Um bando de araras corta a mata com suas cores e seus gritos; dois macaquinhos enfurecidos guincham em luta; um grupo de homens volta da pescaria, mas nada consegue perturbar aquele grupo de meninos índios, uns cinquenta, em volta da batina negra de José de Anchieta. No ar há cheiro de tempestade.
Os garotos estão com os olhos presos a um
tablado enfeitado de folhas de bananeira. Lá, três de seus companheiros
representam uma cena de conversão: um, de blusa branca, é o Bem; outro, de
blusa vermelha, é o Mal; e o terceiro, de blusa azul, puxado ora por um, ora
por outro, é o jovem a dar os primeiros passos no caminho da conversão.
Nem os relâmpagos que riscam o céu os
intimidam; nem os trovões com seus estrondos os assustam; nem a ameaça de chuva
grossa os amedronta. Eles estão todos muito interessados, fazendo teatro, e o
espetáculo não pode parar.
O Bem puxa de cá, o Mal puxa de lá. O
indiozinho de azul parece que vai ceder às tentações do pecado, mas ainda resiste.
E ouve o que lhe diz o garoto de branco, que fala do céu e dos santos, e das
maravilhas da virtude. O Bem vence. O jovem, antes indeciso, abraça-o. O menino
de vermelho finge raiva e grita.
Chega, então, o clímax: entre palmas e
gritos agudos dos assistentes o Bem derruba o Mal e conquista o jovem para
Cristo. O Mal foge para o mato e, previdente, volta sem a blusa vermelha, sua
marca. Anchieta, sorridente, abraça os pequenos atores. Seu teatrinho é um
sucesso. Os indiozinhos pedem bis, ele promete:
- Amanhã tem mais.
Aquele homem era baixo, moreno, muito
magro e meio torto, por causa de um desvio na coluna. Tinha a testa larga,
nariz comprido, pouca barba e os olhos meio azulados. Em suas andanças,
caminhava sempre descalço, a barra da batina arregaçada. E andou grande parte
do Brasil: professor, catequista, poeta, linguista, teatrólogo, médico,
cozinheiro, sapateiro, padre, diretor de colégio, pregador, confessor, provincial,
diplomata e fundador de cidades.
Anchieta veio para o Brasil em 1553, na
frota que trouxe o segundo Governador-Geral, Dom Duarte da Costa. Era, então,
apenas noviço da Companhia de Jesus, um moço de dezenove anos, Irmão José de
Anchieta. Nos 65 dias de travessia, cozinhava e ensinava catecismo para os
marinheiros. Alegre e amável, não tinha, entretanto, nenhuma marca especial que
deixasse entrever nem o pioneiro, nem o apóstolo. Mas era ativo, de espírito
forte.
Ativo como os pioneiros, de espírito forte
como os apóstolos, José de Anchieta é uma das figuras mais constantes nos
acontecimentos históricos da segunda metade do século XVI. Presente na fundação
de São Paulo, presente na expulsão dos franceses do Rio, presente na
pacificação dos índios, ora estava no litoral paulista, ora no do Espírito
Santo, Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, em toda parte.
Um poeta, o “Canário de
Coimbra”
José de Anchieta nasceu a 19 de março de
1534, em San Cristóbal de La Laguna, na ilha de Tenerife, arquipélago das
Canárias, pertencente à Espanha. Era o terceiro filho do segundo casamento de
Dona Mência Dias de Clavijo Llerema, descendente dos conquistadores de
Tenerife.
Seu pai, João Lopez de Anchieta, um fidalgo
basco originário do vale da Urrestilha, na Espanha, refugiara-se nas Canárias,
em 1522, depois de participar de uma rebelião, pelo que fora condenado à morte.
Mas, graças à interferência do Capitão Inácio de Loyola, seu amigo, consegue
ser anistiado e vai tentar vida nova em Tenerife.
Na ilha, João Lopez de Anchieta, em uns
poucos anos, conseguiu alguma posição e fortuna e se fez respeitado e estimado.
E assim conheceu Dona Mência, a viúva com quem se casou.
Entre os cuidados de Dona Mência e de João
Lopez, José de Anchieta teve, ao lado dos irmãos, uma infância protegida.
Segundo o costume da época, aprende as primeiras letras ainda em casa. E só
depois é que possivelmente frequenta a escola dos dominicanos, bem próxima à
sua moradia, onde recebe os primeiros conhecimentos de gramática latina.
Aqui nesta casa, em Tenerife, Anchieta nasceu e aprendeu a ler e a escrever |
Já tem catorze anos, quando, em companhia
de Pedro Nuñez, seu irmão mais velho, vai a Portugal para continuar os estudos.
Lá, matricula-se no Real Colégio de Artes, onde estuda humanidades e filosofia.
E logo se distingue pela facilidade com que faz versos em latim, o que lhe vale
mesmo o apelido de “Canário de Coimbra”.
Da religiosidade de sua família e do seu
misticismo extrai a vocação de sacerdote, que se aviva quando trava
conhecimento com a Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada pelo mesmo Inácio
de Loyola que salvara seu pai da pena de morte.
Corre o ano de 1550 e o jovem José de
Anchieta se candidata ao Colégio da Companhia de Jesus, em Coimbra.
Com dezessete anos de idade, em 1551, José
de Anchieta é recebido como noviço. E passa a ajudar de cinco a dez missas
todos os dias, dividindo o seu tempo entre a meditação, a oração e o estudo de
retórica e filosofia.
O ritmo intenso da vida no colégio lhe
abala a saúde. Um ano depois está doente: uma violenta dor nas costas que
aumenta com o tempo.
É um moço de dezoito anos. Mas a doença o
faz velho, a coluna vertebral, quase um S, obriga-o a usar faixas que não
conseguem disfarçar o defeito.
Teme, então, ter que deixar tudo: o estudo,
a Companhia, a vocação. Mas vai se aguentando, com suas costas encurvadas, e
até é capaz de brincar com a própria desgraça:
- A natureza me preparou para carregar
fardos.
1553, um alvoroço no colégio: alguns vão
ser escolhidos para as missões no Brasil. Anchieta é alegremente surpreendido
com a indicação do seu nome. Aceita, e é entre surpreso e alegre que vive os 65
dias da longa viagem. Enquanto cozinha ou descansa das aulas de catecismo, o
moço sonha com o Brasil, terra de que ouvia falar desde sua admissão na Companhia
de Jesus.
A difícil tarefa dos
jesuítas
Os primeiros jesuítas tinham vindo para o
Brasil em 1549, e Anchieta aprendera que eram importantes os dias em que
chegavam cartas do Brasil, com notícias dos missionários, da conversão de
índios, de guerras entre tribos e dos primeiros sucessos da colonização daquele
mundo novo.
Do descobrimento, em 1500, até o estabelecimento
do primeiro governo-geral, em 1549, o Brasil viveu meio esquecido e meio
abandonado pela côrte portuguesa que vivia embalada pelo sonho de fortuna
representado pela exploração da Índia.
Nessa primeira metade do século, só se conhecia
estreita faixa do imenso litoral onde foram estabelecidas as primeiras
povoações.
Anchieta, quando jovem |
Entre 1532 e 1549 surgiram pequenos
núcleos de população na Bahia, Espírito Santo, São Vicente e Pernambuco, vivendo
de uma agricultura de subsistência e de uma incipiente produção de
cana-de-açúcar, resultado do trabalho de índios aprisionados.
Isso era tudo, quando quase na metade do
século, Dom João III, acordando do seu sonho com as Índias e alarmado com as
ameaças estrangeiras de ocupar o Brasil, passa a se preocupar com a Colônia e
decide enviar um governador-geral para unificar a administração e organizar a
defesa, prestando auxílio às capitanias que antes viviam isoladas.
Tomé de Sousa é nomeado, e com ele vêm os
primeiros jesuítas que, nem bem chegados, dedicam-se de corpo e alma ao
trabalho de educação dos filhos dos colonos e conversão dos índios.
Esse primeiro grupo de jesuítas traz como
chefe o Padre Manuel da Nóbrega e é composto dos padres Leonardo Nunes. João de
Aspilcueta Navarro e Antônio Pires, além dos irmãos Vicente Rodrigues e Diogo
Jácome. Segundo carta de Manuel da Nóbrega, os mil expedicionários de Tomé de
Sousa não encontraram mais do que uns quarenta ou cinquenta moradores na Bahia.
O Padre Leonardo Nunes e o Irmão Diogo
Jácome são imediatamente enviados às aldeias de Ilhéus e Porto Seguro, em
missão de catequese. Depois, o Irmão Vicente Rodrigues vai substituir o Padre
Leonardo Nunes que segue para São Vicente.
É o início da catequese. Nem um segundo
grupo de jesuítas, que chega de reforço no ano seguinte, permite a execução do
programa de Nóbrega, um homem disposto a estender a ação missionária a toda a
gente.
O apostolado dos jesuítas não era fácil.
Os brancos que viviam na Colônia, reduzida minoria diante dos índios, em muitos
lugares se deixaram absorver pelos usos da terra, afastando-se dos costumes
cristãos. E, além disso, havia um clima de guerra, com a franca revolta dos
índios contra as tentativas de os fazerem escravos.
Em Coimbra, centro cultural da época, Anchieta escreveu os primeiros versos e entrou para a Companhia de Jesus |
A dificuldade do trabalho e a amplidão dos
projetos forçam o Padre Manuel da Nóbrega a insistir em cartas aos seus
superiores de Portugal: quer novos padres e irmãos para levar avante seus
propósitos. E insiste com o Provincial Simão Rodrigues, ressaltando que não
havia nem muita necessidade de seleção: que mandasse para o Brasil os “fracos
de engenho” e os “doentes do corpo”.
Doente do corpo, José de Anchieta foi um
dos escolhidos. Seu grupo veio chefiado pelo Padre Luís da Grã, ex-reitor do
Colégio de Coimbra da Companhia de Jesus.
No caminho de São
Vicente, um desastre
A 8 de maio de 1553, na esquadra do
segundo governador-geral, Duarte da Costa, parte essa terceira leva de
jesuítas. A viagem se prolonga até 13 de julho, mas se faz em calma e sem
acidentes. O Irmão José de Anchieta, apesar da doença, parece disposto,
mostrando seu entusiasmo. Já na viagem deixava entrever o missionário que
seria, adaptando-se a todo trabalho: cozinhava, pregava, planejava. Algumas
semanas após a chegada, Manuel da Nóbrega, provincial jesuíta no Brasil,
distribui os padres pelos colégios que já começam a se espalhar pela terra. Com
o Padre Leonardo Nunes, que os viera esperar, um grupo seguiu para o sul, em
direção a São Vicente. Nele, Anchieta.
A Cama de Anchieta, em Itanhaém: conta a lenda, ele dormia sobre rochas |
Leonardo Nunes e seu grupo seguiram em
dois naviozinhos que rumavam para São Vicente. Na altura do rio Caravelas, uma
forte tempestade desgovernou os barcos. Um deles, o que levava os jesuítas,
aproximou-se do litoral. Ao tentar se afastar da terra, a tripulação foi
surpreendida: o navio roçou o fundo, o leme saltou e um choque mais forte
confirmou o encalhe. Muitos dos viajantes ficaram aterrorizados. É o Padre
Lourenço Brás, um dos presentes, quem conta:
- Começou a grita no navio e nos pusemos
todos a rezar uma ladainha e a chorar nossos pecados. E saímos com as relíquias
que ali trazíamos. Quis Nosso Senhor que foi o navio resvalando um pouco, até
que deu em quatro braças de água, o qual quantos ali vinham tiveram por
milagre. Trataram logo de lançar âncora e arriaram o batel fora, indo observar
por onde derivava a corrente. E acharam logo grande profundidade, menos onde
nós nos achávamos, e que dali não poderíamos sair senão por uma boca estreita.
Ordenaram então que se recolocasse o leme. E nisto se fechou a noite e ficamos
ali para sair pela manhã. E quando já parecia ser uma hora da noite, sobrevém
uma fortíssima tormenta de vento contrário.
E continua a descrever a cena:
- Sai a esse tempo o piloto fora, que estava
debaixo da coberta repousando (e a gente a gritar e a dizer que estávamos
mortos), e tomou ele mesmo um machado e cortou os mastros, enquanto outros
sustentavam a amarra. E todos gritando. E ao redor de nós rebentavam os
marouços...
Náufrago por dez dias
Só na manhã seguinte os viajantes conseguiram
chegar em terra. Nas proximidades, destruído, estava o outro navio. Não tiveram
outra alternativa senão ficar, por cerca de dez dias, entre os índios,
alimentando-se de abóboras e de farinha.
Anchieta convivia com os índios pela primeira
vez. Encontrou as mangabas, que achou parecidas com as sorvas de Portugal; e as
pitangas, que lhe lembraram amoras. Foram dias duros, à espera de que com os
restos do navio destruído se reparasse o outro barco. E, com o naviozinho
remendado, seguiram para São Vicente, onde chegaram às vésperas do Natal.
Na pequena escola jesuíta os indígenas agrupavam-se para aprender as orações |
A ação dos jesuítas se estendia de São Vicente
aos Campos de Piratininga, que o Padre Leonardo Nunes já visitara e onde
iniciara a catequese das principais tribos.
Naquele mesmo ano de 1553, por não querer
a penetração no território e desejoso de concentrar suas atenções no litoral,
Tomé de Sousa manda reunir no planalto piratiningano os portugueses que já
começavam a afundar interior adentro.
Os projetos de Manuel
da Nóbrega
Nessa ocasião, como em outras, foi de
grande utilidade, tanto para o Governo quanto para os jesuítas, a ação de um
português chamado João Ramalho, possivelmente um náufrago, que morava no lugar
há muitos anos e era casado com a índia Bartira, filha do cacique Tibiriçá.
Com seus conhecimentos da região e dos costumes indígenas, João Ramalho ajudou muito os colonizadores |
Com a ajuda de Ramalho, fundou-se Santo
André da Borda do Campo.
Entre os projetos do Padre Manuel da
Nóbrega, estava o de alcançar o Paraguai e catequizar os índios carijós. Para
lá chegar, precisava de uma base no planalto e por isso ordenou a construção de
um barracão para abrigo dos padres da Companhia. E, nos primeiros dias de 1554,
um grupo de religiosos, entre os quais Anchieta, sobe a serra do Mar rumo ao
planalto, onde vão se instalar.
É nessa dura viagem a pé que o Irmão José
de Anchieta tem o seu primeiro contato com a floresta tropical. A trilha aberta
pelos tupis era tortuosa e Anchieta, que tão bem viria a conhecer a rudeza
desses caminhos, chegou a se espantar com as densas matas.
Nasce uma cidade
O preparo do barracão do planalto, junto a
uma aldeia de índios, deu-se no dia 24 de janeiro. É o próprio Anchieta, em
carta, quem conta o que aconteceu:
- A 25 de janeiro do Ano do Senhor de 1554
celebramos em paupérrima e estreitíssima casinha a primeira missa, no dia da
conversão do Apóstolo São Paulo e, por isso, a ele dedicamos nossa casa.
Nascia a cidade de São Paulo. Seus fundadores,
sob a inspiração de Manuel da Nóbrega, haviam sido os treze jesuítas chegados
de São Vicente.
No princípio, o barracão é a única construção da cidade. Ali se fazia de tudo, desde ensinar, até cozinhar. De noite passavam frio, pois as camas eram redes e as cobertas escassas. |
O grupo fundador, chefiado pelo Padre
Manuel de Paiva, era formado, além de Anchieta, por Pêro Correia, Manuel de
Chaves, Gregório Serrão, Afonso Brás, Diogo Jácome, Leonardo do Vale, Gaspar
Lourenço, Vicente Rodrigues, Lourenço Brás, João Gonçalves e Antonio Blasquez.
Só mais tarde, com o crescimento da cidade, é que surgiu a Igreja Matriz |
Mal haviam instalado o barracão do colégio,
imediatamente passaram ao trabalho de catequese, como nos conta Anchieta:
- Nesta aldeia, 130 de todo sexo foram
chamados para o catequismo e 36 para o batismo, os quais são todos os dias
instruídos na doutrina, repetindo orações em português e na sua própria língua.
Os primeiros tempos foram difíceis. O barracão
inicial servia de dormitório, enfermaria, escola, refeitório, cozinha e até
capela. Anchieta mesmo retrata a situação, após alguns meses:
- Este aperto era ajuda contra o frio que
na terra é grande, com muitas geadas. As camas são redes, que os índios
costuram; os cobertores, o fogo que os aquenta, para o qual os irmãos, acabada
a lição da tarde, vão, por lenha, ao mato e a trazem às costas para passar a
noite; o vestido é mui pobre, de algodão, sem calças, nem sapatos. Para a mesa
usavam algum tampo de folhas de banana em lugar de guardanapos; que bem se escusavam
toalhas, onde por vêzes falta o comer; o qual não tinham donde lhes viesse, se não
dos índios, que lhes dão alguma esmola de farinha e às vêzes algum peixinho de
rio e caça do mato. Fazem alpercatas de cardos bravos, que lhes servem de
sapatos; aprendem a sangradores, barbeiros e todos os mais modos e ofícios que podem
ser de préstimo a todos os próximos neste desterro do mundo.
Uns moços bem atrevidos
Em redor do colégio dos padres foi-se
formando a nova povoação. Junto do primeiro barracão surgem outros, onde são
instaladas oficinas de carpintaria e sapataria, tudo de pau-a-pique e sapé.
Por ser o mais adiantado nos estudos, Anchieta
desde logo foi designado para ensinar gramática latina aos seus companheiros e
aos meninos mais estudiosos do colégio. E o jovem irmão faz logo uma triagem
entre os alunos, separando-os em três turmas, de acordo com o que já sabiam. Inteiramente
entregue ao trabalho das suas três classes, lutando contra a falta de livros,
Anchieta passava horas inteiras copiando em cadernos o que queria ensinar aos
estudantes, dando-lhes por escrito as lições.
O fim da Confederação dos Tamoios, numa alegoria simbólica |
Enquanto isso, os índios iam aprendendo
catecismo e se alfabetizando. Pêro Correia, um dos integrantes do grupo, é quem
descreve:
- Temos agora um lugar de índios convertidos,
dez léguas pela terra adentro, onde temos igreja e estão sempre dois padres e
muitos irmãos. Todos os dias da semana têm doutrina duas vezes na igreja e no
mesmo lugar há escolas de meninos. Um irmão tem cuidado de ensiná-los a ler e a
escrever, e alguns deles a cantar; e quando algum é preguiçoso e não quer ir à
escola, o irmão que tem o encargo deles o manda buscar pelos outros, os quais o
trazem preso e o tomam às costas com muita alegria. Os seus pais e suas mães
folgam muito com isso; e são alguns destes moços tão vivos e tão bons e tão
atrevidos que quebram as talhas cheias de vinho (cauim) aos seus, para que não bebam.
Vai a coisa muito bem principiada.
Com tanto trabalho, as costas doentes, o
corpo franzino, Anchieta poderia ter desistido. Mas é ele mesmo quem revela a força
do seu ânimo:
- Até agora tenho estado em Piratininga.
Ocupo-me em ensinar gramática em três classes diferentes. E, às vezes, estando
eu dormindo, me vêm a despertar para fazer-me perguntas; e em tudo isto parece
que saro; e assim é, porque, em fazendo conta que não estava enfermo, comecei a
estar são; e podeis ver minha disposição pelas cartas que escrevo, as quais pareciam
impossíveis escrever em Coimbra.
A nova aldeia faz
rápidos progressos
O Colégio de São Paulo ia crescendo, com
os jesuítas transformados em construtores e carpinteiros. Índios vinham do
sertão atraídos pela novidade; colonos portugueses foram-se integrando ao novo
núcleo. Logo se fechou o Colégio de São Vicente, cujos professores e alunos
foram transferidos para São Paulo, aumentando a população da vila que ia aos poucos
progredindo.
Ensinando às crianças índias os princípios
da fé cristã, Anchieta e seus companheiros sentiam que esse era o caminho da
conversão das tribos. Muito mais curiosas, vivas e interessadas que os adultos,
as crianças aprendiam tudo com grande facilidade e, além disso, por vezes ainda
eram capazes de levar os ensinamentos aos mais velhos.
As aulas de catecismo, leitura, escrita e
canto eram movimentadas. E a vida do colégio, intensa. As construções de
pau-a-pique aumentavam, já se formava a primeira rua, havia até uma nova igreja
de taipa.
Durante esses anos, Anchieta aprendeu a
língua tupi, que usaria para o resto da vida. Mais tarde, seus conhecimentos
permitiriam que escrevesse a Gramática da
Língua mais Falada na Costa do Brasil, que viria a ser usada em todas as
missões jesuíticas do Brasil.
O crescimento do Colégio de São Paulo
passou a exigir cada vez maiores contatos com o litoral, por onde vinham
mercadorias, víveres e notícias da Metrópole. Para facilitar a ligação do planalto
com São Vicente, jesuítas, índios e colonos melhoraram o caminho, alargando a
antiga trilha dos tupis. .
Na época das chuvas, caíam árvores e
barreiras, o caminho ficava intransitável e as aulas tinham que ser suspensas
para que professores e alunos fossem desobstruir a serra.
A vida do planalto seguia neste ritmo, só
alterado devido à presença dos franceses no litoral brasileiro.
Uma ameaça nova: os
franceses
Em 1555, a baía da Guanabara se tornara um
reduto francês. Lá se instalara, com seus comandados, o Almirante Nicolau
Durand de Villegagnon, que conseguira uma aliança com os índios da região, os
tamoios, inimigos tradicionais dos tupiniquins. As rotas portuguesas pelo
litoral ficam sob constante ameaça e, durante cinco anos, nada se fez contra os
franceses.
E Mem de Sá, terceiro governador-geral do
Brasil, quem, em 1560, se dispõe a combater o inimigo. E, ao lado das primeiras
tentativas para desalojar o invasor, intima a população da vila de Santo André
a se unir ao aldeamento de São Paulo, elevado então à condição de vila. É uma
tentativa de reforçar a defesa do planalto diante das ameaças dos tamoios, estimulados
pelos franceses.
Não fora difícil aos franceses conquistar
os tamoios, homens altivos que há tempos lutavam contra portugueses que
pretendiam escravizá-los. E no começo da década de 60, estremecia o planalto
diante das ameaças dos tamoios, quando algumas tribos tupiniquins, dos
arredores de São Paulo, unem-se a eles.
As
coisas ficaram difíceis a ponto de obrigar até a transferência dos jesuítas e
seu colégio para São Vicente. São Paulo já era uma região cobiçada, onde se
assentavam muitas hortas, pomares, lavouras de mandioca, milho, trigo e alguma
cana.
A 3 de julho de 1562, um antigo aluno do
colégio chega às carreiras para contar que a vila ia ser atacada. Dado o
alarma, João Ramalho, nomeado capitão pelo conselho da vila, assume o comando;
ajudado por Tibiriçá, seu sogro e cacique tupiniquim, fica com toda a responsabilidade
de defesa da vila e do colégio. Tribos das vizinhanças foram chamadas para ajudar,
assim como muitos colonos do litoral. Com reforços de Santos e São Vicente,
acorreu outro pioneiro, Brás Cubas. A defesa estava preparada.
O ataque veio na manhã de 10 de julho.
Milhares de inimigos, todos pintados e enfeitados de penas, fazendo uma
barulheira infernal. As lutas foram terríveis, com mortos e feridos de ambos os
lados. Mas os atacantes não conseguiram tomar a vila e se retiraram.
Mesmo assim resolveu-se construir fossos e
muros e manter vigilância permanente para evitar ataques de surpresa.
Por todo o fim de 1562, e começo de 1563,
os colonos revidam. Há muitas notícias de ataques a tabas e de perseguições aos
indígenas. A esta altura, os franceses, que em 1560 haviam sido derrotados
pelas dez naus comandadas por Mem de Sá, reassumem suas posições na baía da Guanabara,
animados com o regresso do governador-geral à Bahia.
A presença dos franceses, aliada aos
saques que colonos faziam às aldeias dos índios, acabou por estimular uma aliança
entre as tribos de Bertioga a Cabo Frio, que reunia também tribos do interior e
do vale do Paraíba: era a Confederação dos Tamoios. As investidas dos
confederados se multiplicam. É quando intervém a experiência do Padre Manuel da
Nóbrega, que desde 1561 se encontrava em São Vicente, vindo da Bahia.
Nóbrega, inimigo da escravização do índio,
sente desde logo que há razões de justiça ao lado da confederação das tribos. E
que só uma missão de paz poderá aplacá-la. Decide, pois, ir em pessoa tentar a
paz. Para a missão, convida Anchieta.
Missão de paz junto aos
tamoios
Os dois pacificadores partem de São
Vicente em 21 de abril de 1563, no navio de José Adorno, um genovês, que morava
na vila. E rumam para Iperoig. Ao se aproximarem de seu destino, Nóbrega e
Anchieta são cercados pelos tamoios, que se mostram hostis. Mas Anchieta, no mais
puro tupi, os saúda com promessas de paz e de amizade.
As palavras de Anchieta convencem os índios.
E eles os acompanham até a praia, onde Caoquira, um chefe tamoio, os hospeda em
sua própria casa. O navio regressa a São Vicente, mas o genovês Adorno fica com
os dois jesuítas.
Imediatamente se iniciaram as conversações
de paz, com Anchieta servindo de intérprete, pois Nóbrega não falava a língua
dos índios. Antes de mais nada, Caoquira, como porta-voz de seu povo, enumerou todas
as queixas da sua tribo contra os portugueses. Contou e tornou a contar, durante
dias e dias, todos os feitos dos bravos guerreiros tamoios. Glorificou os antepassados,
enalteceu os companheiros vivos.
No Rio, ele se transforma em enfermeiro para socorrer os que caíam em combates |
Tudo isso, o rosário de queixas e a
apologia dos companheiros vivos e mortos, fazia parte dos costumes indígenas. A
Nóbrega e Anchieta cabia apenas escutar.
Ao mesmo tempo, Caoquira mandara
emissários chamarem todos os chefes confederados para um encontro com os
jesuítas. Enquanto ouvem e esperam, os dois jesuítas missionários conseguem
sensibilizar os índios que os hospedam. Armam até uma capela. Ali, ajudado por
Anchieta e todo paramentado, Nóbrega celebra missa todos os dias. Os índios se
encantam com a beleza da cerimônia. Após cada missa, Anchieta explica em tupi a
doutrina da Igreja. E com muito barulho anda em volta dos índios, bate o pé,
gesticula e faz pausas nos momentos mais dramáticos de suas falas. Cunhambebe e
Pindobuçu, dois caciques, já haviam chegado. E com suas tribos inteiras também
vinham para a missa.
Logo Anchieta começa a ensinar às crianças
os hinos religiosos que compusera em tupi. A cantoria faz a criançada muito
feliz e atrai os adultos, que vão ouvir os missionários.
Quando melhor iam as coisas, surge
perigosa ameaça na pessoa do cacique Aimberê, que logo ao chegar convoca um
conselho de caciques, do qual os missionários não tiveram possibilidade de
participar.
No conselho, Aimberê criticou seus aliados
por terem acolhido os jesuítas. Acreditava ser impossível um acordo com os colonos,
e queria evitar que se caísse naquilo que lhe parecia mais um engano. Matar
Nóbrega e Anchieta e partir para o massacre final dos portugueses era a sua
solução. No entanto, outros caciques tinham uma posição mais moderada e,
afinal, em nome de todos, Aimberê leva a Nóbrega e Anchieta uma proposta: só
aceitariam as conversações de paz se os portugueses lhes entregassem os três caciques
de São Vicente que, por serem inimigos dos tamoios, deveriam ser sacrificados.
O mais calmamente possível, Anchieta tenta
mostrar a inviabilidade da proposta. E a situação se agrava. Aimberê não cede.
Nem os jesuítas. É quando Pindobuçu, mais velho e ponderado que Aimberê,
intervém, conciliador. Mas nada vai conseguir. Nóbrega procura ganhar tempo:
propõe que se consulte as autoridades de São Vicente. O próprio Aimberê se
oferece como emissário. E segue viagem, com José Adorno, levando carta em que
Nóbrega recomenda duas coisas às autoridades: que o tratamento dado a Aimberê fosse
o melhor possível e que a proposta de entregar os índios amigos, naturalmente,
não deveria merecer cogitação.
Aimberê e sua comitiva são recebidos em
São Vicente com todas as honras. E seguem-se conversações por semanas a fio.
Enquanto Aimberê negociava em São Vicente,
Nóbrega e Anchieta continuavam em Iperoig, onde os índios se dividiam em pró e
contra a paz. Certo dia, estando os dois na praia, aproximam-se algumas canoas
com índios comandados pelo cacique Paranapuçu. Traziam a intenção de matar os
religiosos e com gritos irados anunciam seu objetivo.
Nóbrega e Anchieta, sem outra defesa,
apelam para as pernas. E correm o quanto podem até um riacho próximo. Nóbrega,
bem mais velho, não aguenta a carreira. E Anchieta tem que ajudá-lo. No meio do
riozinho, um tombo desastrado dá um banho no provincial. Anchieta auxilia-o,
carrega-o nas costas e, com os perseguidores nos calcanhares, vão se refugiar na
casa de Pindobuçu. Mas o amigo Pindobuçu não está, os índios já vêm chegando
com a sua ameaça. Nóbrega e Anchieta se põem de joelhos e começam a rezar.
Chegados à cabana de Pindobuçu, os índios
deparam com os dois jesuítas abraçados, rezando em voz alta. E se espantam.
Hesitam. Anchieta aproveita-se do momento e toma a iniciativa. Começa a pregar
em tupi, aos gritos, até que os assaltantes, entre intimidados e surpresos pela
cena que não compreendem, deixam as armas e não querem mais matar.
Como nada se resolvesse em São Vicente nas
intermináveis conversações com Aimberê, Nóbrega decide voltar sozinho, deixando
Anchieta em lperoig, pois o retorno de ambos acabaria de vez com as conversações
e esperanças de paz.
Sem a companhia de Nóbrega, Anchieta passa
a enfrentar solitário os problemas da convivência com os índios, cercado de
zombarias ao recusar as moças que lhe ofereciam como prova de amizade. A queixa
é sua:
- Estou tão mal acompanhado, entre tantas
ocasiões de pecado e morte, cercado de bárbaros, nos quais a natureza não
conhecia pejo e a honestidade não era conhecida.
Volta e meia surgiam perigos, como este:
um cacique o ameaçou de morte, culpando-o pela ausência de caça nas armadilhas;
Anchieta mandou, então, que voltasse a examinar as armadilhas e o cacique e
seus índios as encontraram carregadas de caça. Um dia, há um perigo mais grave,
com a chegada de um mensageiro que traz a notícia do assassínio, em São Vicente,
de um dos integrantes da comitiva de Aimberê. Irados, os índios chegam a
decidir a morte de Anchieta, quando, providencialmente, surge das matas, mais
vivo que nunca, o tal índio sumido. O suposto assassinado havia apenas fugido.
Depois disso, Cunhambebe resolve que o
missionário deveria voltar a São Vicente para evitar futuras discórdias. É o
próprio cacique quem o conduz de regresso. Em São Vicente são recebidos com
grandes festas. Na sua longa missão de sete meses entre os índios, os jesuítas
tinham conseguido restaurar a paz, pelo menos com as tribos cujos chefes foram
a lperoig, para onde voltam Cunhambebe e Aimberê.
("Anchieta escrevendo na praia" - Óleo de Benedito Calixto) Enquanto estava como refém entre os índios, Anchieta escrevia na areia seus versos dedicados à Virgem. |
Foi nas longas semanas de lperoig, nas intermináveis
horas passadas na praia, que Anchieta, com seu bordão, escreveu na areia o poema
De Beata Virgine Dei Matre Maria (Da
Virgem Santa Maria Mãe de Deus). Logo que se recolheu ao Colégio de São
Vicente, Anchieta tratou de passá-lo para o papel: eram, ao todo, 4172 versos
em latim, rabiscados na praia e decorados um a um.
Guerra do Rio de
Janeiro
A paz com os tamoios, porém, não foi
durável. O poder de persuasão dos jesuítas não podia atingir senão as tribos
mais próximas. A Confederação dos Tamoios voltou a se reagrupar e houve novas
escaramuças, até que no ano seguinte, 1564, uma esquadra comandada por Estácio
de Sá, sobrinho do Governador-Geral Mem de Sá, chega a Santos.
Estácio, dias antes, tentara desembarcar
na baía da Guanabara e fora duramente repelido pelos tamoios. Tão numerosos e
decididos eram os índios que Estácio não pudera enfrentar e desistira de
aportar no Rio. Na capitania de São Vicente desejava obter reforços.
Nóbrega e Anchieta, influentes em toda a
região, conseguem recrutar muita gente para reforçar a armada de Estácio. Em 20
de janeiro de 1565, a esquadra de Estácio parte para o Rio, onde chega no começo
de março. E com ela, no comando de nove canoas de índios e de mamelucos, lá
estavam o Irmão José de Anchieta e o Padre Gonçalo de Oliveira, aos quais se
uniram mais índios vindos do Espírito Santo.
Junto ao Pão de Açúcar, ergueram fortificações
e fizeram fossos. Gritos, rufar de tambores e cânticos de guerra prenunciam a
batalha. O mar em redor se cobre de tamoios que, encorajados pelos franceses,
vêm para o ataque. A 6 de março ocorre a primeira batalha: a vitória é dos
tamoios e dos franceses. Dias depois, nova luta: dessa vez a vitória é dos
portugueses. Anchieta, a esta altura, é enfermeiro de campanha. Em terra e no
mar os combates vão se desenrolando por dias, semanas e meses.
Três mil índios, em cortejo, carregam o corpo de Anchieta de Reritiba a Vitória |
Já no início de 1566, o Irmão José de Anchieta
parte para Salvador com a missão de levar a Mem de Sá um relato da situação.
Para o religioso, entretanto, a viagem encerra um significado ainda maior.
Anchieta vai aproveitar a oportunidade para se ordenar sacerdote. Após longos
preparativos e depois de um retiro, é ordenado em agosto, por Dom Pedro Leitão,
bispo de todo o Brasil, seu antigo colega de estudos em Coimbra. E é ali, na
Bahia, aos trinta anos de idade, que Anchieta reza a sua primeira missa, ele
que na sua humildade a si se referia como o “pobre e inútil José”.
Três meses depois, o Padre José de Anchieta
está incorporado à esquadra preparada por Mem de Sá para auxiliar seu sobrinho
Estácio na conquista definitiva do Rio. Todas as forças e recursos estão
mobilizados. Seguem, também, com a esquadra que se desloca para o sul, o Bispo
Dom Pedro Leitão e o novo provincial dos jesuítas, Luís da Grã.
Chegam ao Rio em 18 de janeiro de 1567.
Estácio e suas tropas recobram o ânimo com a vinda de Mem de Sá. Os combates se
acirram até a vitória portuguesa, com os tamoios subjugados e os franceses
expulsos. Para garantir a posse da terra, Mem de Sá estimula a implantação de
um núcleo de povoamento bem fortificado: é São Sebastião do Rio de Janeiro que
vai nascendo.
Nóbrega e Anchieta decidem voltar a São
Vicente. Querem transferir o colégio para o Rio. As casas de Piratininga, São
Vicente, Santos e Vitória permanecem sob jurisdição administrativa e
eclesiástica de Nóbrega. No Rio, para onde vão – Nóbrega como reitor do colégio
e Anchieta como auxiliar -, são recebidos em meados de 1567 por Mem de Sá, que
ainda lá se encontrava, supervisionando a construção da cidade no morro do
Castelo.
O governador logo indicou gente para
auxiliar na construção do colégio. Finalmente instalados, todo o trabalho
administrativo ficou com Anchieta, que ainda encontrava tempo para se dedicar à
catequese em São Lourenço, a atual Niterói.
Um homem que não para
Em 1570, com a doença e morte do Padre
Manuel da Nóbrega, Anchieta assume o cargo de reitor do colégio do Rio, onde
permanece até 1573, quando é substituído pelo Padre Lourenço Brás. Nessa
ocasião segue para a Bahia, em companhia do Padre Vicente Rodrigues.
Durante a viagem, no Espírito Santo, junto
à foz do rio Doce, um naufrágio os lança na praia. Os dois padres seguem então
a pé para Vitória, onde chegam após 15 dias de marcha forçada. Em Vitória,
erguem a igreja de São Tiago. Dali, após meses, partem para a Bahia, de onde Anchieta
retorna ao Rio e reassume a reitoria do colégio, voltando assim ao seu trabalho
predileto: catequese e aulas.
Em 1574, sempre inquieto, vai à capitania
de São Vicente e inicia a catequese dos tapuias, ajudado por um índio que no
passado salvara da morte. Junto com o Padre Manuel Viegas, Anchieta consegue
estabelecer uma reunião de aldeamentos tapuias no lugar onde hoje está Guarulhos,
perto de São Paulo e entrega-se ao trabalho.
Três anos depois, em 1577, outro provincial,
Inácio Tolosa, pede a Anchieta que o acompanhe até a Bahia. Tolosa queria
nomeá-lo reitor do colégio da Bahia. Mas, uma carta vinda de Roma, assinada
pelo padre-geral da Companhia, tem outro e mais importante desígnio: Anchieta é
nomeado provincial do Brasil, em substituição ao próprio Inácio Tolosa. É o
mais alto cargo da Companhia de Jesus na Colônia.
Com 43 anos de idade, dos quais 24 passados
como religioso no Brasil, o Padre José de Anchieta assume o importante cargo.
Agora é obrigado a visitar todas as casas jesuíticas do Brasil, missão que
cumpre com alegria. Mesmo como provincial, continuou a fazer suas viagens a pé
e descalço, despreocupado com a aparência e sem aceitar que o carregassem, como
era costume na época.
Foi ao colégio de Olinda, em Pernambuco,
de onde volta à Bahia, seguindo mais tarde para o Espírito Santo em visita a
Reritiba. Depois, toma o caminho do Rio; a seguir Santos, São Vicente, Itanhaém
e São Paulo.
Em São Paulo, entusiasma-se com o que vê:
ao redor do primitivo barracão que conhecera há 25 anos, floresce a vila, com o
colégio já instalado num grande casarão e muitas casas espalhadas em ruas bem
traçadas.
Durante dez anos Anchieta não fez outra
coisa senão viajar num tempo de maus e vagarosos navios e de difíceis
caminhadas a pé. A doença que o acompanha desde a mocidade se agrava e, em
1584, doente e cansado, escreve ao padre-geral em Roma:
- Como a minha doença começou há muitos
anos e agora, com a idade e os trabalhos, apertou mais, existe pouca esperança
de saúde; e assim espero que o padre visitador me tirará o cargo da Província,
se a morte não tiver cuidado de o fazer.
Só três anos depois, entretanto, é que
consegue substituto. Seu sucessor, Marçal de Beliarte, querendo lhe dar maior conforto,
pretende transferi-lo para o Rio. Mas Anchieta prefere suas aldeias de índios,
prefere continuar seu trabalho humilde de catequese e vai para Reritiba, no
Espírito Santo.
Em Reritiba, aldeia que fundara, Anchieta passa seus últimos anos. Fraco e doente, ele que percorrera quase todo o Brasil, agora movimenta-se com dificuldade. |
No final de 1591 é chamado mais uma vez à
Bahia, para opinar sobre questões da Companhia. De lá, volta a Reritiba e, dois
anos depois, é nomeado superior do colégio da vila de Vitória e das quatro
aldeias de catequese a ele subordinadas. Só em 1595 consegue dispensa de suas
tarefas e retorna a Reritiba. Está enfraquecido e doente e, pela primeira vez permite
que o carreguem numa rede. Mas ainda uma vez se recupera, chega a voltar ao
cargo de superior de Vitória. Em 1597 está de novo em Reritiba quando, no mês
de junho, seu estado se agrava. No dia 9 pede a extrema-unção. Pesa sobre a
aldeia de Reritiba a dor de perder o amigo, que morre nesse mesmo dia, com 63 anos
de idade e 44 anos de serviços prestados ao Brasil. A dor de Reritiba espalha-se
por toda a colônia. Mais de 3 mil índios acompanharam o enterro de Anchieta
pelos 90 quilômetros que separavam Reritiba de Vitória. O longo cortejo crescia
a cada passo. Todos choravam a morte de um homem que só tivera uma ambição na
vida: a cristianização do Brasil.
JOSÉ DE ANCHIETA é parte integrante da coleção de fascículos encadernáveis GRANDES PERSONAGENS DA NOSSA HISTÓRIA - Volume I, da Abril Cultural.
Copyright mundial, 1969, Abril Cultural Ltda
Caixa Postal 2372 - São Paulo
Editor Victor Civita
Texto elaborado à base da monografia original de LAIMA MESGRAVIS
Instrutor-assistente da Cadeira de História da Civilização Brasileira.
Universidade de São Paulo
("Glorificação de Anchieta" - de Lucílio de Albuquerque - Museu da Cidade, GB) Aos sessenta e três anos de idade, cessa toda a luta de uma vida e sobre o Apóstolo do Brasil baixa a paz eterna |
Copyright mundial, 1969, Abril Cultural Ltda
Caixa Postal 2372 - São Paulo
Editor Victor Civita
Texto elaborado à base da monografia original de LAIMA MESGRAVIS
Instrutor-assistente da Cadeira de História da Civilização Brasileira.
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