sábado, 30 de março de 2013

OS TEMPLOS GREGOS E SUA DECORAÇÃO


QUATRO PLANTAS TÍPICAS


O templo parece-nos ser a mais característica de todas as edificações gregas, e seria natural concluir-se que os gregos consideravam tais construções como um requisito para o culto de seus deuses e deusas. De fato, nada mais do que um altar ao ar livre era realmente necessário. Entretanto, quando os gregos começaram a fazer estátuas de suas divindades, viram-se obrigados a providenciar um abrigo que as protegesse das intempéries. E foi para servir a essa função que se construíram os templos, que, assim, não se destinavam a acomodar uma congregação de fiéis; as cerimônias e os rituais religiosos ainda tinham lugar em um altar colocado fora deles, diante de uma de suas fachadas (usualmente, a fachada leste), e poucas pessoas neles entravam.

Um templo, fosse ele construído de madeira ou de pedra, podia ser muito simples. Um único recinto, ao qual se tinha acesso através de um pórtico, era suficiente (2.1a). Esse recinto, em que ficava a estátua do deus, denominava-se naos (os romanos chamaram-lhe cela, e esse termo também é usado, por vezes, com relação aos templos gregos). O pórtico tinha o nome de pronau (literalmente, "em frente do naos").
(2.1a) Planta de um templo simples. consistindo apenas em naos e pronau.


(2.1b) Planta de um templo com pórticos na frente e nos fundos.


 Os gregos não gostavam que a frente e os fundos tivessem um aspecto diferente; assim, quando um templo podia ser facilmente visto de mais de um lado, adicionavam-lhe um outro pórtico na parte traseira (2.1b). Não havia usualmente entrada no templo pelo pórtico da parte posterior, o opistódomo, cujo único propósito era proporcionar ao templo uma aparência mais simétrica.

(2.1c) Planta de um templo com peristilo.

Essa era a maneira como se projetavam os templos menores. Os templos maiores eram edificados em áreas desimpedidas e proeminentes, de modo a ser claramente visíveis de muitos ângulos. Os gregos tentaram dar às quatro fachadas desses templos um aspecto igualmente impressionante, cercando o núcleo do templo com uma colunata (2.1c, 2.2 e 2.3). Essa colunata circundante era chamada peristilo (das palavras gregas peri = "em volta" e stylos = "colunata"), e continua usualmente o naos com seu pronau na parte fronteira e, como elemento de equilíbrio, o opistódomo na parte de trás (2.2).

(2.2) Planta de um típico templo períptero.


O templo era geralmente construído sobre uma plataforma de três degraus. O degrau superior chamava-se estilóbata e sobre ele assentavam as colunas do peristilo e as paredes do naos (2.3). Como um templo era parte de um santuário, a entrada para o santuário determinava usualmente o ângulo pelo qual o templo seria primeiramente visto. Na maioria dos casos, a aproximação fazia-se por uma esquina do templo (ver 6.5). Desse ângulo (2.3), o templo podia ser imediatamente percebido mais como um volume tridimensional do que como uma fachada plana, e suas principais dimensões (comprimento, largura e altura) podiam ser abrangidas de um só relance. Com seu desenho claro, sua independência e suas quatro vistas igualmente satisfatórias, o templo peristílico é uma criação caracteristicamente grega.

(6.5) desenho da Acrópole de Atenas, mostrando a localização dos principais edifícios do século V a.C.

(2.3) Vista geral de um templo períptero grego, tomada a partir de uma esquina. Terceiro quartel do século V a.C. Templo de Hefaístos (Hephaisteion), Atenas.


Algumas póleis muito ricas construíram templos com duas séries de colunas em torno deles. Essas imensas e dispendiosas estruturas deviam ter um aspecto verdadeiramente majestoso (2.1d).

(2.1d) Planta de um templo com duplo peristilo (díptero).

Os gregos variaram e modificaram suas quatro plantas fundamentais para os templos, introduzindo alterações nas proporções e na disposição dos vários elementos, desde a época em que começaram a construir templos até o momento em que, com o advento do cristianismo, deixaram de os erigir. Entretanto, mantiveram as formas básicas de modo tão constante quanto a pose do koûros foi conservada durante todo o período arcaico. Os gregos gostavam de desenvolver suas idéias dentro de um quadro estável.

DOIS ALÇADOS BÁSICOS: AS ORDENS DÓRICA E JÔNICA


Os templos gregos foram construídos de acordo com o simples princípio de pilar e dintel. Pilares verticais (ou colunas, ou paredes mestras) sustentavam dintéis horizontais (ou entablamentos, ou tetos). Os templos mais antigos foram construídos com madeira e adobe sobre fundações de pedra. Em fins do século VII a.C., a pedra, mais cara, mas também mais duradoura, começou a ser o material preferido para a própria construção. Os únicos templos de que sobreviveram ruínas substanciais são aqueles construídos de pedra. Nestes, os blocos das paredes eram colocados a seco, sem qualquer espécie de argamassa. As pedras calcárias e toscas eram regularmente revestidas de reboco ou emboço, para darem a aparência de uma superfície lisa e uniforme. O mármore era esmeradamente aplainado, e seu polimento final era tão meticuloso que as juntas entre um bloco e outro mal se percebiam. Os blocos adjacentes eram mantidos em suas posições principalmente pela gravidade, mas alguns grampos de ferro revestidos de chumbo eram também usados para impedir o seu deslocamento. Esses grampos não eram visíveis, uma vez concluído o templo. As colunas eram levantadas do mesmo modo, usando-se cavilhas de madeira para ajudar a ajustar um bloco sobre outro, e as juntas eram acabadas com tanto requinte que se tornavam virtualmente invisíveis, ou o conjunto era recoberto com uma fina camada de reboco. Nos estágios finais da construção, as colunas eram acanaladas, ou seja, caneluras verticais eram lavradas nos fustes.

As colunas sustentavam um entablamento horizontal que compreendia uma arquitrave (uma série de blocos retangulares colocados diretamente sobre as colunas), sobre a qual assentava o friso, que, por sua vez, era encimado por uma cornija. Colunas e entablamentos eram desenhados de acordo com os modelos da ordem dórica ou da ordem jônica. Em cada uma dessas ordens, as proporções dos elementos e o esquema da decoração eram reciprocamente coordenados; misturar as duas ordens foi prática muito rara antes do período helenístico.

A ordem dórica (2.4) era forte, simples e maciça. Os fustes das colunas eram robustos (sua altura correspondia a apenas entre quatro e seis vezes o seu diâmetro na parte inferior) e assentavam diretamente no estilóbata (2.3 e 2.7). Os capitéis que rematavam os fustes em sua parte superior eram simples formas avolumadas semelhantes a almofadas, encimadas por ábacos retangulares sem qualquer decoração, que sustentavam uma arquitrave lisa e inteiriça. Esta, por sua vez, servia de suporte ao friso, que era dividido em tríglifos (retângulos com sulcos verticais, cuja aparência sugeria extremidades de vigas) e métopas (retângulos que podiam ser lisos, pintados ou esculpidos em relevo) dispostos alternadamente. Havia um tríglifo sobre cada coluna e um entre cada par de colunas, de modo que o ritmo escondido pela disposição das colunas era exatamente reproduzido no ritmo do friso que as encimava (2.3).

(2.4) À esquerda, a ordem dórica; (2.5), à direita, a ordem jônica.

A ordem jônica (2.5) era mais delicada e ornamentada. Os fustes das colunas eram mais delgados (sua altura correspondia a entre oito e dez vezes seus diâmetros inferiores) e assentavam em bases elaboradas que consistiam em, pelo menos, duas partes convexas e uma parte côncava (2.5 e 2.6). Os capitéis jônicos descrevem uma curva para a direita e outra para a esquerda, as quais terminam em volutas, e são encimados por um ábaco esculpido sobre o qual assenta a arquitrave, freqüentemente dividida em três faixas horizontais. Essa tríplice divisão reflete sutilmente os três degraus em que o templo está usualmente assente. O friso é dividido e às vezes decorado por uma faixa contínua de relevos esculpidos. A cornija, no topo, é mais rica do que a cornija dórica e pode levar diversas faixas de desenhos talhados em relevo.

(2.6) Base e extremo inferior do fuste de uma coluna jônica, final do século V a.C., Erectéion, Atenas.

As formas básicas das duas ordens eram constantes, mas, dentro de certos limites, os elementos e proporções podiam ser modificados. A ordem jônica era, em geral, tratada mais livremente do que a dórica. Por exemplo, na ordem jônica – tal como foi, de início, desenvolvida no Egeu oriental e nas costas da Ásia Menor (e muitas vezes também posteriormente) -, foram usados dentelos, pequenos entalhes semelhantes a dentes, em lugar de um friso contínuo. Entretanto cada ordem preservou sempre um caráter especial, que lhe é próprio e que pode ser percebido nos menores detalhes. Assim, a figura 2.7 transmite a força e a simplicidade da ordem dórica, ao passo que a figura 2.6 revela a graça e a delicadeza da ordem jônica. (Ambas as figuras mostram a extremidade inferior de uma coluna – o fuste da dórica e a base da jônica - onde ela assenta no estilóbata.)

(2.7) Extremo inferior do fuste de uma coluna dórica, meados do século V a.C., Propileu da Acrópole, Atenas.

No final do século V a.C. foi inventado o capitel coríntio (2.8), que não tardou a se tornar popular e foi muito usado durante as épocas helenística e romana como uma forma alternativa ao capitel jônico, dentro de uma versão algo enriquecida da ordem jônica.

(2.8) Capitel coríntio, século IV a.C., Museu de Epidauro.

Todos os templos eram cobertos por um telhado inclinado, o que resultava em cimalhas triangulares à frente e atrás, que receberam o nome de frontões (2.3). Acrotérios decorativos ornamentavam os três ângulos dos frontões e suavizavam a geometria severa do telhado do templo.

ESPAÇOS E FORMAS A DECORAR


Três áreas nos templos gregos convidavam à decoração esculpida (ou pintada): os frontões triangulares nos templos de ambas as ordens (se bem que os da ordem jônica apenas raramente fossem preenchidos), as métopas nos templos dóricos e os extensos e estreitos frisos nos templos jônicos.

Nada disso teria apresentado problemas se os gregos se contentassem em preencher esses espaços com padrões florais ou abstratos, como seria feito mais tarde, algumas vezes, pelos romanos e pelos decoradores neoclássicos do século XVIII. Contudo, os gregos não se satisfaziam com algo tão simples. Preferiam representar pessoas, ou monstros, e representá-los, se possível, vivendo uma história. Consideremos os problemas que surgiram então.

0S FRONTÕES E SEUS PROBLEMAS


Um frontão é um triângulo longo e baixo. Não é fácil dispor figuras dentro dele de tal modo que elas possam preenchê-lo harmoniosamente e contar uma história, fazendo-o de modo coerente. Isso fica evidenciado pelas dificuldades com que se deparou o artista que esculpiu as gigantescas figuras em relevo que decoram o frontão do templo de Ártemis em Corfu, nos primeiros anos do século VI a.C. (ca. 580) (2.9). A parte mais alta, que é também a área central do triângulo, ficou ocupada por uma enorme Górgona, cujas feições aterrorizantes teriam sido consideradas eficazes para afugentar do templo os espíritos maléficos. Mas suas funções não eram apenas as de mera guardiã. Essa Górgona era a Medusa, a quem o destino reservara ser decapitada pelo herói Perseu. No momento de sua morte, ela deu à luz dois filhos - Pégaso, o cavalo alado, e Crisaor, um homem -, que brotaram do seu pescoço quando foi decapitada. A postura de Medusa, com os joelhos dobrados, pretende sugerir que ela está fugindo de Perseu; o fatídico desfecho de sua fuga é indicado pela presença dos dois filhos, Pégaso à esquerda e Crisaor à nossa direita.

(2.9) Reconstituição do frontão oeste do templo de Ártemis, em Corfu, primeiro quartel do século VI a.C. (ca. 580).

A Górgona está ladeada por panteras agachadas, que não têm a dupla função da Medusa: proteger o templo e, simultaneamente, sugerir uma história; são apenas guardas do templo, e sua postura reclinada habilita-as a ajustarem-se confortavelmente ao incômodo declive do frontão.

Alojadas nos cantos estão várias figuras minúsculas, puramente narrativas. As da esquerda remetem à história da queda de Tróia: o rei Príamo, sentado, está prestes a ser morto pelo grego que o ataca; um troiano morto jaz atrás dele. As figuras da direita são participantes da gigantomaquia, a batalha dos deuses com os gigantes. O grande deus Zeus, manejando seu raio, subjuga um gigante, que cai de joelhos a seus pés. Um outro gigante está deitado de costas no canto.

Sob o aspecto decorativo, o frontão é soberbo; do ponto de vista narrativo, é incoerente. Três histórias são contadas sem que haja qualquer espécie de relação entre elas; além disso, elas são narradas em escalas totalmente desconexas. Isso pode não ter constituído motivo de perturbação para quem apreciava o frontão na época em que foi feito. O espectador podia dar-se por satisfeito ao reconhecer simplesmente as três histórias, deleitando-se com cada uma delas em separado. É muito provável que não concebesse o espaço do frontão como um campo único, em que deveria aparecer uma imagem unificada da realidade. Mas a exigência de representações convincentes e coerentes, mesmo em tão embaraçosa moldura triangular, acabou vingando. Isso aconteceu como resultado do modo pelo qual os gregos encaravam a arte e de sua noção, revolucionária na época, de que a arte devia ser o espelho da natureza.

Já vimos que, quando olhavam para a estátua de um homem, os gregos (ao contrário de outros povos mais antigos) consideravam-na mais como um homem do que como uma estátua. Por conseguinte, exigiam que se assemelhasse a um homem, e foi para satisfazer essa exigência que se produziram imagens cada vez mais naturalistas. Os gregos pensavam do mesmo modo a respeito dos frontões. No começo, satisfizeram-se com uma composição agradável e uma porção de histórias, mas, com o tempo, passaram a considerar o espaço do frontão uma espécie de palco em que deveria ser representada uma visão plausível de uma situação real. Assim, passaram a desejar que os artistas enchessem o espaço de um frontão com uma única história, inteligivelmente narrada por figuras concebidas, todas elas, numa única escala. Isso apresentava um problema difícil, mas, no espaço de menos de cem anos, uma solução satisfatória já tinha sido encontrada.

O autor do frontão leste em Egina, esculpido por volta de 490 a.C., decidiu descrever uma batalha mitológica (2.10). Essa foi uma boa escolha. A poderosa deusa Atena está postada no centro, a cabeça coberta com o elmo, que atinge o ápice do frontão. De ambos os lados, heróis mortais, naturalmente menores do que ela, lutam e tombam. Os incidentes do combate estão dispostos de maneira tal que os guerreiros mais próximos do centro estão de pé, enquanto os mais afastados cambaleiam, arremetem, agacham-se ou tombam, em conformidade com a inclinação do frontão. A mesma escala é usada para todas as figuras (agora inteiramente esculpidas em pleno relevo); o tema violento confere plausibilidade às diferentes alturas.

(2.10) Reconstituição do frontão leste do templo de Afaia, em Egina, primeiro quartel do século V a.C. (ca. 490-480).

A geração seguinte presenciou um tour de force na concepção e no desenho dos frontões: o frontão leste do templo de Zeus em Olímpia (465-457 a.C.) (2.11). Não há ação violenta e, no entanto, no âmbito de uma cena tranquila  é contada uma história convincente com figuras em escala uniforme, ficando todo o frontão harmoniosamente ocupado.

(2.11) Reconstituição do frontão leste do templo de Zeus, em Olímpia, segundo quartel do século V a.C. (465-457).

No centro está Zeus, novamente um deus de estatura superior à dos simples mortais. À sua direita (nossa esquerda) está Enomau, rei da Elida, oferecendo sua filha como noiva a qualquer homem que possa levá-la em seu carro e alcançar o istmo de Corinto antes que Enomau o ultrapasse e mate. Enomau tem cavalos divinos, e doze pretendentes já foram derrotados na corrida e trucidados pelo rei. Um jovem de aparência submissa está do lado esquerdo de Zeus, como que escutando as condições da corrida. É Pélops, aquele que irá derrotar o velho rei e esposar a jovem. A futura noiva e sua mãe flanqueiam os homens. Vêm a seguir as quadrigas; as cabeças dos cavalos, mais altas do que as garupas, voltam-se simetricamente para o centro. Atrás deles, de um lado, um auriga acocorado segura as rédeas do carro e, do outro, um vidente consternado senta-se e perscruta o futuro, onde vê o terrível desastre que aguarda Enomau. Criados e outras personagens secundárias estão sentadas mais perto dos cantos, que são perfeitamente preenchidos pelas figuras reclinadas dos deuses fluviais, com as pernas estendidas até o ponto em que os ângulos laterais se fecham (2.20).

2.20 Deus fluvial do canto do frontão leste do templo de Zeus em Olímpia, ca. 460 a.C.; comprimento: 230 cm. Museu de Olímpia.

A cena é tensa, tem unidade e é eficaz. A sutil diferença entre as caracterizações do arrogante Enomau e do modesto Pélops, o intenso envolvimento dos protagonistas e a atitude indiferente dos criados - um garoto passa o tempo brincando distraidamente com os dedos dos pés - fazem parte da exploração clássica da personalidade e do estado de espírito que também vimos no Efebo de Crítios (1.1O e 1.14) e no Zeus de Artemísio (1.15 e 1.16).


(1.10) Efebo de Crítios, ca. 480 a.C., altura: 86 cm. Museu da Acrópole, Atenas.

(1.14) À esquerda, Efebo de Crítios (o mesmo de 1.10), cabeça; (1.15) à direita, Zeus de Artemísio (o mesmo de 1.16), cabeça.

(1.16) Zeus de Artemísio, segundo quartel do século V a.C., altura: 209 cm. Museu Nacional, Atenas.

Os frontões do Partenon em Atenas, esculpidos uma geração depois (438-432 a.C.), são ainda mais ambiciosos. Como o templo era incomumente largo, os frontões tinham de ser extraordinariamente longos, uma mudança em escala que acentuava os problemas inerentes ao desenho de frontões. Se os frontões de Olímpia podiam ser confortavelmente ocupados por cerca de quinze figuras, mais de vinte eram necessárias para encher os frontões do Partenon. Como estes se encontravam em nível muito mais elevado em relação ao solo do que era usual, as figuras foram esculpidas com muito maior profundidade, de modo a poder captar a luz e permanecer inteligíveis a certa distância. Embora desenhadas a traços largos, essas figuras apresentam um acabamento altamente refinado (2.21) e até as costas, que não seriam visíveis quando as estátuas estivessem em seus respectivos lugares, foram esculpidas com escrupuloso cuidado.

(2.21) Deus fluvial do frontão oeste do Partenon, em Atenas, 438-431 a.C.; comprimento: 156 cm. Bristish Museum, Londres.

O frontão oeste mostrava a competição entre a deusa Atena e o deus Posêidon pela proteção a Atenas (2.12). Essas duas gigantescas divindades ocupavam o centro, afastando-se uma da outra e voltando-se para direções opostas. Parelhas de cavalos empinavam, provavelmente de ambos os lados. Temos que confiar num desenho do século XVII para a nossa informação sobre a composição, pois a maior parte da escultura ainda era visível então, só tendo sido posteriormente destruída. Partindo dos impetuosos movimentos e contramovimentos da região central do frontão, as ondas de excitação vão diminuindo aos poucos, até se extinguirem finalmente nas calmas e indiferentes figuras reclinadas dos deuses fluviais que ocupam os cantos.

O deus fluvial (2.21) que outrora ocupava o canto esquerdo do frontão oeste, hoje no British Museum, ilustra a combinação de grandeza e sutileza que distingue a escultura dos frontões do Partenon. Os músculos fletem-se, fluem e ondulam, enquanto o ventre descontraído cede ligeiramente e cai para diante. A anatomia é retratada naturalisticamente, mas sem preciosismos de detalhe. A flexibilidade da carne, o vigor dos músculos, a dureza dos ossos, tudo isso é sugerido, porém não exaustivamente explorado.


(2.12) Desenho do século XVII do frontão oeste do Partenon, em Atenas, terceiro quartel do século V a.C. (438-432). desenho existente a Biblioteca Nacional de Paris.

O sentido de dramaticidade e arrebatamento transmite-se maravilhosamente nesse frontão (2.12), mas, para além da impressionante composição central as coisas parecem se desintegrar, parece acontecer como no frontão de Corfu (2.9). Os deuses e deusas postados de cada lado, presenciando o espetacular evento que tem lugar no centro, aparecem em escala muito reduzida. Note-se como é minúsculo o deus fluvial no canto, comparado a Posêidon, no centro. No tocante ao desenho, o artista excedeu-se tentando acomodar um número demasiado grande de figuras. O brilhantismo fulgurante do cinzelamento das poucas figuras sobreviventes tendia, porém, a desviar a atenção das imperfeições da composição.

MÉTOPAS: POUCAS FIGURAS, QUE DIZEM MUITO


Por serem quase quadradas, as métopas são mais fáceis de decorar e preencher do que os frontões. Entretanto se o artista quiser que a história apresentada numa métopa possa ser entendida a certa distância, deve escolher cuidadosamente o momento a ser ilustrado e usar não mais que três ou quatro figuras.

O escultor de uma métopa do Tesouro de Sícion em Delfos, esculpida por volta de 560 a.C., produziu uma bela peça de decoração (2.13). (Um tesouro era um pequeno edifício erigido num santuário pan-helênico para guardar as dádivas e oferendas feitas pela pólis que o construíra.) A métopa mostra agora três heróis - originalmente havia, pelo menos, mais um marchando para a direita, tocando orgulhosamente os bois que roubaram numa incursão de pilhagem de gado. Uma tríade de figuras verticais paralelas ocupa toda a altura da métopa. Seguram suas lanças inclinadas no mesmo ângulo e caminham em passo acertado com o do gado, cujas pernas, meticulosamente alinhadas, recuam até o fundo do relevo. Um belo padrão emerge, elegantemente composto de formas repetidas, à maneira arcaica (cf. 1.5).

(2.13) Roubo de gado, métopa do Tesouro de Sícion, ca. 560-550 a.C.; altura: 58 cm. Museu de Delfos.

As métopas do exterior do templo de Zeus em Olímpia (465-457 a.C.) foram deixadas sem decoração, mas as doze métopas que encimam os pórticos (seis sobre o pórtico da frente e seis sobre o dos fundos) foram esculpidas em relevo, ilustrando os doze trabalhos de Héracles (em cada métopa é representado um dos feitos do herói).

Roubar os pomos da imortalidade do jardim das Hespérides fazia parte de um dos trabalhos de Héracles. Este persuadiu Atlas a buscar os pomos enquanto sustentava o céu em seu 1ugar (2.14). A métopa mostra Atlas, jubiloso por estar gozando de uma liberdade de movimentos que sua tarefa não lhe permitia, avançando do lado esquerdo com as mãos estendidas, trazendo os pomos. Héracles está de frente para ele, oprimido pelo fardo que assenta pesadamente sobre seus ombros. A deusa Atena, protetora de Héracles, está do lado esquerdo, uma mão erguida num gesto fácil de ajuda ao herói.

(2.14) Atlas trazendo a Héracles os pomos das Hespérides, métopa do templo de Zeus em Olímpia, ca. 460 a.C.; altura: 160 cm. Museu de Olímpia.

Algo mais sutil do que as linhas paralelas e os padrões repetidos na métopa do Tesouro (2.13) relaciona as três figuras da métopa de Olímpia (2.14). Atlas, a única figura mostrada em ação, caminha da direita para a esquerda. Seu peito é mostrado de três quartos; os antebraços estendidos estabelecem um forte contraste horizontal com as linhas predominantemente verticais do desenho e chamam a nossa atenção para os pomos nas mãos. Perfil contra perfil, dá-se o encontro com Héracles, apresentado em vista lateral. Atena, majestosa e imóvel, põe fim ao movimento. A métopa era a última da série do lado esquerdo, e a figura vertical da deusa, inteiramente frontal, confere finalidade à composição total. A solidariedade de Atena para com Héracles é delicadamente sugerida não só pela mão erguida como também pelo modo como volta a cabeça - de perfil, tal como Héracles - fazendo face a Atlas.

O mestre das métopas de Olímpia também era capaz de retratar cenas de conflito de um modo soberbo. Mostrou Héracles lutando com o monstruoso touro de Creta (2.15) numa composição baseada em duas diagonais cruzadas, de tal modo que as duas davam a impressão de ser particularmente grandes em relação às das outras métopas. Numa esplêndida invenção destinada a transmitir a intensidade da luta, o artista faz o herói torcer a cabeça do gigantesco touro para enfrentá-lo frente a frente.

(2.15) Héracles e o touro de Creta, métopa do templo de Zeus em Olímpia, ca. 460 a.C.; altura: 160 cm. Louvre, Paris.

O dinamismo dessa composição explosiva foi muito apreciado em épocas posteriores. A mesma estrutura sublinha o conflito das figuras centrais no frontão oeste do Partenon (2.12) e foi também usada em uma das mais impressionantes métopas do Partenon (2.16).

(2.16) Lápita e centauro, métopa do Partenon de Atenas. 447-442 a.C.; altura: 134 cm. British Museum, Londres.

O Partenon foi decorado de forma excepcionalmente rica com esculturas. Não só os frontões invulgarmente extensos foram repletos de figuras como todas as 92 métopas do lado de fora do templo foram também esculpidas (em 447-442 a.C.). As métopas do lado sul, praticamente as únicas razoavelmente preservadas, representam o conflito dos lápitas com os centauros, criaturas míticas que eram parte homem e parte cavalo. Numa das métopas (2.16), um homem e um centauro procuram energicamente desvencilhar-se um do outro; a tensão da luta é visualmente acentuada pelo jogo de luz e sombra nas dobras profundas da capa que cai por trás do lápita e sobre seus braços. O corpo do lápita é retratado com uma riqueza tão sutil de detalhes anatômicos e com transições de tamanha delicadeza e suavidade que as métopas de Olímpia, com suas magníficas simplificações, parecem, em contraste, asperamente severas.

A métopa da extremidade oeste do lado sul do Partenon é grandiosa (2.17). Tal como a métopa de Olímpia que mostra Héracles recebendo os pomos das Hespérides (2.14), era a última métopa, à esquerda, de uma série. Se em Olímpia a figura estática de Atena termina o movimento, a ação na métopa do Partenon, por sua vez, é fechada pela vigorosa curva do corpo do lápita, que enfia um chuço, originalmente adicionado em bronze, na ilharga do centauro que o ataca. O mesmo propósito artístico é aqui realizado, mas com maior liberdade.

(2.17) Lápita e centauro, métopa da extremidade oeste do lado sul do Partenon (proveniente de um molde), 447-442 a.C.; alt: 134 cm.

Partindo do desenho esquemático, atraentemente padronizado, da métopa arcaica do Tesouro de Sícion (2.13), os gregos desenvolveram gradualmente o equilíbrio clássico, dinâmico, das mais belas métopas do Partenon (2.16 e 2.17).

FRISOS: DIFICULDADES DE COMPOSIÇÃO


Os frisos apresentavam mais problemas de desenho e composição do que as métopas. Um friso era uma faixa imensamente longa e estreita para a qual não era fácil encontrar um tema satisfatório. A elaborada decoração do Partenon incluía um friso, uma característica jônica incomum nesse templo predominantemente dórico. Ele foi esculpido entre 442 e 338 a.C. (2.18 e 2.19 e 7.6), e o tema escolhido é uma procissão em honra da deusa Atena. Foi composto de modo que as figuras do friso esculpido parecessem acompanhar o observador que caminhasse pelo templo na mesma direção que elas. Em três dos lados, a procissão desloca-se toda numa direção, ao longo do comprimento total de cada lado (2.18). Na frente, os dois braços da procissão convergem para o centro, produzindo um ponto natural de repouso para os olhos. O fluxo das figuras é unificado mas não monótono. Por vezes, a procissão é densa e as figuras deslocam-se rapidamente (2.18); outras vezes, o ritmo é comedido (2.19) e em alguns casos chega mesmo a ser solene (7.6).

(2.18) Parte da procissão das Panatenéias, no friso o Partenon, 442-438 a.C., altura: 106 cm. Bristish Museum, Londres.

(7.6) Parte do friso do Partenon, 442-438 a.C.; altura: 106 cm. Louvre, Paris.


CONTRASTE ENTRE O ESTILO CLÁSSICO INICIAL E O FINAL

O requintado trabalho de escultura do friso do Partenon é revelado por um detalhe de alguns jovens levando uma novilha ao sacrifício (2.19). A austera simplicidade da métopa de Olímpia (2.15) faz com que pareça quase rudimentar em comparação com a escultura ricamente expressiva do friso do Partenon. Note-se até que ponto são diferentes as representações da novilha e do touro de Creta. O mesmo contraste pode ser apreciado numa comparação entre um deus fluvial do frontão leste em Olímpia (2.20) e um deus fluvial do frontão oeste do Partenon (2.21).

(2.19) Parte da procissão das Panatenéias, no friso do Partenon, 442-438 a.C.; altura: 106 cm. British Museum, Londres.

Um observador que vivesse nos tempos antigos e comparasse o original do Discóbolo do início do período clássico (1.18), e o original do Doríforo, do final do período clássico (1.23), certamente notaria um contraste idêntico. As duas obras devem ter diferido não só no desenho como também no estilo e no tratamento da superfície. A austera simplicidade da concepção de Míron afetou todos os aspectos de sua estátua; o delicado equilíbrio de formas da postura do Doríforo é sintomático do método de trabalho de Policleto, que se celebrizou principalmente pelo requinte do acabamento. Se combinarmos em nossa mente o desenho do Discóbolo com a austera vitalidade das esculturas de Olímpia, e a pose do Doríforo com a delicadeza da superfície das esculturas do Partenon, estaremos bem perto de compreender por que as realizações dos períodos clássicos inicial e final foram tão admiradas.

(1.18) Cópia romana do Discóbolo de Míron; original feito ca. 450 a.C., altura: 125 cm. Museo Nazionale delle Terme, Roma.

(1.23) Cópia romana do Doríforo, de Policleto; o original data de ca. 440 a.C., altura: 199 cm. Museo Nazionale, Nápoles.





Os templos gregos e sua decoração é o segundo capítulo do livro Grécia e Roma, da coleção História da arte da Universidade de Cambridge, escrito por Susan Woodford.
Editado por CÍRCULO DO LIVRO S.A.
Título do original: "Cambridge introduction to the history of art: Greece and Rome".
Copyright by Cambridge University Press, 1982
Tradução: Álvaro Cabral.
Licença editorial para o Círculo do Livro por cortezia de Zahar Editores S.A.

4 comentários:

  1. Todas essas informações foram extraídas do livro? Se sim, quais seriam as páginas que utilizou?

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    1. Sim, Ellie Chevalier. O texto (assim como as imagens ilustrativas) foi extraído integralmente do livro, das páginas 23 à 37.

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