No Oriente Médio, o sol brilhava no céu
sem nuvens, ressecando a terra e fazendo murchar a rala vegetação que havia
brotado após as escassas chuvas da primavera. Um vento quente soprava do
deserto a sudoeste e agitava a poeira na planície inexpressiva. Nenhuma colina
se elevava no horizonte e eram raras as árvores que proporcionavam abrigo
contra o calor escaldante. Apenas a modorrenta correnteza de dois rios, fluindo
em direção ao sul, rompia a monotonia pardacenta da paisagem.
A água atraíra alguns seres vivos.
Pássaros sobrevoavam os pântanos formados pelo transbordamento dos rios;
cardumes de peixes encapelavam os baixios. Havia também, na região inóspita, um
pequeno número de seres humanos. Eles viviam em precárias cabanas de barro, nos
terrenos úmidos junto aos pântanos. Cultivavam com dificuldade pequenos trechos
de terra e criavam algumas vacas e porcos. A maior pane da planície, contudo,
permanecia sonolenta sob a implacável luminosidade.
Assim era, há 9 mil anos, o vale formado
pelos rios Tigre e Eufrates. Situada no coração do Oriente Médio, mais de 900
quilômetros a leste do mar Mediterrâneo, a região parecia ser um deserto
inaproveitável. No entanto, por volta de 3000 a.C., um panorama assombrosamente
diverso se descortinava naquela planície. Em toda a sua extensão, magníficas
cidades erguiam-se às margens dos rios. Em torno delas, plantações de cereais
se espalhavam como uma maré de fecundidade pela planície outrora estéril.
Bosques de tamareiras agitavam-se ao vento, proporcionando frutos e sombra. No
interior das muralhas espessas que encerravam as cidades, templos imponentes
dominavam tanto as ruas quanto os campos circundantes. Havia palácios e mansões
de alvenaria e inúmeras ruas de casas confortáveis. Pessoas comprimiam-se nas avenidas
e nos mercados; em centenas de oficinas, artesãos produziam todos os tipos de
mercadorias, de objetos de cerâmica a reluzentes joias. Nos dias sagrados,
procissões de fiéis percorriam as ruas em direção aos templos.
Nessa região, que os gregos mais tarde
chamariam de Mesopotâmia, "entre rios", ocorreu o fato mais
importante da história humana: o nascimento da civilização. Os descendentes
daqueles agricultores da Idade da Pedra que viviam às margens dos pântanos —
esse povo que veio a ser conhecido como sumério, e sua terra, como Suméria —
haviam desencadeado, a partir das aparentes desvantagens de sua terra natal, um
movimento que alteraria para sempre a fisionomia do planeta.
Na época da ascensão dos sumérios, a maior
parte da população humana era nômade; os homens perambulavam em pequenos
grupos, de uma região para outra, alimentando-se dos animais que caçavam e das
sementes e talos de plantas silvestres que colhiam. Nas savanas da África, nas
vastidões cobertas de florestas da Europa, na Austrália e nas Américas, os
homens se vestiam com peles de animais e buscavam abrigo em cavernas ou cabanas
toscas. Eles seguiam as manadas selvagens em suas migrações anuais e dedicavam
todo o tempo à sobrevivência.
Alguns povos, contudo, haviam deixado para
trás esse passado de caça e coleta. Os primeiros a romper tal padrão inicial de
sobrevivência foram alguns habitantes do Oriente Médio. Ao longo de milhares de
anos, eles aprenderam a domesticar ovelhas e cabras e a cultivar o trigo e a
cevada. Agora eles podiam deixar de perambular e se estabelecer num único
lugar. Esses indivíduos, os primeiros agricultores, fundaram aldeias já por
volta de 8500 a.C., ao norte e a leste da Mesopotâmia, em regiões montanhosas
onde as chuvas eram abundantes. A prática da agricultura difundiu-se com
rapidez, e logo os agricultores conceberam técnicas de irrigação que lhes
permitiam cultivar cereais independentemente das chuvas.
A irrigação dos campos permitiu a
existência de povoados de bom tamanho muito antes do surgimento das primeiras
cidades sumérias. A cidade bíblica de Jericó, um centro de comércio do sal,
prosperou durante o sétimo milênio antes de Cristo no deserto próximo à
extremidade norte do mar Morto. Suas plantações eram irrigadas com a água
desviada de uma nascente. De modo semelhante, 800 quilômetros ao norte, na Ásia
Menor, campos irrigados alimentavam a população de Satal Hüyük, um povoado que
surgiu, em torno de 6500 a.C., junto a um campo de obsidiana, minério escuro e
vítreo de origem vulcânica, empregado na fabricação de espelhos, joias e facas.
Embora tanto Jericó quanto Satal Hüyük abrigassem milhares de habitantes, o
futuro dessas localidades era restrito, pois sua sobrevivência baseava-se num
único e valioso produto, sem recursos agrícolas que favorecessem a expansão.
Coube aos sumérios, com acesso a dois
rios, desenvolver a agricultura irrigada em escala verdadeiramente grandiosa.
Desviando a água de seus rios — principalmente do Eufrates —, cultivaram vastos
trechos de deserto aluvial e os transformaram em terras férteis. O resultado
foi um excedente de cereais muito superior às necessidades cotidianas dos
agricultores — um excedente que proporcionou aos sumérios tempo para
desenvolverem novas habilidades e novas técnicas. Surgiram artesãos, mercadores,
sacerdotes, escribas e comerciantes — todos sustentados pelos esforços dos agricultores.
Os sumérios desenvolveram um sistema de governo, assim como uma religião
organizada, e apareceram novas classes sociais — todos os elementos do que um
dia seria reconhecido como civilização.
Com o tempo, os sumérios fundaram
cidades-estados e, em seguida, uma nação. Seus reis promulgaram leis,
organizaram exércitos e estabeleceram redes de comércio. Mais importante do que
tudo, esse povo inventou o primeiro sistema de escrita, de modo que o
conhecimento pôde, a partir de então, ser transmitido de forma permanente de
uma geração para outra. Os escribas sumérios passaram a relatar os feitos de
seus reis — ou seja, eles deram início à história escrita. Foram também os primeiros
a registrar poemas épicos e meditações sobre o sentido da vida.
Três séculos após a emergência da cultura
suméria, as sementes da civilização lançaram raízes ao longo das margens de
alguns outros grandes rios do mundo: o Nilo, no Egito; o Indo, no atual
Paquistão; e o Amarelo, na China. Magníficas culturas prosperariam em todos
esses locais, mas a Suméria havia sido a primeira. Ela havia lançado a
humanidade em uma estranha e maravilhosa aventura, e suas realizações ficariam
indelevelmente registradas na consciência humana.
Ainda não se sabe quem eram os primeiros
sumérios, de onde vieram e quando chegaram ao vale do Tigre-Eufrates. De pele
clara e cabelo escuro, eles provavelmente se originaram de uma região a leste
ou nordeste da Mesopotâmia e seu idioma tinha parentesco com outro, falado nas
proximidades do mar Cáspio. É provável que tenham chegado ao vale por volta de
8500 a.C., época em que estavam se estabelecendo as primeiras aldeias de
agricultores. De qualquer modo, os primeiros sumérios se concentraram na
extremidade sul do vale, às margens dos pântanos que cobriam a maior parte do
delta por onde o Tigre e o Eufrates desembocam no golfo Pérsico.
Os primeiros colonos sumérios logo
descobriram que as chuvas de inverno faziam com que o deserto florescesse de
modo luxuriante antes de voltar a ser calcinado pelo sol de verão. O solo ao
longo das margens dos rios era um dos mais férteis do mundo, profundo e rico em
minerais trazidos das montanhas onde se localizam as nascentes do Tigre e do Eufrates.
Nesse aluvião, livre das pedras e tocos que afligiam os agricultores de outras
regiões, legumes, trigo e cevada cresciam com facilidade. Além disso, o solo
era frequentemente enriquecido por novas camadas de sedimentos trazidos pelas
enchentes da primavera. Os sumérios só precisavam aprender a manter os brotos
vivos durante os verões tórridos e secos.
As primeiras tentativas de irrigação foram
modestas; eles simplesmente usavam vasilhas para levar a água dos rios até os
pequenos lotes de terra. Mais tarde, os agricultores cavaram estreitas fendas
nos diques naturais que haviam se formado, no decorrer de séculos, ao longo das
margens dos rios, desviando assim parte da correnteza. Eles também construíram
pequenas represas de barro, a fim de fazer com que a água se acumulasse em
açudes. Desses açudes ela podia ser transferida para as valas de irrigação por
meio do shaduf, um dispositivo
semelhante a uma balança, com uma caçamba presa a uma das pontas da trave
superior e um contrapeso na extremidade oposta. Em pouco tempo, essas valas de
irrigação alcançavam todos os campos próximos aos rios; em seguida, grupos de
trabalhadores escavaram longos canais que tornaram possível levar a água até
plantações a quilômetros dos rios.
Quando passaram a cultivar campos cada vez
mais distantes das terras úmidas e moles às margens dos rios, os sumérios
inventaram uma ferramenta indispensável ao cultivo de solos mais duros — o
arado. Até então, os agricultores faziam furos na terra, com galhos pontudos ou
chifres de animais, a fim de colocar as sementes. Os primeiros arados sumérios
não passavam de galhos de árvore retorcidos; um indivíduo o puxava enquanto
outro o empurrava, forçando a extremidade retorcida contra o solo e abrindo,
assim, um sulco. No quarto milênio antes de Cristo, os agricultores
desenvolveram um arado de cobre e nele atrelaram bois, unindo o que até então
haviam sido duas vocações distintas: o cultivo da terra e a criação de animais.
Em torno de 3000 a.C., eles passaram a usar uma ferramenta mais resistente,
feita de bronze (liga de cobre e estanho), que lhes permitia cultivar trechos
mais extensos.
Enquanto a exploração agrícola se expandia,
a construção de redes de canais e diques requeria o esforço conjunto de muitos
trabalhadores e exigia a cooperação de toda a comunidade. Antes da Suméria, tanto
no caso dos pastores nômades quanto no dos primeiros agricultores, a unidade de
trabalho tradicional havia sido a família ou o clã. Mas, trabalhando
isoladamente, as famílias ou os clãs eram incapazes de construir e manter
complexos sistemas de irrigação. Os indivíduos foram, portanto, obrigados a somar
seus esforços e, sem esquecer antigos vínculos de parentesco, reconhecer
lealdades mais amplas — à aldeia, ao vilarejo e, por fim, à cidade. O
agrupamento em comunidades sempre maiores deu origem à interação e à inovação
que engendraram a vida civilizada.
Simultaneamente, a escala de seus projetos
de irrigação contribuiu para que os sumérios adotassem cada vez mais a
especialização — a divisão do trabalho que tem sido a característica de todas
as civilizações. Os campos da Suméria produziam safras tão abundantes que nem
todos precisavam cultivá-los. Assim, surgiram administradores, ou planejadores,
homens que projetavam os canais e os diques e garantiam que o fluxo de água
alcançasse seu destino. Esses especialistas desenvolveram uma nova tecnologia:
instrumentos para medir e calcular variações no terreno e no fluxo da água,
além da própria matemática necessária para a manipulação dessas mensurações. Os
primeiros administradores provavelmente também ajudaram a aperfeiçoar o arado,
que passou a ser construído com metais trazidos de áreas montanhosas ricas em
minérios. Todos os metais vinham de regiões distantes; a profunda e fértil
terra negra da planície do Tigre-Eufrates não possuía depósitos de nenhum dos
minérios com os quais se poderia produzir cobre, estanho ou ferro.
Os revolucionários métodos agrícolas dos
sumérios também os encorajaram a desenvolver a ciência da astronomia,
observando e comparando os movimentos do Sol e da Lua de modo a estabelecer um
calendário confiável. O calendário que eles adotaram, baseado em meses lunares
de 28 dias, previa com bastante exatidão o início das estações e indicava aos
agricultores o melhor momento de semear e colher.
Os especialistas também dão o provável
crédito aos sumérios por outra grande realização tecnológica — a invenção da
roda. Tudo indica que a roda tenha sido empregada pela primeira vez na
confecção de objetos de cerâmica. Os artesãos colocavam um bloco de argila em
uma plataforma horizontal equilibrada sobre um eixo, e então a giravam enquanto
modelavam com as mãos utensílios redondos — como os ceramistas fazem até hoje.
Os sumérios foram os primeiros a inclinar a roda dos ceramistas e adaptá-la
para a locomoção. A roda permitiu que os agricultores cultivassem campos cada
vez mais distantes da aldeia ou da cidade. Um boi, ou um burro, atrelado a uma
carroça com rodas transportava uma carga três vezes mais pesada do que aquela
que conseguia carregar no lombo ou arrastar num trenó.
Enquanto alguns especialistas procuravam
ampliar a produção agrícola, outros se concentravam em questões espirituais.
Uma classe sacerdotal cada vez mais numerosa elaborou um sistema cosmológico
completo que explicava todos os aspectos relativos ao homem e à natureza. A
religião suméria revelou-se tão poderosa que sobreviveu por três milênios,
influenciando de modo marcante os inúmeros povos que ocuparam a Mesopotâmia.
Parte da força dessa religião estava na
grande diversidade de deuses. O panteão sumério contava mais de 3 mil
divindades. A natureza e todas as atividades humanas eram presididas por seus
próprios deuses ou deusas. A chuva, o Sol, a Lua, a vegetação — tudo possuía
sua divindade específica. O mesmo ocorria com objetos mais prosaicos como
arados, picaretas e até mesmo fôrmas para a produção de tijolos. Além disso,
cada vilarejo tinha seu deus particular, ao qual, afirmavam os sacerdotes, o
local havia sido consagrado no dia da criação.
Os deuses não eram considerados
iguais. Os mais importantes formavam um quarteto que controlava o que os
sumérios acreditavam ser os quatro principais domínios da natureza: o céu, o
ar, a terra e a água. E, dessas quatro divindades, uma sempre reinava absoluta.
No início, o mais poderoso dentre os deuses era Anu, soberano do céu. Mais
tarde, ele foi suplantado por Enlil, deus do ar.
Todos os deuses sumérios, tanto os maiores
quanto os menores, eram dotados das mesmas condições e necessidades físicas dos
seres humanos. As divindades sumérias comiam, bebiam, amavam, casavam-se e
discutiam entre si. Elas também comunicavam à raça humana seus variados desejos
e intenções, fazendo com que seus respectivos sacerdotes e sacerdotisas deles
se inteirassem por meio de augúrios como, por exemplo, a forma do fígado de
ovelhas sacrificadas.
Essa religião não era particularmente
esperançosa. De acordo com um mito sumério, os seres humanos haviam sido
moldados pelos deuses, a partir da argila, unicamente para servirem como
escravos. O malogro em obter as boas graças das divindades poderia provocar
catástrofes: enchentes, secas, pestes ou ataques das tribos das montanhas. Como
tais catástrofes afligiam com frequência os sumérios, o medo provocava no povo
da planície uma angústia crônica. Isso contribuiu para aumentar o poder da
religião — e beneficiou os sacerdotes e seus templos. Generosas oferendas aos
celeiros dos templos e inquestionável obediência aos sacerdotes eram as únicas maneiras
de se aplacar a ira dos deuses.
Os templos destacavam-se, em geral, como
as edificações mais proeminentes das cidades. No início, eles tinham proporções
modestas — construções retangulares com um único aposento, feitas do mesmo
tijolo de argila que os sumérios usavam em suas casas. Mas quase sempre eram
erigidos sobre plataformas acima das construções circundantes. Depois, à medida
que as comunidades prosperavam e cresciam, os templos também se expandiam,
erguendo-se em direção ao céu sob a forma de estruturas piramidais de diversos
andares: os zigurates.
A forma característica dos zigurates
originou-se do processo de reconstrução dos templos. Quando desmoronava um
templo, as ruínas serviam de alicerces para o novo templo. Ao longo dos
séculos, a sequência de edifícios construídos sobre as ruínas de outros acabou
por se assemelhar a uma série de degraus gigantes. Os arquitetos sumérios por
fim apropriaram-se dessa concepção em degraus, utilizando-a em templos maiores
e mais imponentes.
O interior desses zigurates não era menos
impressionante. Os artistas retratavam seus concidadãos em afrescos e
esculturas refinados, que adornavam as paredes dos inúmeros aposentos dos
templos. A maioria dos homens retratados nessas cenas usava barba longa e
encaracolada e cabelo longo partido ao meio; com frequência tinham o tronco nu
e vestiam uma espécie de saiote apertado na cintura. As mulheres prendiam as
tranças de cabelo em torno da cabeça e usavam túnicas justas presas aos ombros,
deixando aparecer apenas o braço direito.
A ampliação dos templos acompanhou o
crescimento de sua importância social. Os templos possuíam considerável
quantidade de terras. Parte delas era cultivada pelos próprios sacerdotes;
parte era oferecida a altos funcionários do governo, para a obtenção de favores
políticos; o restante era arrendado, em troca de uma participação na safra.
Essas colheitas, juntamente com os cereais doados por agricultores ansiosos por
agradar aos deuses, proporcionavam à classe sacerdotal um grande poder
econômico. Os celeiros dos templos sustentavam não apenas os sacerdotes, mas
também quem se encontrava em situação difícil — viúvas e órfãos, entre outros.
Alimentar apenas quem vivia nos templos
não era tarefa fácil, pois o corpo eclesiástico se expandiu de maneira
constante ao longo dos séculos. Os templos maiores necessitavam de um
administrador leigo, para manter o edifício e as finanças em ordem, de um
supremo sacerdote ou sacerdotisa para cuidar dos assuntos menos mundanos. Logo
abaixo na hierarquia vinham os sacerdotes ou sacerdotisas cujos deveres
incluíam a condução das cerimônias diárias de oferenda de comida e bebida à divindade
ou de louvação com músicas instrumentais ou cantadas.
Mas isso foi apenas o começo. Cada vez
mais, acompanhando o crescimento econômico da Suméria, os templos passaram a se
assemelhar a cidades em miniatura. Além dos sacerdotes e de outros elementos
envolvidos nos ritos religiosos, também moravam nos templos cantores e músicos.
Havia, ainda, os indivíduos responsáveis pelas tarefas domésticas, como
cozinheiros, criadas, tecelões e varredores de pátio. Pequenos exércitos de
trabalhadores agrícolas, muitos do quais escravos, cultivavam as terras do
templo e cuidavam dos celeiros; funcionários seculares administravam os
interesses econômicos. Artesãos eram contratados para produzir objetos de cerâmica,
móveis, ferramentas de metal e outros artigos. A munificência do clero era enorme;
por exemplo, logo após 3000 a.C., o templo de Lagash fornecia uma ração diária
de pão e cerveja para nada menos do que 1 200 pessoas.
Tão importantes quanto os sacerdotes eram
os mercadores viajantes, cuja sobrevivência também dependia dos excedentes
agrícolas. Eles trocavam os cereais e a lã da Suméria pelas matérias-primas que
inexistiam nessa terra de abundância.
As expedições comerciais lançavam mão de
todos os meios de transporte disponíveis. Faziam balsas, atando os troncos de
árvores com cordas; para aumentar sua capacidade de flutuação, prendiam bolsas
de peles de animais infladas. Outros conduziam caravanas de burros através da
Síria até a costa do Mediterrâneo e, na direção oposta, através das gargantas
nos montes Zagros até as terras das tribos elamitas. Navegavam pelo golfo
Pérsico em barcos a vela — provavelmente outra invenção suméria —, avançando no
mar da Arábia até Omã. Por fim, alguns deles viajaram tão longe na direção leste
que alcançaram o vale do rio Indo.
Esses intrépidos mercadores retornavam não
só com matérias-primas como minérios, pedras e madeira, mas também com itens
exóticos — pentes de marfim do vale do Indo e contas de cornalina de Elam — que
contribuíam para a variedade e a excitação dos bazares mesopotâmicos. Além
disso, os mercadores eram intermediários de um produto menos tangível, mas
igualmente importante: ideias. Eles ampliaram o horizonte intelectual dos
sumérios ao trazerem para casa histórias de povos estrangeiros, línguas
estranhas e costumes diferentes. De modo similar, eles fertilizaram intelectualmente
outras terras, deixando atrás de si as marcas da cultura suméria.
Das necessidades da religião, do comércio
e do governo surgiu a realização mais extraordinária da Suméria: a invenção da
escrita Os sacerdotes descobriram que precisavam de um método de preservação de
registros — a fim de, por exemplo, saberem quais agricultores já haviam feito
suas contribuições anuais de cevada. Os mercadores tinham que relacionar a
quantidade de cereais enviada ao estrangeiro para trocas. Os administradores
necessitavam de registros de levantamentos topográficos e atividades cívicas.
Para preservar essas informações, os escribas, usando afiados estiletes de
junco, gravavam marcas em placas feitas da matéria-prima mais abundante na Suméria:
a argila. Eles trabalhavam com a argila ainda úmida e mole; após o cozimento da
placa, as marcas tornavam-se inalteráveis. O que os primeiros escribas gravavam
nas placas eram pictogramas — hábeis esboços de objetos e criaturas do
dia-a-dia, tais como bois e feixes de cevada. Eles também desenhavam pessoas.
Essas palavras-imagens registravam, em sua maioria, assuntos mundanos, como a quantidade
de cereal envolvida numa transação comercial.
Os pictogramas sumérios provavelmente se
desenvolveram a partir de um sistema de representação mais primitivo. Já em
8000 a.C., pequenas fichas de argila com formas variadas eram usadas por
agricultores do Oriente Médio para manter um registro de seus produtos. Uma
ficha em forma de cone, por exemplo, poderia indicar que um agricultor possuía
determinada quantidade de cevada em seu celeiro. Muito mais tarde, os
mercadores adotaram o sistema de fichas como uma espécie de nota de embarque
que acompanhava as mercadorias negociadas. As fichas eram colocadas em bolas
ocas de argila, que depois eram lacradas. O mercador então riscava um signo
numérico na bola, de modo a indicar o número de fichas que ela continha.
Os sumérios descobriram que as placas de
argila eram muito mais práticas do que o complicado sistema de bolas e fichas.
Na placa o mercador gravava um signo numérico para indicar a quantidade de
artigos vendidos ou comprados; para especificar o tipo de artigo, ele
simplesmente traçava uma imagem da ficha. Esses pictogramas foram passando por
uma importantíssima evolução. Partindo da representação concreta de objetos
familiares, o sistema de escrita foi se tornando cada vez mais abstrato.
Combinações de símbolos pictográficos passaram a indicar certas ideias. Por
exemplo, o desenho de uma boca junto às linhas onduladas que representavam a
água passou a significar "beber". Em seguida, os escribas começaram a
fazer experiências com símbolos fonéticos, empregando uma forma de trocadilho.
O símbolo escrito para determinada palavra veio a representar outra palavra com
o mesmo som, mas com sentido diferente. Por fim, os pictogramas representavam
sons e ideias mais do que objetos concretos. Esse sistema revelou-se tão versátil
que, com um vocabulário escrito de cerca de seiscentos caracteres — menos de um
terço do que dispunha a antiga linguagem pictográfica —, os escribas sumérios
conseguiam expressar por escrito praticamente tudo o que poderia ser falado.
A evolução do conteúdo da escrita suméria
foi acompanhada por aperfeiçoamentos no formato e no estilo. Nas primeiras
placas, as imagens eram gravadas em colunas verticais a partir do canto
superior direito. Isso, contudo, se revelou inconveniente, pois a mão do
escriba muitas vezes borrava os signos recém-inscritos. Os escribas, assim,
acabaram por adotar o método que mais tarde se tornaria padrão nas línguas
ocidentais: a escrita em fileiras horizontais, da esquerda para a direita.
Os escribas também sentiram necessidade de
aperfeiçoar seu instrumento de escrita. Ao ser movimentada sobre a superfície
flexível da argila, a ponta do estilete produzia deselegantes ressaltos e
arestas. Por volta de 2500 a.C., a ponta de junco havia assumido uma forma
triangular que podia ser facilmente pressionada na argila, deixando um elegante
sinal em forma de cunha. Grupos desses sinais formavam os símbolos escritos, os
quais se tornaram cada vez mais estilizados e abstratos, e cada vez menos
parecidos com os antigos pictogramas que representavam diretamente o objeto
nomeado. Muito mais tarde, a forma dos sinais deu à escrita da Suméria o nome
pelo qual ficou conhecida — cuneiforme, ou seja, em forma de cunha.
Confinada no início ao templo e ao
palácio, a escrita rapidamente se difundiu por toda a sociedade suméria e, em
seguida, para outras terras. A escrita cuneiforme revelou-se adaptável a muitas
línguas. Ainda no século posterior ao nascimento de Jesus Cristo, uma versão
dela continuava a ser usada pelos acadianos na Mesopotâmia.
Na Suméria, as placas cuneiformes eram
utilizadas para registrar os códigos de leis promulgados pelos governantes; os
comandantes militares recorreram a elas como um novo meio de comunicação no
campo de batalha. Os poetas gravavam na argila os antigos mitos e histórias que
anteriormente haviam sido transmitidos apenas pela recitação ou pelo canto
acompanhado de harpa ou lira.
As obras máximas da literatura da Suméria
eram compilações desses mitos e contos reescritos como épicos. Nenhum teve
maior difusão do que a Epopeia de Gilgamés
um poema de 3 500 versos que tinha como ponto de partida um fato real: o rei Gilgamés
foi um governante da cidade de Uruk. Gilgamés
e outras narrativas sumérias prenunciaram temas que mais tarde apareceriam na
Bíblia e na literatura da Grécia clássica. Gilgamés, como o Ulisses de Homero,
vagueia pela terra — o primeiro dos grandes peregrinos da literatura mundial.
Outro mito sumério fala de um personagem que, como o Noé da Bíblia, sobreviveu
a um grande dilúvio.
Outros textos fornecem conselhos práticos.
Uma dúzia de placas e fragmentos de argila, encontrados nas proximidades da
cidade de Nippur, constituem o primeiro almanaque para agricultores da
história. “Nos dias de antanho”, começa ele, "um agricultor deu conselhos
a seu filho". Seguem-se mais de cem linhas dedicadas aos meios de se obter
êxito na agricultura. Entre outras precauções, o agricultor iniciante é aconselhado
a proteger do mal seus brotos tenros por meio de uma oração a Ninkilim, a deusa
dos ratos de plantações e das pragas. Ele é exortado a não esperar para colher
a cevada quando ela se curvar sob o próprio peso; deve, em vez disso, cortá-la
num instante preciso e místico — "no dia de sua força".
O autor desse útil panfleto quase
certamente não era agricultor. A maioria dos trabalhadores da terra, assim como
dos outros sumérios, era analfabeta. O aprendizado da leitura e da escrita
cuneiforme demandava vários anos de rigoroso treinamento na escola suméria, ou edubba — o primeiro centro de educação
formal do mundo. A edubba (casa das
placas) foi criada como um anexo do templo ou do palácio real, com a finalidade
de formar escribas. As taxas pagas pelos alunos mantinham o diretor, o ummia (perito ou mestre) e os
instrutores, conhecidos como "irmãos maiores".
A maior parte dos estudantes saía das
famílias bem situadas e ricas e, segundo as indicações disponíveis, eram todos
homens. Eles frequentavam a edubba
desde o início da juventude até o início da maturidade. Nas primeiras lições,
copiavam sinais e memorizavam longas listas de palavras e frases associadas.
Uma das listas trazia os nomes dos animais; outra, das partes do corpo; e uma
terceira, dos objetos de madeira. Quando sabiam de cor o suficiente para
reproduzirem centenas de sinais, eles passavam para o estudo da gramática e,
depois, para a redação de frases e histórias, até, por fim, começarem a
registrar contratos e outros documentos práticos.
O trabalho era monótono e a disciplina
rigorosa. Um estudante da edubba foi
castigado com uma vara pelo menos quatro vezes num único dia. Suas
transgressões haviam sido perambular pela rua, falar sem permissão e não
conseguir inscrever os signos na argila com habilidade suficiente para
satisfazer a seu “irmão maior”.
Mas os instrutores parecem ter sido
suscetíveis à adulação e até mesmo ao suborno. Uma história de 2000 a.C.,
escrita por um instrutor anônimo, revela o quão antiga é a fraqueza humana.
Cansado de ser punido por várias infrações na edubba, um estudante pede ao pai que convide o instrutor a ir até
sua casa. “Ao pedido do escolar, o pai deu seu assentimento. O instrutor foi
trazido da escola e, ao entrar na casa, fizeram com que se sentasse no lugar de
honra. O escolar cuidou dele e o serviu, e tudo o que havia aprendido da arte
da escrita em placas ele revelou para seu pai”.
Em seguida, o pai assume o controle da
situação. Vestindo o instrutor com "um traje novo", o pai oferece-lhe
um presente, colocando um anel em sua mão. O instrutor fica tão impressionado
por essa generosidade que esquece o mau comportamento do menino e todas as
punições. "Você realizou muito bem as atividades escolares", ele diz
ao garoto. “Você se tornou um homem sábio”. A história tornou-se tão popular
que foram encontradas nada menos que 21 cópias dela.
Os aspirantes a escriba também aprendiam
matemática. O sistema de cálculo baseava-se no número sessenta, um método
prático, pois sessenta pode ser dividido por doze números. Ele foi, portanto,
adotado para se determinar a distribuição de alimentos e para se subdividir a
terra; os estudantes aperfeiçoavam suas habilidades sexagesimais solucionando
problemas práticos, tais como o cálculo de salários.
Esse sistema sexagesimal pode ter sido o
antepassado do atual sistema decimal arábico. De qualquer modo, resquícios dele
sobrevivem até hoje em manifestações tão corriqueiras como a hora de sessenta
minutos e o círculo de 360 graus.
Os que conseguiam suportar a rigorosa
disciplina da edubba obtinham
vantagens compensadoras. A formação garantia ao estudante emprego e um lugar
entre os privilegiados. Ele poderia trabalhar em um templo ou para o governo,
como contador, secretário ou arquivista, ou conseguir uma colocação no comércio
exterior.
O escriba recém-formado podia até mesmo
montar um negócio próprio, cobrando taxas para redigir cartas e contratos.
Esses documentos tornavam-se legítimos quando os clientes inscreviam na argila
a marca de seu sinete. Os sinetes eram minúsculas obras de arte — pequenos
cilindros de pedra habilidosamente entalhados com pictogramas que identificavam
seu dono. Ao ser rolado sobre a argila mole — das placas ou dos lacres de
jarros —, o sinete cilíndrico produzia um friso de impressões repetidas que
constituía a assinatura legal do indivíduo. Assim, todo adulto, mesmo analfabeto,
era capaz de registrar seu nome com estilo.
Durante essa marcha para a civilização, as
comunidades sumérias sofreram profundas transformações. Cada cidade abrigava
vários milhares de habitantes por volta de 3000 a.C. Cinco séculos depois, a
população de toda a Suméria ultrapassava 500 mil pessoas, das quais estima-se
que quatro quintos viviam em cidades, onde se aglomeravam para aproveitar as
oportunidades e as amenidades do novo modo de vida urbano, assim como para se
proteger de invasores e saqueadores estrangeiros.
As cidades desenvolveram-se de modo a
constituir jurisdições governamentais ainda maiores — cidades-estados — que
também compreendiam as aldeias rurais localizadas em sua periferia. A primeira
dessas cidades-estados, Uruk, tornou-se protótipo de outras no mundo antigo. Em
2700 a.C., Uruk abrangia 76 aldeias próximas; a cidade propriamente dita
estendia-se por mais de 4 quilômetros quadrados e abrigava quase 50 mil
pessoas. Como proteção contra os inimigos, Uruk era circundada por uma muralha
de 10 quilômetros de comprimento feita de tijolos cozidos que, de acordo com a Epopeia de Gilgamés, resplandecia sob o
sol inclemente "com o brilho do cobre".
Essa muralha era um sinal dos tempos, pois
a guerra havia se tornado endêmica na Suméria. Em parte, isso se devia à
geografia. A Mesopotâmia não dispunha de barreiras naturais que a protegessem
de invasões dos povos bárbaros estabelecidos a leste e a oeste. Mas uma fonte
de conflitos ainda mais abundante eram as disputas que eclodiam entre as
próprias cidades da Suméria. À medida que as cidades se expandiam, os sumérios
discutiam sobre suas fronteiras comuns e, com frequência cada vez maior, sobre
o desvio da água dos rios para irrigação. Cada novo canal construído corrente
acima diminuía a quantidade de água disponível para as cidades localizadas na
parte inferior do rio. Dada à importância da irrigação, uma disputa sobre a
água era muitas vezes uma questão quase literal de vida ou morte.
As constantes hostilidades ocasionaram
mudanças políticas. Até cerca de 2800 a.C., conselhos formados pelos membros
mais velhos da aristocracia tomavam as decisões importantes nas cidades. Em
épocas de crise o conselho nomeava um líder único, o lugal, que significa literalmente "grande homem". Ele
governava a comunidade durante a emergência, e depois retomava sua antiga
ocupação. Como os intervalos de paz tendiam a ser cada vez menores, o lugal passou a permanecer no poder por
períodos maiores. Inevitavelmente, ele ampliou sua autoridade enquanto
comandante militar, de modo a governar todas as áreas da vida comunitária,
substituindo o conselho de dignitários. A palavra lugal passou a significar "rei". Com o tempo, o lugal atribuiu-se o direito de nomear
seu sucessor. Assim surgiram as várias dinastias que, a partir de certo
momento, governaram as cidades-estados.
O poder dos reis aumentou gradualmente até
rivalizar com o dos sacerdotes, embora os soberanos tivessem o cuidado de
manter relações cordiais com os líderes espirituais. Mesmo que a monarquia
estivesse solidamente estabelecida, o rei buscava o apoio e a aprovação do
clero; em troca, o rei era considerado o representante terreno da divindade, um
soberano por direito divino. A condição semidivina do rei de Ur era confirmada
por diversos rituais sagrados, dos quais o mais importante ocorria no dia do
Ano Novo. Nessa ocasião, acompanhado por uma procissão solene, o rei subia até
o topo do principal zigurate da cidade, onde se realizava um casamento
simbólico que o unia, enquanto substituto de um dos deuses, a uma sacerdotisa
que representava Inanna, a deusa da fertilidade.
Os reis empreenderam ambiciosos programas
de obras públicas, tais como abertura de canais, ampliação dos templos e
construção de estradas. Algumas cidades possuíam até mesmo rudimentares
serviços de correio. E, inevitavelmente, formaram-se burocracias para
administrar o volume crescente de empreendimentos públicos. Logo surgiram
feitores, inspetores, cobradores de impostos, além dos escribas.
Dentre os inúmeros encargos dos reis, o
mais importante era a promulgação e a administração de leis em seus domínios.
Mesmo antes de a monarquia ter se tornado a forma de governo estabelecida na
Suméria, alguns indivíduos já redigiam minutas de contratos — uma prática comum
pelo menos desde 2700 a.C. e que, como a própria escrita cuneiforme,
originou-se das necessidades comerciais da época. Placas de argila desse
período atestam a enorme variedade de transações.
O aumento da complexidade da sociedade
suméria implicou o crescimento da demanda por leis uniformes que regulassem não
apenas as transações comerciais, mas também a conduta civil e a criminal. Ao
promulgarem compilações de leis, os reis responderam a essa necessidade. A mais
antiga compilação descoberta até hoje data do reinado de Ur-Nammu, que foi
governante da cidade de Ur no início do século XXI a.C. Ela provavelmente foi
concebida pelo filho de Ur-Nammu, Shulgi. Certamente, decretos reais escritos
devem ter sido transmitidos de uma geração para outra desde vários séculos
antes; mesmo assim, a coleção de leis de Ur-Nammu antecede, em cerca de mil
anos, os Dez Mandamentos bíblicos.
Apenas cinco das leis de Ur-Nammu podem
ser lidas, pois a única cópia que sobreviveu — uma placa de argila, de 10 por
20 centímetros, com inscrições em ambos os lados — encontra-se bastante
danificada. Entretanto, três dentre essas cinco regras apresentam especial
interesse, pois parecem indicar uma filosofia jurídica extraordinariamente esclarecida.
Numa época em que prevalecia a antiga regra do "olho por olho", as
leis de Ur-Nammu prescreviam multas em vez de castigos corporais ou mutilações
como penalidade por injúrias físicas. Um dos editos diz: "Se um homem
rompeu com uma arma os ossos de outro homem, ele deverá pagar uma moeda de
prata". Aparentemente, a Suméria caracterizou-se pela originalidade não apenas
ao codificar suas leis, mas também ao fazê-las humanitárias.
O funcionamento do sistema judiciário
parece ter sido igualmente esclarecido. Não havia um corpo de jurados, mas os
réus eram julgados perante um grupo de juízes — em geral os membros mais velhos
da comunidade — e os depoimentos das testemunhas eram feitos sob juramento.
Podia-se apelar das sentenças junto ao próprio rei. As leis e os contratos
escritos desempenhavam papel importante não só nos tribunais e nos negócios,
mas também nos casamentos. Durante a cerimônia de casamento, um escriba gravava
numa placa o contrato de casamento combinado, e em seguida ambos os noivos
imprimiam nela suas assinaturas com os sinetes cilíndricos. O contrato
estipulava, entre outras cláusulas, os deveres de cada cônjuge e as multas que
o marido deveria pagar se se decidisse por um divórcio.
O casamento era combinado pelos pais, e o
noivado reconhecido legalmente quando o noivo oferecia um dote em dinheiro ao
pai da noiva. O dote tinha como objetivo selar firmemente o noivado. Se
rompesse o compromisso, o jovem perderia o dinheiro. Por outro lado, se a noiva
mudasse de ideia, o noivo poderia receber em dobro o valor que havia oferecido.
Casadas ou solteiras, as mulheres gozavam
de importantes direitos legais na Suméria. Elas podiam ter propriedades,
realizar negócios e servir de testemunhas em julgamentos. Em outras áreas,
contudo, eram cidadãos de segunda classe. A família, por exemplo, era
patrilinear: a propriedade era legada de pai para filho. E as regras de
casamento parecem ter sido unilaterais. Pela lei e pelo costume, o marido podia
ter uma ou mais concubinas, divorciar-se de sua mulher se ela fosse estéril, e
mesmo vendê-la como escrava por até três anos, caso necessitasse obter dinheiro
para saldar suas dívidas.
De todos os documentos sumérios que
sobreviveram, talvez o mais extraordinário seja uma placa que antecedeu a
compilação de leis de Ur-Nammu em cerca de dois séculos. O texto mostra a noção
de justiça, ao descrever as reformas empreendidas pelo rei Urukagina na
cidade-estado de Lagash, por volta do ano 2350 a.C.
O documento tem inicio com o relato dos
piores abusos cometidos pelo governo anterior. Impostos extorsivos e leis opressivas,
originalmente decretadas por estar a cidade em guerra, não haviam sido revogados
após a chegada da paz. Por toda parte havia cobradores de impostos e outros
funcionários corruptos, confiscando burros e ovelhas dos agricultores e até
mesmo aparecendo nos cemitérios para tomar uma parte do pão e da cevada que as
famílias levavam para as sepulturas de parentes.
De acordo com a placa, o rei Urukagina pôs
fim a tudo isso. Ele afastou os cobradores de impostos desonestos e outros
funcionários suspeitos, anistiou os cidadãos injustamente aprisionados e, mais
importante, promulgou regulamentos que protegiam os cidadãos comuns da
exploração pelo governo. No relato anônimo de todas essas reformas, aparece
escrita, pela primeira vez na história, a palavra liberdade.
O fortalecimento da monarquia e a consequente
expansão do governo contribuíram para aprofundar ainda mais as divisões entre
as classes sociais. Ao longo do terceiro milênio antes de Cristo, existiam três
classes. Num dos extremos estava a aristocracia: o rei e os funcionários
governamentais, os sacerdotes mais preeminentes e os mercadores e proprietários
de terras mais ricos. No extremo oposto encontravam-se os escravos, obrigados a
permanecer em cativeiro devido a circunstâncias políticas ou econômicas. No
meio ficava a grande maioria do povo sumério — cidadãos livres comuns, tais
como agricultores, pescadores, artesãos e escribas.
Os maiores proprietários rurais por vezes
possuíam terras que se estendiam por várias centenas de hectares. Como os
templos, muitas dessas propriedades reais e particulares assemelhavam-se a pequenos
vilarejos: oficinas locais produziam artigos domésticos, havia alojamentos para
artesãos e escravos. As residências dos ricos sumérios, seja no campo, seja nas
cidades, eram em geral edifícios confortáveis com uma dúzia de aposentos ou
mais; na maioria dessas construções, todos os cômodos, com entradas altas e
abobadadas, davam para um pátio interno. No interior, as paredes de tijolos
eram revestidas de barro e caiadas; esteiras de junco ou tapetes de lã cobriam
o piso de tijolos. Algumas casas tinham aposentos especiais para o culto aos
deuses, com altares de alvenaria. Nichos nas paredes abrigavam estatuetas
representando as divindades do lar, intermediárias junto aos deuses mais
elevados.
Nenhum palácio da aristocracia, contudo,
podia comparar-se ao do rei. Os palácios dos governantes tornaram-se cada vez
mais opulentos, chegando a rivalizar, nas dimensões e na elegância, com os
grandiosos zigurates. Na cidade de Mari, o palácio tinha uma área superior a 3
hectares e possuía quase trezentos aposentos. Em meio a tanto esplendor,
instalado num trono sobre uma plataforma elevada, o lugal conduzia os negócios de governo, recebia emissários de outras
cidades-estados e ouvia música de harpas e liras, assim como cânticos ou poemas
especialmente compostos para homenageá-lo e louvá-lo.
UMA CIDADE PARA O DEUS DA LUA
UMA CIDADE PARA O DEUS DA LUA
Os escravos trabalhavam nos palácios,
templos e grandes propriedades rurais. Alguns eram cidadãos comuns que cumpriam
pena por crimes. Outros eram prisioneiros de guerra; na verdade, a palavra
suméria para escravo originava-se do termo que designava os estrangeiros. No
entanto, como muitas das guerras eram travadas entre cidades-estados, a maioria
dos escravos-prisioneiros era constituída de sumérios.
Muitos escolhiam voluntariamente o
cativeiro. Às vezes, camponeses sem terra vendiam a si mesmos como escravos,
simplesmente para dormirem sob um teto e serem alimentados. Os pais podiam, por
lei, vender suas crianças. E um indivíduo em condições financeiras
desesperadoras poderia destinar ao cativeiro toda a sua família —inclusive ele
próprio —, por um tempo estabelecido em comum acordo com o credor, de modo a
saldar seus débitos.
Embora legalmente os escravos fossem
propriedade do senhor e pudessem ser marcados, açoitados ou punidos severamente
de outras maneiras por transgressões, eles também possuíam direitos. Podiam
realizar negócios e contratar empréstimos. Se um escravo era casado com um
cônjuge livre, os filhos do casal eram livres desde o nascimento. Os escravos
podiam até mesmo comprar a própria liberdade.
O modo de vida da numerosa classe média
variava bastante. Os artesãos que viviam nos palácios ou nas propriedades
rurais dependiam de seus senhores para comer e se vestir. Outros realizavam
seus serviços ou trocavam seus artigos por dinheiro — ou recebiam pagamento em
espécie — e mantinham modestas casas térreas nas estreitas e sinuosas ruelas
das cidades. Além dos agricultores, muitos outros cidadãos eram proprietários,
mesmo que apenas de um pequeno lote ajardinado.
Ricos ou pobres, escravos ou cidadãos
livres, os sumérios alimentavam-se, basicamente, de cereais — às vezes trigo,
mas em geral cevada, que se desenvolvia melhor nos solos alcalinos e salinos da
Mesopotâmia. A cevada era moída em partículas grossas e cozida como mingau; ou
então, transformada em farinha, entrava na feitura do pão não fermentado até
hoje consumido em todo o Oriente Médio.
A cevada também era o ingrediente
principal da bebida mais comum: a cerveja. Esta, no entanto, não continha as
ervas preservativas, como o lúpulo, que somente seriam usadas na fabricação da
cerveja 4 mil anos depois. A cerveja suméria era, em geral, produzida pelas
mulheres em suas próprias casas e ali vendida. Acreditava-se que uma deusa
específica presidisse à preparação da cerveja — Nin-kasi, cujo nome significa
literalmente "a senhora que enche a boca".
Esse nome era apropriado. Cerca de 40 por
cento da produção de cereais da Suméria destinava-se aos tonéis das
cervejarias. Os trabalhadores comuns do templo recebiam uma ração de 1 litro
por dia, enquanto os principais dignitários tinham direito a uma quantidade
cinco vezes maior. Os sumérios apreciavam tanto a cerveja que, mais tarde, os
gregos insistiram que o próprio deus Dioniso, amante dos estados inebriantes,
fugira da Suméria, nauseado.
Como variação da dieta básica, os sumérios
dispunham de leguminosas como grão-de-bico, lentilha e feijão, além de cebola e
alface. Peixes eram encontrados em abundância. As placas de argila documentam
cerca de cinquenta espécies pescadas nos rios Tigre e Eufrates. Nas ruas de
cidades como Ur, encontravam-se peixeiros por toda parte, alguns vendendo seus
peixes frescos, outros fritando-os para consumo no local. Rebanhos de vacas e
cabras eram mantidos principalmente pelo leite que proporcionavam, o qual
também era usado na produção de queijo, manteiga e iogurte. Tudo indica que
apenas os mais ricos comiam carne com regularidade, e a maior parte dela
provavelmente era de carneiro. Acredita-se que os sumérios tenham sido descendentes
de pastores nômades, pois sua língua possuía mais de duzentas palavras que
designavam os diferentes tipos de carneiro.
Outra abundante fonte de alimento eram as
tamareiras. Às margens dos rios e canais de irrigação, ou cultivadas em estado
natural, as tamareiras produziam cerca de 50 quilos de fruto por pé todos os
anos. As tâmaras eram consumidas frescas, secas ou então transformadas num
espesso xarope que servia como substituto do mel. (Não conheciam o açúcar.) Nem
mesmo o caroço era desperdiçado: triturado, servia como ração animal; queimado,
transformava-se em carvão.
Nos tratamentos de saúde, os sumérios a
princípio recorriam a remédios espirituais. Aqueles que ficavam doentes
procuravam exorcistas, especialistas na expulsão dos demônios julgados
responsáveis pela enfermidade. Mas, já a partir de 2500 a.C., surgiram
tratamentos alternativos. Nessa época havia médicos treinados que podiam
prescrever uma ampla variedade de drogas.
Quinze dos medicamentos empregados pelos
médicos sumérios foram arrolados numa placa de argila. As receitas exigem a
combinação de ingredientes naturais — plantas e minerais como sal e salitre. A
cerveja aparece em muitas das receitas, tanto como ingrediente ativo quanto como
paliativo para tornar mais aceitável o remédio. Uma das fórmulas, traduzida
livremente, aconselha o médico: "Derrame cerveja forte sobre um pouco de
resina; aqueça no fogo. Misture óleo betuminoso do rio a esse liquido e dê para
o doente beber". Infelizmente, a placa médica não informa quais
enfermidades poderiam ser curadas ou aliviadas por essa e outras receitas. No
entanto, vários dos ingredientes mencionados sugerem que as fórmulas foram
concebidas com base na experiência prática e não na mera superstição. O sal,
por exemplo, é um antisséptico eficaz, e o salitre, um bom adstringente. Dois
dos unguentos registrados na placa são compostos de um álcali — provavelmente
carbonato de sódio — e ingredientes ricos em gorduras naturais.
Apesar de todos os remédios e dos melhores
esforços dos exorcistas, os sumérios em geral morriam cedo. A média de vida
provavelmente não ultrapassava quarenta anos. Em muitas casas, construía-se uma
pequena câmara de alvenaria sob o piso do andar térreo, e nela eram enterrados
os membros da família. Não era raro que dez ou mais pessoas fossem enterradas
nesses pequenos mausoléus.
Outros eram sepultados em cemitérios
situados fora das cidades. Embora o local do enterro pudesse variar, isso não
ocorria com os ritos funerários. O morto era envolvido numa esteira de junco
ou, o que era muito mais raro, colocado em um ataúde de madeira ou argila. O
cadáver era deitado de lado, com uma vasilha de água entre as mãos e junto aos
lábios. Na sepultura costumava-se colocar alguns pertences de estimação do
morto — armas ou ferramentas, quando homem; joias, quando mulher. E, quase
sempre, a família providenciava vasilhas adicionais repletas de alimentos e
bebidas para a nutrição do falecido durante sua estada no outro mundo.
A quantidade e a qualidade dos acessórios
funerários dependiam da riqueza e da posição social da pessoa. Na morte, assim
como na vida, os acessórios mais opulentos adornavam a realeza. Os túmulos dos
reis de Ur continham imensas câmaras funerárias, construídas com tijolos e
pedras, e projetadas, possivelmente pela primeira vez na história, com
elementos arquitetônicos sofisticados como arcos, abóbadas e cúpulas. A câmara
principal destinava-se ao corpo do rei e aos seus objetos pessoais, como joias
de cerâmica, estatuetas de lápis-lazúli, tigelas de ouro e prata e refinados
produtos da técnica metalúrgica suméria, como punhais magnificamente
enfeitados.
As tumbas dos reis às vezes eram providas
também de seres humanos. Durante um breve período na história da Suméria, era
costumeiro enterrar vivos os servidores domésticos do rei — guardas, músicos,
damas de honra, ou criados — no lado de fora da câmara mortuária principal. Em
uma sepultura dessas foram encontradas nada menos que 74 pessoas, as quais
talvez tenham sido drogadas a um ponto de insensibilidade e concordado em ser
enterradas. Supunha-se que elas cuidariam do monarca após a morte, assim como o
haviam servido em vida.
Por fim, a própria Suméria expirou. Ao
mesmo tempo que desenvolviam as técnicas e instituições que constituíram seu
grande legado à humanidade, os povos do vale faziam florescer as sementes de
sua própria destruição. A trágica falha no desenvolvimento da civilização
suméria foi sua absoluta incapacidade de viver em paz e solucionar as violentas
disputas entre as cidades-estados. Durante a maior parte do terceiro milênio
antes de Cristo, a planície entre os rios foi palco de incessantes guerras.
Indivíduos que deveriam se unir, pois partilhavam da mesma cultura e língua,
atacavam-se e destruíam-se mutuamente com machados, maças, lanças, punhais e
flechas.
A maioria dos que lutavam pelas
cidades-estados parece que era convocada apenas durante o conflito. Os artesãos
especializados, como carpinteiros ou metalúrgicos, formavam seus próprios
pelotões sob o comando de seus supervisores na vida civil. Parte da tropa,
contudo, era formada por soldados profissionais. De acordo com uma placa de
argila, um dos mais poderosos reis da Suméria, Sargão, mantinha em seu palácio
cerca de 5 400 homens — a maioria deles presumivelmente guerreiros profissionais
—, os quais "comiam com ele todos os dias".
No decorrer do sanguinolento terceiro
milênio, várias cidades sumérias se sucederam no controle da região. Nos
séculos iniciais daquele milênio, o poder absoluto parece ter se deslocado na
direção sul, passando da cidade de Kish para a de Uruk e, em seguida, para Ur.
Após 2500 a.C., as duas principais antagonistas parecem ter sido Lagash, cerca
de 55 quilômetros a nordeste de Uruk, e Umma, um pouco mais ao norte. Essas
cidades vizinhas repetidamente lutaram entre si pelos direitos de irrigação com
a água do rio Tigre. As outras cidades-estados aliaram-se a Lagash ou Umma,
formando blocos rivais e ampliando um conflito que no início fora local.
Um pouco da crueldade das guerras sumérias
desse período transparece nos fragmentos do monumento que veio a ser conhecido
como Estela dos Abutres — uma coluna de pedra erguida, por volta de 2450 a.C.,
em comemoração a uma vitória do rei Eannatum, de Lagash, sobre a cidade de
Umma. Uma das cenas do monumento mostra o rei, vestido com saiote e uma túnica
folgada, liderando suas tropas na batalha. Os soldados, equipados com elmos de
cobre e armados de lanças e machados, formam uma falange de seis fileiras
compactas, protegida por uma coluna avançada de homens com grandes escudos
retangulares.
Mas Eannatum, que por um breve período
conseguiu dominar toda a Suméria, logo foi morto em combate; poucas gerações
depois, por volta de 2375 a.C., o novo governante de Umma, Lugalzagesi, invadiu
Lagash, massacrou seus habitantes e incendiou seus templos. Em seguida,
Lugalzagesi conquistou várias outras cidades importantes — inclusive o
principal centro religioso da Suméria, Nippur —, antes de sofrer uma esmagadora
derrota. Ele terminou seus dias preso a um pelourinho junto à porta de Nippur: aqueles
que ele havia humilhado podiam injuriá-lo à vontade.
O conquistador de Lugalzagesi — e, na
verdade, de toda a Suméria — foi Sargão, o Grande, uma das figuras mais
extraordinárias da época. Nascido por volta de 2370 a.C., Sargão não era
sumério, mas sim filho de semitas — um povo que havia muito deslocava-se em
direção ao oriente, para a região entre o Tigre e o Eufrates, a partir dos
desertos da península Arábica. Os semitas estabeleceram-se na Suméria e nas terras
ao norte dela, que vieram a ser chamadas de Acad — e eles, de acadianos.
O local e as circunstâncias exatas do
nascimento de Sargão são desconhecidos, embora existam várias lendas. Segundo
uma delas, semelhante à de Moisés, a mãe de Sargão, por ser ele ilegítimo, colocou-o
logo após o nascimento num cesto calafetado com breu e lançou a frágil
embarcação no rio Eufrates, entregando o bebê à própria sorte. Um agricultor
sumério, que tirava água do rio, encontrou o cesto por acaso e criou o menino
como seu filho. A partir dessas circunstâncias humildes, conta a lenda, Sargão
de algum modo conseguiu tornar-se copeiro do rei de Kish, a cidade mais
setentrional da Suméria.
Seja qual for a verdade, o fato é que
Sargão empreendeu uma série impressionante de campanhas militares. Após
condenar Lugalzagesi ao pelourinho, marchou com suas falanges de lanceiros e
arqueiros, e seus carros de guerra puxados por burros, contra as outras grandes
cidades da Suméria. Em seguida, ele desviou suas tropas para o leste, onde
subjugou os elamitas, retornou para o norte da Mesopotâmia a fim de assumir o
controle de Acad e de toda a região, e prosseguiu na direção oeste, pelo deserto,
estendendo suas fronteiras até o Mediterrâneo.
Pela primeira vez, toda a Mesopotâmia foi
unificada como uma única nação sob um único governante. Na região de Acad, às
margens do rio Eufrates, Sargão fundou uma nova capital, Agade, descrita em
várias placas como uma das mais opulentas cidades do mundo antigo. De lá, ele
governou seu novo império com astúcia e imaginação durante mais de meio século,
protegendo locais estratégicos e nomeando os acadianos para importantes postos
administrativos.
Embora politicamente dominada por Acad, a
Suméria ainda assim conseguiu impor suas características culturais aos
conquistadores semitas. Os acadianos não apenas adotaram as técnicas de
irrigação, como também a escrita cuneiforme e todo o panteão de divindades
sumérias. E em todos os lugares por onde passou com seus exércitos, Sargão
deixou as sementes da civilização suméria.
A dinastia fundada por Sargão durou menos
de um século antes de soçobrar sob o impacto de conflitos internos e da invasão
de um outro grupo de agressivos estrangeiros. Dos montes Zagros, a nordeste da
Mesopotâmia, vieram os gutos — "um povo que não tolera qualquer
controle", segundo a descrição de uma placa suméria. Essa tribo de
bárbaros saqueou Agade, estabeleceu um domínio precário sobre as planícies
setentrionais em torno de Umma e começou a assimilar a cultura suméria. O povo
da região suportou os gutos por quase meio século, antes de expulsá-los.
Com isso, as cidades da planície puderam
desfrutar do último alento de autonomia política. Por volta do ano 2100 a.C., o
esclarecido monarca Ur-Nammu fundou a última dinastia de reis sumérios. O
início da dinastia não foi auspicioso. Ur-Nammu conquistou o trono por meio de
traição, após depor o rei Utuhegal, herói da rebelião que expulsara os gutos e
imprudentemente confiara a Ur-Nammu o governo de Ur.
Apesar disso, Ur-Nammu
revelou-se um excelente soberano. Estabelecendo sua capital na cidade de Ur,
ele reunificou a Suméria por meio de manobras políticas e força militar. Além
de promulgar uma compilação de leis, ele proporcionou, em seu reinado, um
renascimento do comércio, das artes e da arquitetura. Ordenou a reconstrução
dos canais de irrigação que estavam em mau estado e construiu em Ur o maior e
mais importante zigurate de toda a região — uma torre com mais de 60 metros na
base e que se erguia a mais de 20 metros sobre a planície. Ur-Nammu também
providenciou para que a posteridade tivesse notícias dele: todos os tijolos do
zigurate têm gravado o seu nome.
Mesmo então, quando a Suméria parecia
estar no auge de seu poder, começavam a ruir os fundamentos de sua civilização.
Seu próprio sustentáculo, a agricultura, estava começando a declinar — séculos
de irrigação haviam por fim esgotado a fertilidade dos campos, principalmente
devido aos resíduos salinos acumulados com a evaporação da água. A produção de
cereais reduziu-se gradualmente, as reservas de excedentes alimentares foram
consumidas e a angústia tomou conta do povo. As cidades-estados logo recaíram
outra vez no antigo hábito de mútua destruição.
Em seguida, aumentou a pressão exercida
pelas tribos bárbaras nas fronteiras da Suméria. Por volta de 1950 a.C., os
velhos inimigos a leste, os elamitas, aproveitaram-se do enfraquecimento do
Estado sumério, invadindo e destruindo a cidade de Ur. Eles aprisionaram o rei
sumério e derrubaram a dinastia fundada um século antes por Ur-Nammu. A seguir,
dos desertos a oeste, surgiu um novo inimigo: os amoritas. Semitas nômades que
criavam bois e ovelhas, os amoritas haviam se infiltrado pacificamente na
Suméria ao longo dos anos, e até mesmo serviram como mercenários nos exércitos
de várias cidades-estados. Agora eles se dirigiam à Mesopotâmia em número cada
vez maior, ocupando as cidades e por fim estabelecendo sua própria capital no
norte da região, na até então pouco importante cidade da Babilônia.
Os babilônios não realizaram muita coisa
antes que o sexto nessa linhagem de reis, Hamurábi, subisse ao trono logo após
1800 a.C. Naquela época, seus domínios limitavam-se a um raio de 80 quilômetros
em torno da cidade. Mas, com inteligência, coragem e inesgotável energia,
Hamurábi promoveu grandes mudanças durante seu extraordinário reinado de 42
anos.
O legado mais famoso de Hamurábi é seu
código de leis. Gravado numa coluna de diorito negro com 2 metros de altura,
estabelece quase trezentas sentenças legais. Elas se aplicam a questões civis,
tais como salários de trabalhadores, e prescrevem penalidades. Embora
claramente influenciadas pelas leis e costumes sumérios, essas penalidades
refletem as tradições muito mais rigorosas da cultura amorita. O adultério
feminino, por exemplo, é tratado de modo sumário: "Se a esposa de um homem
for surpreendida com outro homem, ambos serão amarrados e jogados na
água".
No entanto, por maiores que tenham sido,
as realizações de Hamurábi no campo jurídico empalidecem quando comparadas a
suas conquistas políticas e militares. Firmando alianças e rompendo-as quando
lhe convinha, transformando seus soldados amoritas numa força guerreira
altamente disciplinada, ele conquistou as cidades-estados sumérias uma após a
outra. Em pouco tempo, a Suméria e a Mesopotâmia setentrional constituíam uma
única nação. A formação do império babilônio por Hamurábi assinalou o fim
político da Suméria, mas não cultural. Hamurábi e os amoritas absorveram toda a
civilização suméria. Com exceção da língua, eles adotaram o sistema de escrita,
a arte, a literatura, o sistema educacional e — com pequenas mudanças — até
mesmo a religião dos vencidos.
Sob o domínio babilônio, os últimos poetas
sumérios desoladamente gravaram em ideogramas cuneiformes, na argila macia, seu
lamento pelo desaparecimento político de sua pátria. No entanto, no próprio ato
de escrever, eles estavam assegurando que as ideias e os ideais da Suméria não
morreriam, mas deixariam suas marcas em forma de cunha nas civilizações
futuras, enriquecendo as culturas vindouras.
O DESPERTAR DA CIVILIZAÇÃO
Primeiro capítulo do livro A ERA DOS REIS DIVINOS (3000-1500 a.C.)
Da série HISTÓRIA EM REVISTA
Diretor da série: Henry Woodhead
Programador visual: Dale Pollekoff
Administrador da série: Philip Brandt George
Equipe editorial para A ERA DOS REIS DIVINOS
Editor associado: Robin Richman (iconografia)
Editores de texto: Stephen G. Hyslop, Ray Jones, DavidS. Thomson
Pesquisadores: Karin Kinney (texto); Patti H. Cass, Patricia McKinney (fotos)
Assistente de arte: Elissa E. Baldwin, Paul Graboff, Alan Pitts
Chefe de redação: Diane Ullius
Coordenadores de redação: Vivian Noble, Jayne E. Rohrich
Coordenador iconográfico: Renée E. DeSandies
Gerente de operações editoriais: Caroline A. Boubin
Produção: Celia Beattie
Assitente editorial: Patricia D. Whiteford
Edição européia:
Programador visual: Paul Reeves
Subeditor: Frances Dixon
Chefe de produção editorial: Maureen Kelly
Assistente de produção: Deborah Fulham
Departamento editorial: Theresa John, Debra Lelliott
EDITORA CIDADE CULTURAL LTDA
Diretor: Koos H. Siewers
Tradução e adaptação para a língua portuguesa:
Pedro Paulo Poppovic Consultores Editoriais S/C Ltda
São Paulo
Tradução: Cláudio Marcondes e Adília Bellotti
Publicado pela Editora Cidade Cultural Ltda
Av. Brasil, 500 - Rio de Janeiro - RJ
Authorized Portuguese edition
Copyright 1989 Editora Cidade Cultural Ltda
Original Edition
Copyright 1987 Time-Life Books Inc
All right reserved
First Portuguese printing 1989
TIME-LIFE is a trademark of Time Incorporated U.S.A.
O DESPERTAR DA CIVILIZAÇÃO
Primeiro capítulo do livro A ERA DOS REIS DIVINOS (3000-1500 a.C.)
Da série HISTÓRIA EM REVISTA
Diretor da série: Henry Woodhead
Programador visual: Dale Pollekoff
Administrador da série: Philip Brandt George
Equipe editorial para A ERA DOS REIS DIVINOS
Editor associado: Robin Richman (iconografia)
Editores de texto: Stephen G. Hyslop, Ray Jones, DavidS. Thomson
Pesquisadores: Karin Kinney (texto); Patti H. Cass, Patricia McKinney (fotos)
Assistente de arte: Elissa E. Baldwin, Paul Graboff, Alan Pitts
Chefe de redação: Diane Ullius
Coordenadores de redação: Vivian Noble, Jayne E. Rohrich
Coordenador iconográfico: Renée E. DeSandies
Gerente de operações editoriais: Caroline A. Boubin
Produção: Celia Beattie
Assitente editorial: Patricia D. Whiteford
Edição européia:
Programador visual: Paul Reeves
Subeditor: Frances Dixon
Chefe de produção editorial: Maureen Kelly
Assistente de produção: Deborah Fulham
Departamento editorial: Theresa John, Debra Lelliott
EDITORA CIDADE CULTURAL LTDA
Diretor: Koos H. Siewers
Tradução e adaptação para a língua portuguesa:
Pedro Paulo Poppovic Consultores Editoriais S/C Ltda
São Paulo
Tradução: Cláudio Marcondes e Adília Bellotti
Publicado pela Editora Cidade Cultural Ltda
Av. Brasil, 500 - Rio de Janeiro - RJ
Authorized Portuguese edition
Copyright 1989 Editora Cidade Cultural Ltda
Original Edition
Copyright 1987 Time-Life Books Inc
All right reserved
First Portuguese printing 1989
TIME-LIFE is a trademark of Time Incorporated U.S.A.
Nenhum comentário:
Postar um comentário