sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O DESAFIO GLOBAL





     Certo dia, na década de 30, um motorista dirigia por uma estrada no interior dos Estados Unidos, através das Grandes Planícies. Ao ver um chapéu caído numa duna próxima, parou o carro. Embaixo do chapéu havia um homem – ou pelo menos a cabeça de um homem. “Acho que você está numa fria”, disse o viajante. “Vou dar-lhe uma carona até a cidade”. “Pode deixar, eu vou sozinho, obrigado”, replicou a cabeça, de seu monte de areia. “Estou montado em um cavalo”.

     O fato verdadeiro por trás dessa anedota foi a pior tragédia ecológica dos Estados Unidos; uma tragédia tão séria que o humor era a única maneira de lidar com ela. Uma de suas causas foi a agricultura excessiva. Durante a Primeira Guerra Mundial uma campanha insistia: “Plante mais trigo – o trigo há de ganhar a guerra”. Os agricultores das Grandes Planícies, no sul do país, haviam feito exatamente isso; e nos anos do pós-guerra continuaram a arar as frágeis pradarias de Kansas, Oklahoma e norte do Texas. Ora, no início de 1930 as chuvas pararam e a terra ficou estorricada. Sem nada para prendê-la, sua preciosa superfície foi levada pelo vento, impossibilitando o cultivo e provocando o êxodo de milhares de agricultores empobrecidos para a Califórnia.

     Difícil saber a quem cabia a responsabilidade pelo acontecido. Os agricultores queixavam-se dos políticos e estes do público americano, cujo apetite por pão barato, diziam eles, estimulava o tipo de agricultura capaz de transformar um oceano de relva num deserto estéril. Mas, num certo sentido, a responsabilidade era ainda mais disseminada, pois a tragédia do Dust Bowl (“Pote de Areia”), como a região ficou conhecida, foi apenas uma dentre muitas dolorosas lições que a humanidade do mundo inteiro estava sendo obrigada a aprender.

     As crises ambientais não eram um fenômeno novo. Havia séculos a erosão, a poluição e a extinção de espécies empanavam os feitos das civilizações. Durante o século XIX, porém, o impacto da humanidade sobre o planeta começou a assumir dimensões ameaçadoras. A industrialização, o desenvolvimento tecnológico e um enorme crescimento da população do mundo confrontaram as pessoas por toda parte com indícios desestimulantes de deterioração ambiental, desde águas totalmente sem vida e encostas áridas até o ar asfixiante das cidades cheias de fumaça. Houve protestos, mas era difícil argumentar contra os defensores do “progresso” e do “crescimento” que norteavam o pensamento político e econômico, e a civilização industrial entrou no século XX com um impulso descontrolado que parecia apontar para catástrofes cada vez mais graves. As margens de erro foram progressivamente reduzidas. Um mero acidente podia deixar todo um oceano negro de óleo ou encher o ar com uma nuvem mortífera de vapor venenoso. As armas nucleares eram capazes de causar destruição numa escala inconcebível. Um novo léxico de conceitos ecológicos altamente perturbadores entrou no vocabulário do homem comum: chuva ácida, buraco na camada de ozônio, desertificação, acidente nuclear, aquecimento global. E, com o fim do século, a capacidade da Terra de manter a vida humana em quaisquer circunstâncias – premissa de que as civilizações anteriores jamais haviam duvidado – era vista cada vez mais como uma perigosa ilusão.

     Em 1650, mais ou menos, teve início uma curva contínua e rápida de crescimento da população humana. A Terra abrigava cerca de 500 milhões de pessoas – número que, grosso modo, vinha duplicando a cada 1500 anos desde 8000 a.C. Nos dois séculos seguintes a população dobrou de novo, atingindo cerca de 1 bilhão em 1850. Quase todo esse crescimento estava centrado na Europa, cuja população subiu de 140 milhões, em 1750 para 266 milhões em 1850. Os habitantes da Grã-Bretanha e da Irlanda triplicaram no mesmo período, a despeito das vagas de emigrantes que partiam em busca dos espaços mais amplos da América.

Litografia de 1837 mostra a construção de um túnel da ferrovia Londres-Birmingham, inaugurada no ano seguinte. Diferentemente das rodovias, as ferrovias tinham de ser construídas tão planas e retas quanto possível: experiências realizadas em 1833 mostraram que um trem que subisse uma rampa suave de 1 em 300 necessitava duas vezes a força de tração necessária para transportar o mesmo peso sobre solo plano. Por essa razão as elevações do terreno eram aplainadas ou perfuradas por túneis e os vales eram aterrados ou atravessados por pontes. Cerca de 20 mil homens trabalharam durante cinco anos para construir a ferrovia Londres-Birmingham, tarefa comparável à construção das pirâmides do Egito.

     Esse aumento rápido foi detonado por melhorias na agricultura e por um sentimento crescente de livre iniciativa. As massas rurais da Europa, que já não estavam ligadas à terra na qualidade de camponeses, dirigiam-se maciçamente à cidade em busca de trabalho e riqueza. Muitos morreram na miséria, mas o brilho da abundância parecia-lhes sempre ao alcance da mão, intensificado por histórias de grandes conquistas nas Américas. De fato, em pouco tempo ficara óbvio que o Novo Mundo tinha muito a oferecer, não apenas ouro e prata – ou peles e bacalhau -, mas produtos agrícolas como batata e milho, que, por sua vez, contribuíram para o sustento de um número ainda maior de pessoas.

     À medida que a população da Europa se expandia, mais terra era preciso cultivar. A ameaça às florestas da Inglaterra foi particularmente intensa. Uma grande quantidade de madeira devia ser posta de lado para o consumo da marinha – e a madeira também era o principal combustível da indústria e do aquecimento doméstico. A única alternativa era o carvão – mineral orgânico rico em carbono -, e desse recurso natural a Inglaterra tinha grande fartura. Da Idade Média em diante a escalada da mineração crescera constantemente; no final do século XVII quase toda a indústria inglesa, da cervejaria à olaria, alimentava-se de carvão; só a fusão do ferro continuou dependente do carvão de lenha, obtido com a queima da madeira, e esse último bastião da indústria tradicional também ruiu quando em 1709, Abraham Darby inventou uma técnica para utilizar carvão mineral em suas fornalhas, no condado de Shrop. Embora mais um século devesse passar-se até que esses avanços adquirissem seu sentido pleno, a Revolução Industrial estava a caminho. Ela iria alterar para sempre a relação da humanidade com o mundo natural.

Em primeiro plano no óleo do artista alemão Caspar David Friedrich Paisagem de Montanha com Arco-íris, pintado aproximadamente em 1810, um espectador solitário contempla embevecido a majestade da natureza. Os artistas e escritores do movimento romântico deram uma expressão definitiva às novas atitudes em relação ao mundo natural que vinham evoluindo desde as viagens de exploração e as descobertas científicas de Copérnico, Galileu e Newton em séculos precedentes: agora as imensidões da natureza igualavam-se a Deus como objeto digno da adoração humana. Como se fossem folhetos turísticos sofisticados, quadros como este estimulavam as classes bem-favorecidas a excursionar aos Alpes, às Highlands da Escócia e ao Lake District inglês. Essas viagens eram facilitadas pela rede ferroviária européia, em expansão.

     A mineração e o transporte do carvão foram um teste para a engenhosidade dos inventores ingleses. Os poços rasos a céu aberto exauriram-se rapidamente e as minas profundas tendiam a ficar inundadas; era preciso inventar uma bomba eficaz. O motor a vapor foi criado com essa intenção, mas em pouco tempo encontrou outros usos. O carvão tinha de ser transportado a granel das minas para os centros industriais e o uso de cavalos para puxar os vagões e barcaças que subiam pelos canais era pouco econômico e ineficiente. “Na Grã-Bretanha há mais de um milhão de cavalos dedicados ao transporte de passageiros e mercadorias”, observou uma comissão especial da Câmara dos Comuns, 1833, “e o sustento de cada cavalo exige terra na quantidade necessária para sustentar oito homens”. A solução estava no trem movido a vapor, que começou a ser utilizado em 1825. Em meados do século XIX, a Grã-Bretanha era um emaranhado de trilhos de ferro.

     A revolução adquiriu impulso próprio, com uma invenção detonando outra como explosões num rastilho de pólvora. Na década de 1850 o engenheiro inglês Henry Bessemer inventou uma forma econômica de transformar ferro gusa em aço. Em 1859 os Estados Unidos haviam começado a explorar seus reservatórios subterrâneos de petróleo, o combustível que iria transformar mais uma vez o desenvolvimento do transporte e da indústria. As inovações das indústrias elétrica e química abriram outras tantas portas no último quarto de século.

Um casal de tordas-mergulheiras, aves incapazes de voar, em poses características nesta gravura colorida a mão de Aves da América, levantamento ilustrado publicado entre 1827 e 1838 em que o artista James Audubon pretendia registrar todas as espécies de aves que viviam na América do Norte. As tordas, que durante séculos haviam sido protegidas pelo isolamento de seu habitat ao longo do litoral de Terra Nova, passaram a ser mortas em número crescente depois da chegada das frotas pesqueiras européias no século XVI, que se abasteciam para a viagem de volta através do Atlântico com a carne e os ovos dessa ave. Pouco mais de uma década depois de Audubon desenhar estas e outras aves durante uma viagem a Labrador em 1833, a torda-mergulheira extinguiu-se.

     O dano causado ao mundo natural logo ficou aparente. Os detritos industriais e os esgotos não-tratados envenenaram rios e canais. As chaminés das fábricas cuspiam anidrido sulfuroso, produzido pela queima de carvão, o que provocava a queda das folhas das árvores das proximidades. Onde antes havia campo agora cresciam as cidades-acampamento dos exércitos de novos operários da indústria. Vilarejos que pouco haviam mudado durante séculos perderam-se de um dia para outro num labirinto de ruas estreitas e tijolo escuro de fuligem. Um pouco mais longe, vales eram inundados para servirem de reservatório para as novas urbes, enquanto a expansão da rede ferroviária desbravava novas regiões para o desenvolvimento.

     Embora a França estivesse logo atrás da Inglaterra em matéria de métodos de produção, o historiador Alexis de Tocqueville ficou chocado com a feiúra do coração industrial da Grã-Bretanha. “Trinta ou quarenta fábricas elevam-se no alto das colinas”, escreveu referindo-se a Manchester, em seu Viagem à Inglaterra e à Irlanda, de 1835. “As míseras casas dos pobres vicejam desordenadas entre as fábricas. Ao redor se estende a terra não-cultivada, mas sem o encanto da natureza rústica e ainda despojada das amenidades de uma cidade. As águas fétidas, lodosas, tingidas com mil cores pelas fábricas por onde passam, avançam devagar por esse asilo da pobreza”. Contudo, nem todos partilhavam tal desalento. Muitos consideravam a Revolução Industrial como um avanço importante da civilização. Havia algo nobre na energia que os homens haviam dominado e dirigiam para o próprio enriquecimento. “Examinai a infinita variedade de máquinas inventadas pelo homem”, escreveu um entusiasta inglês em 1831. “Observai como todos os complicados movimentos cooperam, lindamente concertados, para produzir o resultado desejado (...) Acreditamos firmemente na melhoria permanente e continuada da raça humana e consideramos que, em boa parte, tanto em relação ao corpo como à mente, ela resulta da invenção mecânica”.

Este dente de cachalote do oceano Pacífico foi entalhado com a imagem de uma baleia sendo arpoada, em meados do século XIX, quando a frota baleeira americana contava com mais de setecentas embarcações. Objetos como este eram produzidos pelos marinheiros durante seus longos períodos de inatividade, enquanto avançavam para as regiões onde viviam as baleias, ou esperavam que elas aparecessem. Diferentemente dos inuits do leste e do oeste da América do Norte, que aproveitavam todas as partes do corpo de uma baleia para obter ali-mento, combustível, vestuário e ferramentas, os caçadores americanos só estavam interessados no óleo, utilizado para a iluminação e o aquecimento antes da descoberta do petróleo, em 1859.

     Esse tipo de sentimento tinha adeptos no mundo todo. França, Alemanha e Estados Unidos adotaram prontamente as doutrinas da industrialização; Rússia e Japão fizeram-no um pouco depois. Ora, a Europa não tinha como suprir a voracidade de suas novas indústrias e alimentar sua população crescente apenas com recursos próprios, por isso as mercadorias vindas de fora tornaram-se esteios essenciais a sua economia: peles do Canadá, algodão da América do Sul e da Índia, carne da Argentina, lã da Austrália, couro, seda, juta, borracha... Em muitos casos essas mercadorias atendiam a uma necessidade autêntica. Por exemplo: a ovelha consome valiosa terra cultivável; isso provocou uma retração da tradicional indústria inglesa da lã. Conseqüentemente, em meados do século XIX os trabalhadores vestiam-se quase exclusivamente com roupas feitas de algodão importado. Com a elevação do padrão de vida, porém, as necessidades foram aumentando e as economias e riquezas naturais do mundo não-europeu foram sendo devastadas. Para agravar a situação, os capitalistas europeus estavam empenhados em abrir novos mercados no exterior – e a mesma ética que permitira a exploração do trabalho e da terra na Europa, estimulou-os a considerar o mundo não-desenvolvido como uma espécie de fábrica gigante com a utilidade única de produzir e fornecer recursos.

     Os comerciantes e empresários que viajavam para fora da Europa não estavam imunes às maravilhas das novas paragens. “A maior parte dessa região remota é coberta de florestas altas e luxuriantes”, contaram dois engenheiros britânicos que exploraram o sudoeste montanhoso da Índia, em 1817. “O cenário é verdadeiramente sublime”. Mas o lucro importava mais; no final do século boa parte das áreas montanhosas estava coberta de plantações de chá e café. Em Assam, na ponta oposta do subcontinente, 764 plantações exportavam cerca de 66 mil toneladas de chá anualmente em 1900; um exército quase escravo de 400 mil homens de casta inferior, garantia que as taças dos britânicos jamais ficassem sem chá.

A ferrovia que vemos, flanqueada por alguns dos 32 mil indianos importados para construí-la entre 1896 e 1901, foi assentada sobre cerca de mil quilômetros de terreno difícil entre Mombaça, no litoral do Quênia, e a margem nordeste do lago Vitória, em Uganda.

     A transformação da agricultura nas nações não-desenvolvidas nem sempre foi conseqüência da ocupação européia. Na África ocidental, por exemplo, os agricultores locais perceberam logo as vantagens comerciais de cultivar espécies com bom mercado na Europa. Uma linha ágil de navios a vapor, inaugurada na década de 1860, transportava a produção para o norte: amendoim, óleo de côco, cacau. E a prática de plantar espécies para serem vendidas para o mundo industrializado, em detrimento da alimentação básica interna do país, estendeu-se durante o período colonial e até depois da independência, às vezes com sérios danos para o meio ambiente. O silte das encostas desflorestadas ia entupir os rios de planície, provocando inundações regulares; ao mesmo tempo, a criação de gado impedia a reconstituição da cobertura florestal. Como disse Karl Marx, “todo avanço na agricultura capitalista é um avanço não só na arte de espoliar o trabalhador, como na arte de espoliar o solo”. Outros agentes além dos humanos tinham um efeito devastador. Um navio entrando em uma baía desconhecida, ou uma caravana de carroças sacolejando através da planície, conduzia um exército de seres vivos. O coelho, introduzido na Austrália em 1859, um século depois já somava cerca de 500 milhões. Porcos, cães, gatos, bodes e a adaptável abelha, todos floresceram nos novos mundos para onde foram transportados. E em cada viagem, o mais fiel dos animais domésticos – o rato – estava junto. As pragas e a pastagem excessiva introduzidas pelo gado europeu criaram problemas ambientais notórios nos países que começavam a ser explorados. As plantas nativas eram forçadas a recuar, muitas vezes até a extinção. Na ilha de Santa Helena, foram identificadas 33 plantas exclusivas em 1810; de lá para cá as cabras eliminaram dois terços delas. Os animais nativos também foram ameaçados. Os ratos e porcos comiam os ovos e ninhadas de aves que nidificam no chão. O dodô das ilhas Mauricio e Reunião, ficou extinto no final do século XVII. O notórnis, ave semelhante, incapaz de voar, da Nova Zelândia, não pôde disputar as pastagens com o veado europeu e por pouco não teve o mesmo fim. Na Austrália, uma expedição às regiões de Murray-Darling, a noroeste de Melbourne, encontrou 31 espécies de mamíferos em 1856 e 1857; hoje apenas nove delas sobrevivem.

Dois capatazes brancos descansam à beira de um caminho que atravessa uma plantação de bananas em Angola em 1890. Para aliviar a carga financeira da administração de suas colônias africanas no final do século XIX, as potências estrangeiras estimularam o plantio de lavouras para exportação e criaram uma rede de transportes para apressar o processo, submetendo a terra, desse modo, ao mesmo espírito capitalista que já deixara suas marcas na Europa.

     Uma revolução menos evidente, mas igualmente notável, acontecia na vegetação das terras colonizadas. Algumas plantas chegavam como imigrantes oficiais: mais de duzentas espécies foram introduzidas deliberadamente na Austrália, em 1803. Centenas de outras viajavam como clandestinas, suas sementes misturadas com outras ou presas à pele dos animais. Sua adaptação espetacular literalmente mudou o aspecto de boa parte do mundo. Apenas um quarto das plantas que crescem hoje nos pampas argentinos são espécies nativas. Dentre as principais ervas da América do Norte, mais da metade são originárias do Velho Mundo. Só nos trópicos as espécies nativas conseguiram sobreviver à agressividade das imigrantes.

     Os mais deletérios dentre os aliados dos colonizadores europeus eram seus próprios agentes patogênicos. No século XIX a varíola estava menos disseminada do que nos séculos precedentes, mas os invasores ainda mantinham um formidável arsenal de germes. “Em toda parte onde haviam passado os europeus, a morte parecia andar atrás do aborígene”, observou o naturalista inglês Charles Darwin, em 1839. Os maoris da Nova Zelândia, um povo guerreiro decidido e populoso, foram abatidos aos milhares pela tuberculose e pelo sarampo, enquanto as doenças venéreas trazidas do continente mantinham seus índices de natalidade artificialmente baixos. No final do século, sua população total estava reduzida a cerca de 42 mil pessoas – das quase 200 mil que ocupavam as ilhas quando o capitão Cook chegou, em 1769. Um provérbio melancólico circulava entre os maoris em meados do século XIX, resumindo o problema dos povos aborígenes sob o predomínio do homem nas regiões temperadas: “Tal como o rato do branco expulsou o rato nativo, a mosca européia expulsa a nossa e o trevo mata nossa samambaia, assim os maoris hão de morrer antes do branco”.


“Quero dizer uma palavra em defesa da natureza, em defesa da absoluta liberdade e do estado selvagem”, anunciou Henry David Thoreau a um grupo de pessoas em sua cidade natal, Concord, em Massachusetts, em 1851. Esse assunto o jovem entendia bem. Naturalista e conhecedor de florestas, quatro anos antes deixara seu refúgio solitário numa cabana de troncos às margens do lago Walden, onde vivia “sugando com propriedade a medula da vida”, como relatou. A missão auto-atribuída de Thoreau era convencer seus compatriotas americanos de que a natureza constituía uma fonte de inspiração, sem a qual a existência humana era superficial e vazia. “Nas regiões incultas está a preservação do mundo”, afirmou, no ápice inflamado de seu discurso.

Bodes e gado pastam ao longo da fronteira móvel entre deserto e relva em Níger, na África Ocidental.

     O tom de apaixonada urgência das palavras de Thoreau era adequado, pois em seu país as regiões incultas estavam sucumbindo ao progresso industrial e material em escala mais ampla do que em qualquer outro lugar. Alexis de Tocqueville, ao visitar os Estados Unidos em 1831, ficou impressionado com a brutalidade com que os americanos tratavam a natureza. “Eles são insensíveis às maravilhas do mundo inanimado”, queixou-se, “e pode-se dizer que não percebem as pujantes florestas que os cercam, enquanto não as derrubam a machadadas”. Na década de 1840 quase 800 mil hectares de sequóias, os seres mais altos que vivem na face da Terra, cresciam na Califórnia; quando sua derrubada sistemática foi finalmente interrompida, no século XX, 96 por cento das árvores adultas haviam desaparecido.

     Árvores serviam para serem derrubadas, animais terrestres e aves para serem abatidos a tiros – e os rifles que chacinavam javalis aos milhares nas grandes propriedades de caça do norte da Europa, tiveram um efeito ainda mais terrível na América. No início do século XIX a mais numerosa das aves americanas era o pombo-passageiro. Centenas de milhões deles escureciam os céus em bandos que às vezes levavam dois ou três dias para passar. Os primeiros desbravadores e colonos matavam-nos para comer, mas com os novos – e insaciáveis – mercados do litoral leste, o abate de pombos transformou-se em massacre. As aves eram apanhadas com redes, drogadas com milho embebido em álcool, asfixiadas com fumaça ou simplesmente dinamitadas. Seus corpos eram transportados para os mercados da Filadélfia ou Nova York. Em 1878 um caçador do Michigan gabou-se de caçar 3 milhões de aves por ano. Em uma década a população de pombos-passageiros decrescera dramaticamente. Os últimos exemplares da espécie morreram num zoológico de Cincinnatti, em 1914.

Vendedor de madeira dirige-se a um mercado no Senegal, onde a madeira é o único combustível utilizado por nove em cada dez famílias rurais. A pastagem excessiva e o desflorestamento, que podem tornar estéril a terra fértil, contribuem para a invasão pelo deserto das terras áridas, mas potencialmente férteis que cobrem mais de um terço da superfície seca do mundo.

     Nas Grandes Planícies ocorria algo parecido. Viviam de 30 a 40 milhões de bisões americanos – ou búfalos, como eram chamados popularmente – nas pradarias rasas do território ocidental da América do Norte, no início do século XIX. Mesmo equipados com rifles e usando cavalos, os índios que os caçavam não haviam provocado uma queda significativa em sua população – o que, aliás, não desejavam, pois seu estilo de vida dependia da sobrevivência do búfalo. Os brancos, porém, viram o búfalo como uma plantação de couro curtido a ser ceifada. O massacre começou acelerado na década de 1860 e chegou ao ápice entre 1870 e 1875, quando cerca de 2,5 milhões de búfalos foram mortos por ano. Suas peles eram enroladas e enviadas para os curtumes; seus ossos, despachados para leste, eram moídos e utilizados como adubo. No final do século restavam apenas quinhentos búfalos nos Estados Unidos.

    Contra esse nível de destruição, a fúria do brado de Thoreau pouco podia em si mesmo. Felizmente ele não estava sozinho. Na Europa, no início do século, muitos artistas e escritores, revoltados com a sordidez e a sujeira das cidades, haviam começado a olhar para o mundo natural também como fonte de sabedoria espiritual, além de reservatório material. Ficaram conhecidos como “românticos”, membros de um movimento cultural que iria provocar uma mudança significativa nas atitudes relativas à natureza não-dominada pelo homem. O poeta inglês William Wordsworth, nascido na região acidentada de Cumberland, extraía “sermões em pedra” de seu Lake District natal. Seu contemporâneo francês François de Chateaubriand, pretenso “andarilho solitário”, observou que “é na perspectiva dos cenários sublimes da natureza que o desconhecido se manifesta ao coração humano”. Esse amor romântico pela natureza cativou a imaginação dos cidadãos ricos da Europa. Ficou na moda viajar para os Alpes ou para a Highland escocesa a fim de tonificar as sensibilidades desgastadas pelas cenas brutais da sociedade industrial. Também se tomaram medidas práticas para acabar com as atrocidades mais óbvias. O filósofo inglês Jeremy Bentham deu voz a uma nova maneira de ver os animais: “Não se trata de saber se eles raciocinam, se falam, mas se sofrem”. A resposta oficial foi que pelo menos alguns deles sofrem. Na Inglaterra, o Parlamento aprovou um 1822 uma lei proibindo a crueldade para com os animais domésticos de maior porte (cães, gatos e pássaros não estavam incluídos); dois anos mais tarde criou-se a Sociedade Protetora dos Animais, a primeira organização desse tipo no mundo. A França formou uma sociedade semelhante em 1845, logo imitada por quase todos os países europeus.


     Enquanto isso, alguns membros das administrações coloniais européias nos trópicos e em outros lugares, começavam a advertir contra os efeitos do imperialismo desmedido na flora e na fauna locais. Esses efeitos eram mais aparentes em ilhas oceânicas isoladas, como Maurício e Santa Helena, que ofereciam condições quase laboratoriais para a verificação dos danos sobre as plantas e animais nativos provocados pelo desflorestamento e pela pastagem excessiva. Como resultado, tomaram-se medidas práticas para combater a erosão do solo e outras formas de danos nas ilhas Canárias, Maurício e outras ilhas.

     Na Índia, o serviço médico da Companhia Britânica das Índias Orientais, coligiu um relatório em 1852 sobre os “efeitos prováveis, do ponto de vista econômico e físico, da destruição das florestas tropicais”. Os autores realçavam a erosão maciça do solo e a obstrução, com silte, de portos no litoral de Malabar, afirmando que o desflorestamento em alta escala podia provocar um declínio dos índices pluviométricos e, finalmente, escassez. Nas décadas de 1830, 1860 e 1870 houve secas muito sérias, que pareceram confirmar esses vaticínios; diante delas estabeleceram-se programas para a proteção das florestas. Com isso ficou demonstrado que, quando as autoridades se convenciam que a degradação ambiental não respondia a seus interesses econômicos, temendo os fantasmas do fracasso agrícola e da inquietação social, seus ouvidos ficavam extraordinariamente atentos.

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             EM PROL DA NATUREZA


No século XIX o impacto do homem sobre o mundo natural foi bruscamente acelerado: as paisagens da natureza indomada e de planícies e vales que durante séculos só haviam sido marcados pelo arado do agricultor agora apresentavam cicatrizes cada vez mais fundas impostas pela industrialização. Para muitos, essa aceleração detonou uma preocupação tardia com o que se estava perdendo e uma luta em defesa do que restava. Alguns atribuíam à natureza não-colonizada um valor espiritual: a falta de espaços selvagens limitaria a alma humana. Para outros, o valor da natureza estava na madeira, no solo e nos minerais que serviam à civilização. A lição de que esses recursos eram finitos fora aprendida de cor e salteado por todas as sociedades urbanas desde os sumérios da Mesopotâmia em 3000 a.C.; e as iniciativas desastrosas do próprio homem também eram bem conhecidas. O desafio que uniu idealistas e materialistas era: como proteger o mundo de — e para — sua espécie dominante? O primeiro parque nacional do mundo foi criado na Califórnia em 1864; na década de 20 esses parques já existiam em todos os continentes. A preservação das florestas e pradarias nessas regiões mantém a produtividade do solo e o abastecimento de água para os reservatórios urbanos. Os parques também têm valor estético e recreativo e freqüentemente são boas fontes de renda com o turismo. Mas provavelmente seu beneficio mais importante é a proteção que oferecem a um número ainda desconhecido de plantas e animais, cujos ciclos vitais e cadeias alimentares são essenciais à existência de todas as formas de vida, inclusive a humana.
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     Na América, onde a voz da fria razão científica foi adicionada aos argumentos de Thoreau, governo e público em geral começaram a ficar atentos. Em 1864, George Perkins Marsh, primeiro embaixador americano no reino recém-unificado da Itália, publicou um livro intitulado Homem e Natureza, defendendo o ponto de vista de que a preservação da natureza em seu estado selvagem atendia a fins ao mesmo tempo “econômicos” e “poéticos”. As florestas não eram inúteis, ressaltou. Preservavam os recursos hidráulicos e impediam a erosão do solo. Acima de tudo, advertiu contra ataques não-esclarecidos ao meio ambiente: “É impossível saber a amplitude da perturbação que produzimos nas harmonias da natureza, quando lançamos a menor das pedras ao oceano da vida orgânica”.

  As teorias de especialistas em outros campos também forneceram munição para os preservacionistas. As mais humilhantes foram as desenvolvidas por Charles Darwin em 1859, em seu livro A Origem das Espécies, que acabaram com a idéia de que o homem ocupa uma lugar único e privilegiado no mundo. Darwin argumentava convincentemente que a raça humana, como todos seus poderes inventivos, não está tão distante dos grandes macacos. O biólogo alemão Ernst Haeckel levou as idéias de Darwin um pouco mais longe. Em 1869 ele cunhou a palavra oecologia (o o foi eliminado no século XX) para descrever a relação íntima entre todas as coisas vivas. Haeckel sugeria que os seres humanos não são apenas primos dos macacos, mas parceiros de pulgas, algas e ratos. De certa forma, esse conceito era uma revisão moderna da noção medieval de grande cadeia do ser, que também afirmava a existência de elos entre os homens e todas as outras espécies que vivem na Terra.

Os elefantes do Parque Nacional Tsavo, no Quênia, são alvo das câmeras dos turistas e não das armas dos caçadores.

     Outro dogma do conhecimento tradicional recebeu confirmação científica na época. “Para que o solo permaneça fértil, o que lhe foi retirado deve ser totalmente reposto”, afirmou o químico alemão Justus von Liebig na década de 1840. Essa teoria era de uma obviedade gritante para as inúmeras gerações anteriores de agricultores; Liebig provava o fato cientificamente ao analisar a composição química das plantas e descobrir quais substâncias eram removidas do solo em uma colheita. Fósforo, potássio, cálcio, magnésio e nitrogênio, descobriu ele, eram os elementos que mais depressa se perdiam quando as plantas eram colhidas sem reposição. Liebig defendia o uso de esterco humano com forma de revitalizar o solo (e, de passagem, solucionando o problema do manejo dos dejetos na cidade industrial), prática adotada durante séculos na China e em outras regiões da Ásia. Como a sugestão não foi adotada, ele desenvolveu nutrientes minerais que permitiam o uso do mesmo terreno durante anos e anos, sem interrupção. A indústria do adubo químico, que Liebig e outros ajudaram a inspirar, seria o esteio da agricultura do século XX.

     Mesmo os que mediam o valor da terra pelo que podiam extrair dela começaram a entender que era preciso dar para receber e que convinha proteger os preciosos recursos naturais. Em 1864 o governo dos Estados Unidos decidiu que o espetacular vale Yosemite pertencia ao estado da Califórnia e deveria ser um parque público. Oito anos mais tarde, refletindo a mudança de atitude do país, quase 800 mil hectares do noroeste de Wyoming tornaram-se o Yellowstone National Park. Pela primeira vez um governo reconhecia a necessidade de proteger em ampla escala o ambiente natural. Era uma vitória dos preservacionistas, embora limitada. Só em 1894 a caça foi finalmente proibida no parque, quando apenas duzentos búfalos continuavam vivos.

    Essa última providência resultou do apoio decidido de esportistas e caçadores de animais de grande porte da América aos preservacionistas. A aliança não era assim tão esdrúxula: os caçadores freqüentemente eram naturalistas argutos informados – e vice-versa. Durante a década de 1870 os caçadores amadores passaram a ser perturbados de forma crescente pelas atividades dos profissionais, movidos por interesses unicamente comerciais. Estes dirigiam os veados para a água com a ajuda de cães para depois atacá-los a marretadas de dentro de seus botes; atraíam e aprisionavam perus silvestres e os matavam aos milhões para extrair sua plumagem. O búfalo das Grandes Planícies, símbolo vigoroso do desbravamento, estava à beira da extinção. Os esportistas, cujo representante mais eloqüente era o futuro presidente Theodore Roosevelt, sentiram-se ultrajados. O Boone and Crockett Club, que Roosevelt ajudou a fundar em 1888, jurou “trabalhar pela preservação da caça de porte deste país” e “promover o esporte viril com o rifle”. Em seus dois mandatos, de 1901 a 1909, Roosevelt presidiu a criação de cinco parques nacionais, um serviço florestal profissional e cerca de 40 milhões de hectares de reservas florestais.

Cascos enferrujados de barcos pesqueiros jazem nas areias salgadas que antes eram cobertas pelo Mar de Aral, na Ásia Central. A destruição da indústria pesqueira local foi um dos resultados do erro de avaliação do impacto ambiental da utilização da água de dois rios importantes que vão dar no Aral, o Amu Darya e o Sir Darya, na irrigação de terra para o cultivo do algodão. Entre 1960 e 1989 a área da superfície do mar diminuiu mais de 40 por cento (mapa no destaque). As temperaturas de verão atingiram cerca de 46 graus Celsius, o céu ficou turvo de poeira e os pesticidas químicos e desfolhantes utilizados nos campos de algodão contaminaram a água potável.

    Como era previsível, o valor material dessas terras era o principal argumento em prol de sua proteção. Quase todos os preservacionistas tinham pouca simpatia pelas preocupações espirituais de Thoreau ou dos poetas românticos. Uma floresta devia ser preservada não porque fosse bela, mas porque contribuía para a retenção de água no solo e, com um manejo adequado, servia como fonte constante de madeira. A atitude do principal funcionário florestal de Roosevelt, Gifford Pinchot, era estritamente objetiva: “O princípio fundamental de toda política de conservação é o do uso”, argumentava; “fomentar a utilização de cada pedaço do território e de seus recursos naturais, atendendo ao maior número possível de pessoas”. E foi essa filosofia, mais que a dos idealistas, a adotada pelos políticos das décadas subseqüentes. As palavras de Pinchot seriam repetidas nos termos utilizados pelas Nações Unidas, em 1969, para definir conservação como o “uso racional do meio ambiente para obter o mais alto padrão de vida para a humanidade”.

    Pelo menos durante a primeira metade do século XX, os líderes dos países desenvolvidos do mundo estavam basicamente preocupados com a preparação da guerra ou a recuperação dela, e as questões relativas a meio ambiente ocupavam uma posição muito secundária em sua escala de prioridades. Foram feitos gestos isolados, como a criação, por Alberto I, rei da Bélgica, do Albert National Park no Congo (atual Zaire), em 1925, oferecendo proteção ao gorila. No ano seguinte o governo da África do Sul, atento aos lucros que o turismo poderia proporcionar ao país, destinou cerca de 20 mil quilômetros quadrados ao Kruger National Park. Mas uma promissora conferência internacional para a proteção da natureza reunida na Suíça em 1913 foi desmantelada pelo início da Primeira Guerra. Destino semelhante sofreram diversas tentativas de cooperação internacional da década de 30, esmagadas pela mais destruidora das guerras por que o mundo já passara.

    Enquanto isso a população da Terra continuava a crescer e as áreas selvagens a diminuir. Aperfeiçoamentos na área sanitária e na medicina no mundo desenvolvido resultaram num declínio significativo no número de mortes por doenças, especialmente entre as crianças; de 1850 a 1930, o número de habitantes do planeta passou de 1 bilhão para 2 bilhões. Em 1976, quando os avanços científicos já haviam atingido os países da Ásia e da África, a população voltou a dobrar. Para alimentar essas bocas suplementares, calcula-se que 432 milhões de hectares foram convertidos em terra arável entre 1860 e 1920; outros 419 milhões de hectares acrescentaram-se nos sessenta anos seguintes. O resultado geral inevitável foi o esgotamento cada vez mais rápido dos recursos naturais do mundo. A aplicação da tecnologia industrial à agricultura aumentou a produção e libertou muitos agricultores de um trabalho braçal extenuante. Depois da introdução do pequeno trator movido a gasolina, na década de 20, por exemplo, o número de horas trabalhadas por um agricultor moderno em determinada área de plantio de trigo reduziu-se a um sexto do tempo necessário a seu bisavô. Mas a intensidade crescente com que a terra era cultivada podia ter resultados inesperados, sobretudo quando o solo era usado para o cultivo contínuo de um só tipo de lavoura. Os campos dourados de trigo maduro podem sugerir abundância a seres humanos famintos, mas na realidade são um deserto ecológico: raras outras espécies sobrevivem em um meio destinado à monocultura. Mesmo a irrigação, destinada a levar vida a regiões áridas, muitas vezes tem o efeito oposto. Caso não haja um sistema adequado de drenagem, a terra pode encharcar-se e tornar-se improdutiva. O sal se acumula rapidamente em regiões irrigadas, devido à evaporação ou à dissolução dos sais sólidos presentes na terra. Por causa da saturação ou da salinidade, a terá irrigada costuma ser abandonada tão depressa quanto é transformada em terra produtiva.

Em abril de 1985, refugiados etíopes famintos da província de Tigre — onde três anos sem chuvas deixaram a terra seca e rachada — vão em busca de comida e atendimento médico no Sudão. Na Etiópia, como em outros lugares, a fome não era tanto uma crise de escassez de alimentos e inanição maciça como uma crise de má administração política. Enquanto os governos de algumas das nações mais pobres do mundo, como Botswana e Costa Rica, conseguiam oferecer alimento suficiente a suas populações, outros exploravam deliberadamente sistemas desiguais de distribuição: no final da década de 80 o regime etíope bombardeou 25 mil toneladas de alimentos doados para impedir que fossem comidos por civis não submetidos ao controle governamental. A maioria das mortes por fome resultou da disseminação de enfermidades que se seguiram ao colapso social e à migração em massa, que na Etiópia incluiu o reassentamento forçado de pessoas vindas de regiões atingidas pela seca.

     A resposta do meio ambiente à exploração desmedida foi particularmente terrível na região das Grandes Planícies, nos Estados Unidos. Originalmente, as planícies áridas do oeste de Kansas, Oklahoma e norte do Texas eram cobertas por um complexo tapete de vida vegetal. Em uma área chegavam a crescer 75 espécies de gramíneas curtas. Mesmo a pastagem excessiva no final do século XIX não destruiu essa bem-adaptada comunidade vegetal, mas os pretensos desbravadores do início do século XX já eram outra coisa. Havia bastante a lucrar com a demanda nacional de trigo, e enquanto os preços se mantiveram altos os agricultores das Grandes Planícies ampliaram a área cultivada. Em 1925 havia cerca de 800 mil hectares sob cultivo no sudoeste do Kansas; nos cinco anos seguintes outro tanto foi submetido ao arado. E aí foi o desastre. De 1931 a 1936, o índice pluviométrico anual caiu de aproximadamente 48 centímetros para menos de 30. Perdeu-se a colheita nos cinco estados afetados. Em 1937 mais de 100 mil hectares foram semeados com trigo em Cimarron County, Oklahoma; não se colheu um único. Castigado por ventos de primavera, o solo nu e ressecado voou. Caiu neve marrom em New Hampshire; no mar, os navios ficavam cheios de pó.

     O governo reagiu como pôde. Especialistas em conservação do solo foram para o Dust Bowl para ajudar os agricultores que não haviam fugido para oeste. Era possível conter a erosão com a construção de terraços nas encostas, disseram os especialistas, ou arando ao longo de curvas de nível e não em linha reta. As árvores deveriam ser plantadas formando quebra-ventos; certas áreas deveriam continuar cobertas de grama. Durante algum tempo, pelo menos, os agricultores punidos prestaram atenção ao que diziam os especialistas, mas quando as chuvas voltaram e outra guerra eclodiu na década de 40, o desejo de lucrar sobrepujou tudo mais. “O que estamos fazendo hoje nas Grandes Planícies é nada menos que assassinato do solo e suicídio financeiro”, admitiu o secretário da agricultura dos Estados Unidos, em 1947 – mas o assassinato prosseguiu. E quando as chuvas não vieram, a situação de seca voltou, em meados das décadas de 50 e de 70.

Cientistas examinam linhagens híbridas de arroz no Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz, nas Filipinas, criado com subvenções de fundações norte-americanas em 1962. O primeiro grande sucesso do instituto foi uma variedade híbrida de arroz com o triplo da produtividade da planta comum, que em 1968 era cultivada em oitenta países.

     Cada vez mais, agricultores e conservacionistas passaram a recorrer à ciência, tanto para amenizar os danos ecológicos, como para aumentar a produção de alimentos. No início, parecia possível atender essas demandas aparentemente inconciliáveis. A produção agrícola – dos países desenvolvidos e das nações pobres do Terceiro Mundo – teve um aumento fantástico graças a novas linhagens de vegetais destinados à alimentação, nutridos com fertilizantes químicos e protegidos de predadores e ervas daninhas por uma terrível bateria de pesticidas. A energia nuclear, adaptada a objetivos comerciais, depois de seu desenvolvimento para uso militar durante a Segunda Guerra, acenava com uma alternativa não-poluidora aos combustíveis fósseis. O mundo todo começava a ver com naturalidade os frutos desses avanços quando se evidenciou a escala desastrosa de seus efeitos secundários.

     Os pesticidas provocaram o primeiro grito de alerta. “Brutal como o porrete do homem das cavernas, o arsenal químico foi arremessado contra o tecido da vida”, escreveu a bióloga americana Rachel Carson em Primavera Silenciosa, em 1962, uma crítica apaixonada da indústria de pesticidas, onde evocava a imagem de um mundo sem o canto das aves. Com efeito, as aves estavam morrendo, vítimas de organoclorados como o DDT, que se deposita no organismo todo. No alto da cadeia alimentar, muitas aves continham a mais alta concentração de pesticidas: sua dieta de aves menores, mamíferos ou peixes já estava impregnada de um coquetel químico mortífero. Na década de 60 constatou-se que os peixes do lago Michigan continham 3 a 8 partes por milhão (ppm) de DDT; as gaivotas falcoeiras, que comiam os peixes, apresentavam um total de 3177 ppm. As aves de rapina punham ovos com cascas tão finas que rompiam no ninho. Enquanto os predadores naturais morriam, muitas pragas agrícolas desenvolviam uma resistência aos venenos dirigidos contra elas, obrigando os cientistas a elaborar novas armas químicas.Uma variedade de mosquito surgida no final da década de 80 era imune a quatro dos mais terríveis pesticidas inventados pela ciência: DDT, aldrina, dieldrina e Malathion.

Mudas desenvolvidas pela cultura de tecido — isto é, a multiplicação de células isoladas de plantas vivas — são postas em suspensão, em tubos de ensaio, num meio de crescimento estéril que comem hormônios para sua regeneração. Utilizando as partes de uma planta contaminada com alguma doença, a cultura de tecido pode produzir linhagens sem vírus. Esse é, também, um estágio preparatório na engenharia genética das plantas, em que se pratica a introdução de genes em células isoladas.

     Muitos países começaram a proibir esses venenos, mas outras formas de poluição ambiental mostraram-se mais difíceis de extirpar pela legislação. Por exemplo, como fugir dos fertilizantes químicos? A adição de nutrientes solúveis em água ao solo aumenta a safra, mas, infelizmente, a planta não absorve plenamente esses aditivos químicos. O excesso de fosfatos e nitratos é levado pelas águas para os rios, lagos ou para o lençol freático. E a água enriquecida com tais nutrientes torna-se extremamente atraente para a vida vegetal, especialmente as algas azuis, que se multiplicam, em detrimento de outras formas de vida aquática. Uma massa densa de algas esgota rapidamente o oxigênio, inviabilizando a competição de peixes e outras plantas. Esta e outras formas de poluição provocaram um marcado declínio da pesca comercial nos rios da Europa. Sobre a terra os fertilizantes químicos podem ter, a longo prazo, um efeito muito mais grave. Os lagos são surpreendentemente resistentes à poluição por agentes químicos e podem recuperar seu equilíbrio natural, se tiverem tempo suficiente. O solo, não. Mistura complexa de minerais, matéria vegetal e microorganismos, o solo é fixado graças às raízes das plantas, que ao mesmo tempo o alimentam e se alimentam dele. O esterco e os compostos vegetais fertilizam o solo e seus componentes minerais tornam-se mais coesos. Os fertilizantes químicos garantem o crescimento da lavoura, mas não oferecem corpo nutritivo algum. Privada de sua cobertura vegetal e do húmus, a superfície do solo, ressecada, começa a ser levada pelo vento ou pela água. Em 1977 divulgou-se que os agricultores americanos estavam perdendo cerca de 2,5 centímetros de solo superficial a cada dezesseis anos – volume que só ,poderia ser reposto naturalmente em trezentos a mil anos. Conseqüentemente, um terço do solo cultivável dos Estados Unidos estaria perdendo sua produtividade.
     Os dilemas colocados pelo uso da ciência e da tecnologia para aumentar a produção de alimentos não eram apenas econômicos – em termos de equilibrar ganhos a curto prazo com perdas a longo prazo -, mas também morais. Estes eram particularmente evidentes no caso dos animais, cujo tratamento foi tornando cada vez mais atual a lei do progresso apontada pelo poeta irlandês do século XVIII Oliver Goldsmith: “Em todos os países, enquanto o homem se civiliza e melhora, os animais inferiores são oprimidos e rebaixados”. Durante séculos aqueles que consideravam a carne indispensável à dieta humana pouco se preocupavam com questões éticas. Os advogados do vegetarianismo argumentavam que, nas palavras de um escritor inglês do século XVII, era “ilegal matar toda criatura que tivesse vida, pois esta vinha de Deus” – mas tinham atraído poucos adeptos. Com a introdução de métodos intensivos de produção no final do século XX, porém, a degradação imposta aos animais atingiu níveis que tornavam difícil evitar as questões morais.

     A criação de animais para consumo nos países ocidentais transformou frangos, porcos, e – numa escala menor – gado, em objetos utilitários. Em quase todas as fazendas intensivas, os porquinhos são afastados das mães poucas horas depois de nascer. Sem anestesia, seus dentes incisivos são cortados, suas caudas, amputadas e os machos, castrados. Colocados em jaulas com chão de cimento ou metal, são mantidos na escuridão, a uma temperatura constantemente úmida – para induzir a letargia e para que o alimento ingerido não os mantenha aquecidos. Injetam-lhes antibióticos e adicionam a sua comida agentes que promovem o crescimento. Entre seis e oito meses de idade, são abatidos. Esse tratamento pode ser justificado racionalmente do ponto de vista econômico: resulta num máximo de carne com um mínimo de custo.. Mas nem a razão, nem a economia podem explicar porque outras espécies animais são tratadas de modo inteiramente diferente. Nos países da Comunidade Européia, no início da década de 80, as pessoas dedicavam seu afeto a cerca de 91 milhões de cachorros, gatos e outros animais de estimação. Nos Estados Unidos as famílias estavam gastando 75 bilhões de dólares por ano com alimento e cuidados veterinários para cerca de 475 milhões de animais domésticos.

Pés de alface cultivados sem solo, numa estufa comercial, através de uma técnica conhecida como hidropônica. As raízes da planta ficam mergulhadas seja numa solução de água com os minerais necessários ao crescimento, seja em cascalho ou areia contendo uma solução nutriente. Esse método de cultivo é adequado a regiões com clima favorável, mas com carência de solo fértil; os custos da instalação, porém, são elevados.

     No nível pessoal, talvez seja possível resolver essas incongruências nas atitudes culturais relativas à natureza – por exemplo, adotando uma dieta vegetariana ou abastecendo-se exclusivamente junto aos raros agricultores que retomaram as técnicas tradicionais de cultivo e criação. No nível global, as opções são bem mais complexas. Na realidade, a corrosão do mundo natural foi provocada mais pela necessidade do que pela avidez do homem, e nos últimos 25 anos do século XX essa necessidade manifestava-se, ainda, em escala crescente.

     Em catorze anos, de 1976 a 1990, a população da Terra aumentou em cerca de 1 bilhão de pessoas, passando a cerca de 5 bilhões. Noventa por cento desse crescimento ocorreu nos países em desenvolvimento, que haviam começado a colher os benefícios da medicina moderna e os resultados céleres da agricultura química e não sabiam – ou não queriam – adotar um programa eficaz de controle de natalidade. A região de mais rápido crescimento era a África: entre 1960 e 1988 a população do continente mais do que dobrou, passando de 280 milhões a mais de 620 milhões de pessoas; no mesmo período, a população da Ásia passou de 1,7 bilhão para 3 bilhões. As previsões variam, mas a expectativa é de que a população total da Terra volte a dobrar por volta de 2030, chegando a 10 bilhões.

     Na China e em outros lugares da Ásia onde atualmente o crescimento populacional começou a moderar-se, a produção de alimentos foi mais que suficiente. Na África, em compensação, onde a agricultura sofreu as conseqüências da escassez de mão-de-obra provocada pela migração para o trabalho nas minas e nas cidades, as safras foram baixas e variáveis. E em muitos países do Terceiro Mundo a pressão sobre a terra teve conseqüências trágicas. As secas que atingiram a África subsaariana em meados da década de 80, matando centenas de milhares de pessoas, teriam tido um impacto muito menor se a terra já não tivesse sofrido pastagem excessiva. Em Bangladesh, pobre e densamente povoada, as famílias migraram para terras novas e férteis criadas pelo silte trazido das montanhas pelas águas dos rios e das chuvas. Lá, nada as protegia das inundações vindas das montanhas ou das mortíferas cheias oceânicas. Em 1970 um maremoto afogou cerca de 300 mil pessoas no delta do Ganges-Brahmaputra. Nem bem o mar recuara, outros milhares de cidadãos de Bangladesh desceram para o delta, arriscando-se a sofrer o mesmo destino.

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                   A SAFRA DA TECNOLOGIA

A genética e a bioquímica do século XX possibilitaram o desenvolvimento de plantas de crescimento rápido, o que permite o aumento do número de safras anuais e a implantação, nas espécies cultivadas, de resistência genética a pragas e doenças, e a condições adversas como seca e salinidade. Na década de 1960, quando os efeitos dessa aplicação da ciência à agricultura ficaram conhecidos como "revolução verde", muitas das plantas recém-desenvolvidas exigiam solo de primeira e grande quantidade de água e adubo para que as safras aumentadas se concretizassem; de lá para cá, outros avanços da biotecnologia aumentaram a produção mundial de alimentos para 50 bilhões de toneladas por ano. Os benefícios disso foram particularmente evidentes em certas regiões da Ásia e da América do Sul, onde a produção de alimentos foi mais do que suficiente para uma população em curva ascendente; na África o processo tem sido retardado por obstáculos políticos e sistemas locais de propriedade da terra. Mas nem todas as utilizações da biotecnologia são benéficas para os países do Terceiro Mundo. A produção em laboratório de substâncias como a manteiga de cacau em países que anteriormente eram obrigados a importá-los pode transformar os mercados mundiais — provavelmente em benefício das nações ricas.
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     Com essa pressão populacional, preservar áreas silvestres parecia um luxo. No final da década de 70, o governo brasileiro desencadeou uma campanha no sentido de utilizar suas terras “despovoadas” para suprir a população em expansão. As florestas tropicais são, na realidade, a mais rica reserva de vida do mundo, concentrando de 50 a 80 por cento de todas as plantas e animais. A floresta tropical da bacia amazônica constitui o maior sistema remanescente, cobrindo uma área equivalente a quase 90 por cento dos Estados Unidos. Para o governo brasileiro, porém, a necessidade de terras para o cultivo e de obter divisas com a exportação de carne era mais forte do que a indignação internacional. Fazendeiros de gado e agricultores de subsistência avançaram pelas novas rodovias, desmatando a terra com queimadas e dizimando a população nativa. Em 1990, especialistas das Nações Unidas verificaram, através de fotografias de satélite, que estavam sendo queimados anualmente até 20 milhões de hectares de floresta tropical. As áreas silvestres de outras partes do mundo tinham seus próprios problemas. A nação leste-africana do Quênia tem uma taxa de crescimento populacional anual de 4 por cento, a mais alta do mundo; nesse país, porém, por ironia, os argumentos econômicos prevaleceram não para utilizar reservas florestais na agricultura, mas para manter protegidas as reservas de caça. Em 1977 um leão macho adulto do Parque Nacional Amboseli valia cerca de 1150 dólares para um caçador furtivo; para o governo, seu valor em lucros com o turismo era de aproximadamente 515 mil dólares. O resultado dessa convincente lição de economia foi que o Quênia proibiu totalmente a caça por esporte e tentou salvar seus elefantes ameaçados de extinção travando uma guerra do tipo “atirar-para-matar” contra os caçadores de marfim. A população faminta em busca de terra produtiva, porém, ainda pode causar muitos danos à natureza africana.

Uma imagem de computador do hemisfério sul com as cores realçadas, gerada a partir de dados coletados por um satélite em 1989, mostra um buraco (em preto) na camada estratosférica de ozônio que filtra os raios ultravioletas do sol. Essa radiação aumenta a incidência de câncer de pele e de imunodeficiências e pode danificar ecossistemas. Os gases inertes que destroem o ozônio foram proibidos por alguns países em 1978, enquanto outros estabeleceram prazos para sua desativação. Essas decisões resultaram de novas informações cientificas divulgadas por grupos de pressão, como estes cujos emblemas estão reproduzidos abaixo.


    Às vezes, até áreas inadequadas para a habitação humana são ameaçadas. À medida que as reservas mundiais de petróleo e urânio foram escasseando, muitos defenderam a exploração “limitada” dos recursos naturais do grande território virgem da Antártida. Outros argumentaram que a humanidade não costuma respeitar limites e opuseram-se a qualquer iniciativa naquela região. Apontavam o caso do Alaska, freqüentemente denominado “última fronteira America”. Ao descobrirem imensas reservas de petróleo na baía Prudhoe em 1968, as companhias petrolíferas construíram uma tubulação de superfície de quase 1300 quilômetros, unindo os poços à cidade de Valdez, no litoral sul do Alaska. Em 1989 o petroleiro Exxon Valdez chocou-se contra as rochas no estreito Prince William, tingindo de negro cerca de 2 mil quilômetros de litoral e destruindo a indústria pesqueira local, bem como 400 mil aves marinhas. Seis meses depois, concluída uma operação de limpeza que contou com 11 mil trabalhadores, cerca de 60 por cento do petróleo ainda estava nas praias.

     Na década de 80 foi a vez da Europa: as florestas e lagos das regiões agrestes cada vez mais minguadas do continente, estavam sendo destruídos pelo fenômeno conhecido como chuva ácida. Os óxidos de nitrogênio e enxofre liberados pelos automóveis e pela fumaça das fábricas dissolvem-se na água e formam soluções diluídas de ácido sulfúrico e ácido nítrico. Essas substâncias descem sob a forma de chuva ou neve, muitas vezes a centenas de quilômetros da fonte de emissão. Em 1982 acreditava-se que apenas 8 por cento das florestas alemãs estavam afetadas; dois anos depois esse número subira para 50 por cento – e constatou-se que o problema existe na Europa inteira. A chuva ácida lembrou a muitos europeus que as alterações em grande escala sobre o meio ambiente, provocadas pela tecnologia moderna e a política econômica das nações mais ricas do mundo, produzem efeitos não apenas em lugares exóticos e distantes, mas também em seus próprios quintais. Para os norte-americanos e europeus, tanto do leste como do oeste, esse recado tornou-se mais enfático com os vazamentos radioativos das usinas nucleares de Three Mile Island, na Pensilvânia, em 1979, e Tchernobyl, na União Soviética, em 1986.

No deserto da Califórnia 1 818 espelhos, cada um com uma área de sete melros quadrados, refletem a luz solar num receptor central. Embora essa estação experimental tivesse sido encerrada no final da década de 80, projetos semelhantes continuaram em operação no Novo México, na Espanha e em Israel. Na estação da Califórnia o vapor da água bombeada através do receptor era utilizado para acionar uma turbina que produzia 10 megawatts de energia, oito horas por dia.

    Na década final do século as questões ambientais estavam no topo da agenda política. As previsões funestas dos especialistas reunidos em conferências internacionais impunha-se à atenção do público; com isso os governos do mundo ocidental – eleitos por voto majoritário – foram forçados a ocupar-se do assunto. A palavra e a cor verde adquiriram significado político. Fabricantes e anunciantes, reagindo às novas determinações e atentos às futuras tendências de mercado, criaram uma demanda por produtos considerados seguros do ponto de vista ambiental. Os postos passaram a oferecer combustível sem chumbo – em geral considerado menos poluidor. Em muitos lugares dispuseram-se coletores especiais de lixo para garrafas de vidro e latas de alumínio, destinando-as à reciclagem. Nos supermercados, algumas latas munidas do sistema aerossol exibiam a etiqueta “não agride a camada de ozônio”. Essa mensagem simplificada que reúne ciência e sentimentos, significava na realidade que o produto contido na lata não tinha clorofluorocarbonetos, que atacam e destroem a camada de ozônio da atmosfera – ozônio é o gás que impede que uma quantidade excessiva e perniciosa de luz ultravioleta atinja a Terra. Mas era desnecessário entender o jargão científico para saber que a situação era de crise. Os consumidores tampouco tinham de estudar publicações científicas para saber que crise era aquela. Bastava ler as notícias sobre as novas enfermidades transmitidas por alimentos – alimentos consumidos com segurança durante séculos. Os jornais diziam que o efeito estufa – fenômeno resultante do aquecimento do planeta devido à queima de combustíveis fósseis e a fatores que impediam o calor infravermelho do sol de deixar a atmosfera – resultaria em temperaturas cada vez mais altas, provocando a elevação do nível do mar e a inundação das regiões mais baixa. Esses fatos ocorreriam, senão no curso de suas vidas, durante as vidas de seus filhos ou netos. Um número crescente de pessoas começou a perceber que não estava em jogo apenas a sobrevivência das florestas tropicais ou das espécies ameaçadas de extinção, mas muitas coisas que davam sentido a suas próprias vidas a até aquele momento pareciam-lhes absolutamente seguras: água limpa, alimento fresco, parques e espaços abertos.

     Como em todas as épocas de crise, nem sempre era fácil manter o senso de perspectiva. Vista de longe, a história parecia oferecer pouco consolo: o declínio de Roma e de muitos outros impérios fora provocado – pelo menos em parte - pela utilização incorreta e exagerada dos recursos naturais. Freqüentemente, porém, outro fator de declínio fora a capitulação a um estado de espírito fatalista. Considerada de perto, a narrativa do impacto do homem sobre o mundo natural oferece um número equivalente de lições negativas e positivas. No século XIX, o búfalo norte-americano foi caçado até quase a extinção; mas a intervenção oportuna sob a forma de parques nacionais e leis de preservação garantiu sua sobrevivência. No século XX, o uso de pesticidas químicos causou um dano imenso a muitos animais, mas uma legislação severa reduziu a taxa de DDT na natureza a quase zero. No final da década de 80, a destruição da floresta amazônica atingiu um ritmo alarmante, mas o grosso das florestas de terras baixas continuava intacto e o homem detinha o conhecimento e os meios para conservar quase todas as espécies e inibir a degradação da Terra, devolvendo a chuva à atmosfera.
Sem dúvida as opções políticas e econômicas das nações ricas obtiveram enormes benefícios materiais para suas populações, mas danificaram o mundo natural. Na década de 90, porém, o Ocidente estava particularmente consciente disso. Ficara óbvio que, em escala planetária, a manutenção da saúde econômica e da saúde ecológica é uma e a mesma coisa. O problema a ser enfrentado pelos líderes políticos era o de traduzir essa consciência em ação. Podiam inspirar-se em gerações anteriores de ambientalistas, lembrando que o homem não é uma vítima passiva de forças deterministas, mas tem o poder de influir sobre o próprio destino. “Nunca é tarde para deixar os preconceitos de lado”, aconselhava Thoreau. “O que os velhos dizem que não se pode fazer, você experimenta e descobre que pode. Velhas realizações para os velhos e novas realizações para os jovens”.



O DESAFIO GLOBAL é o sexto capítulo do livro O MUNDO DA NATUREZA.

Os demais capítulos são: A VIAGEM DOS NÔMADES, O MUNDO MEDITERRÂNICO, O CAMINHO CHINÊS, O ARADO E A CRUZ e EXPANSÃO E INTERCÂMBIO.

É parte integrante da coleção HISTÓRIA EM REVISTA de TIME-LIFE BOOKS.
Original edition, Copyright 1991 Time-Life Books, B.V.
Publicado pela ABRIL LIVROS LTDA.
Authorized Portuguese Edition, Copyright 1993 - Abril Livros Ltda
Av. Rio Branco, 143/13 - Rio de Janeiro - RJ

Tradução e adaptação para a língua portuguesa: Pedro Paulo Poppovic, Consultores Editoriais S/C Ltda - São Paulo - SP
Tradução: HELOÍSA JAHN


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