa explosão. Ruas foram asfaltadas, muralhas erguidas e as cidades se espalharam pelos campos, num vendaval de tijolos, cimento e concreto. Em 1990, havia metrópoles que abrigavam até 20 milhões de habitantes em seus vários centros, em vastos conglomerados urbanos. Mas o importante não era o tamanho das cidades e sim as mudanças que produziram na vida de seus habitantes. Sua existência agitada atuou como uma força propulsora da mudança social e as exigências de convívio estimularam a criação de novos códigos de comportamento. O próprio conceito de lei, por exemplo, diferenciou os primeiros moradores urbanos de seus primos do campo; na Atenas clássica, as exigências do demos, ou seja, das pessoas comuns, produziram a democracia; e a experiência das cidade industriais do século XIX incentivou Karl Marx e Friedrich Engels a escreverem seu Manifesto Comunista. A mudança não se limitou à política. Na arte e na arquitetura, na educação e no lazer, no crime e no comércio, em quase todos os campos do empreendimento humano, a proximidade entre os homens desencadeou inovações.
Entre o barro e a metrópole, a evolução das cidades foi um dos fenômenos mais importantes da história da humanidade – e, na verdade, do planeta. Durante cerca de 4,5 bilhões de anos a vida na Terra se desenvolveu de acordo com as leis da seleção natural. Cada planta, cada animal, existia dentro do seu próprio nicho ecológico, adaptado à realização de uma determinada tarefa, dentro de determinado habitat, numa cadeia interdependente de sobrevivência. Os seres humanos, assim como todas as outras formas de vida, também se sujeitavam a esse padrão. Talvez tenham sido mais inteligentes do que a maioria das outras criaturas, mas seu papel ainda se limitava ao de caçadores-coletores, percorrendo as áreas habitáveis do globo em busca de comida.
Com o advento das cidades, porém, esse padrão se desfez para sempre. Ao transformar seu habitat, a humanidade encontrou um novo nicho – na verdade, não apenas um nicho, mas tantos quantos a mente pudesse conceber. Sim, pois a chave da vida urbana era a oportunidade. Uma vez libertados da coerção imposta pela busca diária de alimentos, os moradores da cidade podiam especializar seus trabalhos: cestaria, cerâmica, tear, tecelagem, preparo do couro, carpintaria, construção – o que quer que o mercado comportasse. E à medida que o mercado se tornava mais amplo e diversificado, também aumentavam as oportunidades. O impacto dessa mudança, à primeira vista simples, foi enorme. As pessoas não precisavam mais lutar apenas para sobreviver como caçadores e coletores; havia agora um leque quase ilimitado de ocupações a seu dispor. Na verdade, a humanidade se desviara da escala evolutiva.
Não foi um salto repentino, mas sim uma série de mudanças milimétricas, durante milhares de anos. O paradoxo é que a própria natureza favoreceu esse afastamento da ordem natural. No final da última Idade do Gelo, por volta de 10 mil anos antes de Cristo, a Terra voltou à vida. As geleiras derreteram, revelando os continentes que jaziam sob sólidas camadas de gelo e libertando a água, antes imobilizada. O nível dos mares elevou-se e os ventos começaram a soprar, trazendo chuva e fertilidade para áreas estéreis. Nesse novo mundo próspero tornou-se cada vez menos necessário para os seres humanos perambular em busca de comida. Em certas áreas era possível levantar acampamentos que duravam o ano todo, pois os recursos do campo bastavam para satisfazer as necessidades do grupo. Dos assentamentos ao cultivo da terra, foi apenas um passo. Por volta de 7000 a.C. esses primeiros aldeões já dominavam a arte de controlar as colheitas e domesticar os animais, passando de nômades sedentários a agricultores experientes.
O novo modo de vida era de uma produtividade espantosa: o mesmo terreno que antes sustentava um caçador-coletor podia agora alimentar cerca de duzentos agricultores. Todas as outras atividades também se expandiam, pois os trabalhadores liberados do campo passavam a especializar-se. Construíram-se muralhas em torno desses povoados agrícolas, para proteger tanto seus habitantes como os estoques de cereais contra ataques de nômades. A segurança, juntamente com a abundância de alimentos e de produtos manufaturados, agia como um imã para os agricultores dos arredores e assim a população das aldeias foi crescendo.
Nem todos que chegavam a essas comunidades vinham para ficar. Muitos eram mercadores, de passagem. Desde que os agricultores começaram a acumular o excedente de suas colheitas, haviam percebido que esses bens poderiam ter outras utilidades, além de alimentar as pessoas. Era possível trocá-los por outros produtos necessários, ou mesmo por artigos de luxo que existiam apenas em outras regiões. Aos poucos os comerciantes foram se afastando cada vez mais de suas bases, exportando novas tecnologias, como o trabalho com metais e a fabricação de vidro, e trazendo de volta novas mercadorias e novas idéias.
Nas transações comerciais era preciso registrar a natureza e a quantidade dos bens. Desde o quarto milênio antes de Cristo os mercadores do Oriente Médio registravam suas transações comerciais em tabuletas de argila, usando símbolos compreendidos por todos – por exemplo, um crescente horizontal podia representar o gado com chifres. Com o passar do tempo, esses símbolos se desenvolveram em uma escrita pictográfica capaz de registrar não só objetos, mas também ações: o símbolo para comer mostrava uma cabeça justaposta a um traço que podia significar o alimento.
Esses avanços exerceram um profundo efeito na estrutura social das comunidades agrícolas. As antigas relações de lealdade à família ou ao clã iam se ampliando, à medida que as pessoas se agrupavam em trono de projetos comunitários, tais como a irrigação ou a defesa das terras. Os artesãos especializados uniam-se para atender às necessidades da vizinhança, e assim as aldeias agrícolas transformavam-se em pequenos centros, nos quais um agricultor podia trocar por um arado de bronze, uma jarra de barro ou uma cama de madeira, seus excedentes de cereais ou de gado. A estratificação social foi se delineando à medida que agricultores bem-sucedidos foram comprando terras de seus confrades menos afortunados e estes por sua vez talvez precisassem ganhar a vida vendendo seu trabalho. A existência de uma classe de mercadores passou a requerer uma legislação – que foi codificada pelos emergentes escribas – acerca de uma legião de assuntos: transações comerciais, taxas de embarque, preços, salários e taxas de câmbio para metais preciosos como o ouro e a prata. Com o crescimento do número de leis, surgiu um governo central e serviços públicos para administrar as múltiplas atividades das cidades.
Quando todos esses fatores interdependentes se reuniram numa única sociedade, criou-se uma cidade. Por volta de 3500 a.C. coube aos sumérios, que viviam no sul da Mesopotâmia, conduzirem o mundo para a civilização.
Um grande beneficiário do grande degelo foi o Crescente Fértil, uma área verdejante que se estende desde o golfo Pérsico, seguindo os rios Tigre e Eufrates, até as montanhas da Anatólia e desce pela costa oriental do Mediterrâneo. Nessas planícies produtivas cresciam plantações de trigo e cevada e nas encostas de suas montanhas havia florestas cheias de vida. Essa fertilidade natural não podia passar despercebida aos caçadores e coletores da região, que aos poucos começaram a abandonar seu estilo de vida nômade e se assentar em comunidades agrícolas.
Entre os povos que fizeram isso estavam os sumérios, cujas possíveis origens remontam ao nordeste do Crescente Fértil, mas que, por volta do quarto milênio antes de Cristo, haviam chegado às férteis terras em torno do curso inferior do Tigre e do Eufrates, logo acima do ponto em que esses dois rios convergem, antes de desembocarem no golfo Pérsico.
Não parecia ser um local indicado para o nascimento da civilização: não havia pedra ou madeira para as construções, nem metais ou pedras preciosas para a exportação. Apenas hectares e mais hectares de barro. Porém isso bastava. Séculos de cheias do Tigre e do Eufrates haviam depositado uma rica camada de sedimentos aluviais e era relativamente simples desviar a água dos rios e construir canais de irrigação, que transformaram vastas regiões áridas numa mina de ouro agrícola. A produtividade da terra, que já parecia infinita, aumentou ainda mais com duas conquistas dos sumérios: um arado mais resistente, com lâminas de bronze, e a roda, inventada por volta de 3000 a.C. As águas que alimentavam a terra também ofereciam uma rota para o comércio; os cereais excedentes eram exportados, em troca dos artigos que faltavam na região.
As colheitas iam e vinham, os estoques de alimentos cresciam e a população agrícola aumentava. As aldeias se tornavam cidadezinhas e estas se transformavam em cidades. Em meados do terceiro milênio, os sumérios já haviam estabelecido sua hegemonia política e cultural em grande parte da Mesopotâmia. Em uma dezena de comunidades, incrementaram a irrigação, o comércio, a formulação de códigos legais e o estabelecimento de governos centrais. Dessas comunidades nasceram as cidades-estado – as primeiras foram Ur, Eridu, Uruk, Nipur e Larsa -, cuja jurisdição abrangia tanto a cidade quanto as áreas rurais ao redor.
De todos os laços culturais que uniam essas cidades-estado, seria o da religião que deixaria as marcas mais profundas na paisagem urbana. Cada cidade adotara um deus ou, segundo a mitologia suméria, fora escolhida por um deus para sua morada terrena. Acreditava-se que a cidade era propriedade pessoal daquela divindade e de sua família e, em conseqüência, o templo, elevado sobre uma plataforma de barro, era o ponto focal da vida cívica. Quando um templo caía, construía-se um novo no mesmo local sagrado; aos poucos, à medida que sucessivos edifícios foram sendo erguidos sobre plataformas de entulho cada vez mais altas, o templo foi assumindo a forma de uma estrutura em degraus – conhecida como “zigurate” -, acima do labirinto das moradias.
O deus da cidade comunicava-se com os cidadãos através de um representante humano conhecido como en, enquanto as decisões legais, ao menos nas cidades primitivas, eram tomadas de maneira democrática, por um sistema bicameral formado por uma assembléia de todos os cidadãos livres e uma câmara superior de anciãos. Contudo, em situações de emergência os cidadãos nomeavam um lugal, ou rei. Em certas ocasiões os cargos de lugal e en se combinavam, e o rei era também o representante do deus na Terra. Com o tempo, o cargo de lugal tornou-se permanente e, por fim, hereditário, o que originou o poder dinástico. Ao mesmo tempo, as famílias mais ricas compravam terrenos e contratavam camponeses sem terra para cultivá-los, criando o núcleo da nobreza.
A silhueta característica do zigurate devia ser familiar para quem viajava entre as cidades da Suméria. Também conhecidas – e entristecedoras – deviam ser as muralhas, pois, apesar das fortes afinidades culturais, as cidades-estado sumérias permaneciam isoladas e independentes. Muitas vezes próximas entre si, com as bordas de seus campos se tocando, viviam em constante disputa acerca dos limites e direitos de irrigação. Com freqüência esse antagonismo explodia em conflitos armados. Mesmo quando não estavam lutando uns contra os outros, os sumérios estavam sempre em guarda, contra os ataques das tribos que vinham , do deserto a oeste ou das cordilheiras a leste. Foi apenas em 2334 a.C., cerca de mil anos depois do surgimento das primeiras cidades, que um rei chamado Sargão assumiu o controle, inicialmente da Suméria e depois de toda a Mesopotâmia, impondo um sistema de governo que, centralizado em uma cidade, dominava todo o país.
Os herdeiros da unificação de Sargão foram os reis de Ur, cidade que em 2112 a.C. atingiu o clímax da prosperidade e governou toda a Mesopotâmia, desde as montanhas da Anatólia até o golfo Pérsico. Durante o século seguinte, os governantes desse império empreenderam um eficiente programa de construções públicas, supervisionadas por arquitetos especializados. O zigurate de Ur foi reconstruído, com uma estrutura de três andares e belas proporções. Cada terraço, revestido de tijolos cozidos e decorados com mosaicos, provavelmente era arborizado. No topo, a 20 metros de altura, havia o altar da divindade protetora de Ur, Nana, deus da Lua, ao qual se chegava por uma série de escadarias. O recinto do zigurate era delimitado por muralhas e um complexo religioso, com pátios e salas de culto. Do lado de fora desse conjunto ficava o Palácio Real, o armazém do templo e a residência dos altos sacerdotes. Esse conceito arquitetônico repetiu-se por toda a Mesopotâmia nos próximos 1500 anos.
Em torno do templo e do conjunto real de Ur ficava a cidade propriamente dita – um labirinto de 60 hectares de casas de dois andares, feitas de tijolos de barro, dispostas em ruazinhas e vielas serpenteantes. Não havia planejamento; as casas iam brotando aleatoriamente, conforme os terrenos iam sendo adquiridos. As ruas sem calçamento transformavam-se em atoleiros nas épocas de chuva. É provável que os veículos com rodas fossem deixados nos portões das cidades, enquanto dentro das muralhas, nas ruas estreitas, trefegavam apenas pedestres e animais de carga. Para facilitar o trânsito, os cantos das casas eram arredondados e nas ruas havia blocos que serviam de apoio aos cavaleiros, para montar.
Havia preocupação com direitos públicos: “Se uma parede estiver ameaçando cair e as autoridades já tiverem avisado seu proprietário”, rezava uma lei, “e se ele não reforçar a parede, a qual vier então a cair e causar a morte de um homem livre, trata-se de crime capital”. Mas dava-se pouca atenção à higiene pública, embora os templos dispusessem de um impressionante sistema de escoamento de esgotos por meio de canos de argila cozida, correndo a cerca de 12 metros abaixo da superfície. Não se negligenciavam as defesas: a cidade era protegida por um enorme baluarte rodeado por uma sólida muralha de tijolos cozidos. Em períodos de paz, os cidadãos sentiam-se em segurança para residir nos subúrbios, que se estendiam por cerca de 1,5 quilômetro além das muralhas. Mais adiante ficavam os campos irrigados, de cujo produto dependia a cidade de Ur.
Entre os 20 mil cidadãos de Ur incluíam-se sacerdotes, funcionários do templo, escribas, administradores, professores e todo tipo de artesãos, desde rebitadores até carpinteiros. Mas talvez os membros mais apreciados da comunidade fossem os mercadores. Dentro dos muros da cidade havia dois portos artificiais ligados ao rio Eufrates por meio de canais, de onde a marinha mercante levantava velas em direção ao golfo Pérsico e à principal parceira comercial da cidade, a pequena ilha de Dilmur, a atual Bahrain. Ao retornar, traziam artigos de luxo para satisfazer às mais sofisticadas exigências – jarras de ouro e prata com finas decorações, jóias, intricados adornos para os cabelos, cosméticos e caixinhas para toalete.
Os sinetes de pedra com que os mercadores marcavam as importações e exportações, e os registros dos carregamentos inscritos em tabuletas de argila revelam uma grande rede comercial, que se estendia desde o vale do Indus e o Afeganistão, a leste, até o Egito e o Líbano, a oeste. Por um desses registros, do segundo milênio antes de Cristo, sabe-se que um navio que chegou carregado de ouro, cobre, pérolas, marfim, madeiras e pedras preciosas. Com seu zelo burocrático, os escribas registravam quase todos os aspectos do comércio e da administração. Os velhos símbolos pictográficos evoluíram para uma escrita retilínea, mais fácil de gravar na argila; por volta de 2500 a.C. já se representava a linguagem falada, permitindo expressar idéias. Com esse novo instrumento de comunicação, eles registravam o número de trabalhadores nos campos do templo, a quantidade de trabalho necessária para cortar juncos, tosquiar carneiros ou tecer. Os escribas elencavam as rações de alimento e de cerveja que serviam para pagar os salários; os presentes de animais a autoridades em troca de “serviços prestados”; os sacrifícios aos deuses e os presentes ao rei, oferecidos por embaixadores e vassalos estrangeiros.
Para administrar os amplos domínios do rei, trabalhavam no templo de Ur o tesoureiro, ministros da guerra, da agricultura, da justiça e da habitação, o administrador da casa real, o mestre do harém real, e os administradores do trabalho com gado, laticínios, pesca e transporte em burro. A Mesopotâmia estava dividida em cerca de quarenta ou cinqüenta cidades-estado, cada uma governada por um ensi, que em geral prestava contas diretamente ao rei e que, para evitar o fortalecimento local, era freqüentemente transferido de distrito. Os comandantes das guarnições distritais também prestavam contas diretamente ao rei; se surgisse uma disputa entre um comandante distrital e um ensi, ela era resolvida em um tribunal. Um eficiente sistema de mensageiros garantia informações constantes ao rei sobre os acontecimentos nos diversos distritos.
O domínio de Ur sobre a Mesopotâmia duraria apenas um século. Nos séculos seguintes, porém, sobreviveu o sistema de sólida administração central e coesão social estabelecido pelos sumérios de Ur. Vezes sem conta os conquistadores ou invasores descobriram que não havia sistema melhor e assim adaptaram-no a seus propósitos.
Apenas cerca de três séculos separam o início da civilização egípcia de sua vizinha mesopotâmica. Ambas surgiram da mesma conjunção de causas naturais e sociais; o Egito, porém, profundamente conservador e voltado para si mesmo, desenvolveu-se de maneira totalmente diversa.
Tal como seu equivalente mesopotâmico, o rico solo de aluvião deixado pelas cheias anuais do Nilo constituía um terreno fértil. Por volta de 3500 a.C., os excedentes agrícolas da região já alimentavam uma civilização dispersa, que desenvolvera ofícios especializados, um panteão de deuses e a arte de escrever com hieróglifos. Porém, ao contrário da Mesopotâmia, o Egito era um país fechado. Limitado de ambos os lados pelo deserto, o vale do Nilo estava a salvo de invasões. E não demorou muito para que um rei conquistasse a hegemonia sobre toda a área, estabelecendo a capital de um reino unido em Mênfis, bem ao sul do delta do Nilo.
Esse antigo reino egípcio, que antecipou em oito séculos a unificação da Mesopotâmia, baseava-se numa sociedade altamente estratificada: uma hierarquia onde figuravam, em ordem descendente, os deuses, o rei, os mortos e a humanidade. O rei, ou faraó, considerado a personificação terrena de um deus, situava-se num pináculo de poder, comunicando-se com seus súditos através dos sacerdotes – com freqüência membros de sua própria família – que eram também os administradores do estado. Essa poderosa oligarquia, que chegou a 5 mil pessoas no ano 3000 a.C., governava uma população estimada em 870 mil habitantes, a maioria dos quais dedicados à agricultura primitiva.
A manutenção do poder dependia da propagação do culto do rei-deus e do temor que ele inspirava. Os primeiros faraós viajavam sem cessar por seus domínios, impressionando os súditos com seu estilo grandioso. Em Mênfis, por exemplo, o palácio real e centro administrativo consistia de um enorme pavilhão retangular erguido sobre pilares de madeira entalhada com ouro, e coberto de palha, ornamentado com tapetes multicores. No entanto, todo esse conjunto podia ser desmontado com facilidade, para acompanhar o faraó em suas viagens.
A reverência dedicada ao faraó exercia um impacto direto na vida da cidade. Embora de início as cidades fossem rodeadas por uma muralha – pois os nômades egípcios eram tão ameaçadores quanto os nômades da Mesopotâmia – a presença unificadora de um governante divino desviava a atenção dos cidadãos dos perigos externos para as glórias internas. As poucas muralhas serviam mais para definir limites do que para a defesa, e as cidades cresceram com a instalação de moradias em um espaço aberto, em torno do templo central dedicado ao faraó ou a uma das divindades suas irmãs.
Assim como na Mesopotâmia, os templos eram mais do que simples locais de culto. Eram centros administrativos, a partir dos quais a burocracia do faraó governava as áreas rurais ao redor; atuavam também como canais econômicos, controlando, coletando e computando a riqueza produzida pelos cidadãos. Dentro daquelas imensas áreas muradas ficavam escritórios, arquivos, armazéns e moradias para as autoridades e sacerdotes. O poder destes era enorme: no século XII a.C., o templo de Ramsés III, em Tebas, sua capital no sul do país, controlava um quinto das terras aráveis da nação, possuía 400 mil cabeças de gado e empregava mais de 86 mil pessoas. Sua riqueza em ouro, prata e metais preciosos era incalculável.
Mas se os templos absorviam a riqueza material do país, também ofereciam aos cidadãos uma boa recompensa espiritual pelo investimento, pois a crença de que a conservação do corpo significava a sobrevivência na vida futura era predominante no pensamento religioso egípcio. Até mesmo os camponeses mais pobres mumificavam seus mortos com areia do deserto. E se a sobrevivência depois da morte era importante para o comum dos mortais, era mais importante ainda para seu rei-deus. E assim a riqueza do país inteiro, seja em força de trabalho, propriedades, produtos agrícolas, minerais e comércio, era direcionada pelos templos para uma só finalidade: a construção de um túmulo à altura do faraó. Na verdade, o Egito transformou-se numa nação de agentes funerários.
Ao longo do Nilo, enormes pirâmides e imponentes câmaras escavadas nas rochas foram criadas para abrigar os restos mortais embalsamados de sucessivos faraós. Sua construção exigia tudo que os templos podiam oferecer. Para construir a Grande Pirâmide de Quéops, em Gizé, iniciada em 2575 a.C., estima-se que tenham trabalhado mais de 100 mil homens, durante vinte anos – um investimento gigantesco de recursos humanos e materiais. Mas o faraó não se contentava em possuir apenas um túmulo. Ele queria manter, no além, o mesmo estilo de vida terrena: rodeado por sua família, seus nobres da corte e seus criados. À medida que os túmulos da aristocracia egípcia iam se agrupando em torno dos de seus senhores, o país se encheu de cidades gêmeas: uma para abrigar os mortos e outra para os trabalhadores dessas construções.
Esses empreendimentos centralizados que dominaram o país deixaram sua marca na construção urbana. No centro de cada cidade dos vivos ficava um complexo que continha templos, palácios e moradias para o faraó, sua família e autoridades como o chefe de polícia, o prefeito e os sacerdotes. Em volta espalhavam-se os subúrbios residenciais dos cidadãos; havia uma mistura de ricos e pobres, mas os mais afastados do centro eram reservados aos trabalhadores.
Em Amarna, que o faraó Aquenaton mandou construir no século XIV a.C. especialmente para ser a capital, a meio caminho entre Mênfis e Tebas, as vilas dos ricos seguiam mais ou menos esse mesmo esquema: salões de recepção com pilares, salas de banho com lavatórios, luxuosas dependências para as famílias e jardins bem cuidados, com terraços, piscinas e nichos decorativos para estátuas. Na periferia desse complexo ficavam as acomodações para os criados, a cozinha e a padaria.
O abismo entre ricos e pobres era grande. Porém como engrenagem essencial na máquina que perpetuava o culto do faraó, os trabalhadores mais humildes não eram negligenciados. Por exemplo, o assentamento de Deir El-Medina, fundado em 1500 a.C. num vale isolado junto a Tebas, abrigava artesãos especializados na construção de túmulos reais. Sendo empregados da realeza, esses operários desfrutavam de privilégios: a água era trazida diariamente, por tropas de burros; seus próprios pescadores forneciam o peixe fresco do Nilo e empregados lavavam suas roupas. Em uma área de pouco mais de meio hectare, uma muralha encerrava cerca de setenta moradias, dispostas em terraços planos e separadas por pequenas vielas. As casas eram longas, estreitas e apinhadas, mas estavam longe de serem cortiços. Em cada uma havia saguão, sala de recepção, oficina e dormitório. Nos fundos ficava a cozinha, em geral com uma escadaria que levava a um celeiro subterrâneo.
Nem todos os artesãos desfrutavam de tantos benefícios. Muitos habitantes das cidades egípcias deviam ser trabalhadores temporários. A massa de mão-de-obra exigida para a construção das tumbas só podia ficar livre do trabalho no campo entre julho e outubro, quando as cheias do Nilo tornavam impraticável o trabalho agrícola. E o material do qual eram feitas as cidades era tão efêmero quanto seus ocupantes: embora o Egito tivesse enormes depósitos naturais de pedra, os blocos tirados das pedreiras eram reservados para os templos e as tumbas. As moradias dos ricos podiam dar-se ao luxo de ter um umbral de pedra ou pilares de madeira importada, mas de modo geral eram feitas de tijolos de barro, assim como as casas dos menos abastados. Com o tempo, todas elas desmoronavam e se transformavam em pó, deixando como único monumento à glória do Egito os túmulos dos faraós, construídos numa escala tão grandiosa que resistia à destruição.
Enquanto os trabalhadores egípcios se esfalfavam erigindo túmulos para seus reis, outro povo bem a oriente empenhava-se na construção de seu próprio legado urbano. Assim como as outras civilizações do mundo antigo, a do vale do Indus prosperou devido à cheia anual de seu rio, cujos ricos depósitos aluvionais propiciaram abundantes safras. Acredita-se que em meados do terceiro milênio a.C. uma crescente uniformidade cultural acarretou o advento de um governo central no vale. Sua capital era, provavelmente, Mohenjo-Daro, perto da foz do Indus, ou então Harapa, 550 quilômetros ao norte, à beira de um tributário do Indus, o rio Ravi.
Era uma sociedade próspera, em que floresciam a agricultura e o comércio. Em grandes centros, intercambiava-se lápis-lazúli, turquesa e metais vindos do Afeganistão, da Pérsia e da Ásia Central; transportados para o sul em carros de boi e tropas de burros, viajavam depois em navios, para o golfo Pérsico. Mas as cidades do vale do Indus também elaboravam seus próprios produtos de exportação, em especial pedras semi-preciosas e madeiras valiosas, como a teca, o cedro e o jacarandá. Era tão grande o fluxo de mercadorias que muitos comerciantes estabeleciam residência permanente como agentes comerciais nas cidades da Mesopotâmia.
Enquanto no Egito e na Mesopotâmia as sociedades se mantinham unidas pela necessidade de organizar e manter os sistemas de irrigação, o rio unia os cidadãos do vale do Indus de outra maneira. As cheias anuais que davam vida ao vale também lhe traziam a destruição: aldeias inteiras tinham de ser evacuadas diante da enorme força do degelo das neves do Himalaia. Por vezes, o rio mudava seu curso, trazendo vida a novas áreas e tornando obsoletos velhos assentamentos. Junto à foz do rio a situação se complicava ainda mais, devido aos terremotos. Em pelo menos três ocasiões, uma enorme camada da crosta terrestre soergueu-se, bloqueando o curso do rio. O lago assim criado ampliou-se, até quase inundar Mohenjo-Daro. Sólidas barragens foram construídas, mas quando chegavam as cheias, a única estratégia era recuar. Enquanto os mesopotâmios e os egípcios trabalhavam para erguer muralhas, túmulos e templos, o povo do Indus dedicava-se a uma tarefa muito mais básica: a de, literalmente, elevar sua civilização acima das enchentes ameaçadoras, construindo enormes plataformas de terra batida e entulho.
Nem sempre eram bem sucedidos: desastres como o de Mohenjo-Daro eram demais até para os engenheiros do Indus. Depois de cada derrota, os cidadãos voltavam a reconstruir suas cidades, tijolo por tijolo, exatamente como eram antes. E o povo do Indus se destacava por ser metódico. Os pesos e medidas foram padronizados, os tijolos de barro cozido tinham tamanho uniforme e uma centena de cidades construídas ao longo do vale seguiam um plano padronizado.
Em Harapa, por exemplo, ergueram uma cidadela sobre um monte, 12 metros acima da planície, revestida com uma espessa camada de tijolos para controlar a erosão. O povo de Harapa não se prevenia apenas em relação às forças da natureza: uma alta muralha, com torres e ameias elevava-se sobre as defesas contra as enchentes. Dentro da cidadela havia escritórios administrativos, templos e as moradias das autoridades. Ao norte, numa elevação um pouco mais baixa, ficava o bairro residencial, ocupando cerca de 260 hectares, com ruas paralelas de cerca de 9 metros de largura. Entre essas artérias principais ficavam grandes quarteirões de casas de tijolo cozido, separadas por vielas nas quais desembocavam as entradas das casas.
Ameaçado pela água, o povo de Harapa aprendeu a conviver da maneira mais eficiente com essa ameaça. Uma característica das cidades do vale do Indus era a sofisticação do sistema de escoamento de água. Muitas casas tinham chuveiros e lavatórios, com encanamentos pelos quais a água servida corria para dutos ou esgotos centrais. Os esgotos, mantidos por uma autoridade municipal, eram forrados de tijolos e tinham aberturas a intervalos regulares para inspeção e manutenção.
O povo do vale do Indus não foi o único a lutar contra o poder de um rio. Segundo a mitologia chinesa, sua civilização originou-se da atuação de um líder chamado Shen Nong, que ensinou a seu povo a arte da agricultura e do comércio, assim como o controle das cheias. Esses conhecimentos eram bem necessários, pois desde o quarto milênio antes de Cristo os agricultores chineses agrupavam-se em aldeias ao longo do rio Amarelo, no norte do país. O nome do rio era bem apropriado; vindo das montanhas do norte, arrastava grande volume da terra amarelada que dá sua cor tanto ao rio como ao mar Amarelo, onde ele desemboca. Isso causava erosão no leito superior e, nos trechos inferiores, os sedimentos acumulados faziam o rio elevar-se acima das planícies, transbordando e causando calamitosas enchentes nos campos e povoados agrícolas.
Ao longo dos séculos, a necessidade de canalizar o rio para a irrigação e também de construir diques para evitar os dilúvios uniu o povo chinês em uma civilização que, em meados do terceiro milênio antes de Cristo, se concentrava em torno de cidades bem fortificadas. Sua sociedade tinha um alto grau de estratificação; a camada mais alta era governada por reis hereditários, sacerdotes e nobres. Os sacerdotes davam um apoio vital para os governantes, pois acreditava-se que tinham acesso ao universo espiritual, do qual traziam sabedoria e premonições. Quando outorgado aos reis, esse conhecimento reforçava sua autoridade para guiar e comandar o povo. No nível inferior ficava a massa do campesinato, que produzia os excedentes agrícolas, servia no exército e fornecia mão-de-obra gratuita em enorme escala para obras públicas como a irrigação e o controle das cheias. Entre as duas camadas havia uma classe cada vez maior de trabalhadores especializados, peritos em ofícios como a escultura em osso e em jade, a fundição de bronze e esmerados trabalhos de cerâmica.
No final do terceiro milênio, as regiões do norte da China uniram-se sob um único líder, Yü, o Grande, cujas origens, segundo a lenda, estavam ligadas ao rio. Em 2297 a.C., depois de uma enchente desastrosa, Yü foi encarregado de domar as águas; treze anos, e o trabalho intensivo de milhares de homens, foram necessários para cumprir a tarefa. O resultado foi um rio tranqüilo – que, segundo se acredita, assim permaneceu por 1600 anos – e o título de imperador para Yü.
O quanto de verdade existe na história de Yü nunca saberemos; mas, segundo a lenda, foi enquanto o rio Amarelo ainda estava sob seu controle que começou a surgir na China a primeira civilização de que se tem notícia. No final do segundo milênio antes de Cristo, os escribas chineses já utilizavam ideogramas para registrar fatos importantes: eventos da corte, proclamações, tratados entre facções da nobreza, a linhagem dos clãs e acontecimentos históricos. E desde cerca de 1500 a.C. eles trabalhavam para senhores bem definidos: a dinastia San, que durante cinco séculos dominou a China e trouxe um governo eficiente – além das complexas competições com carros de guerra e um calendário preciso. O reino central abrangia a maioria dos grupos tribais que viviam ao norte do rio Yan-tse.
Pouco restou das realizações urbanas da dinastia San. Ao registrar as ações dos governantes, os escribas em geral utilizavam materiais perecíveis e as construções eram sobretudo de madeira e barro. No entanto, estudando as fundações dos povoados, pode-se assegurar que os San mudaram a capital várias vezes, mas seguiram sempre um plano semelhante de construção: uma alta muralha de defesa em torno da cidade, quarteirões retangulares de tamanho uniforme e um imponente palácio, que também servia de centro religioso. Enquanto isso, o grosso da população vivia fora das muralhas, em casas simples, com o chão rebaixado em até três metros para oferecer isolamento. Em tempos de crise, porém, a população buscava segurança nas cidades.
As construções da dinastia San deixaram um testemunho concreto de seu poder. Por exemplo, em uma capital, Tsang-Tsow, havia uma muralha de 10 metros de altura e 7 quilômetros de extensão, circundando uma área retangular de 320 hectares. Sua edificação deve ter sido uma tarefa monumental: ela não era de pedra nem de tijolos de barro, mas sim de terra batida, disposta em camadas de 10 centímetros entre pranchas de madeira, e compactada pelos operários, por pisoteamento. Já se avaliou que para construir as muralhas de Tsang-Tsow – com cerca de 20 metros de largura na base – foi necessário o trabalho de 10 mil homens, durante 20 anos.
Não há dúvida sobre a abundância de riqueza e mão-de-obra. Em torno da capital, por uma distância de até 3 quilômetros, espalhava-se uma massa de aldeias que abrigavam a população de Tsang-Tsow. A manufatura operava em grande escala: uma das maiores fábricas de cerâmica da cidade tinha catorze fornos, e uma única fundição de bronze ocupava uma área de mais de mil metros quadrados. Mesmo quando as guerras interrompiam a produção, os cidadãos de Tsang-Tsow não demoravam a aproveitá-las em seu benefício: as oficinas que trabalhavam com ossos produziam grandes quantidades de pontas de flecha e taças feitas de crânios humanos.
Em comparação com o amontoamento desordenado de casebres e oficinas do lado de fora das muralhas, o interior de Tsang-Tsow era um modelo de planejamento organizado. Suas moradias, provavelmente residências dos ricos, seguiam um padrão retangular. Ao norte ficava o palácio – uma construção alongada, com estrutura de madeira, elevada sobre uma plataforma de terra batida e com teto de palha para proteção contra o calor do verão.
Durante os séculos seguintes, o modelo das capitais San seria a base do crescimento urbano da China. De tempos em tempos a dinastia no poder era derrubada – os próprios reis San foram dominados por um povo que era seu súdito, os Tsou, no final do segundo milênio antes de Cristo. Mas nenhum invasor estrangeiro perturbou a evolução da civilização chinesa. Protegidas contra as influências externas, suas cidades cresceram em tamanho e número, tornando-se centros administrativos e cerimoniais de um império que, em meados do primeiro milênio de nossa era, destacava-se como o mais populoso e rico do mundo.
Apesar de todas essas realizações, a vida dos primeiros cidadãos do mundo ainda tinha vínculos imutáveis com suas origens agrícolas. Em muitos casos, sua queda pode ser atribuída aos próprios rios que lhes deram vida.
A civilização do vale do Indus desapareceu de repente, por volta de 2000 a.C. Uma explicação possível é que o rio Indus, cuja domesticação requereu tanto empenho dos povos da região, acabou levando a melhor. Por exemplo, é provável que um desvio no curso do Indus tenha transformado os campos férteis de Mohenjo-Daro em áreas desoladas, acarretando o desaparecimento da cidade. Em outras regiões, a devastação das florestas naturais para fornecer lenha suficiente para queimar milhões de tijolos pode ter causado a erosão, deixando o rio engolir de volta o valioso solo fértil que antes depositara nas margens. Sejam quais forem os motivos, essas antigas e magníficas civilizações se desintegraram; restaram povoados agrícolas isolados e muitos habitantes rumaram para o leste, atravessando a bacia do Ganges, onde uma civilização urbana mais duradora estava prestes a começar. Foi apenas em meados do século XIX da era cristã que os majestosos edifícios de tijolo de Harapa voltaram a ter utilidade: como lastro para a ferrovia britânica Lahore-Multan, na Índia.
A queda da civilização do Indus repercutiu até na Mesopotâmia. Destituída de um de seus principais parceiros comerciais, a cidade de Ur foi decaindo e o centro da civilização passou para a Babilônia, ao norte. Porém, a recessão comercial foi apenas um dos fatores do desaparecimento de Ur. Devido às irregularidades climáticas, o lençol freático afundou e os rios, que antes ajudavam os agricultores de Ur, passaram a agir contra eles. A extensa rede de canais de irrigação dos sumérios, embora criasse novas terras para o cultivo, ia também envenenando os campos. As águas, antes profundas, agora se espalhavam por uma infinidade de canais rasos e ao evaporarem, sob o calor do sol, depositavam resíduos salinos, inutilizando o solo. Ur foi morrendo e, por volta do século IV a.C., havia sido totalmente abandonada.
Também o Egito ficou à mercê de seu rio. Durante o segundo milênio antes de Cristo, uma sucessão de cheias fracas provocou um período de escassez que devastou tanto as cidades como o campo. As safras quebraram e os agricultores passaram a dedicar-se ao pastoreio, abandonando a existência sedentária. No século XII a.C. o preço dos cereais havia aumentado muitíssimo, e até os artesãos da casa real começaram a se rebelar. Em 1153 a.C., os construtores de tumbas de Deir El-Medina pararam de trabalhar e pediram a um escriba para escrever ao faraó, pedindo: “Viemos aqui tangidos pela fome e pela sede. Não temos roupas, não temos gordura, nem peixes, nem verduras. Escreva isto ao Rei, nosso bom senhor, para que nos sejam dados os meios para viver”. E não era só nos alimentos que os cidadãos egípcios sentiam a dureza da situação. O comércio também sofria, e outro motivo de irritação para os artesãos do templo era a escassez do óleo para os banhos. Enquanto o povo, desesperado, lutava para sobreviver, os registros do reino começaram a relatar as tentativas de roubos de túmulos e não a renda dos templos. Isso era o sintoma de um profundo mal-estar e a deterioração era tão evidente para os de fora como para os de dentro. Nos séculos seguintes, sucessivas ondas de invasores varreriam o Egito, consumindo para seus próprios fins tudo o que restara das cidades do reino.
Entretanto, em 323 a.C., um invasor diferente trouxe uma nova esperança para as cidades do Egito e do mundo todo. Alexandre, o Grande, chegou com seus exércitos gregos, primeiramente no Egito e depois por toda a Mesopotâmia, indo até as ruínas do vale do Indus, disseminando as sementes de um novo tipo de civilização. Nos anos seguintes, a marca dos poderosos estados clássicos do Mediterrâneo daria novo ímpeto à evolução das cidades.
PIONEIROS URBANOS é o primeiro capítulo do livro A EVOLUÇÃO DAS CIDADES.
Os demais capítulos são: AS CONQUISTAS CLÁSSICAS; RESPLANDECE O ORIENTE; O OCIDENTE RENASCE; O GRANDE PROJETO e A ERA DA METRÓPOLE.
A EVOLUÇÃO DAS CIDADES é parte integrante da coleção HISTÓRIA EM REVISTA.
Original Edition: Copyright 1991 – TIME-LIFE Books B.V.
Authorized Portuguese Edition: Copyright 1993 – ABRIL LIVROS Ltda.
Tradução e adaptação para a língua portuguesa:
Pedro Paulo Poppovic Consultores Editoriais S/C Ltda.
Tradução: ISA MARA LANDO
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