sábado, 24 de setembro de 2011

A INVESTIDA VIKING




     O ano de 793 começou sinistro para o povo que habitava a Nortúmbria, no nordeste da Britânia. Houve “imensos redemoinhos e relâmpagos”, de acordo com relatos da época, “e dragões flamejantes foram vistos voando nos céus”. Para os cronistas da época, eram os graves presságios do terror que se seguiria, sinais cósmicos de um iminente sacrilégio. Naquele ano, a calamidade abateu-se sobre Lindisfarne, ao largo da costa da Nortúmbria. Na ilha solitária e varrida pelo vento viviam apenas os monges do mosteiro de St. Cuthbert. Não havia defesas, pois talvez se acreditasse não serem necessárias: Lindisfarne era a Ilha Sagrada, reverenciada como o primeiro centro do cristianismo na Britânia. Seu mosteiro existia há mais de 150 anos.
     A 8 de junho daquele ano, no entanto, velas quadradas reluziram no horizonte do mar do Norte e os navios que as ostentavam – longos e baixos, com popas e proas bem curvadas – cruzaram rapidamente as águas e aportaram nas praias de Lindisfarne, despejando uma horda de guerreiros avermelhados, homens grandes e selvagens que se atropelaram encosta acima, em direção ao mosteiro. Ali espalharam a devastação, invadindo capelas e depósitos, matando quem encontrasse pelo caminho. Estavam atrás dos tesouros de St. Cuthbert: manuscritos com iluminuras, encadernados com capas adornadas de jóias, crucifixos de ouro, taças de comunhão de prata. Ao final da pilhagem, levaram não só ouro e pedras preciosas, mas também monges para serem vendidos como escravos. Deixaram o mosteiro em ruínas. Os santuários estavam arrasados, segundo um cronista, e “os corpos dos santos pisoteados como estrume nas ruas”.
   Esses atacantes eram marinheiros magistrais, lutadores ferozes e saqueadores cobiçosos. Nas décadas seguintes, apareceram repetidas vezes em toda a Europa. Em 794, atacaram Jarrow, junto ao rio Tyne, onde trabalhara o Venerável Beda, primeiro historiador da Britânia. Em 795, caíram sobre St. Columba, na ilha de Iona, bem como sobre mosteiros remotos nas ilhas de Inisbafin e Inismurray, na costa ocidental da Irlanda. Em 799, tomaram St. Philibert, em Noirmoutier, na foz do rio Loire, local que iriam usar como base para ataques ao continente. Na década de 840, aprofundaram-se na França, onde atacaram Rouen, Nantes (onde, em 843, mataram o bispo no altar da catedral), Chartres, Amiens, Tours, Orléans, Paris. Assaltaram tantas igrejas e mosteiros que levaram um cronista posterior a escrever, talvez apocrifamente, que uma nova frase fora acrescentada à litania cristã: “Da fúria dos nórdicos, livrai-nos, Senhor”.
     Os homens do norte vinham da Noruega, da Dinamarca e da Suécia, mas suas muitas vítimas conheciam-nos sob um só nome, uma variante do termo “nórdico”. Eles tinham em comum a língua, o modo de vida, a religião pagã e a predileção por navegar para atacar ou comerciar. Foi esse último traço que os alçou ao primeiro plano entre 800 e 1000, com o nome pelo qual ficariam conhecidos na história: vikings – derivado talvez da palavra escandinava para “enseada”, pois eram marinheiros, ou de uma palavra que significa “batalha”, pois eram guerreiros.

No espantoso circuito de suas viagens, os mercadores, guerreiros, colonos e exploradores nórdicos não só abarcaram boa parte do mundo conhecido — Europa, Rússia, Oriente Médio — como lançaram suas velas em direção a novos horizontes— Islândia, Groelândia e o Novo Mundo. Embora dispostos, se necessário, a enfrentar o mar aberto, os marinheiros escandinavos, sempre que possível, mantinham-se próximos das costas, com frequência desembarcando à noite para cozinhar e dormir. Quando não havia caminhos fluviais por perto, os vikings viajavam a pé ou sobre esquis, montados a cavalo (que costumavam enterrar com seus donos) ou, por incrível que pareça, em caravanas de camelos.

     É certo que outras culturas ganharam merecida fama nessa época. O reino dos francos, que controlavam o lado ocidental do antigo Império Romano, alcançou seu apogeu antes de declinar após a morte de Carlos Magno, em 814. Mais para leste, os bizantinos, herdeiros da outra parte do Império Romano, entraram numa segunda época de ouro, retomaram territórios perdidos para os árabes e atingiram novas alturas nos campos da arte e da literatura. No Extremo Oriente, os japoneses penetraram no período Hei, absorvendo a cultura chinesa e fazendo dela algo inigualável. E na Américas, cidades notáveis surgiram em civilizações como as dos construtores de monumentos do Mississipi, os toltecas do México e os tiahuanacas do Peru.
     Mas em termos de vitalidade pura e amplitude do impacto, nenhuma dessas culturas se comparou à dos vikings. Movidos pela cobiça, pela necessidade de comércio e terras e pela ânsia de fama, eles irromperam violentamente durante os dois últimos séculos do primeiro milênio. Embora fossem poucos – a Escandinávia provavelmente não tinha mais de dois milhões de habitantes na aurora do século IX -, os vikings mudaram a face da Europa à medida que passavam do comércio e pilhagem para a conquista e o povoamento. Revitalizaram o mercado europeu e estabeleceram seus domínios no continente. Os escandinavos levaram sua civilização ao Novo Mundo e instilaram seu sangue em outros povos, da Rússia à América.
   Cada uma das nacionalidades vikings emergentes delimitou sua própria esfera de ação, determinada parcialmente pela geografia. Os suecos, cujas costas davam para o leste, eram primariamente comerciantes. Atravessaram o Báltico e desceram pelos grandes rios da Europa central, penetrando na Rússia e indo até Constantinopla, a capital do Império Bizantino. Os dinamarqueses dominaram o mar do Norte e o canal da Mancha, aterrorizando Inglaterra e França e povoando vastas regiões. Os noruegueses se aventuraram ao norte e a oeste. Após os primeiros ataques à Inglaterra, concentraram-se na Irlanda, na Escócia e nas ilhas próximas; depois, enfrentaram águas desconhecidas para colonizar a Islândia e a Groenlândia.
    Aonde fossem, os vikings levavam consigo seus próprios modos de vida muito semelhantes, apesar das diferenças de suas terras natais. Os países da Escandinávia estendiam-se por cerca de 1 900 quilômetros, do extremo norte ao extremo sul. Geograficamente, mostravam uma diversidade que ia das planícies da Dinamarca e do sul da Suécia à costa ocidental montanhosa e recortada por fiordes da Noruega. Por toda parte, a vida dos escandinavos estava enraizada no solo e voltada para a família. Em sua terra, os vikings caçavam e pescavam, mas principalmente se dedicavam à agricultura – no norte, em propriedades isoladas; no sul, em pequenas comunidades que reuniam todos os membros de uma ou mais famílias.
     Essa sociedade agrária, como em quase toda a Europa, compreendia três classes: escravos, homens livres e nobres. Os servos, ou escravos, executavam os trabalhos menos valorizados e não tinham muito mais direitos do que um cavalo ou um cão: tal como animais velhos ou feridos, podiam ser mortos por seus proprietários. Escravidão era a pena dada às pessoas capturadas no próprio país ou no exterior, bem como punição para certos crimes, ou ainda simples sina dos já nascidos em servidão. Quase todas as fazendas escandinavas tinham escravos. Por lei, qualquer fazenda com mais de doze vacas e dois cavalos devia ter pelo menos três escravos. Uma grande propriedade poderia precisar de trinta servos ou mais.
   Os homens livres, uma classe ampla e variada, formavam o centro da sociedade escandinava. Podiam ser literalmente homens libertos – escravos alforriados – pois a estrutura social permitia a mobilidade para cima. Os escravos podiam comprar sua liberdade e muitos proprietários encorajavam isso, separando lotes de terra para que eles cultivassem em proveito próprio. O preço da liberdade variava: em algumas partes da Escandinávia, os escravos só se tornavam livres quando davam uma festa, feita com pelo menos oito bushels de malte – além de pagar 170 gramas de prata para seus antigos senhores. A maioria dos libertos simplesmente nascia livre.
   Desse grupo vinham os pescadores, os construtores de navios, os trabalhadores em metal, os carpinteiros e outros artesãos. Entre os homens livres havia também muitos lavradores. Mas os mais fortes e mais ricos eram os boendr – literalmente, aqueles que permanecem em um lugar, ou seja, os agricultores proprietários. A veemente independência deles revelava uma das diferenças da sociedade escandinava para o resto da Europa. Um bondi possuía sua terra de forma absoluta, sem submeter-se aos tributos ou deveres para com o senhor, traço típico do feudalismo que se desenvolvia nos outros países. Os boendr e seus companheiros livres eram os que na estação navegável – primavera e verão – partiam em busca de saques.
     Os boendr, porém, formavam alianças, geralmente lideradas pelos proprietários de terra mais ricos e fortes que compunham a nobreza. Esses chefes abastados, que freqüentemente tinham o título de jarl – de onde deriva o inglês earl, isto é, “conde” -, incluíam líderes locais cuja autoridade talvez limitasse a um único fiorde e homens que comandavam províncias inteiras, bem como os reis que governavam regiões maiores e, eventualmente, as nações escandinavas.
    Unindo frouxamente esses grupos havia um velho e notável sistema de governo e de justiça. Os homens livres que possuíam uma quantidade mínima de terra reuniam-se periodicamente com seus vizinhos em uma assembléia pública conhecida como Thing. O Thing servia como um parlamento rudimentar para elaborar as leis e como corte para processar as infrações. Cada comunidade ou distrito tinha seu próprio Thing e cada um desses fazia parte de grupos sucessivamente maiores – primeiro por província, depois por região ou pequeno reino. Cada jurisdição maior possuía uma assembléia constituída por representantes dos Things locais. Essas assembléias, além de tratar da justiça e da defesa mútua, tinham o poder de aprovar a seleção de jarls ou reis.

Os vikings ricos exibiam sua condição através da qualidade superior de suas roupas, joias e armas. Este chefe, com cabelos e barba bem cortados, usa um fino manto de lã, preso ao ombro por um broche, que cobre uma bela túnica. À mão, mesmo neste momento de tranquilidade doméstica, estão os símbolos de atividade dos vikings: elmo, escudo de madeira circular, faca, espada com punho ornamental de prata — e bolsa para os objetos de valor. Sua dama, com broches, colares e braceletes, traz o chale jogado para trás, para exibir os braços. Pendurada em uma corrente traz a chave dos armários e baús.

    Em teoria, o sistema governamental orientado pelo Thing representava um avanço significativo em direção à democracia, mas na prática, os chefes locais exerciam um controle decisivo. Esses líderes foram amplamente responsáveis pela evolução das nações-estados rudimentares da Escandinávia. Muitos deles, com a aprovação dos Things locais, escolheriam um rei regional. O mais forte desses reis imporia então sua autoridade sobre seus camaradas monarcas. Assim, um líder capaz ou poderoso uniria várias regiões e imergiria como soberano de algo parecido com uma nação. O primeiro monarca viking a unir um país foi Harald Bela Cabeleira.
    Rei da província de Vestfold, no sudeste da Noruega, Harald iniciou sua ascensão durante a década de 870. De acordo com a lenda, ele jurou só cortar seus cabelos louros após submeter alguns chefetes que disputavam o direito de mandar. Enérgico e obstinado, Harald conseguiu ganhar o controle das províncias vizinhas graças a uma combinação de diplomacia astuta e guerra vigorosa. Por volta de 885, uma confederação de jarls e pequenos reis que não queriam se submeter a Harald foi derrotada numa batalha marítima, perto do fiorde Hafrs, na costa sudoeste. Só então Harald foi reconhecido como rei de toda a Noruega. Demoraria um século ou mais para que as nações irmãs da Noruega se unificassem: a Dinamarca, com Svein Barba de Garfo, em 985, e a Suécia, com Olaf Skautkonung, em 993.
    Ao longo desse período, o Thing legislava sobre a vida diária e política. As leis que decretava eram memorizadas e transmitidas oralmente (não existiu código legal escrito na Escandinávia até o século XII). Essas leis abrangiam tudo: do estabelecimento de limites entre propriedades e decisões sobre a legalidade de atrair as abelhas do vizinho, até o julgamento de infrações mais sérias, como roubo de ovelhas e assassinato. Mas os legisladores do Thing devotavam a maior parte de seu tempo ao controle da principal causa de perturbações da paz na sociedade escandinava: rixas de família. As desavenças entre os vikings quase sempre envolviam a família inteira. Insultar o membro de uma família era o mesmo que insultar todos os parentes; pequenas disputas tornavam-se, com freqüência, verdadeiras guerras, com mutilações, mortes e retaliações infindáveis. Se quisesse, uma família podia estancar a escalada da violência mediante pagamento de uma compensação para a família da vítima do primeiro dano. O dinheiro da reparação, ou bot, era então dividido entre os membros da família injuriada.
    Os adversários em uma rixa de família também podiam decidir levar a questão ao Thing. Ficariam então diante de um grupo de juízes composto por todos os membros da assembléia, ou talvez de um júri menor escolhido pelo Thing. O réu, além de apresentar testemunhas, podia sustentar sua posição submetendo-se a uma provação. Por exemplo: podia se dispor a segurar pedaços de ferro em brasa por alguns segundos. Sua queimadura era então enfaixada e examinada pelo júri quatro dias depois. Se achassem que a ferida estava limpa, declaravam-no inocente. Mas se estivesse inflamada, julgavam-no culpado e impunham a punição que, dependendo do crime, ia do pagamento de uma multa ao enforcamento ou decapitação.
    A pior penalidade, exceto a morte, era o banimento permanente – uma sentença que deixava o réu, nos termos de uma lei, “como morto”. Ele perdia todos os bens e todos os direitos legais. Qualquer um podia matá-lo sem risco de punição. Para o homem assim condenado, a única saída razoável era fugir de sua terra, ou esconder-se na floresta e viver como fora-da-lei. O sustento para essa sociedade violenta vinha da terra e mar. Os nórdicos eram, antes de mais nada, agricultores, mas dependiam de uma mistura variável de colheita, criação de animais, pesca e caça. A agricultura dominava no sul mais benigno. Arando o solo com o ard – uma simples ponta de metal -, ou com o mais eficiente arado, e colhendo com foices e gadanhas de madeira e ferro, plantavam cevada, aveia, centeio, ervilhas, lúpulo e repolho, além de linho para fazer tecidos. Criavam ovelhas, gado, cabras e porcos, para o consumo tanto de carne como da lã, do couro, dos ossos e dos chifres. O trabalho era duro por causa do clima. As colheitas podiam falhar. Quando o inverno se aproximava, os animais mais fracos tinham de ser abatidos e sua carne defumada ou curtida com sal, laboriosamente obtido pela fervura da água do mar.
    Contudo, a Escandinávia era rica em plantas e animais silvestres e todos os vikings aproveitavam para colher, caçar e pescar. Havia maçãs, elderberries, blackberries e blueberries, além de nozes e avelãs, alho e alho-poró. Os mares e lagos fervilhavam de peixes; baleias podiam ser levadas para baixios e mortas. Morsas e focas abundavam e havia aves marinhas e patos para apanhar. A caça também era farta: renas, veados, ursos e coelhos. Esses animais forneciam, além da carne, ossos e chifres com que se fabricavam utensílios domésticos, como cabos de facas e polias de rocas. Os caçadores bem sucedidos conseguiam mercadorias para negociar: peles de foca, urso e rena, para não mencionar tesouros como o marfim das morsas.
    Os primitivos nórdicos eram gente do campo, vivendo às vezes em pequenos vilarejos, mas com mais freqüência em propriedades isoladas e remotas. Quando ricas, essas propriedades podiam abrigar pequenas comunidades. O centro de uma fazenda era a casa comunal onde todos – senhores, senhoras, crianças, artesãos, trabalhadores e escravos – comiam e dormiam. Estruturas retangulares de até 30 metros de comprimento, essas casas eram feitas de madeira, pedra, taipa, ou mesmo cépede. As janelas, se houvesse, eram pequenas, fechadas com tampos de madeira no tempo frio e, às vezes, providas de vidraças de chifre polido. As únicas outras aberturas eram portas e buracos para fumaça nos tetos.
    A casa comunal poderia dividir-se em duas ou três peças – as menores usadas como depósito ou estábulo -, mas seu coração era o salão central. O chão dessa sala era de terra batida, às vezes forrado com um tapete de juncos; no centro havia um buraco comprido que servia de lareira e ao longo das paredes estavam os bancos de terra cobertos de madeira que serviam para sentar e dormir. O resto da mobília era simples. O centro de um dos bancos era o assento do proprietário, demarcado por colunas ornamentadas com entalhes e aparentemente móveis, pois levavam-nas em suas viagens de exploração. Na maioria das casas, junto a uma das paredes ficava o tear; das outras pendiam armas e ferramentas. Perto do fogo ficavam vasilhas de pedra-sabão, cerâmica e madeira para cozinhar e armazenar. As roupas eram guardadas em arcas de madeira, assim como, presume-se, os colchões de palha, cobertores de lã e capas de pele e couro que transformavam os bancos em camas.
    A vida na casa comunal era apinhada, atarefada e escura. As mulheres cozinhavam em uma das extremidades da lareira, fazendo pão de farinha de cevada sem fermento sobre uma pedra plana, além de mingaus, sopas e cozidos. A carne era assada em espetos de madeira ou ferro colocados sobre o fogo. (A palavra inglesa steak vem do nórdico antigo steikja, que significa “assar no espeto”.) A lareira estava sempre acesa e o salão ficava enfumaçado. Além do fogo, havia lâmpadas de óleo para iluminação. Do lado de fora encontravam-se outras construções; às vezes, havia casas de banho, antepassados da sauna. Havia abrigos, estábulos e celeiros e, se fosse próximo do mar, um lugar para guardar o barco durante o inverno.
    Os homens eram senhores de suas fazendas, mas o símbolo da autoridade competente e da ordem doméstica era a esposa, com as chaves penduradas na cintura. A posição legal de uma mulher não era forte. Permanecia sob os cuidados do pai ou guardião até que se arranjasse um casamento adequado para ela e, após o pagamento do dote, ficava aos cuidados do marido. Os poderes dele eram grandes: podia ter concubina, matar a esposa adúltera e o amante e mandar matar um bebê doente. Contudo, as mulheres, como os homens, podiam pedir divórcio, declarando diante de testemunhas o motivo – impotência, por exemplo. Também podiam possuir propriedade. As viúvas, em especial, ao herdar as terras do marido, podiam se tornar ricas e poderosas proprietárias. E eram as mulheres que dirigiam a casa e a vacaria, tanto com os maridos em casa como durante seus longos meses de ausência, quando partiam para o mar. Não era de admirar que os forasteiros comentassem o comportamento das mulheres nórdicas.
    Como os homens, as mulheres adoravam ornamentos: era um povo que gostava de exibição. Suas roupas – cujo tecido de linho ou lã era fabricado pelas donas de casa – adaptavam-se ao clima extremado: para os homens, camisas, ceroulas, calças e túnicas presas por cintos onde levavam facas e bolsas; para as mulheres, camisas de manga curta, meias com ligas, vestidos longos e xales. Uns e outros envergavam capas, luvas e chapéus de lã ou pele.
    As roupas eram o sustentáculo – para quem podia – de uma ornamentação espetacular. Os vestidos eram presos por pares de broches, assim como o xale. Homens e mulheres usavam anéis, braceletes e colares, e essas peças, sinais de riqueza e bons negócios ou pilhagens, eram amiúde de surpreendente esplendor. Eram feitas de ouro e prata, formando cadeias sinuosas ou delicadas filigranas que se entrelaçavam em complexas formas abstratas ou de animais. A gargantilha de um homem rico podia conter até dois quilos de ouro trançado puro. Cinturão, copo, arreios do cavalo, ventoinha do barco, tudo podia ser dourado e filigranado, pois a decoração não se limitava às jóias. E o brilho das jóias escandinavas não se limitava aos metais preciosos: vidros coloridos, âmbar, cristais e cornalina escarlate também faiscavam.
   No esplendor das jóias e na rudeza de suas casas de chão batido, na força de suas lealdades familiares e na selvageria de seus ataques aos vizinhos europeus, os pagãos nórdicos pareciam um povo de extremos. Com efeito, eles viviam numa terra de extremos, tanto na geografia como no clima. Havia regiões férteis do norte ao sul da Escandinávia, mas que estavam ao lado de vastidões hostis. A Dinamarca tinha pântanos, charnecas e longos trechos de areais nas costas. Suas inúmeras ilhas estavam sob o domínio de mares gélidos e freqüentemente tormentosos. A Suécia tinha muitos pântanos e florestas densas, assim como a Noruega. A região era fria. O sul da Suécia, por exemplo, ficava sob neve até sessenta dias por ano; mais ao norte, a neve podia perdurar por quatro meses. Os lagos congelavam de novembro a abril em algumas áreas. Partes do Báltico ficavam bloqueadas pelo gelo durante três meses por ano. Com o frio vinha a escuridão, especialmente nas regiões setentrionais, onde o sol mal aparecia durante os meses de inverno.

   As crenças dos nórdicos eram moldadas por esse ambiente severo. Sua religião era panteísta, variável em seus dogmas e práticas, refletindo o mundo conhecido. No início, achavam, havia um vazio de névoa e gelo. Disso surgiu um gigante primordial chamado Ymir e dele nasceu uma raça de gigantes de gelo, os deuses mais antigos. Quase todos esses gigantes foram mortos por seus descendentes. Os deuses mais jovens fizeram a terra do corpo de Ymir e colocaram-na no meio de um oceano. Em seu centro estava Midgard, fortificada por altas montanhas limítrofes (o nome significa “parede limítrofe”). Ali viviam os humanos. Nos desertos gelados ao norte das montanhas estava Utgard, onde ficavam presos os gigantes de gelo sobreviventes. Sob Midgard, no fundo da terra, estava Hel, guardado por uma deusa da escuridão de mesmo nome; para lá iam os homens que morriam de doença ou velhice. Acima da terra estava Asgard, lar dos deuses jovens, que viviam em palácios cobertos de prata. Em Asgard encontrava-se o Valhalla – a Mansão dos Mortos – o glorioso céu onde os guerreiros mortos banqueteavam-se e lutavam, esperando pela batalha final – o Ragnarok – na qual o mundo seria destruído por fogo e gelo.
   Entre os deuses do mundo dos vivos, o principal era Odin, deus da criação, das batalhas e dos mortos; tinha apenas um olho, pois dera o outro em pagamento pela sabedoria divina; os corvos eram seus observadores do mundo dos humanos. Entre seus companheiros – com freqüência à frente deles – estava Thor, deus do trovão, senhor dos ventos, das chuvas e das colheitas, cujo símbolo era o martelo. Frey era o deus da fecundidade e da fertilidade; era também deus da batalha e dirigia um carro puxado por um javali de cerdas de ouro – seu animal sagrado, sacrificado em festivais de solstício de inverno. Freya, sua irmã, era deusa do amor. Havia muitos outros deuses menores, guardiães dos elementos. Entre eles estava Ran, a deusa “cruel e insensível” do mar raivoso, que ansiava pelas almas dos afogados. Abaixo dos deuses estavam seres mágicos, tais como anões, que eram artesãos magistrais, e duendes, que viviam em colinas relvadas e florestas. E como em muitas outras sociedades pagãs, as coisas da natureza – montanhas, riachos, árvores – tinham seus próprios espíritos para guardá-las.
    Os outros espíritos que se acreditava viverem na terra eram fantasmas: os escandinavos tratavam a morte e os mortos com muita seriedade, talvez para ajudar os falecidos no caminho para o outro mundo, talvez para se protegerem dos espíritos, pois os fantasmas nórdicos eram maléficos e atormentavam os vivos. Os locais de sepultamento eram cuidadosamente preparados e mobiliados, podendo conter alimentos, cadeiras, camas e até carros, bem como jóias para confortar os mortos na vida do além. Às vezes, matava-se a viúva ou uma escrava para acompanhar o morto. E para levá-lo na viagem ao outro mundo ele recebia uma embarcação que poderia ser um pequeno bote ou um navio.
    As outras práticas religiosas variavam, mas as principais festas, presididas não por sacerdotes, mas pelos chefes, relacionavam-se com as estações. Realizadas nos solstícios de inverno e verão e no outono, após a colheita, destinavam-se a aumentar a segurança e a fertilidade. Fazia parte dessas cerimônias o sacrifício de animais e, eventualmente, de seres humanos. Os rituais podiam ser tão sangrentos que um cronista falou de bosques sagrados cobertos de cadáveres de cães, cavalos e homens. A consulta a oráculos, muitos marcados por sangue de animais, poderia fazer parte dos ritos. Seguia-se um desenfreado banquete. Para estabelecer uma comunhão entre os deuses e os humanos, os animais sacrificados eram comidos.
    Um traço importante desses festivais e da vida escandinava em geral era a ênfase na palavra falada ou cantada. Para os nórdicos, as palavras tinham poderes mágicos doados pelos deuses; a fonte da arte e da perícia era Odin. Durante as festas, os vikings reunidos em volta do fogo recitavam genealogias e contavam histórias de deuses e homens. Os poetas organizavam as palavras em versos complexos, com rígidos padrões de aliteração e rima interna.
   Se acaso os escandinavos registraram seus poemas e histórias por escrito durante os séculos IX e X, nada sobreviveu. Escreviam em runas, um alfabeto antigo, derivado em larga medida do latim e de outros alfabetos da Europa meridional. Durante a época viking, as runas consistiam de dezesseis letras fonéticas, cada qual servindo como uma unidade numa palavra e, ao mesmo tempo, como nome de um objeto ou conceito essencial para a vida escandinava. As runas estavam imbuídas de magia: eram outra dádiva do sábio Odin. A própria palavra deriva do nórdico antigo run, que significa “mistério”.
    As runas destinavam-se a inscrições em madeira ou pedra. Cada letra consistia de traços simples adequados a inscrições, mas difíceis e desajeitados para um texto corrente. Somente no século XI os escandinavos adotaram formas mais fáceis de escrever as lendas e histórias de seus ancestrais e deuses.
    Porém, mais do que qualquer outro fator – a terra, a religião pagã, o governo, as fazendas – o mar afetava profundamente a vida dos nórdicos. Desde tempos remotos, eles percorriam os fiordes, rios e lagos de sua terra natal para pescar e comerciar. Até mesmo os hostis 2 500 quilômetros da costa ocidental da Noruega levavam às viagens marítimas, graças aos grupos de pequenas ilhas – 150 mil, no total – que criavam um quebra-mar protetor contra o tormentoso Atlântico. No século VIII, avanços na construção naval transformaram os marujos costeiros em verdadeiros vikings. Naquele momento, os estaleiros acrescentaram mastros maiores e velas aos barcos, até então movidos a remo. Isso, por sua vez, levou ao desenvolvimento de uma quilha forte o suficiente para dar estabilidade. Esses avanços permitiram que os vikings fizessem longas viagens em mar aberto.
    Os escandinavos valorizavam seus barcos acima de qualquer outra posse. Neles executavam suas melhores obras de arte – carrancas impressionantes e remates ornamentados com requinte – e a propósito deles compunham sua poesia e prosa mais vivazes. “Ali se encontravam homens faiscantes de ouro e prata, quase comparáveis a seres vivos; acolá, touros com pescoço erguido e pernas estiradas apareciam saltando e bramindo como se estivessem vivos”, anotou um cronista. E observando o navio partir, escreveu: “A água azul, cortada por muitos remos, podia ser vista espumando de longe, e a luz do sol, refletida pelo brilho dos metais, espalhava uma dupla auréola no ar”.
    Não menor que a arte de construir navios era a habilidade dos vikings para traçar rotas no mar aberto, desenvolvida em séculos de intimidade com o oceano. Os marinheiros vikings sabiam ler os fenômenos náuticos, desde o vôo das aves e os movimentos de outros seres marinhos às características do próprio oceano, como cor, temperatura e correntes, para descobrir onde estavam. Sem bússola, recorriam a instrumentos rudimentares para observar o sol e Polaris, a Estrela do Norte.
A primeira grande investida da época viking foi apenas comercial. Os suecos cruzaram o Báltico durante o século VIII para estabelecer postos de troca no sul da Finlândia e nas atuais Letônia, Lituânia e Estônia. Viajar para comerciar não era nenhuma novidade para os escandinavos. Desde pelo menos 1 500 a.C., mercadores intrépidos enchiam seus pequenos barcos com mercadorias como o âmbar – resina fossilizada de pinheiros com valor de jóia, por sua cor dourada – e desciam os rios da Europa ocidental, indo até a Irlanda e a Britânia para negociar, em troca de ouro, cobre e estanho. Ao longo dos séculos, novas exportações se acrescentaram, em especial as riquezas fornecidas pelos grandes animais do norte: peles e couros para mantos e outros abrigos, marfim das presas da morsa para crucifixos e porta-jóias, tiras de pele de foca para cabos de navios.
    No início do século IX, atraídos por ouro e prata da Rússia, os suecos penetraram no lago Ladoga e depois nas rotas fluviais que desciam para o sul daquela vasta região. Em Novgorod, cerca de 160 quilômetros ao sul do lago, os intrusos transformaram um povoado eslávico em um importante posto comercial. Os eslavos referiam-se a eles como os rus, possivelmente uma corruptela de ruotsi – “suecos”, em finlandês – e talvez a origem do nome da Rússia.
    A partir desse ponto, os comerciantes vikings tomaram duas rotas principais. Uma descia o Dnieper até uma região onde estabeleceram uma importante cidade de comércio em outro povoado eslávico: Kiev. Dali, os vikings e seus descendentes rus remaram até o mar Negro, chegando a Constantinopla. Alguns pensavam em conquista. A partir de 860, os rus armaram por um século uma série de ataques malogrados à capital do Império Bizantino.
    A outra rota fluvial seguia para leste pelo Volga, atingindo a terra dos búlgaros. Perto da cidade de Bulgar, o Volga voltava-se para o sul, corria por uma região controlada pelos cazares e chegava ao Cáspio. Os vikings atravessaram o mar e percorreram 650 quilômetros em camelos até Bagdá, onde conseguiram especiarias da Índia e seda da China. Em geral recebiam prata em troca de suas mercadorias. Como os escandinavos só começaram a cunhar moedas por volta do ano de 975, esses primeiros mercadores tratavam as moedas de prata estrangeiras como metal em barra. Pesavam-nas nas pequenas balanças portáteis que quase todos os mercadores vikings levavam consigo e, para conseguir o peso exato, não hesitavam em partir as moedas pela metade.

Na mitologia nórdica, o sábio deus Odin ficou pendurado durante nove noites em uma árvore açoitada pelo vento para adquirir o conhecimento dos poderes místicos das runas, os caracteres do mais antigo alfabeto germânico. Os vikings consideravam que as runas eram mágicas e algumas de suas inscrições possuíam claramente um significado oculto; uma mensagem, gravada na parte inferior de uma lápide, instruía que as palavras jamais poderiam ser expostas à luz do dia. Outras inscrições eram mais mundanas. Esta pedra, em Skarby, na Suécia, é notável pela postura empinada de sua fantástica besta felina. Porém, como a tradução abaixo da pedra indica, as palavras rúnicas são simplesmente comemorativas: "Kaulfr e Autir ergueram esta pedra em memória de Tumi, seu irmão, que possuía Gusnava (uma aldeia)".

   Os vikings da rota do Volga acumularam uma vasta quantidade de moedas de prata dos empresários árabes, que desejavam sobretudo escravos, diligentemente fornecidos pelos nórdicos. Havia demanda por escravos em praticamente todos os lugares e pouca gente – nem mesmo seus compatriotas – estava a salvo das garras dos vikings. “Assim que alguém captura seu vizinho”, escreveu um cronista germânico, “vende-o impiedosamente como escravo, para um amigo ou para um estranho”. Muitos escravos eram simplesmente comprados ou capturados por atacantes vikings na Europa central e ocidental. Antes que se convertessem ao cristianismo, essas regiões forneciam um largo estoque – produto de venda de prisioneiros, devedores e criminosos. A Igreja tentou cortar o tráfico, não porque os bispos se opusessem à escravidão, mas porque não gostavam da idéia de ver cristãos se tornarem propriedade de muçulmanos infiéis. No norte da Rússia, os vikings encontraram um filão para os árabes entre as tribos eslavas. Caíram sobre os povoados eslavos e aprisionavam tanta gente para ser vendida que Slav (“eslavo”) deu origem mais tarde à palavra slave – “escravo”, em inglês.
    Muitos dos rus ficaram na Rússia e tiveram um papel importante da fundação de suas primeiras cidades-estados medievais. Seus hábitos escandinavos logo se fundiram com a cultura eslávica predominante. Outros vikings tornaram-se soldados mercenários do Império Bizantino, formando a famosa guarda de elite varegue de Constantinopla. E outros ainda continuaram a percorrer as rotas fluviais que os conduziriam ao Báltico, de volta para casa, com seus escravos, sedas e especiarias, e as bolsas cheias de prata.

    O comércio com o Oriente, bem como com as ilhas Britânicas e a Europa ocidental, estimulou o crescimento das primeiras cidades da Escandinávia, centros mercantis que se destacaram por volta de 800. Todas estavam perto de rotas comerciais importantes; defesas naturais ou construídas protegiam-nas dos vikings rivais.
   Considere-se, por exemplo, a cidade de Birka, principal porto de mercadorias que vinham do Volga. Birka situava-se na ilha de Björök (Ilha das Bétulas), no lago Malar, cerca de 29 quilômetros a oeste da atual Estocolmo que, por sua vez, ficava a 48 quilômetros do mar Báltico, separada por um labirinto de ilhas e recifes. A cidade, cobrindo uma área de aproximadamente 12 hectares, estava cercada por uma plataforma de terra semicircular encimada por uma paliçada. Ao sul de Birka erguia-se um afloramento de rocha de 30 metros de altura que controlava as entradas da cidade e servia de refúgio em momentos de perigo. Para proteger ainda mais os comerciantes estrangeiros – frísios, dinamarqueses, germanos, finlandeses e outros que apareciam durante os meses de verão – parece que os suecos mantinham uma guarnição e suspendiam a lei que eximia de penalidade a assassinato de estrangeiros.
    A maior e mais antiga cidade viking era o porto dinamarquês de Hedeby, onde se cruzavam várias rotas comerciais. Situada na estreita garganta da península da Jutlândia, Hedeby estava sobre o fiorde Schlei, a cerca de 40 quilômetros do Báltico e também tinha acesso ao mar do Norte. Uma jornada terrestre de menos de 16 quilômetros levava os viajantes a Hollingstedt, às margens do rio Treene, que desembocava no mar, para os mercadores evitarem a travessia pelas águas infestadas de piratas entre as penínsulas da Jutlândia e da Escandinávia. Além disso, Hedeby estava bem protegida. Uma muralha e um fosso semicircular abraçavam seus 24 hectares. Ao sul, o Danevirke – um sistema de 14 quilômetros de fossos e taludes de até 5 metros de altura – defendia a fronteira da Dinamarca dos invasores germânicos.
   Próspera e, para seu tempo, cosmopolita, Hedeby era rica em bens tanto fabricados quanto negociados. Os dinamarqueses faziam vidro, fundiam ferro, moldavam bronze e esculpiam pentes e cabos de faca de chifres de rena. Nos mercados abertos, os francos ofereciam vidro e os germânicos apregoavam mós de basalto e potes de cerâmica de duas asas, cheios de azeite ou vinho. Também pisavam suas ruas pavimentadas de madeira as mercadorias humanas capturadas em lugares tão distantes como a Rússia eslávica e a Irlanda céltica. Por volta de 950, um árabe da Espanha chamado Ibrahim ibn Ahmed at-Tartshi esteve em Hedeby para comprar escravos e achou a cidade repugnante. Animais sacrificados pendiam em decomposição de postes, as ruas eram imundas; o fedor era terrível e o barulho, ensurdecedor. “Jamais ouvi uma cantoria tão abominável como a da gente dessa cidade”, escreveu ele. “É um grunhido que vem da garganta, como o latido de um cão, só que mais selvagem”.
Centros comerciais como Hedeby ajudaram a impulsionar uma mudança profunda nas preferências religiosas dos escandinavos. Saxões e outros cristãos foram para o norte no século IX a fim de pregar aos mercadores forasteiros concentrados nas cidades e até construíram igrejas. A partir de então, o cristianismo enraizou-se e disseminou-se lentamente, embora nem sempre por seus próprios méritos. Os dinamarqueses converteram-se no final do século X – em larga medida porque seu rei Harald Dente Azul queria ficar do lado do novo imperador germânico, Oto I. E quando noruegueses e suecos seguiram o exemplo meio século depois, o ímpeto veio de reis que viam nessa religião bem organizada, com sua hierarquia de bispos, uma maneira de consolidar a autoridade central. Mesmo então, muitos vikings conservaram seu ardor belicoso e suas divindades pagãs. Um viking em geral sustentava acreditar em Cristo, mas ainda fazia promessas a Thor para garantir a segurança de suas viagens marítimas.

O cristianismo e o paganismo coexistiam no mundo viking e muitos conversos à nova religião continuavam a venerar as antigas divindades. O engenhoso artesão que inventou o molde de pedra-sabão da esquerda podia satisfazer o gosto de ambas as religiões, oferecendo aos clientes amuletos de prata com a cruz cristã e o famoso martelo Mjollnir do deus Thor — objetos semelhantes aos mostrados aqui. 

    O comércio viking teve outros efeitos. Por exemplo, criou um florescente mercado interno. Por Hedeby, Birka e outros centros mercantis as mercadorias passavam em carroças e carretas e, sobre os rios e lagos congelados no inverno, em trenós acompanhados por mercadores trotando sobre botas com ferrões ou deslizando sobre patins feitos de osso de cavalo ou de rena. E o comércio viking deu nova vida aos negócios em toda a Europa, estabelecendo rotas fluviais e marítimas que abriram novos mercados e reanimaram os antigos. Mas esse lucrativo comércio teve um efeito colateral indesejável: desde seu início, no Báltico, atraiu piratas. A maioria deles era também viking. Com efeito, comércio e pirataria freqüentemente se confundiam. Se a oportunidade se apresentasse, um mercador dificilmente deixava de se aproveitar da fartura de um outro navio. No final do século VIII, a atividade dos vikings espalhou-se do Báltico para o mar do Norte e os saqueadores noruegueses lançaram seus ataques relâmpagos sobre Lindisfarne e outros mosteiros da costa nordeste da Britânia – “como ferroadas de vespas”, nas palavras de um escriba inglês.
    Durante esse mesmo período, a costa salpicada de mosteiros da Irlanda também atraiu ataques. Esses mosteiros eram centros de grandes luzes intelectuais na antiga sociedade céltica de pequenos reinos em conflito, de há muito isolados das influências de fora. Mas agora, como um escriba local registrou nos Anais de Ulster, de 820: “O mar vomitou dilúvios de forasteiros sobre Erin, de tal forma que não houve porto, desembarcadouro, fortaleza, forte ou castelo que não submergisse às ondas de vikings e piratas”.
    A Irlanda tornou-se tão atraente para os noruegueses que, menos de duas décadas depois, eles pararam de voltar para casa após cada ataque. Ficaram para fundar fortalezas litorâneas em Dublin, Limerick, Cork e outros lugares. Para os irlandeses, essas cidadelas constituíam benefícios ambíguos. Dessas bases, os noruegueses faziam incursões para arrebanhar gado, escravos e bens das igrejas. Mas as cidades também se tornaram centros comerciais que abriram as regiões isoladas da ilha para o mundo exterior.
    Os noruegueses não poderiam manter a Irlanda para si por muito tempo. Em 851, uma frota de seus vizinhos vikings da Dinamarca chegou, buscando tirar proveito. A guerra que se seguiu foi tão feroz que, após uma batalha, um grupo de irlandeses encontrou os dinamarqueses vitoriosos descontraidamente cozinhando a janta em caldeirões colocados sobre pilhas de noruegueses mortos. Nos cem anos seguintes, irlandeses, noruegueses e dinamarqueses viveram em guerra, em um caleidoscópio turbulento de alianças cambiantes que viu os filhos de Erin parcialmente expulsar e depois gradualmente absorver os intrusos vikings.
    O envolvimento dos dinamarqueses na Irlanda foi apenas um detalhe. Eles começaram a pilhar o litoral da Inglaterra em 835 e logo estavam atacando ambos os lados do canal da Mancha. Depois de 840, o império dos francos, a Alemanha e os Países Baixos tornaram-se seus alvos favoritos. Naquele ano, a morte de Luís, filho de Carlos Magno, provocou a divisão do império em três reinos. A rivalidade entre os três filhos de Luís deixou os francos vulneráveis aos ataques externos pela primeira vez desde a fundação da dinastia carolíngia, em 751.
   Os vikings dinamarqueses percorriam a costa dos francos em flotilhas cada vez maiores. Destruíram o porto saxão de Hamburgo. Em não menos de seis ocasiões, saquearam Dorestad, a principal cidade mercantil do norte da Europa. Em 845, aventuraram-se por mais de 160 quilômetros pelo Sena acima e saquearam Paris no domingo de Páscoa, partindo só depois que o rei Carlos, o Calvo, lhes pagou, com mais de 3 mil quilos de prata. Esses pagamentos logo se tornaram rotina na França e na Inglaterra, onde eram conhecidos como danegeld, “dinheiro dinamarquês”. “Paga para te livrar da lança apontada ao teu peito”, dizia um ditado, “se não quiseres sentir a ponta dela”.
Por volta de 850, os atacantes vikings mudaram sua tática na Europa. Ser viking deixou de ser um emprego sazonal. Em vez de voltar para casa para cuidar de suas fazendas durante o inverno, os dinamarqueses estabeleceram bases semi-permanentes em ilhas situadas nas embocaduras dos grandes rios da Inglaterra e da França. As bases serviam de lar e de postos de suprimentos para ataques às comunidades do interior. “O número de barcos cresce, o fluxo interminável de vikings jamais deixa de aumentar”, escreveu o erudito franco Ermentário. “Por toda parte, o povo de Cristo é vítima de massacres, incêndios e saques. Os vikings devastam tudo que encontram pela frente e ninguém pode detê-los. Eles tomam Bourdeaux, Périgueux, Limoges, Angoulême, Toulouse. Angers, Tours, e Orléans tornam-se desertos”.

O amuleto sueco acima, feito por volta do ano 1000, que representa um guerreiro viking de bigode usando o elmo típico com protetor para o nariz, talvez servisse de proteção nas batalhas.

    Foi nessa época que os dinamarqueses – às vezes, em companhia de seus eventuais inimigos noruegueses – começaram a avançar pela Europa, em direção ao sul. Atingiram a costa atlântica da Espanha moura, embora nem sempre com êxito: sob o comando de Abdal-Rahman II, os mouros afundaram trinta barcos e mandaram as cabeças de duzentos vikings para seus aliados em Tânger, como mensagem de que os nórdicos não eram invulneráveis. Mas o revés foi pequeno. Na década seguinte, frotas vikings atravessaram o estreito de Gibraltar e saquearam cidades da costa norte da África.
    Em 860, chegaram à costa ocidental da Itália. Pilharam Pisa e, seguindo adiante, julgaram ter chegado a Roma. Decidido a saquear a cidade legendária, o comandante viking inventou um ardil bizarro. Mandou uma mensagem dizendo que ele, o chefe dos visitantes, acabara de morrer e precisava de um enterro cristão. O povo da cidade mordeu a isca – e se arrependeu. Tendo sido levado em um caixão para ser sepultado dentro da cidade, o comandante saltou do ataúde e atravessou o bispo com sua espada. Quando soube que ali não era Roma, mas um lugar chamado Luna, mandou incendiar a cidade e massacrar seus habitantes. Poupou a vida das mulheres, levadas para os mercados de escravos.

    A essa altura, no entanto, os vikings estavam abandonando os ataques relâmpagos. O movimento parece ter começado na Dinamarca, talvez devido a pressões da população, talvez porque simplesmente quisessem novas terras. Em 865, bandos de vikings começaram a desembarcar na costa oriental da Inglaterra, sob o comando de chefes fabulosos, como Ivar, o Sem Ossos. Ao contrário de seus predecessores, pretendiam conquistar e não apenas saquear. A Inglaterra que encontraram era uma colcha de retalhos de pequenos reinos em rixa, estabelecidos no século V, quando anglos da Dinamarca e jutos e saxões vindos do sul tinham conquistado boa parte da Britânia, derrotando os celtas nativos e os remanescentes da Britânia romana.
Agrupados em pequenos exércitos de algumas centenas de homens, os guerreiros dinamarqueses vestiam-se e lutavam ao estilo tipicamente viking. Entravam em batalha usando algum tipo de roupa protetora – uma camisa de malha de anéis de ferro entrelaçados se fossem ricos para isso, ou uma jaqueta de couro forrada com placas de osso por dentro. Em geral, levavam um pequeno escudo de madeira, talvez reforçado com couro orlado de ferro, e usavam eventualmente em elmo cônico de couro ou metal. (O lendário capacete viking com dois chifres era evidentemente usado em cerimônias religiosas e não em combate). Independente de como estivessem vestidos, registrou um cronista, os vikings pareciam “tão selvagens e grosseiros” que “evidenciavam quão sanguinários eram pela simples aparência”.
    Iniciava-se uma batalha entre os vikings e os anglo-saxões com uma chuva de mísseis: lanças, flechas, pedras. Depois vinha a parte da batalha preferida pelos vikings: o combate corpo a corpo. Atacavam os oponentes com lanças em riste, sem atirá-las, e com outras de suas armas favoritas: espadas e achas-d’armas. A espada de dois gumes tinha menos de um metro, mas era pesada. Tal como o machado, que ostentava uma lâmina de 30 centímetros e tinha de ser erguido com as duas mãos, a espada era manejada em movimentos cortantes. Os guerreiros lutavam até que um deles tombasse ou desistisse. Morrer com bravura trazia honra para o viking, pois a maioria acreditava que sua alma seria transportada para o Valhalla, a grande mansão do deus Odin.
    Um grupo extraordinário de guerreiros era particularmente devoto de Odin. Lutavam como possessos. Rolavam os olhos, mordiam os escudos, urravam como animais enraivecidos e, às vezes, entravam na batalha sem armadura de proteção – nem qualquer outra roupa. Eram os berserker, nome que podia derivar tanto da expressão do nórdico antigo para “pele de urso” – pois às vezes lutavam usando peles -, como da expressão da mesma língua para “pele nua”; significando que lutavam sem proteção. O frenesi dos berserker talvez fosse induzido por métodos de auto-hipnose, como gritos e saltos rítmicos, ou simplesmente pelo consumo exagerado de cerveja ou vinho. Seu nome originou a palavra inglesa berserk, que significa frenético, furiosos; assim eram vistos por suas vítimas.
    Frenéticos, ou apenas lutando com ferocidade viking, os invasores dinamarqueses descobriram uma meia dúzia de pequenos reinos da Inglaterra altamente vulneráveis e logo tomaram um deles, East Anglia, em 866. No ano seguinte, penetraram nos domínios da Nortúmbria e conquistaram York. Quando encontravam resistência, como aconteceu com os reis dessa região, sua resposta era selvagem. Em 867, por exemplo, capturaram o rei Ella e submeteram-no a uma crueldade brutal: o assim chamado sacrifício da águia de sangue, prática horrenda na qual abriam o peito da vítima e puxavam os pulmões para fora, deixando-os bater como asas nos suspiros finais do moribundo.
   Os reinos caíram um após o outro nas mãos dos impiedosos dinamarqueses. Em 880, já controlavam boa parte do norte e do leste da Inglaterra. Um único reino continuou com os anglo-saxões – Wessex, no sudoeste da ilha – e resistiu bravamente aos vikings. Seu rei Alfredo era o soberano mais ilustre da Europa desde Carlos Magno e o único governante inglês de todos os tempos a receber o epíteto de “o Grande”. Tal como o imperador dos francos, era um erudito que estimulava o conhecimento e um estudioso ardente das artes de governar e guerrear.
    O estadista em Alfredo levou-o a concluir um tratado de paz com o líder viking Guthrum, em 886. Esse tratado forneceu base legal para as conquistas vikings, reconhecendo a hegemonia dos dinamarqueses sobre mais da metade da Inglaterra: uma área de cerca de 65 mil quilômetros quadrados ficaria conhecida como Danelaw (“sobre lei dinamarquesa”). Mas o estrategista Alfredo induziu-o a se preparar para novas guerras. Reformou o exército para reduzir as deserções, adotando um sistema rotativo: enquanto uma metade dos soldados estava pronta para o combate, a outra estava em casa com a família. Ergueu uma série de fortificações e redutos onde seu povo poderia se refugiar durante as incursões dos vikings. E construiu uma marinha com navios “quase duas vezes maiores” que os dos vikings, de acordo com a Crônica Anglo-Saxônica.
    O talento militar de Alfredo foi decisivo quando a guerra voltou, em 892. Antecipando táticas modernas, destruiu todos os víveres e animais de uma região, deixando a terra arrasada para o inimigo. Forçou os dinamarqueses para fora do acampamento deles, 32 quilômetros ao norte de Londres, ao construir fortes junto ao rio Lea e bloquear a correnteza, deixando-os sem água. E, em 896, alcançou a rara distinção de ganhar uma batalha naval contra os vikings. Em 899, quando Alfredo morreu, o inimigo abandonara as tentativas de anexar Wessex e se fixara em Danelaw. Ali, dinamarqueses e anglo-saxões conviveram razoavelmente bem.
    Os povoadores dinamarqueses uniram-se por casamento aos anglo-saxões e influenciaram a vida inglesa. O conceito escandinavo de julgamento por um júri e por decisão da maioria entrou para a justiça anglo-saxônica. Nomes de novos lugares, como Whitby e Grimsby, refletem a adoção do sufixo by, que em nórdico antigo significava fazenda ou vilarejo. E a semelhança básica dessa língua com os dialetos locais resultou na adoção, pelos habitantes da Inglaterra, de milhares de palavras do nórdico antigo, com mudanças na pronúncia, na gramática e na sintaxe.

Nesta recriação de um funeral viking, o barco está pronto para transportar a alma de uma jovem nobre de Oseberg, Noruega, para o outro mundo. No convés, numa câmara mortuária de toras em forma de barraca, o corpo da mulher jaz sobre palha, ao lado da sua criada. Perto estão coisas essenciais para a viagem, inclusive um balde de maçãs. Espalhados pelo convés e ao lado do barco estão animais sacrificiais que servirão a morta no além – cães, cavalos e bois, alguns decapitados. Entre eles estão peças de equipamento, incluindo arcas para objetos pessoais, utensílios, trenós e uma carroça decorada. Remos a postos, proa apontando para o mar, o barco foi enterrado numa vala, coberto de pedras e lacrado com céspede.

    Após a morte de Alfredo, o controle de Danelaw oscilou entre vikings e ingleses por quase dois séculos. Em 954, o último dos reis dinamarqueses de York, Eric Machado de Sangue, foi deposto e a Nortúmbria passou a fazer parte do então unido reino da Inglaterra. No final daquele século, porém, renovaram-se os ataques dinamarqueses em frotas de quase cem barcos, apesar do pagamento do danegeld que, no espaço de duas décadas, chegou a mais de 45 mil quilos de prata. Então, em 1017, Canuto, o Grande, tomou os tronos da Inglaterra e da Dinamarca.
   Entrementes, na França, os vikings dinamarqueses também tentavam demarcar um domínio próprio. No final do século IX, começaram a cruzar o canal da Mancha para penetrar pelos rios e atacar cidades do interior da França. Mas a resistência em torno dessas cidades endureceu. Em Paris, por exemplo, os francos construíram pontes fortificadas sobre o Sena pra bloqueá-lo. Esses esforços mostraram-se eficazes: em 886, uma armada dinamarquesa desistiu do assalto a Paris, após um assédio de quase um ano. No entanto, ao concentrarem-se nessa região interior, os francos deixaram a embocadura do Sena à mercê dos vikings.
    Em 911, o rei Carlos, da região ocidental da França, chegou a uma solução inusitada para o problema: ele cederia a região da foz do Sena para os vikings – que já a controlavam – e, em troca disso e do título de conde de Rouen, o chefe deles, Rolo, juraria fidelidade a Carlos e concordaria em proteger o vale do Sena contra Vikings rivais. Os homens de Rolo logo ficaram conhecidos pelo nome de normandos – uma variedade de nórdicos – e seu ducado, no noroeste da França, que expandiram às custas dos novos vizinhos, ficou conhecido como Normandia.
    Rolo manteve a palavra empenhada com o rei Carlos e até concordou em abandonar a religião pagã e ser batizado no cristianismo. Seus vikings aculturaram-se mais rapidamente do que na Inglaterra. Tomaram mulheres locais por esposas e concubinas e seus filhos cresceram falando a língua dos francos. Desapareceram quase todos os traços de seus velhos hábitos da Escandinávia e de Danelaw. Mais tarde, no entanto, em 1066, em uma das viradas irônicas da história, seus descendentes voltariam à Inglaterra, sob o comando de Guilherme, o Conquistador, herdeiro em sexta geração de Rolo, e colocariam um ponto final na turbulenta era viking daquele reino.

    Enquanto os dinamarqueses se instalavam em regiões já habitadas da Inglaterra e da França, os noruegueses partiam para colonizar terras essencialmente virgens. Ainda nos dias de pilhagens do século IX, bandos deles estabeleceram-se em partes da Britânia para se dedicar à lavoura. Essas colônias enraizaram-se na Escócia e em suas ilhas – nas Órcadas, nas Hébridas e na ilha de Man. Os povoadores vikings aventuraram-se também para o norte, até as ilhas Shetland, e para o oeste, até as Faroe, distantes cerca de 680 quilômetros da Noruega.
     E as Faroe tornaram-se degraus para uma ilha maior, 450 quilômetros adiante no Atlântico Norte: a Islândia. Os vikings descobriram-na por acaso, por volta de 860, quando dois navios se desviaram do curso em viagens da Escandinávia para as Hébridas e as Faroe. Embora um dos marinheiros que desembarcaram tenha dito inexplicavelmente que gotejava manteiga em cada folha de grama, a ilha não parecia à primeira vista um local promissor para a colonização. Mas era tal a demanda de terras pelos nórdicos que, em uma década, iniciou-se o povoamento da Islândia a todo vapor. A maioria dos colonos veio do sudoeste da Noruega, buscando novas lavouras, ou fugindo da consolidação forçada dos pequenos reinos noruegueses pelo rei Harald Bela Cabeleira. Tiveram de suportar uma jornada de mais de mil quilômetros, via Shetlands e Faroe, muitas vezes enfrentando tempestades terríveis. Mas eram navegantes tão habilidosos que completavam a travessia em cinco ou seis dias. Outros emigrantes de origem norueguesa vieram da Irlanda e das ilhas em torno da Escócia.
     Esses pioneiros islandeses tiraram o máximo proveito da nova terra. A paisagem era áspera, mas o clima, aquecido por um braço da corrente do Golfo, mostrou-se suficientemente moderado para o cultivo de cereais. Uma pastagem boa para as ovelhas – embora sem uma gota de manteiga – crescia em vales férteis dos fiordes e nas charnecas altas. O tecido resistente de lã logo se tornou a principal exportação, além de ser tão valioso nessa região de pioneiros onde as mercadorias eram raras que, mesmo havendo muita prata, foi reconhecido como unidade monetária padrão. Na falta de madeira-de-lei, os colonos usavam madeira leve na estrutura das casas. Cercados por rochas vulcânicas inúteis para a construção, desenterravam a turfa e faziam paredes com bom isolamento, de até 2 metros de espessura.
     Por volta de 930, a Islândia tinha 20 mil habitantes e seu próprio e incomum sistema de governo e justiça. O último, tal como o povo, viera da Noruega, mas os islandeses adaptaram as leis às circunstâncias locais e, embora mantendo fortes laços comerciais com o país de origem, defenderam encarniçadamente sua independência. (As ilhas Shetland e Órcadas, ao contrário, continuaram a ser colônias da Coroa Norueguesa). A cada verão, os homens livres da Islândia reuniam-se durante uma quinzena numa assembléia nacional chamada de Althing que, como os Things da Escandinávia, cumpria a função de julgar e fazer as leis. O Althing era controlado por 36 proprietários de terra chamados godar – os divinos -, evidentemente porque exerciam algumas funções sacerdotais. Os homens livres juravam fidelidade aos chefes de seus distritos, rejeitando a idéias de um rei ou outra autoridade central. O sistema funcionava porque o isolamento da ilha dispensava a união sob um único líder para enfrentar alguma agressão externa.
    Os chefes elegiam o locutor das leis, pessoa que presidia as sessões do Althing e literalmente ditava as leis. Era seu dever memorizar todas as leis do país que, na ausência de um código legal escrito, tinham de ser transmitidas oralmente, e recitar um terço delas nas assembléias anuais. Essas leis iam de superstições arcaicas – por exemplo, fazer um verso elogiando uma moça era ofensa grave, pois parece que poesia tinha um efeito encantatório -, até uma legislação notavelmente progressista para a segurança mútua. Essas leis estabeleciam que as comunidades de pelo menos vinte fazendeiros reembolsassem os membros que perdiam animais por doença ou tinham suas casas e pertences destruídos por fogo.
   Com sua forma rudimentar de governo parlamentarista, a população da Islândia prosperou e cresceu. Na década de 980, um século após o início da colonização, os habitantes já eram mais de 60 mil, quase um quarto da população da Noruega. Todas as terras boas estavam ocupadas e islandeses ambiciosos, prontos para um novo começo, começaram a olhar para o ocidente através das brumas do Atlântico Norte – dessa vez para a Groenlândia. O catalisador dessa nova colonização nórdica foi um viking arquetípico chamado Eric, o Vermelho. Literalmente um fora-da-lei, com mais de 30 anos, Eric tinha cabelos vermelhos, barba vermelha e um passado confuso de envolvimento em rixas familiares mortais. Fora expulso da Noruega junto com seu pai por ter matado inimigos da família. Na Islândia, apareceu duas vezes em brigas mortais com vizinhos e, na segunda ocasião, em 982, o Thing local baniu-o da ilha por três anos.
     Eric fez bom uso desse tempo. Com um bando de aventureiros partiu em busca da grande ilha que um viking dissera ter visto meio século antes. Encontrou-a a cerca de 725 quilômetros a oeste da Islândia, navegou em torno dos paredões de gelo de sua costa oriental e demarcou um povoado nos fiordes cercados de pasto do sudoeste, a uma distância conveniente da capa de gelo. Ao final de seu banimento, Eric voltou à Islândia a fim de reunir colonos para aquele lugar gelado que, num momento de fantasia, batizara de “Terra Verde”. “Os homens serão mais facilmente persuadidos a ir para lá se o lugar tiver um nome atraente”, explicou ele.
    Eric foi persuasivo. No verão de 986, partiu para a Groenlândia à frente de 25 barcos, cada um com até quarenta homens, mulheres e crianças, junto com animais domésticos. Só catorze navios, com cerca de 450 pessoas, chegaram em segurança; os outros desistiram ou afundaram entre os blocos de gelo. Sob a liderança de Eric, os pioneiros trabalharam a terra, caçaram baleias e morsas, negociaram com a Noruega e estabeleceram um estado independente baseado nas leis da Islândia.
    A colonização da Groenlândia levou à última grande realização dos vikings: a chegada ao litoral da América quase cinco séculos antes de Cristovão Colombo. No verão de 986, quando Eric levou seu grupo de colonos para a Groenlândia, o jovem comandante Bjarni Herjolfsson voltou da Islândia para a Noruega com um carregamento para seu pai, mas descobriu que ele partira com a frota de Eric. Decidido a seguir o pai, Bjarni navegou para oeste, perdeu-se e chegou a uma terra de colinas baixas cobertas por florestas, mas sem geleiras. Diante da falta de gelo e de montanhas, Bjarni viu que errara o caminho. Navegou então de volta para o nordeste e encontrou a Groenlândia, sem pôr os pés no Novo Mundo que vislumbrara.
    Quinze anos depois, o filho de Eric desembarcou. Em 1001, confiando nas indicações e no navio de Bjarni, que comprara, Leif Ericsson seguiu a rota ao contrário, descendo na ilha de Baffin, no Labrador e na ponta setentrional da Terra Nova onde, numa região hoje L’Anse aux Meadows, ele e sua tripulação de 35 homens aparentemente construíram casas e passaram o inverno antes de retornar.
Leif chamou o lugar de Vinland, devido às vinhas que disse ter encontrado lá. Que houvesse uvas em lugar tão ao norte é impossível, mas abundavam frutas silvestres com groselhas e cranberries, que talvez fossem usadas para fazer vinho – ou quem sabe Leif estivesse dourando seu relato para atrair colonizadores. Em 1009, uma expedição de 250 homens e mulheres, comandada por Thorfinn Karlsefni, um islandês que casara com a viúva do irmão Leif, fundou uma colônia mais ao sul da Vinland. Após quase três anos, complicações com os nativos – esquimós ou índios algonquianos – forçaram-nos a retornar para a Groenlândia. Mas algumas casas, possivelmente construídas por Leif, ficaram em L’Anse aux Meadows. Se são realmente remanescentes dos vikings, constituem um testemunho de uma época em que os nórdicos – piratas e mercadores, exploradores e colonizadores, mas todos vikings – se espalharam por ambos os mundos, o velho e o novo, das margens do Volga às praias da América, como ninguém fizera antes e poucos fariam depois.






A INVESTIDA VIKING
é o primeiro capítulo do livro
A FÚRIA NÓRDICA, que retrata fatos e acontecimentos no período do ano 800 ao ano 1000 da nossa era.

Os demais capítulos são:
BIZÂNCIO RESSURGENTE,
OS PECULIARES JAPONESES e
CONSTRUTORES DE MONUMENTOS.

É parte integrante da coleção
HISTÓRIA EM REVISTA de
TIME-LIFE BOOKS.
Original edition, Copyright 1989 - Time-Life Books Inc.

Consultores:
RICHARD RINGLER, professor de Estudos Ingleses e Escandinavos, Departamento de Estudos Escandinavos, Universidade de Wiscosin, Madison, Wiscosin, USA.
LENA THAIN-BERGMAN, arqueólogo, Stastens Historiska Museum, Estolcomo, Suécia.
PATRICK F. WALLACE, conservador assistente, Divisão de Antigüidades Irlandesas, Museu Nacional da Irlanda, Dublin, Irlanda.

Publicado pela EDITORA CIDADE CULTURAL LTDA
Authorized Portuguese edition, Copyright 1990 - Editora Cidade Cultural Ltda.
Av. Brasil, 500 - Rio de Janeiro - RJ

Tradução e adaptação para a língua portuguesa: Pedro Paulo Poppovic Consultores Editoriais S/C Ltda - São Paulo
Tradução: PEDRO MAIA SOARES

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