Chaplin nasceu no teatro
Charles Spencer Chaplin — este o
nome completo de Charlie Chaplin — nasceu em Londres, no dia 16 de abril de
1889. Era o segundo filho de Hannah, que, ao se casar com Charles, o pai dele,
já tinha Sydney.
O pai de Chaplin era um bom ator
de musicais, apesar de não ser um grande nome. Hannah também era atriz de
teatro de variedades. Excelente mímica, era dona de uma voz doce e charmosa,
mas sem grande alcance. Tinha pavor de vaias e gozações, que já haviam acabado
com os espetáculos e até com a carreira de muitos atores. Embora não fossem
propriamente ricos, o music hall
proporcionava aos Chaplin uma vida confortável.
Os musicais começaram nos bares dos
becos, onde artistas amadores representavam cenas que divertiam e deliciavam o
público. Os atores vinham dos mesmos becos onde viviam seus espectadores. A vida
desses atores era difícil, mas fazia vislumbrar uma chance de fama e fortuna
para jovens ambiciosos como Hannah e Charles Chaplin; muito melhor isso do que
serem empregados domésticos ou trabalhadores das terríveis fábricas da época.
No final do século 19, o teatro
de variedades atingiu o auge na Inglaterra: havia mais de duzentas peças em
cartaz, das quais 36 eram encenadas em Londres. Numa época em que não havia
rádio nem televisão, era natural que as pessoas afluíssem ao teatro. Não havia
lugar melhor para esquecer as adversidades da vida daquela Inglaterra
vitoriana.
Os espectadores podiam apreciar
engolidores de fogo, bailarinas, amestradores de leões, trapezistas, atores e
mágicos e se unir ao coro das músicas.
Um país dividido
A rainha Vitória era rica e
poderosa e seu império estendia-se mundo afora. Mas, assim como havia uma
imensa riqueza, havia também uma pobreza extrema no país. Lentamente, a
situação foi melhorando — os ricos não estavam mais apavorados com a perspectiva
de que as "classes baixas" mergulhassem a Inglaterra na revolução,
como havia acontecido em outros países da Europa —, mas para milhares de pessoas
ainda era extremamente difícil ganhar o próprio pão e garantir a sobrevivência.
Londres, na época, vivia sob o estrépito dos cascos de cavalos. Eram fiacres, carroças de cerveja, vagões de carvão, carrinhos de leiteiros e ocasionalmente a pompa soturna de um rico funeral, que cortavam a cidade, todos eles agitando plumas e flores. As ruas estavam cheias de vida. Moças vendiam flores, enquanto homens tocavam o realejo com macaquinhos montados em cima do aparelho. Crianças pulavam corda, brincavam de pula-sela, jogavam bolinha de gude ou subiam nos postes.
Como Charlie andava pelas ruas
com a mãe, convivia com a mais extrema pobreza — crianças descalças, mendigos
cegos, pessoas acotoveladas nas portas —, mas, ainda assim, isso significava
pouco para ele. Sua família estava, até então, sã e salva.
Tempos difíceis
Entre uma apresentação e outra,
os atores dos musicais eram estimulados a beber com o público para o bar fazer
movimento. Com isso o pai de Charlie, como muitos outros atores, passou da
alegre camaradagem para o alcoolismo.
Charles Chaplin, o pai de Charlie, era bem conhecido nos music halls com músicas como Oui! Tray Bong!, mas a bebida destruiu sua carreira. |
Lenta, mas firmemente, a bebida
foi destruindo o seu casamento. O medo e a angústia crescentes germinavam em
Hannah.
Quando o casal viajou aos Estados
Unidos para apresentações da companhia, Hannah fez novos amigos. Entre eles
estava um cantor muito elegante e famoso: Leo Dryden. Ela sucumbiu aos seus
galanteios e se apaixonou. O bom senso voou pela janela. Em agosto de 1892,
Hannah deu à luz a um filho de Leo, George Dryden Wheeler. Até então, Leo
Dryden havia lhe dado alguma ajuda financeira, mas, assim que o filho nasceu,
desapareceu de sua vida.
O casamento de Hannah com Charles
havia terminado, e ela estava agora com três filhos para criar. Charlie tinha três
anos e meio e Sydney quase oito. Hannah sempre foi muito carinhosa e cheia de
cuidados com as crianças, dispensando o mesmo amor ao bebê e aos meninos mais
velhos. Eram pobres, mas tinham um ao outro.
Certo dia, sem qualquer aviso,
Dryden apareceu em sua casa, pegou George, então um bebê de 6 meses, e foi
embora. Hannah não pôde fazer nada.
Sem o bebê, sua vida se
arruinara. Não possuía recursos nem alguém a quem recorrer. As antigas esperanças
haviam desaparecido, mas Hannah era indomável. Sem ela, Charlie Chaplin teria
se tornado mais uma criança perdida na Londres vitoriana.
Pobre e só, Hannah voltou-se para
a religião em busca de consolo. Ganhava um pouco trabalhando como enfermeira em
residências e costurando para senhoras da igreja. Como todos aqueles que enfrentavam
dificuldades na época, seu maior temor era ser obrigada a viver num asilo de
pobres.
A primeira apresentação de Carlitos
Mas o dinheiro simplesmente havia
terminado e Hannah tinha de fazer alguma coisa. Estava temerosa de enfrentar o
implacável público dos musicais, mas seu talento era a única coisa que tinha a
oferecer. Em desespero, decidiu voltar ao palco. O seu temor, porém, se
confirmaria: sua voz falhou completamente.
A pobre Hannah lutou para
continuar cantando sob os assovios e as vaias. Mas logo deixou o palco. O
diretor estava desesperado com o tumulto. Viu o pequeno Charlie nos bastidores:
era o que tinha de melhor à mão. Pegou Charlie e conduziu-o ao palco.
Carlitos tinha, então, 5 anos de
idade.
A visão daquela pequena criança
iluminada pela luz dos refletores acima da plateia fez os espectadores caírem
na gargalhada. Como Charlie crescera entre atores e profissionais do teatro,
firmou-se no palco e começou a cantar.
"Eu me lembro das ruas do
bairro de Lambeth, a New Cut e a Lambeth Walk, e da Vauxhall Road. Eram ruas
desagradáveis, e não se poderia dizer que fossem pavimentadas com ouro.
Contudo, as pessoas que ali moravam eram feitas do melhor metal". Charlie
Chaplin, a respeito de Londres, em 1943
O tumulto na plateia se dissipou
e moedas foram sendo atiradas ao palco, com pedidos de bis. Quando Charlie
disse calmamente que só continuaria depois de recolher todas as moedas,
provocou outra gargalhada estrondosa no público.
Todo sorrisos, o diretor
assegurou-lhe que todas as moedas seriam recolhidas; Charlie, então,
prosseguiu. Ele estava se divertindo muito e, assim, dançou, cantou e
representou, até Hannah tirá-lo do palco.
Depois daquela noite, ela faria
apenas mais uma apresentação, mas para Charlie seria o início de uma carreira
brilhante, que o fez famoso em todo o mundo.
Pobreza
Pouco a pouco, Hannah foi forçada
a vender todos os seus pequenos tesouros — e até as peças e os objetos mais
necessários. A vida teria se tornado miserável se Hannah não tivesse
introduzido um pouco de magia nela. O pobre quarto da família parecia ter se
transformado em um reluzente palco. Ela cantava e dançava para sua plateia de
duas crianças, além de representar peças de teatro para elas. Contava-lhes histórias
da Bíblia que as levavam às lágrimas.
Hannah não só mantinha Charlie e
Sydney limpos, alimentados, vestidos e aquecidos no inverno como também lhes proporcionava
pequenos deleites, como uma revista de histórias em quadrinhos ou um arenque no
café da manhã.
Sua preocupação em manter os
filhos decentemente vestidos não era bem-sucedida. Ela fazia roupas para os
meninos com os tecidos de seus vestidos de teatro, e eles eram alvo de caçoadas
nas ruas por onde passavam com aqueles terninhos excêntricos.
Sydney tentava ganhar algum
dinheiro vendendo jornais nos bondes puxados a cavalo: saltava os degraus do
veículo em movimento para oferecer o seu produto. Um dia encontrou uma
carteira, ao descer correndo pelo estribo do bonde. Não havia nome nem endereço
anotados, e parecia estar cheia de trocados. Foi só quando chegou em casa que
Hannah descobriu um compartimento interno que continha 7 soberanos de ouro.
Então ela decidiu que teriam seu
dia de glória.
Correu com os meninos para a rua
e tomaram um barco — foi um dia de mariscos, balas de hortelã, pães doces,
limonada e muita diversão... com os garotos usando roupa nova de qualidade, de
forma a não sofrerem gozações pelos trajes feitos com as roupas do baú do
teatro de variedades.
Esses dias de glória eram poucos
e raros, mas, quando o dinheiro era curto, Hannah mostrava aos filhos como se
divertir sem ele.
Ela se sentava no parapeito da
janela para observar os passantes e, através de sua aparência e modo de andar e
vestir, inventava histórias para distrair Charlie e Sydney. Às vezes
representava por mímica tudo o que estava vendo na rua: sem uma palavra, apenas
com o uso das mãos e da expressão facial, contava histórias aos meninos.
"Para mim, minha mãe foi a mais esplêndida mulher que conheci... Desde então, pelo mundo afora, encontrei muita gente, mas jamais vi uma mulher mais refinada do que minha mãe. Se consegui ser alguma coisa, eu devo a ela". Charlie Chaplin, Photoplay, 1915
"Para mim, minha mãe foi a mais esplêndida mulher que conheci... Desde então, pelo mundo afora, encontrei muita gente, mas jamais vi uma mulher mais refinada do que minha mãe. Se consegui ser alguma coisa, eu devo a ela". Charlie Chaplin, Photoplay, 1915
Charlie herdou essas habilidades
da mãe, captou os sons e as cenas da vida de Londres, usando-os ao longo de sua
vida profissional. Ao se tornar milionário e internacionalmente famoso como
ator, Chaplin atribuiria o desenvolvimento de sua carreira ao talento da mãe e
às histórias que ela lhe contava na infância.
As escolas de Norwood
Muito provavelmente, Hannah e
seus filhos compunham uma estranha família. Era como se tivessem construído um
muro ao redor deles e agora esse muro começasse a ruir. Hannah começou a sofrer
de dores de cabeça frequentes e violentas. Seu estado se agravou tanto que foi
obrigada a se internar por um mês em uma enfermaria.
Não havia mais nada a fazer —
Sydney foi obrigado a ir para um asilo de pobres. De lá foi mandado para uma
escola de crianças carentes no oeste de Norwood. A escola era bastante moderna,
mas tinha o estigma da instituição de caridade.
Permaneceu lá por três meses e, ao
mesmo tempo em que Charles pai era-despojado do pátrio-poder, por absoluto
descaso para com as crianças, Hannah ainda não havia se recuperado totalmente
para poder recebê-las em casa.
Charlie foi mandado para a casa
de parentes e teve uma semana ou duas de estudos. Na verdade, ele nunca
receberia uma verdadeira educação formal.
Assim que Hannah se recuperou, os
garotos voltaram para casa, mas suas dores de cabeça também voltaram e ela teve
de ser internada novamente.
Outra separação
As autoridades estavam perplexas.
O pai dos meninos estava bem de vida, mas não auxiliava em nada na sua criação.
Havia apenas uma coisa a fazer. "Devido à ausência do pai e à doença da
mãe", as crianças foram enviadas à Escola para Crianças Pobres do Centro
de Londres, em Hanwell.
As regras eram rígidas. Os
meninos tiveram de ser separados por causa da idade. Charlie estava com 7 e
Sydney com 11 anos.
Sydney tinha sido um verdadeiro
pai para seu irmão mais novo, e a boa comida, os esportes e a piscina não
seriam suficientes para compensar a separação dos dois.
A pior coisa que aconteceu a
Charlie foi pegar piolhos e ter de raspar o cabelo e cobrir o couro cabeludo
com iodo. Sentia-se como um pária. Outra situação desastrosa foi a injusta
acusação de se comportar mal, sendo castigado com três fortes batidas de
palmatória. Em sua autobiografia, porém, Chaplin recorda sentimentos e situações
muito agradáveis, apesar das circunstâncias desfavoráveis.
No dia 18 de janeiro de 1898,
depois de dezoito meses na Hanwell, Charlie voltou para casa. Dois dias depois
Sydney também retornava. Estavam desesperadamente pobres, mudando de um quarto
miserável para outro, cada um pior que o último.
Um dia de liberdade
Um dia de liberdade
Não muito depois tiveram de
voltar para o internato. Hannah não tinha autorização para visitar os filhos,
mas não era mulher de se deixar intimidar por regras. Informou às autoridades
que no momento dispunha de dinheiro suficiente para montar casa novamente — e
Sydney e Charlie deviam ser entregues a ela nos portões do internato.
Os três foram ao Kennington Park,
um parque malcuidado, de grama gasta, cuja única atração era uma grande fonte.
Sydney havia economizado 9 pence
(9 centavos de libra esterlina, a moeda inglesa). Depois de muita discussão,
eles gastaram o dinheiro em pouco mais de 200 gramas de cerejas, 2 pence de
bolinhos, 1 penny (1 centavo de libra esterlina) de arenque e meio penny em
duas xícaras de chá, sendo tudo dividido escrupulosamente entre eles. Sydney
fez uma bola de jornal e barbante, e eles jogaram a tarde inteira até Hannah
chamá-los para voltarem para casa.
De volta para o internato!
Hannah não tinha recursos para
manter um novo lar. As autoridades ficaram estarrecidas com o atrevimento dela.
O livro de regras não previa qualquer punição para tal descaramento. Para
alegria de Hannah, os meninos tiveram de passar o fim de semana no asilo junto
com a mãe.
Duas semanas mais tarde, porém,
ela foi transferida do asilo para o hospital. A notícia foi dada aos filhos na
Escola de Norwood da seguinte forma: devido aos problemas, a mãe deles tinha
ficado louca e eles seriam enviados para a casa do pai. Foi um dia terrível e
assustador.
Nova mudança
Os meninos foram levados para a
casa do pai no furgão de pão. Charlie vivia com uma mulher triste e devota
chamada Louise, mas tanto ela como ele estavam constantemente bêbados. Como
Hannah havia declarado, aquela não era uma casa para crianças. Quando não
bebia, o pai era maravilhoso — mas o problema é que raramente ele estava
sóbrio. As crianças ficaram aterrorizadas com a desordem, os gritos e as brigas
dos dois.
Uma noite, o pequeno Charlie
voltou para casa e encontrou-a trancada. Não sabia o que fazer. A manhã parecia
muito distante, e não havia ninguém a quem ele pudesse recorrer.
A fim de passar o tempo, ele
perambulou pelas ruas sombrias, afastando-se das vielas mais escuras. Bêbados
cambaleavam de encontro a ele, casais passavam a seu lado sem lhe dar atenção,
tagarelando e rindo. Das janelas abertas ouvia-se o som de choro de bebês, de
cantorias e de gritos. O garoto sentiu-se terrivelmente só. Finalmente ele se
viu frente a uma taberna: luzes brilhavam através das vidraças, e a porta
aberta deixava entrever a madeira polida e o bronze lustroso. Deixou-se ficar
ali, invejando as pessoas que se encontravam lá dentro, aquecidas e
acompanhadas.
Alguém começou a tocar uma
clarineta. Solitário, o garoto ouvia, encantado.
Pareceu-lhe o som mais lindo e tranquilizador
que já havia ouvido. Aqueles poucos minutos do lado de fora de um bar londrino
abriram seu coração para a música. Nunca mais esqueceria aquele momento. Um
dia, ele também comporia músicas que deliciariam o mundo.
Um instante de orgulho
Hannah era uma mulher incrível.
Uma pessoa que, contra todas as expectativas, estava bem de novo e, uma vez
mais, pronta para montar um lar para os filhos.
Eles mudaram para um quarto que
dava os fundos para uma fábrica de picles e que ficava ao lado dos horrores de
um matadouro. O mau cheiro era insuportável, mas eles estavam juntos novamente.
Charles passou a dar algum dinheiro a Hannah, provavelmente para se certificar
que os filhos não voltariam para sua casa.
Muito a contragosto, o pequeno Charlie foi mandado para a escola. Ele não era muito bom em leitura e escrita, mas teve um instante de triunfo. A sua declamação de "Miss Priscilla's Cat" recebeu os aplausos da escola inteira... e ele foi levado de classe em classe para que todos pudessem ver a sua atuação. De repente ele se sentiu alguém de valor, não apenas uma criança maltrapilha.
No dia 25 de novembro de 1898,
porém, Charlie deixou a escola para sempre. Tinha 9 anos, mas sua infância
havia terminado.
Os Garotos de Lancashire
Hannah sustentava a família com
trabalho por encomenda. Uma vez por semana sua patroa levava várias peças de
tecido para ela fazer blusas. O pedalar e o zumbido da máquina de costura
enchiam os dias da família. Hannah não podia se atrasar no aluguel da máquina.
A sobrevivência dos três dependia dela.
A comida era comprada em
quantidades muito pequenas. Os meninos despencavam escadaria abaixo para
apanhar um prato de verduras ou um pedaço de carne para o jantar, ou até um
peixe em conserva para aumentar um pouco a refeição fria. Um saquinho de
biscoitos amanhecidos era um tesouro.
O salário de Sydney ajudava. Sempre
inteligente e esperto, ele agora era entregador de telegramas, usando um
uniforme com botões dourados e boné.
“Aqueles foram dias difíceis, com
toda certeza. Às vezes, nós (Os Oito Garotos de Lancashire) quase pegávamos no
sono no palco, mas, ao darmos uma olhada para Jackson, na coxia, podíamos vê-lo
fazendo caretas extraordinárias que mostravam os dentes, distorciam o rosto e o
corpo, mostrando que ele queria que nós tomássemos coragem e sorríssemos. A
nossa resposta era imediata; mas o nosso sorriso ia se apagando lentamente, até
que dávamos, de novo, uma olhadela para Jackson. Éramos apenas crianças e não
tínhamos aprendido ainda a arte de arrancar energia do corpo para acabar com o
desânimo”. "Mas foi um bom treino, tornando-nos aptos para o trabalho duro
que enfrentaríamos antes que a deusa do sucesso começasse a distribuir seus
favores". Charlie Chaplin, 1912
Estava claro para Charlie que ele
tinha de ganhar a vida, e já sabia como. Desde pequenino, não tinha nenhuma
imagem romântica da vida de teatro, mas o que queria mesmo era ser artista.
Charles, pai, ainda estava no
negócio, apesar de a bebida ter destruído a chance de uma carreira brilhante.
Podia não ter sido um bom pai, mas agora, finalmente, havia alguma coisa que
podia fazer e que não lhe custaria nada.
Assim, persuadiu William Jackson
a levar o filho para a trupe de crianças que sapateavam, Os Oito Garotos de
Lancashire. Como o grupo fugia do comum, estava obtendo um enorme sucesso.
O aprendizado no palco
Foi uma escolha feliz. Jackson
era um homem gentil, que cuidava de seus garotos, mas insistia em uma
disciplina profissional e em um alto padrão de qualidade. Foi uma excelente
base para o futuro de Charlie no palco. Ensaios, espetáculos na matinê e à
noite deixavam os meninos muito cansados, mas eles eram profissionais. Seu
trabalho era divertir — e fazer rir como eles riam. Se a dança começasse a
perder brilho, Jackson já estava nos bastidores gesticulando — e o sorriso dos
meninos reaparecia.
Os Garotos de Lancashire dividiam
a cena com alguns dos maiores atores da época. Charlie ia retendo na memória
tudo aquilo que via.
O Natal foi comemorado com
quadros de transformistas, balés acrobáticos, figurinos fulgurantes e
comédia-pastelão. O rei dos demônios foi atirado de um alçapão, como um
relâmpago envolto em fumaça vermelha, enquanto a rainha das fadas desceu
graciosamente do alto.
Mas Charlie também já havia
presenciado à exaustão, desde que nascera, a tensão e as injúrias por trás de
atuações maravilhosas. Ele fazia parte de um mundo que cheirava a gim e
maquiagem, poeira e suor, tigres e leões-marinhos, querosene e linhaça.
Os primeiros passos de Chaplin no
teatro haviam sido coroados de sucesso; porém, em apenas dois anos, seus dias
com os garotos haviam terminado.
Então, às noites, ele ficava
sentado em casa observando Hannah inclinada sobre a máquina de costura, com os
dedos guiando o tecido junto à implacável agulha e os olhos vermelhos de
cansaço.
Os dias mágicos no palco parecia
haver terminado para Charlie Chaplin.
Na escuridão
Então, outra desgraça desaba
sobre eles. Charles Chaplin, pai, destruído pela bebida, morre com apenas 37
anos de idade.
Sydney estava sempre no mar e
Charlie sentia que precisava ganhar alguma coisa para ajudar em casa enquanto
seu irmão estivesse fora.
Comprou narcisos baratos no
mercado, fez pequenos buquês de 1 penny
e dirigiu-se à região dos bares. A faixa de luto em seu braço e seu olhar
triste e sombrio enterneceu o coração de muitas mulheres, o que lhe renderia
algum trocado extra. Mas sua mãe descobriu e pôs um fim nesse trabalho. "A
bebida matou seu pai, e o dinheiro vindo de bares só pode nos trazer
azar", disse-lhe Hannah.
Mas embolsou o lucro.
Bolo e sorvete
Começava o ano de 1901. Com 11
anos de idade, Charlie estava determinado a arranjar um emprego. Foi mensageiro
de médico, pajem e até assoprador de vidro em uma fábrica, onde, apesar de o
calor ser forte demais para sua idade, ele só faltou um dia.
Sydney voltou do mar com o
salário e algum extra de gorjetas — o suficiente para transformar o verão. Anos
mais tarde, Chaplin diria: "Foi nossa época de bolo e sorvete". Entre
biscoitos, bolinhos, peixe e pãezinhos recheados, os dias passaram como num
delicioso sonho.
Logo, porém, Sydney teve de
voltar ao mar, e a pobreza novamente dominou sua vida.
Charlie tentou vender sua roupa
velha no mercado, mas estava tão puída que nem os mais miseráveis se
interessavam por ela. Começou a fazer barquinhos de madeira, mas o cheiro forte
da cola perturbava o trabalho de Hannah e ele teve de parar.
Hannah estava mudada. Apesar do
pouco dinheiro, sua casa sempre fora limpa e brilhante; ultimamente, porém,
estava se tornando cada vez mais empoeirada e suja. Charlie não compreendia o
que estava acontecendo e muitas vezes ralhava com ela. Mas não era apatia o que
causava a mudança.
A doença volta
Certa manhã de verão, enfastiado
daquela desmazelada e exígua água-furtada, Charlie saiu para visitar amigos.
Por volta de meio-dia, estava voltando para casa, quando algumas crianças o
abordaram.
"Sua mãe ficou louca. Ela
está empunhando pedaços de carvão e dizendo que são presentes de aniversário
para as crianças".
Charlie precipitou-se escada
acima e encontrou a mãe sentada em seu costumeiro lugar, junto à janela. Lançou
para ele um olhar desnorteado.
"Estava procurando por Sydney.
Eles o afastaram de mim".
Charlie já tinha visto sua mãe
doente antes, mas nunca como agora. Como ela cambaleasse, Charlie, com 14 anos
de idade, teve de levá-la ao hospital, amparando-a em seus braços ao longo de
quase 2 quilômetros até os portões de ferro. Os pedestres olhavam para eles com
reprovação, pensando que ela estivesse bêbada.
No grande e despojado quarto, um
médico acalmou Hannah e examinou-a gentilmente. Ao final, disse a Charlie que
ela não estava nada bem. Hannah foi internada no hospital e seis dias mais
tarde, transferida para o asilo.
Sozinho
Não querendo ser cuidado pelo
Estado novamente, Charlie disse aos funcionários que iria viver com parentes.
Na verdade, voltou ao velho quarto sozinho para esperar a volta de Sydney.
Hannah, como sempre, tentava
afastá-lo do pior. Mas, ainda assim, Charlie encontrou roupa suja de molho,
nenhuma comida, meio pacote de chá e três moedas de meio penny. Havia um saquinho de balas de hortelã sobre a mesa, que ela
havia comprado como um tesouro para ele.
Nas semanas seguintes, Charlie
perambulou pelas ruas de Londres, tão só quanto naquela noite em que seu pai
deixara-o para fora de casa. Por sorte, encontrou alguns amistosos entalhadores
e começou a trabalhar para eles. Na firma, o chefe deu-lhe 2 pence para comprar pão e cascas de
queijo.
O mercado era o coração de Londres. Bancas enfileiravam-se ao longo das ruas, e vendedores ambulantes apregoavam suas mercadorias aos gritos, enquanto caminhavam de porta em porta. |
Assim que Sydney chegou, os dois
garotos foram visitar a mãe. Foi um grande choque ver a mudança que ocorrera em
Hannah. Longe da família e de seu ambiente, ela parecia totalmente perdida e
desamparada. Charlie ficou transtornado por muito tempo com o que ela lhe
dissera em sua confusão mental:
"Se você tivesse me dado uma
xícara de chá, eu teria ficado boa".
Charlie encontra seu caminho
Mesmo nas piores fases, Charlie
sempre acreditou que havia algo especial encerrado dentro dele. Agora, roto e
esfarrapado, estava determinado a começar de novo. Armou-se de coragem e foi
procurar um dos mais importantes agentes teatrais de Londres.
No escritório, o empregado olhou
para o menino de 14 anos. Era miúdo, de traços delicados, mãos e pés pequenos,
cabelos pretos e ondulados, dentes magníficos — um garoto de boa aparência e
cheio de energia. Resolveu colocar Charles Spencer Chaplin em sua agenda.
Pouco tempo depois um cartão
chegou ao alojamento de Charlie. Com o coração saltando no peito, ele foi ao
escritório. Não tinha experiência alguma e estavam lhe oferecendo um bom papel
em uma nova montagem de Sherlock Holmes.
O conhecido ator H.A. Saintsbury fazia o papel principal. Havia uma
oportunidade, também, de outro papel na própria peça de Saintsbury, Jim, um Romance de Cockayne, que seria
encenada antes que a produção de Holmes
ficasse pronta.
Charlie foi encaminhado para o
amplo e distinto Green Room Club para se encontrar com o ator. A vida que
levava tornara-o muito tímido — muitos o tomavam por insociável —, mas
Saintsbury gostou dele e deixou-o à vontade. Charlie ficou com os dois papéis.
A atuação de Chaplin em Sherlock
Holmes, com apenas 14 anos, foi um marco em sua carreira de ator. E, apesar de
as peças não obterem grande sucesso, o público reconheceu o seu talento desde o
início.
|
Os ensaios eram completamente
diferentes do que vira até então, pois nunca trabalhara como ator, mas
Saintsbury era paciente e Charlie aprendia depressa. Como mal sabia ler, Sydney
lia o texto junto com ele e, em três dias, sua fala estava decorada.
Jim foi um horrível fracasso, exceto pelo fato de as críticas
destacarem "um ator de futuro" na peça: Charles Chaplin.
Um deles escreveu: "Nunca vi
o garoto antes, mas espero ouvir falar muito dele no futuro".
Sherlock Holmes estreou no dia 27 de julho de 1903, no enorme Pavilion
Theatre e, após curta temporada, começou a excursionar.
Charlie parecia ter mudado da
noite para o dia. Foi como se tivesse encontrado algo que lhe houvesse sido
destinado fazer. Querido, gentil e talentoso, Sydney também ficaria famoso no
palco, mas para ele esse era apenas um trabalho, uma parte de sua vida,
enquanto para Charlie o emprego era seu mundo.
Charlie convenceu o diretor a dar
um pequeno papel para Sydney. Hannah apresentou melhoras e por um certo período
os três excursionaram juntos, quando então pôde se deleitar com o sucesso dos
filhos.
A terceira excursão de Holmes foi um péssimo negócio, pois a
companhia havia mudado de diretor. Charlie foi salvo por um telegrama, que lhe
oferecia um papel na peça de William Gillette, um grande ator americano. A peça
fracassou, mas Gillette gostou tanto da atuação de Charlie que lhe deu o papel
de Billy na sua montagem de Sherlock
Holmes.
Isso significava o West End de
Londres, o lado melhor da capital — e dos espetáculos. Charlie tinha apenas 16
anos.
Sucesso e fracasso
Charlie aprendeu muito com
Gillette, que era um excelente ator e um professor paciente. Acreditava que a
atuação no palco se desenvolvia a partir da observação da vida real — algo que
Hannah e Charlie entendiam muito bem.
Mas para Hannah não havia mais
progresso. A insanidade contra a qual lutara por tanto tempo havia retornado,
mais violenta que nunca. Os filhos estavam fora e foram os amigos que a levaram
para o asilo. Desta vez não houve recuperação. Em seus momentos de lucidez,
escrevia aos filhos cartas corajosas, tentando ardentemente ser alegre e
enviando-lhes seu amor e carinho.
Sydney estava atuando em uma
comédia-pastelão chamada Consertos,
que envolvia grande quantidade de água, escadas, baldes, massa, papel e quedas.
Quando terminou a temporada de Sherlock
Holmes, Charlie juntou-se ao irmão.
As coisas pareciam mudar com
muita rapidez e Charlie estava ansioso por conquistar algo além do horizonte.
No momento, ele atuava em uma peça bastante popular: Casey's Court Circus. O público adorava sua atuação, especialmente
quando se precipitava sobre o palco, com uma perna balançando no ar e a outra
derrapando pelos cantos.
Mas o sucesso pode ser seguido
pelo fracasso. Inacreditavelmente, Charlie apresentou-se como um artista cômico
judeu. E teve uma atuação tão ruim que foi vaiado no palco. Chaplin já havia vivenciado
essa experiência com sua mãe, mas para ele era novidade. Tremia no camarim,
antes de entrar em cena, e nunca mais se sentiu totalmente à vontade nas
atuações ao vivo.
Felicidade interrompida
Agora era a vez de Sydney ajudar.
Era um astro em ascensão na bem-sucedida montagem de Comediantes Mudos, de Fred
Karno e convenceu o diretor a fazer um teste com Charlie durante duas semanas,
sem pagamento.
Deram-lhe uma ponta, mas Chaplin
sabia que era sua grande chance. Deu o melhor de si em todos os detalhes da
atuação, acrescentando pequenos truques inesperados — e atingindo o sucesso dos
melhores astros, para deleite do público. Não conquistou a estima dos outros
atores, mas Karno reconheceu seu talento e Charlie foi integrado ao elenco.
Chaplin confundia o resto da
companhia com sua versatilidade. Mas um membro do grupo, Stan Laurel — que um
dia se reuniria a Oliver Hardy para montar uma das maiores duplas de
comediantes de todos os tempos (O Gordo e
o Magro) — gostou dele. Percebeu que Charlie era tímido e se dedicava inteiramente
ao trabalho. Sabia que poderia ser tão brincalhão, delicado e generoso como os
outros atores — mas seu trabalho vinha em primeiro lugar.
Era o ano de 1908. Charlie estava
com 19 anos e se apaixonou. Hetty Kelly tinha apenas 15, e seus pais cortaram o
romance antes mesmo que começasse. Mas a lembrança da bela Hetty o acompanharia
por toda a vida.
Excursionando com Fred Karno
Fred Karno era grosseiro,
ignorante, às vezes cruel, mas ele entendia de comédia. Disse a Chaplin que uma
pitada de sentimento podia dar bons resultados num quadro humorístico,
observação que ele seguiria à risca em seus filmes.
Em 1910, quando Karno realizou
sua primeira turnê pelos Estados Unidos, Chaplin foi incluído no grupo. Ele
emplacou em cheio com os americanos. Foi considerado pela crítica dos Estados
Unidos como "um dos melhores artistas de pantomima jamais vistos".
Datada de 1890, esta máquina
mostrava, em movimento, as imagens de atrações comuns nos palcos da época:
malabaristas e mímicos.
|
A companhia ficou fora 21 meses
e, quando Chaplin voltou, Sydney estava casado. A próxima turnê aos Estados
Unidos teria início dentro de cinco meses, mas Charlie estava muito
insatisfeito com a forma com que eram organizadas as excursões. No entanto, a
turnê foi um enorme sucesso — e Chaplin também.
Estavam em Filadélfia, quando
receberam o seguinte telegrama:
"Há um homem chamado Chaffin
ou qualquer coisa parecida na companhia? Se houver, comunicar-se com Kessel e
Baumann..."
Intrigado, Chaplin tirou um dia
para visitar esses misteriosos cavalheiros em Nova York. Para seu assombro,
soube que haviam assistido a sua cena e estavam lhe oferecendo a oportunidade
de substituir um astro na companhia cinematográfica Keystone.
Era maio de 1913 — e a vida de
Chaplin estava para mudar inteiramente.
Chaplin descobre o cinema
O cinema — ou cinematógrafo — foi
criado no ano em que Chaplin nasceu. A princípio, a plateia ficava aturdida ao
ver as cenas em movimento — sensação que durava apenas alguns instantes —, mas em
1913 o cinema estava se tornando um grande negócio. A Keystone produzia filmes
em grande quantidade, em detrimento da qualidade, para atender à demanda. Ainda
assim as pessoas acreditavam que era uma moda passageira que jamais
substituiria os espetáculos ao vivo.
Uma câmera de 1889, com dezesseis
lentes: cada uma delas gravava imagens separadas em uma chapa fotográfica.
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Os estúdios não eram nem de longe
equipados como os de hoje. Na biografia Chaplin
— Sua Vida e Arte, David Robinson descreve assim o lugar para onde Chaplin
estava direcionando sua vida: "Uma área de menos de 15 metros quadrados,
confinada por uma cerca verde de madeira. No centro ficava o palco, encimado
por um pano branco para difundir a luz do sol. Um velho bangalô abrigava o
escritório e o camarim das mulheres; uma construção agrícola adaptada servia de
camarim para os homens".
E era só.
Não havia som, mas nos filmes de
amor uma orquestra estava sempre a postos para criar a atmosfera propícia aos
atores. As filmadoras a manivela ficavam em posições fixas. O ator obedecia
mais à câmera do que a câmera ao ator.
Muitas das tomadas eram feitas
fora do estúdio, no jardim ou nas ruas próximas. Na época, tudo dependia do
sol, pois não havia iluminação própria para o local.
Keystone
Chaplin ficou muito animado com a
proposta da Keystone, mas agora que estava em Hollywood começou a se questionar
se teria feito a escolha certa. Afinal de contas, ele era um comediante de
teatro. Durante vários dias esteve nervoso demais, até para ir ao estúdio. Deu
um telefonema urgente para Sennett, seu novo diretor, para vir ao seu encontro.
Ficou completamente desalentado
com o que viu. Sua comédia sempre dependeu de ensaios, com ritmo e clareza
precisos e efeitos calculados. A Keystone não acreditava em tais sutilezas.
Ao ser rodado em uma determinada
velocidade, este disco mostrava o cavalo e o cavaleiro correndo. Esta é uma das
primeiras invenções que, aprimoradas, levaram ao equipamento usado hoje no
cinema.
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Suas comédias se baseavam em
pancadaria, corridas e perseguições e usavam maquiagem grosseira. Mas Chaplin
não se deixaria abater. Ele tinha várias semanas para esperar e aproveitou o tempo
para olhar e aprender. Estava determinado a dominar o novo meio de comunicação.
Havia a oportunidade de dinheiro e sucesso — e ele estaria livre do
imprevisível público de teatro.
O primeiro filme
Em fevereiro de 1914 estreou o
primeiro filme de Chaplin, que continha um rolo com duração de 15 minutos.
Chamava-se Carlitos Repórter. Embora
ainda conhecesse muito pouco sobre cinema, ele entendia de comédia, e percebeu
que o diretor era, definitivamente, incompetente. Estava amargamente
desapontado com o resultado final do trabalho. Tudo o que havia sugerido fora
cortado na edição final.
Mesmo assim o público gostou e
reconheceu em Chaplin — com a sobrecasaca e o chapéu-coco — "um comediante
de primeira".
A insatisfação serviu para
Charles Spencer Chaplin caprichar mais em futuras atuações.
Sennett tinha uma fórmula certa
de economizar dinheiro em locações e extras. Levava a equipe para onde
estivesse acontecendo algum evento e deixava os atores se misturarem à
multidão.
O segundo filme de Chaplin foi
rodado em uma corrida de automóvel para crianças. Disseram-lhe para vestir o
uniforme e fazer alguma coisa errada na pista.
Nasce o Vagabundo
Escolheu um chapéu-coco menor que
a cabeça, um paletó apertado, calças grandes demais, botinas enormes e uma
bengalinha de cana-da-índia. Assim o Vagabundo fez sua primeira aparição nas
telas. Chaplin jamais poderia imaginar a fama que esse personagem conquistaria.
Mas desde o primeiro momento sabia qual seria seu comportamento: um homem sem
sorte que tenta corajosamente obter um pouco de dignidade.
"Ele [Chaplin] era uma
figura estranha, mórbida, romântica, não demonstrando ter consciência da
grandeza que havia nele". Constance Collier
Lembrou-se dos pobres
trabalhadores de sua infância, que branqueavam com giz o colarinho, manchavam
com tinta as mangas puídas e adornavam as bordas rasgadas de suas camisas para
parecerem respeitáveis. Recordou como homens, mulheres e crianças miseráveis
usavam um chapéu, mesmo em péssimo estado.
Muito tempo depois, disse em uma
entrevista que tinha aprendido aquele jeito de caminhar trocando o passo, com
os pés voltados para fora, observando um velho bêbado, quando era criança. Em
todos os seus filmes ele utilizaria sempre elementos de sua infância.
O Vagabundo tinha futuro, mas
Chaplin ainda faria vários filmes até obter a caracterização definitiva do
personagem. Por longo tempo desempenhou todos os tipos de papéis. Ele era bom,
mas ainda um comediante entre muitos outros. Nesses primeiros trabalhos já
havia lampejos do charme e da imaginação dos seguintes. Os primeiros filmes
eram muito rápidos, rudes e às vezes violentos. Pancadarias, correrias e quedas
eram os ingredientes para fazer rir.
Experiência
Os dois primeiros rolos de Mabel at the Wheel (Carlitos Banca o Tirano)
foram filmados em abril de 1914. Desde fevereiro havia feito dez filmes e aprendido
muito — mas estava longe de se sentir satisfeito. Agora conhecia as
possibilidades do cinema, ainda que suas sugestões fossem ignoradas. Quando
Charlie ficou seguro de que estava certo, ele se sobrepôs aos outros, agarrou o
diretor Mack Sennett e exigiu um tratamento melhor.
Sennett era importante e quase o
pôs no olho da rua — mas o público o amava e os distribuidores pediam cada vez
mais filmes de Chaplin. Assim, Sennett viu-se forçado a dar o que ele
reclamava. Desde então, até o último filme rodado no estúdio da Keystone,
Chaplin dirigiu todos aqueles em que aparecia, com uma única exceção.
Num espaço de tempo
inacreditavelmente curto, Charles Chaplin fez aquilo a que se havia proposto:
tornar-se uma celebridade no cinema... mas estava pagando o seu preço.
Quando começou a trabalhar na
Keystone, ele se reunia aos outros integrantes da companhia para um drinque
depois das filmagens ou para assistir a uma luta de boxe, mas, assim que a
pressão do trabalho aumentou, sua vida social foi abalada. Os tempos da Karno
estavam de volta. Para Charlie, o trabalho era mais importante que qualquer
outra coisa. Por isso ele ficava frequentemente sozinho.
"Negócio é negócio"
O contrato de Chaplin com Sennett
estava chegando ao fim. Escreveu para Sydney, exultante e surpreso com sua
rápida escalada à fama:
"Todo meu tempo é tomado por
filmagens. Escrevo, dirijo e atuo e, acredite-me, isso toma tempo. Bem, Syd, eu
me saí bem. Todos os cinemas expõem meu nome em letras grandes, isto é: ‘Chas
Chaplin (sic) em cartaz hoje'. Já lhe disse que neste país tenho uma grande
bilheteria. Os diretores me dizem que recebo cerca de cinquenta cartas por
semana de homens e mulheres de todas as partes do mundo. É maravilhoso verificar
como me tornei popular em tão pouco tempo. No próximo ano, espero ganhar muita
grana".
"Durante anos eu me
especializei em um tipo de comédia: a pantomima. Eu a avaliei, aferi, estudei.
Seria capaz de estabelecer os princípios que governam as reações da platéia.
São com certeza o ritmo e o tempo. Diálogos, a meu ver, sempre reduzem a ação,
porque a ação deve seguir de perto as palavras". Charlie Chaplin
A falta de estudos não mais
afetaria Chaplin... ele era um astuto homem de negócios. Sabia que devia continuar
em frente. "O senhor Sennett é um homem encantador, e nós somos amigos,
mas negócio é negócio".
Era um daqueles riscos que se
deve correr: depois de alguns desapontamentos e uma certa ansiedade, assinou
contrato com a companhia cinematográfica Essanay, de Chicago. Em dezembro de
1914, Chaplin se mudou para lá: seus dias de aprendiz no cinema haviam chegado
ao fim.
Essanay
Chicago já era uma cidade fria, mas,
quando Chaplin deparou com os métodos de produção da Essanay, seu coração
congelou.
Keystone podia ser meio louca às
vezes, mas pelo menos era viva e criativa. Essanay era simplesmente uma máquina
de fazer filme, muito mal organizada, dispendiosa e sovina ao mesmo tempo. No
entanto, contava com alguns bons comediantes, e, assim, Chaplin fez o possível
para não sentir que tinha sido um erro ter aceitado o negócio.
Um elegante e requintado Chaplin.
Sem a roupa característica era difícil reconhecer o desolado Vagabundo ou
perceber o moleque de rua que ele fora na infância.
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Seus companheiros de trabalho
estavam fascinados por ele. Chaplin já era um astro, mas ainda vivia com
simplicidade e muito poucas posses. O seu trabalho, como sempre, era a sua
vida. Ele o via não como algo glamoroso ou excitante, mas como um trabalho a
ser executado da forma mais perfeita possível.
Chaplin assinou um contrato com o
estúdio para fazer catorze filmes. His
New Job (Seu Novo Emprego) foi filmado em apenas duas semanas e rendeu mais
dinheiro em pré-estreias que qualquer outro filme da Essanay.
Mas o frio de Chicago era
demasiado para Chaplin.
Então se transferiu para os
estúdios da Califórnia: deprimente, pequeno, mas quente.
Apesar de tudo, Chaplin conseguiu
fazer bons filmes. A comédia estava mudando. Em 1915, o público estourava de
rir em cenas que, muito provavelmente, o público de hoje acharia repetitivas e
abrutalhadas. Mas as legendas explicativas das mímicas de Chaplin, o lampejo de
seu sorriso e seu ritmo incrivelmente preciso são tão novos hoje como à época
em que foram filmados.
O Pequeno Vagabundo
The Tramp (O Vagabundo) representou um grande passo à frente. Foi
nesse filme que nasceu o Pequeno Vagabundo, personagem que vem à mente da
maioria das pessoas ao pensar em Charlie Chaplin, sendo confundido com a figura
do próprio ator. A verdade é que esse personagem falava direto ao coração:
pequeno e tímido, uma estranha combinação de homem e criança, delicado,
melancólico, travesso e valente — mas acima de tudo um sobrevivente. Um
personagem com o qual qualquer pessoa no mundo poderia se identificar. Sua
tristeza e seu tipo de comédia atravessaram fronteiras. Mesmo sem falar, todos
podiam compreendê-lo.
Chaplin queria muito realizar um
longa-metragem intitulado Life, com o
qual pretendia introduzir grande dose de realismo e verdade à sua comédia. O
Vagabundo perambulava por um mundo desolado e pobre, o mesmo mundo que Chaplin
conheceu quando menino.
Mas o estúdio não acreditou que o
filme desse dinheiro e Chaplin teve de abandonar o projeto. No entanto, Essanay
aproveitou algumas tomadas e colocou-as em outros filmes, o que deixou o ator
profundamente magoado e revoltado, uma vez que elas estavam completamente fora
de contexto.
Chaplin sempre quis que as
tomadas experimentais fossem destruídas, para não desiludir o público.
Lembrava-se das doces bailarinas e dos tristes e neuróticos comediantes de sua
juventude — e queria que os seus espectadores vissem apenas o final mágico.
Gênio
Felizmente foi desobedecido.
Depois de sua morte, dois pesquisadores ingleses, Kevin Brownlow e David Gill,
resgataram quantidades enormes de rolos de filmes descartados e montaram um
documentário que mostrou ao público como Charlie Chaplin criava seus filmes.
Só um gênio poderia ter
inutilizado algumas daquelas sequências. Não importava quanto tempo tivessem
gasto para fazê-las; se não satisfizessem a Chaplin, elas eram cortadas. Seus
filmes eram totalmente enxutos.
Em 1936 ele disse ao grande
cineasta francês, Jean Cocteau, que um filme era como uma árvore: quando
balançada, tudo o que não era necessário caía, restando apenas a essência.
Quando cada centímetro de material supérfluo tivesse sido descartado, o filme
estaria pronto.
Essanay continuava a irritar
Chaplin. Fez um compacto: dois rolos humorísticos foram utilizados em Carmen. O estúdio emendou tomadas
externas de vários filmes e montou um longa-metragem. O resultado foi uma escrachada
mixórdia que causou tanto horror a Chaplin que ele ficou doente a ponto de não
sair da cama por dois dias.
Fama
Charlie Chaplin tornara-se
famoso, e sofria com isso. Muitos filmes foram feitos por produtoras rivais, copiando
de forma descarada seus personagens. Até o irmão Sydney apareceu nas telas como
um Vagabundo meio sem graça.
A mania Charlie Chaplin parecia
dominar o mundo. O Vagabundo apareceu em histórias em quadrinhos, desenhos
animados, bonecos, livros, músicas. Na França dançava-se o One-Step Charlot.
Mas o próprio Chaplin era o único
a não perceber o que acontecia: estava ocupado demais para isso.
O fato é que nenhum ator de
cinema era tão famoso ou amado quanto ele.
"Alguns consideram o cinema a grande arte do século 20,
mas a maioria aponta Chaplin como seu gênio primaz". Leonard Maltin, no
artigo ‘Fãs do Cinema Mudo Encontram Um Vagabundo Perdido’.
Em fevereiro de 1916, Chaplin foi
a Nova York e ficou estupefato com a recepção que teve ao longo da viagem. O
chefe de polícia foi obrigado a pedir-lhe para desembarcar do trem uma estação
antes da Grand Central, pois a multidão que o esperava era fabulosa.
Charlie tornara-se tão famoso que
todos os estúdios o queriam desesperadamente. Sydney era o seu agente e estava
determinado a conseguir o melhor cachê possível. No final, Chaplin assinou com
a Mutual por um valor desconcertante — o maior da história do cinema até então.
Ele tinha 27 anos.
Em busca da perfeição
Charlie Chaplin dedicou-se a montar
uma pequena companhia de atores. Conhecia as suas possibilidades e sua posição
permitia-lhe fazer filmes do jeito que queria, ou seja, levando mais tempo nas
filmagens e usando mais rolos de filmes. Tornara-se mais implacável do que
nunca na busca da perfeição.
Hoje em dia os filmes são tão
caros que têm de ser feitos com uma quantidade limitada de tomadas de cena, mas
Charlie cresceu em meio a uma arte viva.
Com uma ideia em mente, começava
a filmar, mudava, filmava de novo, mudava os personagens, mudava o cenário e
então descartava todas as tomadas e começava tudo de novo. Frequentemente ia
para o estúdio sem qualquer ideia e simplesmente começava a filmar.
Precisava de atores que lhe permitissem
representar qualquer cena. Era como se, com isso, quisesse introjetar-se neles.
Chaplin era incrivelmente
versátil. Tocava violoncelo e violino, era ginasta, bailarino e patinador. Mas,
acima de tudo, era mímico.
Uma memorável sequência de Casa de Penhores (The Pawnshops), de
1916 — na qual o agiota Charlie avalia um relógio — serve como exemplo. Ele
ouve "clinicamente" o relógio, com um estetoscópio, e em seguida ataca-o
com um martelo e uma broca. Depois disso, abre o relógio com um abridor de
latas, cheira o conteúdo e examina-o minuciosamente com uma lente de
relojoeiro. Não satisfeito, retira todo o mecanismo com um par de pinças e,
como a mola mestra parece investir furiosamente para a frente, ele a lubrifica.
Finda essa análise completa, ele
varre as ruínas do objeto para dentro do chapéu do freguês e dispensa-o com um
dar-de-ombros. O objeto não tinha valor de penhora.
"O Imigrante"
Ele agora era um mestre na sua
arte. Enquanto alguns artistas — escritores, pintores, cineastas — tinham a ideia
pronta antes de iniciar o trabalho e efetuavam pouquíssimas alterações
posteriores, atores como Charlie Chaplin produziam em grande quantidade, para
depois cortar até a forma final.
Para a realização de O Imigrante (The Immigrant), em junho de
1917, foram empregados mais de 12 mil
metros de filme. Junto com seus assistentes, Charlie levou quatro dias e
quatro noites para cortá-los até obter os 60 metros exigidos. Examinou cada
cena umas cinquenta vezes antes de decidir exatamente onde cortar. No final,
Chaplin estava "sujo, pálido e sem colarinho, mas o filme estava
pronto". O Imigrante foi o
primeiro de uma série de grandes filmes de Chaplin que apontavam uma saída
social para a época. De 1917 até a Segunda Guerra Mundial, seus grandes filmes
focalizaram a injustiça — sendo que muitos deles provocavam uma reação
emocional profunda na plateia.
"Seu público (de Chaplin)
nos Estados Unidos era composto, em sua maioria, por imigrantes europeus e seus
descendentes. Todos os dias eram tristes: o povo convivia com o desemprego, a
corrupção, um governo severo e uma classe alta elitista. Naquele pequeno
vagabundo que viam no cinema, encontravam um aliado e amigo. Quando deparavam
com garçons, barbeiros, estudantes ou policiais na tela, estavam vivendo o seu
dia-a-dia, só que o resultado era cômico". Thomas Leeflang - The World of Comedy (O Mundo
da Comédia)
O Imigrante abordou a situação difícil de todos os pobres dos
Estados Unidos. De muitas maneiras pode ser visto como um filme autobiográfico
— Chaplin chegou aos Estados Unidos como um estranho e descobriu o lado bom e o
lado mau que o país tinha a oferecer.
Nesse filme, Carlitos aparece a
bordo de um navio com unia mistura bizarra de imigrantes. Encontra Edna e a
mãe, que ficaram sem dinheiro, após terem sido roubadas por um jogador — é uma
cômica história de amor contra os terríveis sofrimentos que os imigrantes
tiveram de enfrentar. Atraídos por lendas de uma terra cheia de ouro e
oportunidades, acabaram sendo rejeitados nesse novo país. No filme, a Estátua
da Liberdade aparece ao fundo com o seguinte título: "Chegada à Terra da
Liberdade". Na verdade, a multidão de imigrantes que chegava era
imediatamente amontoada como gado pelos serviços de imigração.
O eterno perdedor
Como o Vagabundo, Chaplin era o
eterno derrotado que sempre vencia no final. Ergueu uma ponte entre ricos e
pobres, bem-sucedidos e perdedores, permanecendo como o homenzinho que triunfa
diante de todas as adversidades.
Chaplin trouxe uma certa
dignidade aos desafortunados, dando-lhes a chance de rir deles próprios,
sabendo que sempre venceriam no final. Foi essa característica que deu a
Carlitos uma popularidade universal, pois ele rompeu todas as barreiras sociais
para o seu público.
Primeira Guerra Mundial
Em 1914, ao ser deflagrada a
Primeira Guerra Mundial, muitos acharam que Chaplin deveria voltar à Inglaterra
— ele não era cidadão americano. Outros, porém, sabiam que os filmes de Charlie
Chaplin davam mais resultado — trazendo riso e esperança àqueles dias sombrios
e ao mesmo tempo dinheiro para os Estados Unidos — do que qualquer pequeno
soldado jamais poderia ter dado.
Chaplin contribuiu para a guerra da
melhor forma possível: fazendo um filme. Em maio de 1918 — agora na First National
—, tiveram início as filmagens de Ombro
Armas (Shoulder Arms). A guerra já durava quatro anos e Chaplin tomou o que
aparentemente era uma surpreendente decisão. Iria rodar uma comédia nas trincheiras.
Até aquele momento, a maioria dos
filmes não passava de um amontoado de incidentes desconexos, mal alinhavados.
Agora eles começariam a ser construídos de forma apropriada, como as peças de
teatro... e não mais seriam vistos como um entretenimento só para as massas.
Ombro Armas estava tão claro na cabeça de Chaplin que ele realizou
o filme em muito pouco tempo, quadro após quadro de maravilhosa comédia.
(Somente depois de 65 anos essas tomadas foram encontradas e incluídas em um
documentário para a televisão: The
Unknown Chaplin — O Chaplin Desconhecido.)
Depois de um mês, Chaplin
descartou todas as tomadas que havia feito, construiu novos cenários e
recomeçou.
No filme, apreendeu a terrível
realidade de cada soldado — a lama interminável da Bélgica e da Holanda, as
trincheiras encharcadas, os piolhos e os ratos, os bombardeios constantes e o
medo — e transformou todos esses elementos numa comédia que zombava da idiotice
da guerra.
Ombro Armas estreou em outubro de 1918, um mês antes da assinatura
do armistício que marcou o fim da guerra. Ao voltar, as tropas combatentes
adoraram o filme. Autodenominaram-se o "Exército de Fred Karno".
Serem capaz de rir da insanidade da guerra era sua única verdadeira defesa.
Casamento
Dois dias antes da estreia,
Chaplin casou-se com Mildred Harris, jovem com a mesma aparência infantil de
seu primeiro amor, Hetty Kelly.
Ele era famoso, atraente e muito,
muito rico — e se apaixonava com grande facilidade —, o que o tornava alvo de
moças bonitas, ávidas por um papel em um filme e por dividir sua fortuna.
O problema era que a mente e o
coração de Charlie Chaplin eram dominados pelo trabalho. Por consequência,
abandonava seus amores tão rápido quanto se apaixonava.
O casamento com Mildred foi um
ato sem esperanças desde o início. Chaplin estava tão infeliz que até fazer um
filme transformara-se num pesadelo. Mas tomou uma decisão importante. Começou a
construir um estúdio independente, em sociedade com o homem que considerava seu
único verdadeiro amigo, Douglas Fairbanks, com a mulher de Fairbanks, Mary
Pickford, e com o cineasta D.W. Griffith. Seria chamado United Artists.
Chaplin e Mildred esperavam o
nascimento de seu primeiro bebê para os próximos dias. Se Chaplin alimentava
qualquer esperança de que um filho pudesse salvar seu casamento, estava
profundamente enganado. No dia 7 de julho de 1919, Mildred deu à luz um menino,
Norman Spencer, que viveu apenas três dias. Chaplin ficou inconsolável.
"O Garoto"
Havia apenas um modo de enfrentar
essa perda. Mergulhou no trabalho para produzir um novo longa-metragem: O Garoto (The Kid).
Finalmente, Chaplin encontrou o
ator perfeito para o papel principal: Jackie Coogan, de 4 anos de idade.
Chaplin estava assistindo ao espetáculo do pai de Jackie, um exótico bailarino.
No final do ato, ele trouxe o filho ao palco: o menino imitou o pai com tanta
graça que fez o teatro vir abaixo — exatamente como Chaplin havia feito uma
vez, na infância.
Chaplin encontrou-se com a
família no hotel em que estavam hospedados, e ele e o garotinho Jackie
começaram a trabalhar. Chaplin obteve uma maravilhosa interpretação de Jackie.
A história do vagabundo e do
garoto tocou o coração de todos, e o filme foi um enorme sucesso, entrando em
cartaz em cinquenta países.
O Garoto abordava outro problema social que afetava profundamente
Charlie Chaplin: o tratamento às crianças abandonadas. O pavor que sentiu ao
ser levado a um orfanato ficou gravado para
sempre em sua memória. A cena inicial do filme mostra Edna, "cujo
único pecado era a maternidade", deixando o hospital com seu bebê.
Pensando em se suicidar, ela deixa a criança no banco de trás de um automóvel
de luxo, com um bilhete pedindo a quem a encontrasse que cuidasse dela e a
protegesse. O carro, porém, é roubado e o bebê fica abandonado na calçada, onde
o Vagabundo o encontra e, com relutância, torna-se seu guardião. Foi a vez de o
Vagabundo aprender a cuidar de uma criança, transformando uma rede em berço e
um velho pote de café em mamadeira. Jackie Coogan era uma revelação infantil
aos 5 anos de idade. A amizade entre Chaplin e Jackie saiu das telas e se
transformou em uma comovente e carinhosa relação na vida real. O Garoto e o Vagabundo
discutiram negócios e conseguiram cutucar a lei em vigor, com muito humor.
"O próprio Chaplin creditava
a resposta mundial à imagem do garoto, ao símbolo que ela representava — todos
os órfãos da última guerra. Jackie (Coogan) deu ao mundo algo de que o mundo
necessitava". David Robinson, na biografia Chaplin: Sua Vida e Arte.
No filme, a mãe do Garoto, que
não o esquecera, torna-se uma famosa cantora de ópera. Ela passa pelo Garoto e
pelo Vagabundo na rua, em meio a uma briga, mas não reconhece o filho. A pista
da criança surge para ela quando o menino adoece e o Vagabundo, depois de
tentar curá-lo sozinho, descobre o médico que Edna consultara antes de ter o
bebê. Quando o médico pergunta a Carlitos se era o pai da criança, ele mostra o
bilhete que encontrara pregado à roupa do menino — o orfanato, então, é
notificado a fim de que a criança possa receber "atenção e cuidados
adequados". Foi assim que Edna reencontrou no Garoto a sua criança
abandonada.
David Robinson, em sua biografia
de Chaplin, descreve a cena seguinte como "a mais extraordinária do filme
e uma das mais memoráveis de toda a história do cinema". O garoto é
despachado como um objeto perdido em um vagão de órfãos. Angustiado, o Vagabundo,
seguido por um policial, pula sobre a capota do vagão e resgata seu "filho".
Ao salvar o garoto dos perigos do orfanato, o Vagabundo torna-se um herói. O
filme termina com o Garoto indo viver com a mãe e com o Vagabundo sendo
convidado a sua magnífica mansão.
O Garoto foi um sucesso, sendo um filme diferente dos outros de
Charlie Chaplin: apresenta mais drama e muito pouca comédia.
"Havia, pelo menos para mim,
mais emoção em uma única lágrima de O Garoto que em todo o conteúdo de uma
ópera... Eu não ria de Charlie até chorar. Na verdade, eu ria para não chorar,
o que é bem diferente". Um crítico de cinema.
O público adorou-o por seu forte
apelo emotivo. A criança abandonada precisava de amor e o Vagabundo, pobre e
desqualificado como pai, foi a única pessoa capaz de suprir essa necessidade. O
amor que havia entre "pai" e "filho" era tão forte que não
podia ser quebrado.
Divórcio
A vida particular de Chaplin,
porém, continuava a se desintegrar. Em abril de 1920, Mildred entrou com o
pedido de divórcio e em novembro eles estavam oficialmente divorciados.
Finalmente a vida parecia mais
serena, e, em 1921, Chaplin pediu a amigos que providenciassem a vinda de Hannah,
sua mãe, aos Estados Unidos. Para deleite dela, eles lhe providenciaram um
guarda-roupa novo e completo.
Sua mente ainda estava confusa,
mas ela aproveitou a viagem e, exceto pelo momento em que confundiu um
funcionário da alfândega com Jesus Cristo, seu comportamento foi normal. Depois
de tantos anos de pobreza e sofrimento, e dos anos passados em uma clínica para
doentes mentais, ela finalmente tinha a sua casa. Não se sentiu nem um pouco
desconcertada com a mudança e, apesar de inclinada a oferecer sorvete a cada
pessoa que passava, estava calma e feliz. Sorvete sempre havia sido um símbolo
de diversão em sua família!
Cenas antigas, novos horizontes
No dia 22 de agosto de 1921,
Chaplin abandonou repentinamente o filme em que estava trabalhando e anunciou
que ia para a Europa. Cinco dias mais tarde, embarcou em um navio para Londres.
"Quando Chaplin fez uma
curta visita a Londres, em 1921, recebeu mais de 73 mil cartas de fãs. O conto
de fadas do jovem "cockney" em Hollywood conquistou a imaginação do
público. O menino miserável tornara-se em pouco tempo milionário, passando a
conviver com pessoas como Einstein, Toscanini, Chou En-Lai, Cocteau, Churchill,
Sartre, Picasso e Gandhi. Seu patrimônio foi avaliado em mais de 500 milhões de
libras, após sua morte". Thomas Leeflang, The World of Comedy
Passado e presente se confundiam
em sua mente. Em 1910, ele havia viajado para os Estados Unidos com Fred Karno;
na época, era um jovem comediante, grato por um emprego. Agora, apenas onze
anos mais tarde, era talvez um dos homens mais famosos do mundo.
A cada estação, durante a viagem
do porto até Londres, o povo aguardava para ver seu trem passar. Londres estava
abarrotada por uma animada multidão.
Refugiou-se no hotel, onde entrou
pela porta dos fundos, e revisitou todos os lugares que havia conhecido nos
anos de fome e sofrimento de sua infância, os quais haviam sido recriados em
muitos de seus filmes. Parecia ser outro mundo, outro Chaplin, apesar de a
maioria das coisas quase não ter mudado.
Estava com 32 anos de idade.
Encontrou pessoas que havia conhecido em outras circunstâncias, mas não era
mais o seu mundo, apesar de prosseguir na luta contra a pobreza e de sentir
piedade por todas as pessoas que eram oprimidas pela miséria. Encontrou-se
também com outro tipo de gente — pessoas famosas, escritores, atores e políticos.
E em posição de igualdade. Movido apenas por impulsos, mudou-se para a França e
para a Alemanha, mas, em outubro de 1921, estava de volta aos Estados Unidos.
"Apesar da infância pobre,
aos 26 anos Chaplin era um astro conhecido no mundo inteiro. Provavelmente foi
a primeira pessoa a receber a badalação das massas, agora tão comum entre os
cantores de rock". Madeline Sotheby, The Chaplin Story
"Em Busca do Ouro"
Em Los Angeles, Chaplin
dedicou-se a terminar os últimos filmes do seu contrato com a First National. O
estúdio havia lhe causado muitos problemas — houve um momento em que pensou em
vendê-lo por 10 milhões de dólares —, e ele queria ficar livre dele.
Assim que terminou Pastor de Almas (The Pilgrim), Chaplin
estava pronto para filmar para a United Artists. O novo filme era o
septuagésimo segundo de sua carreira. Seu papel era bem pequeno, o que confundiu
o público, mas no filme seguinte ele trouxe de volta o Vagabundo, de forma mais
criativa que nunca.
Uma vez mais escolheu os temas
mais desconcertantes como fonte inspiradora, e uma vez mais dedicou o seu gênio
humorístico para atacar uma grande injustiça social. Leu sobre os percalços dos
garimpeiros de ouro em Klondike e decidiu fazer Em Busca do Ouro (The Gold Rush), um de seus mais importantes
filmes.
Era recheado de invenções
cômicas, mas havia momentos patéticos também. O pobre Carlitos teve de
enfrentar inúmeros problemas para preparar um jantar para a jovem que amava e
para suas amigas. Ninguém compareceu. No final, Carlitos conquistou a moça e
encontrou ouro.
Não havia nenhum dos efeitos
eletrônicos de hoje. Tudo era obtido através da construção de elaborados
modelos, da invenção de mecanismos inteligentes, do cálculo das tomadas de
câmera — e do corte.
Para as filmagens das montanhas e
das nevascas foram necessários 73 mil metros de tábuas, 7 mil metros de gesso,
285 toneladas de sal, cem barris de farinha e quatro carretas de confete.
Chaplin usou mais rolos do que de costume: rodou 70 mil metros de filme, que
foram reduzidos para 2,6 mil metros!
Mas, se nas telas a história de
Chaplin teve final feliz, na vida real foi bem diferente.
Famosos internacionalmente, os
filmes de Chaplin e os cartazes publicitários foram traduzidos em muitas línguas.
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Em novembro de 1924, Chaplin
casou-se com Lita Grey. Não era um casamento mais sábio do que o primeiro.
Tiveram dois filhos — Sydney e Charles —, mas o casamento ia de mal a pior e,
em 1926, Lita foi embora com as crianças. Charles superou a separação muito
bem, mas este seria outro período negro de sua vida.
Perfeição
Apesar da turbulência em sua vida
íntima, Chaplin prosseguiu e filmou O
Circo (The Circus). O trabalho era feito com dificuldade, quando em
setembro de 1927 um incêndio no estúdio destruiu totalmente o cenário. Mas ele
simplesmente continuou.
Chaplin levou apenas uma semana
para aprender a andar na corda bamba. O suspiro de alívio ao término das
filmagens transformou-se em suspiro de exasperação. O laboratório arruinou
todas as cenas respectivas — e ele teve de fazer todo o trabalho de novo. Ao
final, haviam sido produzidas setecentas tomadas na corda bamba — tudo isso
para apenas alguns minutos no filme.
Talvez as filmagens dentro da
jaula dos leões tenham sido mais apavorantes. Foram necessárias duzentas tomadas
para completar a sequência — e Chaplin diria mais tarde que o pavor em seu
rosto não era simplesmente encenação!
O divórcio de Lita e os impostos
deixaram Chaplin com necessidade premente de dinheiro. Terminado O Circo, iniciou em seguida Luzes da Cidade (City Lights).
Mas haveria outro golpe. Em 28 de
agosto de 1928 sua mãe morreu. Hannah estava muito doente, mas, no dia anterior
à sua morte, ela e Chaplin haviam rido muito. À noite entrou em coma e só
retomou a consciência por um momento antes de morrer.
Observar o sofrimento dela tinha
sido demais para ele. De pé ao lado da cama, viu a morte levar toda a confusão
e dor que ela havia vivido. Recordou as músicas e as histórias, o verão com
sorvete, e chorou.
Sobre Hannah, ele disse: "Se
não fosse por minha mãe, duvido que tivesse feito sucesso na pantomima. Ela foi
uma das maiores artistas de pantomima que já vi".
Nos três anos seguintes, Chaplin
fez três dos seus melhores filmes: Luzes
da Cidade, em 1931, Tempos Modernos
(Modern Times), em 1936, e O Grande
Ditador (The Great Dictator), em 1940.
O som chegou ao cinema, mas
Chaplin não acreditava nele. Acreditava que a linguagem da mímica podia
atravessar fronteiras de uma forma que as palavras faladas jamais conseguiriam.
Mesmo quando a Warner Brothers lançou As
Luzes de Nova York (The Lights of New York), o primeiro filme falado, no
momento em que Chaplin começava as filmagens de Luzes da Cidade, ele insistiu no silêncio.
Luzes da Cidade foi talvez o melhor de seus antigos filmes, mas
consumiu dois anos de trabalho e aborrecimentos para ser concluído. Nele, o
Vagabundo economiza dinheiro para curar uma vendedora de flores cega — que imagina
ser ele um milionário. Assim que ela volta a enxergar, o Vagabundo fica muito
nervoso ao contar-lhe quem deu o dinheiro...
Chaplin queria perfeição e
filmava pequenas cenas várias vezes. Uma vez terminado o trabalho, não se imaginava
a luta que fora para realizá-lo. Era um filme bem balanceado, repleto de humor
e ternura. Gastou 95 mil metros de filmes para reduzi-los a 2,5 mil metros. O
que restou foi uma obra-prima.
Charlie voltou para Londres em
1921. A multidão aglomerou-se à porta do Ritz Hotel — não muito longe das ruas
miseráveis em que passou a infância.
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A estreia em Londres foi em
fevereiro de 1931 — e Chaplin viajou até lá para presenciá-la.
Velhos tempos
Desta vez, foi visitar sua antiga
escola em Hanwell, onde as recordações o assaltaram. A visita pareceu
trazer-lhe o passado de forma mais vívida, afastando os antigos pesadelos.
Chaplin encontrou poucas lembranças
em seu país de origem e irritou-se com muitas pessoas por seu discurso sobre
"patriotismo". Já havia presenciado a que o patriotismo conduzia: à
ignorância cega e ao fanatismo.
"O patriotismo é a maior
insanidade que o mundo já sofreu. Há poucos meses, estive por toda a Europa. O
patriotismo está irrompendo em todos os lugares e o resultado será outra guerra".
Ele estava certo... embora tenha
sido necessário esperar oito anos para que a nova guerra irrompesse.
Chaplin foi então para o Extremo
Oriente, onde seria recebido tão calorosamente quanto na Europa. O silêncio de
Carlitos não precisava de tradução. O Pequeno Vagabundo era um amigo universal.
De volta a Hollywood
Chaplin voltou a Hollywood em
junho de 1932. Estava com 43 anos e bastante desiludido com todo o sofrimento e
a miséria que havia presenciado em suas viagens. Tentou planejar um sistema
econômico que pudesse solucionar problemas universais como desemprego, pobreza
e injustiça. Não conhecia o suficiente para compreender a complexidade das
dificuldades, e o seu sistema poderia não dar certo.
Mas o que podia fazer era um
filme.
Assim, sua produção seguinte foi Tempos Modernos. Nele, o Vagabundo
aparece em um mundo em que o dinheiro significa mais que o ser humano, que é
tratado como engrenagem de uma máquina gigantesca. No final ele foge com a
mulher que havia ajudado. Como sempre, o filme tinha como base a comédia, e
Chaplin teve a resposta dos 5 milhões de desempregados dos Estados Unidos. Nos
primeiros filmes, o Vagabundo era pobre, mas em Tempos Modernos ele é um entre os milhões de pessoas comuns que
enfrentavam as péssimas condições de trabalho nas fábricas, as greves, o baixo
salário e o desemprego.
Alguns anos mais tarde, Tempos Modernos foi apresentado como
prova de que Chaplin era comunista.
Em Tempos Modernos, Chaplin aborda a monotonia e o tédio nas linhas de
montagem da indústria moderna. Como na maioria de seus filmes, crítica, com
humor; um importante aspecto da sociedade.
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Chaplin apaixona-se pela atriz
que faz o papel da moça desamparada no filme, Paulette Goddard, e eles se
casam.
Em breve, Paulette descobriria
que não era fácil viver com Chaplin, um homem que se irritava por pequenas
coisas. Ela era uma jovem inteligente e talentosa e achou que seria difícil
submeter-se a isso. Sem alarde, construiu uma carreira própria e, em 1942,
depois de sete anos, o terceiro casamento de Chaplin chegava ao fim.
Segunda Guerra Mundial
Começava o ano de 1938. Chaplin
acertara. A guerra estava para irromper. Na Alemanha, o partido nazista,
liderado por Adolf Hitler, obteve maioria. Grupos minoritários, compostos
especialmente de judeus, estavam sendo assassinados como parte de um plano para
"purificar a raça". Em comícios gigantescos, Hitler arrastava o povo
alemão ao frenesi do patriotismo e da ambição.
Por estranho que pareça, poucas
pessoas fora da Alemanha percebiam o que estava acontecendo lá. Muitos viam
Hitler não como um perigoso fanático, mas como um palhaço pomposo. Chaplin teve
a oportunidade de observar acontecimentos na Alemanha e na Espanha que o
deixaram cada vez mais preocupado.
Em outubro de 1938, começou a
trabalhar em um filme chamado O Grande
Ditador, no qual tentava alertar a humanidade contra o perigo do magnetismo
popular de Hitler. Ele imitou este em dois papéis: no do ditador Heinkel e no
do alfaiate judeu, que era seu sósia. Os dias de improvisação e mudez haviam
terminado. Agora havia um roteiro — e som.
O filme era uma comédia
maravilhosa, mas Chaplin sentiu a necessidade da fala. O pequeno alfaiate, que troca
de lugar com Heinkel, faz um longo discurso implorando às forças armadas para
voltar à razão.
"Vamos lutar por um mundo
racional, um mundo onde ciência e progresso proporcionem a todos os homens a
felicidade. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos".
Foi uma atitude sem esperança.
Quando o filme foi distribuído, em 1940, toda a Europa estava em guerra e o
mundo inteiro já se havia dado conta do que estava acontecendo.
Perseguição
Do outro lado do Atlântico, os
Estados Unidos não haviam entrado no conflito, mas, no dia 7 de dezembro de
1941, os japoneses atacam Pearl Harbor e os americanos são forçados a entrar na
guerra.
Charlie Chaplin estava perturbado
pelo fato de os Estados Unidos, país que amava tanto, parecerem não se dar
conta dos sofrimentos dos aliados russos, que resistiam aos ferozes ataques dos
invasores alemães com incrível coragem.
Ele não confiava no líder russo,
Stálin, mas respeitava profundamente o povo russo e pediu, em muitas assembleias,
"ajuda militar para a Rússia", irritando o público por tratá-los de
"camaradas".
Chaplin disse: "Não sou
comunista. Sou um ser humano e acho que conheço as reações do ser humano. Os
comunistas não são diferentes: quando perdem um braço ou uma perna sofrem tanto
quanto nós, e morrem da mesma forma que nós. E a mãe comunista é mãe como
qualquer outra: quando recebe notícias de que seus filhos não voltaram, ela chora
como as outras mães".
Vinte milhões de russos morreram
na guerra. Mesmo assim, as palavras de Chaplin voltaram-se contra ele anos
depois.
Enquanto isso, ele enfrentava
problemas pessoais. Uma mulher perturbada mentalmente, Joan Barry, bateu à sua
porta com um revólver, ameaçando matar-se e anunciando que ele era pai de seu
bebê. Embora fosse comprovadamente uma mentira, o processo ficou três longos
anos em julgamento.
Mas Chaplin não enfrentaria
sozinho essa situação. Em 1942, encontrou uma jovem, filha do grande dramaturgo
Eugene O'Neill. Tinha apenas 17 anos e meio, e os dois se apaixonaram
perdidamente.
Seu nome era Oona.
Ela irradiava serenidade,
delicadeza e timidez que a distinguiam, mas Chaplin também viu na jovem inteligência
e coragem.
A mãe de Oona aprovou o plano de
casamento, mas, talvez impensadamente, o pai foi contra. Afinal de contas,
Chaplin tinha 54 anos e já havia se casado três vezes. Oona e Chaplin
resolveram esperar que ela completasse 18 anos para se casarem, pois, então,
não precisariam do consentimento do pai.
Assim, a 16 de junho de 1943,
Chaplin e Oona casavam-se. Geraldine, a primeira filha do casal, nasceria no
dia 1º de agosto de 1944.
Em janeiro de 1945, Chaplin
começou a trabalhar em Monsieur Verdoux,
mais uma vez uma comédia noire
baseada numa realidade macabra.
O Vagabundo se fora. Em Verdoux, Chaplin aparece como um
sofisticado cavalheiro grisalho, que mata para melhorar sua renda. Foi a sua
mais amarga sátira: o outro personagem era Landru, um fabricante de armamentos
tratado como um homem de negócios respeitável, apesar de responsável pela morte
de milhares de pessoas. Verdoux, o pequeno assassino, é executado. O fabricante
de armas continua o seu negócio.
Em Monsieur Verdoux não há qualquer sinal do Vagabundo.
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Findo o caso Barry, Chaplin
parecia ter encontrado um período de paz e felicidade. Os Estados Unidos,
porém, estavam afetados por uma espécie de loucura: um medo obsessivo e
rancoroso do comunismo.
Um cidadão do mundo
Em lugar de fazer-lhe perguntas
sobre o filme Verdoux, os repórteres
o acusavam de ser simpatizante do comunismo. E não deram atenção às tranquilas
e razoáveis respostas às suas questões.
De bom grado, Chaplin admitiu que
havia admirado a coragem dos russos durante a guerra e que tinha amigos
liberais. Disse também que tinha orgulho de amizades como a do ator negro Paul
Robeson e do dramaturgo Berthold Brecht, ambos comunistas. Chaplin sempre havia
sido grato aos Estados Unidos por tudo o que haviam proporcionado a ele, mas,
primeiro e acima de tudo, considerava-se um cidadão do mundo.
Disse claramente: "Não sou comunista.
Sou um embaixador da paz".
As pessoas perspicazes ficaram
aturdidas com a perseguição desencadeada e Chaplin se sentiu amparado por esse
apoio, mas a Comissão de Atividades Antiamericanas estava crescendo, ganhando
poder e um fanatismo histérico. Qualquer um que houvesse participado de uma
organização de esquerda, ou apenas simpatizado com qualquer uma delas, corria
risco de ser acusado de traidor da pátria.
Os Veteranos de Guerra Católicos
começaram a pedir a deportação de Chaplin. Nessa época, ele foi interrogado
durante quatro horas pelo FBI. Inquiriram-no sobre sua vida pessoal e sua
origem racial. Corajosamente se recusou a dizer, sem rodeios, que odiava os
comunistas.
"Sou um artista, não um político". Charlie Chaplin
"Sou um artista, não um político". Charlie Chaplin
Apesar desse clima de
perseguição, ele inicia um novo filme. Não tinha condições de deixar o estúdio
ocioso.
Luzes da Ribalta (Limelight) começa a ser rodado, contando a
história de um ator de music hall de
meia-idade e de uma jovem a quem ele ajuda a obter sucesso. As lembranças de
Londres e a vida no palco que havia conhecido quando menino estão em Luzes da Ribalta. Era sentimental — mas
a comédia-pastelão e o sentimentalismo do velho music hall permeiam a maioria de seus filmes.
Maquiando-se para o papel de um
comediante decadente em Luzes da Ribalta.
Chaplin dizia: "Trabalhar é viver — e eu amo viver".
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Sydney e Oona apoiaram Chaplin.
Michael, o segundo filho do casal, nasceu em 1946, e Josephine, em 1949.
Victoria nasceria em 1951.
Macartismo
O fanatismo anticomunista nos
Estados Unidos encontra um novo porta-voz, ainda mais lunático. Em 1950, o senador
Joseph McCarthy declara dispor de uma lista com duzentos nomes de comunistas no
Departamento de Estado. Nessa nova onda de histeria que assolava o país,
qualquer pessoa podia ser acusada de exercer atividades antiamericanas e ser
levada a julgamento, interrogada e aviltada por McCarthy e seu bando. O medo
crescia. Pessoas honestas, inteligentes, talentosas perdiam o emprego e tinham
a reputação destruída. Havia mentiras por toda a parte. Muitos usavam McCarthy
para saldar velhas dívidas — ou para salvar a própria pele, acusando inocentes.
Hollywood foi particularmente
vulnerável. Alguns homens e mulheres corajosos lutaram contra essa loucura —
mas muitos perderam tudo e nunca mais foram contratados pela indústria
cinematográfica.
Assim que terminou Luzes da Ribalta, Chaplin decidiu ir a
Londres para a estreia. No segundo dia de viagem, em alto-mar, recebe a notícia
de que estava proibido de voltar aos Estados Unidos.
Ele fora exilado.
Amor no exílio
Chaplin foi recebido
calorosamente em Londres e aclamado como gênio. Nos Estados Unidos, os ferozes
ataques prosseguiam, mas alguns jornais mantiveram a cabeça no lugar:
"Chaplin é um artista, cujo
brilho e talento iluminaram o seu país de adoção e trouxeram alegria ao
mundo", escreveu o The Nation.
O FBI, porém, continuava a
interrogar os seus empregados e familiares, em busca de material que pudesse
manchar o nome de Chaplin. Lita Grey, que fora sua esposa há 25 anos, foi
interrogada, mas, corajosamente, não disse nada que pudesse prejudicá-lo.
Como Chaplin não podia voltar,
resolveu ir com a família para a Suíça. Em janeiro de 1953 eles se estabeleceram
em uma bela casa em Corsier-sur-Vevey, que viria a ser a residência de Chaplin
até o fim da vida.
Chaplin, na meia-idade, manteve o
charme e a elegância.
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Se os Estados Unidos o haviam
condenado, ele tinha sua família — agora com cinco filhos: Geraldine, Michael,
Josephine, Victoria e Eugene — e a aclamação do resto do mundo.
Reconhecimento
Em maio de 1954 Charlie Chaplin
foi agraciado com o prêmio do Conselho Mundial de Paz. O dinheiro recebido foi
destinado aos pobres de Londres e Paris. Então começou a rodar um novo filme — Um Rei em Nova York (A King in New York)
— que, infelizmente, não obteve sucesso. Era um ataque ao macartismo e talvez a
amargura tivesse sufocado o gênio.
Na estreia de Um Rei em Nova York, em Londres, a
multidão rompeu a barreira policial para se aproximar de Chaplin.
|
Charlie e Oona tiveram mais três
filhos: Jane, em 1957, Annette, em 1959, e Christopher, em 1962. A família
Chaplin estava completa.
Ele, que não recebera uma
educação apropriada, torna-se doutor honorário das universidades de Oxford e
Durham, em 1962.
No meio das alegrias também havia
tristezas. No dia de seu aniversário, em 1965, Charlie recebeu a notícia da
morte de seu irmão, Sydney.
Em 1971, é condecorado em Paris
com a Grande Medalha de Vermeil e, em 1972, os Estados Unidos o redescobrem.
O perdão americano
McCarthy e seus capangas, que
haviam destruído a felicidade de tantos homens e mulheres, tornam-se totalmente
desacreditados em 1954, quando se descobre que haviam apresentado provas
falsas.
A fluidez de movimento, a dança e
o sorriso — apesar da idade avançada, Chaplin não perdeu a perícia. O público
se encantava, como sempre.
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Os Estados Unidos, então, abrem
os braços para Chaplin mais uma vez e ele é cumulado de prêmios. Los Angeles,
que o havia banido da sua Calçada da Fama, apressadamente reescreve seu nome
nela. Foi aclamado calorosamente em Nova York e agraciado com o Medalhão
Handel. Em Hollywood, recebeu o Oscar da Academia, sob grande aclamação. O
cortejo laudatório prosseguia. Em Veneza, a Praça São Marcos foi transformada
em um cinema ao ar livre para apresentar Luzes
da Cidade, e Charles foi o ganhador do Leão de Ouro do Festival de Cinema
de Veneza.
Sir Charles Chaplin
Pouco antes de completar 86 anos,
em 1975, Charlie, que havia sido uma das crianças pobres de Londres, foi
condecorado pela rainha Elizabeth II. Passou a ser Sir Charles Spencer Chaplin.
Depois de uma vida de muito
trabalho, grandes sucessos e grandes sofrimentos e provações, Chaplin parecia
entrar em uma época dourada. Com a idade avançada, estava mais fraco, porém
amava o trabalho como sempre.
"Trabalhar é viver — e eu
amo viver", dizia.
Charlie Chaplin falava em fazer
outro filme, mas estava muito velho e fraco para isso. Por muito tempo, Oona
cuidou dele sozinha, não queria que ninguém a ajudasse. Só no final foi
persuadida a aceitar a ajuda de uma enfermeira.
A família Chaplin: Oona e Charlie
tiveram oito filhos e estiveram casados durante 34 felizes anos.
|
A véspera de Natal de 1977 chegou
e a casa estava transbordando de filhos e netos. Papai Noel apareceu para
distribuir os presentes que se encontravam na árvore reluzente. Então, quando
foi para o quarto, Chaplin deixou a porta aberta para poder compartilhar os
ruídos de alegria e excitação que tomavam a casa.
Na manhã seguinte, quando foram
acordá-lo para lhe desejar Feliz Natal, encontraram-no morto. O grande Charles
Chaplin morreu dormindo. Tinha 88 anos de idade, vividos intensamente.
Datas importantes
1889 16 de abril:
Charles Spencer Chaplin — Charlie Chaplin — nasce em Londres.
1894 Aos 5 anos,
Chaplin faz sua primeira apresentação no palco.
1895 Hannah, mãe de
Chaplin, é internada na Enfermaria Lambeth.
1896 Chaplin e seu
irmão, Sydney, ingressam na Hanwell School, para crianças pobres.
1898 Aos 9 anos,
Chaplin abandona a escola.
Em
dezembro, entra para o grupo Os Oito Garotos de Lancashire.
1903 Hannah é
internada no asilo Cane Hill. Ela seria internada várias vezes ao longo da
vida.
6 de julho:
Chaplin estreia no papel de Sam na peça Jim,
um Romance de Cockayne.
27 de
julho: aos 14 anos, Chaplin estreia em Londres com a peça Sherlock Holmes e viaja
em turnê com a companhia.
1908 Chaplin assina
seu primeiro contrato com Fred Karno.
1910 Chaplin viaja
pela primeira vez aos Estados Unidos.
1913 Aos 24 anos,
Charlie Chaplin começa a trabalhar na Keystone, em Hollywood.
1914 Fevereiro: estreia
Carlitos Repórter, o primeiro de uma
série de 35 filmes que Chaplin fez
com Keystone.
Junho:
estoura a Primeira Guerra Mundial e Chaplin é criticado por não se alistar.
Dezembro: Chaplin se transfere para a
companhia Essanay, onde faz catorze filmes.
1915 Abril: estreia
de O Vagabundo.
1916 Chaplin assina
contrato com a Mutual Films Corporation e dez filmes são distribuídos
neste
ano. Estava com 27 anos.
1917 Junho: estreia
de O Imigrante.
1918 Janeiro: Chaplin
inicia as filmagens de Vida de Cachorro
usando luz artificial pela
primeira vez.
Outubro: Ombro Armas entra em cartaz — um mês
antes do armistício da Primeira
Guerra Mundial.
23 de
outubro: aos 29 anos, Charles Chaplin casa-se com Mildred Harris.
1919 Com Douglas Fairbanks e Mary Pickford, Chaplin
cria a United Artists.
1920 Novembro:
Charles Chaplin e Mildred Harris se divorciam.
1921 O Garoto entra em cartaz.
A mãe de
Chaplin, Hannah, vai morar com o filho nos Estados Unidos.
1923 Chaplin discursa
na Associação Americana para a Saúde Infantil.
1924 Aos 35 anos,
Charles Chaplin casa-se com Lita Grey.
1925 Nasce o primeiro
filho de Chaplin e Lita: Charles Spencer Chaplin Junior.
Estreia Em Busca do Ouro.
1926 Nasce Sydney
Earle Chaplin, o segundo filho do casal.
1927 Lita Grey pede o
divórcio.
1936 Chaplin, aos 47,
casa-se com Paulette Goddard.
1938 Chaplin começa a
filmar O Grande Ditador, que
estrearia em 1940.
1939 Setembro: início
das Segunda Guerra Mundial.
1941 7 de dezembro:
os Estados Unidos entram na guerra.
1942 Charles Chaplin
e Paulette Goddard se divorciam. Chaplin conhece Oona O'Neill.
1943 16 de junho:
Chaplin e Oona se casam. Ela tem 18 anos e ele, 54.
1944 Agosto: nasce
Geraldine, a primeira dos oito filhos do casal.
1945 Janeiro: Chaplin
faz Monsieur Verdoux, o seu primeiro
filme falado.
1947 Charles Chaplin
é acusado de atividades antiamericanas e de ser comunista.
1952 Chaplin é
exilado dos Estados Unidos.
1953 Janeiro: a
família Chaplin muda-se para Corsey-sur Vevey, na Suíça.
1954 Maio: Charlie
recebe o prêmio do Conselho Mundial de Paz e destina o dinheiro aos
pobres
de Paris e Londres.
1962 Nasce
Christopher Chaplin, completando os oito filhos do casal: Geraldine, Michael,
Josephine, Victoria, Eugene, Annette e Jane.
Charlie recebe o título de doutor honoris
causa pelas universidades de Oxford e Durham,
na Inglaterra.
1971 Em Paris,
Chaplin recebe a Grande Medalha de Vermeil.
1972 Chaplin é redescoberto
pelos Estados Unidos: seu nome é gravado na Calçada da Fama,
em Los Angeles, e ele recebe o Oscar.
1975 4 de março:
Chaplin é condecorado pela rainha Elizabeth II.
1977 25 de dezembro:
depois de ter realizado mais de oitenta filmes, Sir Charles Spencer
Chaplin morre dormindo, aos 88 anos de idade.
Filmes indicados
O Garoto — Charles
Chaplin (o Vagabundo), Jackie Coogan (o Garoto). Estreou em 1921, mas
continua sendo um clássico do
cinema.
Em Busca do Ouro —
Charles Chaplin (o Explorador Solitário), Georgia Hale (Georgia). Essa fina
comédia entrou em cartaz em 1925 e Chaplin
alcançou grande êxito,
apesar de seus parcos recursos. Dizem que este
é o filme pelo qual
Charles Chaplin gostaria de ser lembrado.
Luzes da Cidade —
Charles Chaplin (o Vagabundo), Virginia Cherrill (a Garota Cega). Com
componentes alegres e tristes, o filme estreou
em 1931. O Vagabundo é,
ao
mesmo tempo, perdedor e vencedor, como na maioria das vezes.
CHARLIE CHAPLIN é um volume da Série Personagens que mudaram o mundo - Os grandes humanistas
Autor deste volume: Anna Sproule
Editor da obra original: Helen Exley
Tradução: Matilde Leone
Edição: Esníder Pizzo
Copyright Anna Sproule, 1992 - Copyright Exley Publications, 1992
Copyright 1993 by Editora Globo S.A. para a língua portuguesa, em território brasileiro.
CHARLIE CHAPLIN é um volume da Série Personagens que mudaram o mundo - Os grandes humanistas
Autor deste volume: Anna Sproule
Editor da obra original: Helen Exley
Tradução: Matilde Leone
Edição: Esníder Pizzo
Copyright Anna Sproule, 1992 - Copyright Exley Publications, 1992
Copyright 1993 by Editora Globo S.A. para a língua portuguesa, em território brasileiro.
podias postar algumas cenas antológicas ...
ResponderExcluirÉ verdade, Pedro Rui.
ResponderExcluirHá coisas maravilhosas do Chaplin e vê-las (ou revê-las), é sempre maravilhoso.
Mas o intuito do blog é disponibilizar algum tipo de informação histórica, não facilmente encontrável de outra maneira.
O texto é a reprodução integral de um pequeno fascículo, de uma coleção sobre grandes personalidades do mundo.
Excelente 1
ResponderExcluir